Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:03/11/2015
Processo:11990/15
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2.º JUÍZO - 1.ª SECÇÃO
Magistrado:Manuela Galego
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATO ILÍCITO.
Texto Integral:Processo n.º 11990/15
2.º Juízo-1.ª Secção (Contencioso Administrativo)
Ação Administrativa Comum


EXCELENTÍSSIMOS SENHORES
JUÍZES DESEMBARGADORES
DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

O Ministério Público junto deste Tribunal, nos termos dos art.ºs 146.º e seguintes do CPTA, vem apresentar o seu PARECER:

Foi interposto recurso pelo Réu, Município de …, da sentença, proferida pelo TAF de Sintra, que o condenou a pagar ao Autor, a título de danos patrimoniais o montante de €30.000,00 (trinta mil euros) e o valor de € 20.000,00 (vinte mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, e por não se conformar com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído.

No recurso a Ré invoca, em suma:
- A justa indemnização há-de repor no património do, ora Recorrido, o valor do bem que ele possuía antes da construção das escadas que retiraram a privacidade da fração em causa e antes das obras de impermeabilização que elevaram a cota da laje de cobertura fazendo diminuir a altura em que as janelas se encontravam relativamente ao solo, o qual corresponderá ao valor de mercado a atribuir à mesma;
- No entanto e tendo em conta a crise do mercado imobiliário é sempre difícil comprovar em que medida aquele bem vale menos hoje em dia em virtude da construção das escadas que retiraram a privacidade à fração do ora Recorrido, ou em virtude se abaixamento geral dos bens imobiliários, inexistindo dados nos autos que permitam saber quanto vale a fração em causa, porquanto a comprou e o seu valor atual;
- Nunca foi alegado nem provado nada acerca do valor e da desvalorização do bem, não podendo haver recurso à equidade, sem que esteja apurado um mínimo de elementos sobre a natureza e extensão dos danos que permita ao julgador computá-los em valores próximos daqueles que realmente lhes correspondem.
- O apelo a juízos equitativos para obter uma exata e precisa quantificação de danos patrimoniais no caso em apreço— consentido pelo art. 566.º, n.º 3, do CC — desempenha uma função meramente complementar e acessória, representando um instrumento para suprir possíveis insuficiências probatórias relativamente a um dano, sofrido pelo lesado, mas relativamente indeterminado quanto ao seu exato montante;
- Não se verificam os requisitos deste preceito;
- Os princípios da igualdade e da unidade do direito e o valor da previsibilidade da decisão judicial vinculam à padronização e à normalização do valor da indemnização, pelo que deverá ser ponderado como termo de comparação, dos valores pecuniários encontrados para o mesmo efeito noutras decisões judicias relativas a casos semelhantes;
- O valor dos danos não patrimoniais sofridos pelo ora Recorrido é manifestamente elevado e desajustado quando comparado com os valores pecuniários encontrados noutras decisões judiciais;
- Por consequência a sentença deve ser anulada.

O Recorrido contra alegou pugnando pela manutenção da sentença.

Do mérito do recurso:
O Recorrente não indica as normas jurídicas violadas, mas resulta das conclusões que entende ter havido erro de julgamento e ofensa do art.º 566.º, n.º 3, do C. Civil.

O Autor na presente ação formulou os seguintes pedidos:
- A condenação do Município de .... a indemnizar o Autor ao pagamento de uma indemnização (a) pela desvalorização em montante entre € 30.000,00 euros e € 60.000,00 euros da sua propriedade, devido às obras levadas a cabo pelo mesmo Município de .... de abertura, ao lado do terraço do Autor, de umas escadas aberrantes e forçadas para permitir o acesso ao público nas instalações da Policia Municipal e de impermeabilização da laje de cobertura do lote J4, onde se encontra a Policia Municipal, das quais alegadamente resultou a total falta de privacidade e insegurança no terraço do Autor;
- Conclui o Autor que a construção dos lotes J1 a J4 e as sucessivas alterações que foram aprovadas pela Câmara Municipal de .... e as violações normativas elencadas, provocaram uma brutal desvalorização da sua fração, atos que causaram a sujeição do Autor e da sua família à amputação da vista e à devassa da sua propriedade e vida familiar;
- A condenação do Município de .... no pagamento ao Autor de uma indemnização por danos morais, pela angústia, sensação de impotência e revolta que lhe foram causados pela perda de privacidade e de segurança da sua fração diretamente decorrentes da realização daquelas obras;
- Atribui o valor de €80.000,00 à totalidade dos danos pedidos, sendo 20.000,00€ de danos não patrimoniais e 60.000,00€ aos danos patrimoniais.

Nos termos da prova produzida foram dados como provados os seguintes factos com relevância para os termos do presente recurso:
A) O Autor é dono da fração autónoma designada pelas letras AV, correspondente à Cave F do prédio urbano, sito na Av. …, A…, em ...., descrita na Conservatória do Registo Predial de ...., sob o n° 00294/3 00485 e inscrita na respetiva matriz sob o art.º 6073 (da freguesia de ....) —doc. n.° 5 junto com a petição inicial.
C) A fração é constituída por vestíbulo, sala comum ou de estar, dois quartos, cozinha, casa de banho, despensa e terraço — doc. n.° 5 junto com a petição inicial.
E) Por escritura pública de 9.10.1981, foi modificada a fração C do prédio urbano, correspondente ao 3° piso (cave), que se destinava a zona comercial com arrecadação e terraço, dividindo-se o seu espaço em 9 frações distintas e independentes para habitação, uma das quais — a AV — veio a ser adquirida pelo Autor — doc n° 5 junto com a petição inicial.
F) À data da celebração da escritura de compra e venda, a fração do Autor e respetivo terraço situavam-se a cerca de 4 ou 5 metros de altura do solo (resposta ao art.º 1.º da base instrutória).
G) Em meados dos anos 90, ao lado da Torre D2 e à frente do terraço da fração do Autor, foram construídos os lotes Ji, J2, J3, J4 (resposta ao art.º 2.° da base instrutória).
H) Com a construção da laje de cobertura do lote J4, o terraço do Autor ficou à mesma cota daquela laje, no ponto mais baixo, mas à medida que nos aproximamos da empena da fração do Autor aquela laje passa a estar acima do terraço deste (resposta ao art.º 3.° da base instrutória).
I) Consta do doc. n.° 11 junto com a petição inicial — informação de 20.5.2003 — que o lote J4 foi cedido à Câmara Municipal de .... por escritura de doação de 10.4.1997 (resposta ao art 4° da base instrutória).
J) A laje do lote J4 serve presentemente de cobertura às instalações dos serviços da Polícia Municipal de .... (resposta ao art 50 da base instrutória).
K) Junto ao terraço do Autor, no ano de 2008/ 2009, foram construídas umas escadas para permitir o acesso do público às instalações da Polícia Municipal, as quais retiram a privacidade a este espaço e colocam em causa a segurança dos utentes do referido espaço (resposta ao art 6° da base instrutória).
L) No verão dos anos de 2008 a 2011 o departamento de obras do Município realizou obras de remodelação e impermeabilização da laje de cobertura do lote 34, que fizeram colidir betão e metal com a fachada da Torre D2 e da fração do Autor (resposta ao art 70 da base instrutória).
M) As obras diminuiram a pouca altura que existia da laje de cobertura até às janelas da fração do Autor, que praticamente ficaram ao nível da laje (os parapeitos das janelas da fração do Autor têm uma diferença com o nível da laje/terraço exterior que varia entre 33 cm e 48 cm) (resposta ao art 8° da base instrutória).
N) No ano de 2011 o departamento de obras do Município retirou parte do muro existente no lado oeste da Torre D2 e abriu um portão para acesso dos moradores aos lotes J1, J2 e J3, que se situa, no ponto mais próximo da empena, a 3,60m e permite a passagem por qualquer ponto da laje (resposta ao art.º 9.º da base instrutória).
O) As obras de impermeabilização realizadas no verão redundaram em devassa da fração do Autor (resposta ao art 10° da base instrutória).
P) em transtornos causados pela itinerância do pessoal de obra (resposta ao art.º 11.º da base instrutória).
Q) em insegurança do local (resposta ao art 12° da base instrutória).
R) A situação descrita criou angústia e sensação de impotência e revolta do Autor (resposta ao art 14° da base instrutória).
S) A pequena distância entre o portão de acesso aos lotes J1 a J4 e a fração do Autor, a passagem por ali e a pequena distância entre as janelas do Autor e a cota da laje desvalorizou a fração do Autor em montante entre €: 30.000,00 e 60.000,00 (resposta ao art.º 15° da base instrutória).

E, conforme resulta da decisão em apreço: «…Segundo apurou o Tribunal vizinhos do Autor, ouvidos em julgamento, afirmaram que a atuação do Réu impede a abertura das janelas do Autor, porque se vê tudo e qualquer um pode entrar.
A própria testemunha arrolada pelo Réu disse, em julgamento, que as três empreitadas levadas a cabo na laje do lote J4 diminuiram a altura das janelas da fração do Autor e as obras alteraram a privacidade da casa do Autor.
No mesmo sentido se podem visualizar as fotografias tiradas pelo perito e anexas ao relatório pericial.
Donde, as consequências que resultaram na esfera jurídica do Autor, com a intervenção do Réu no espaço, não tiveram similitude em relação a outro cidadão, munícipe ou residente.
Também, tais consequências revestiram a característica de permanente e de definitiva. Isto é, a perda de privacidade e de segurança da fração do Autor em resultado da atuação do Réu afetou o uso e fruição do imóvel, enquanto casa de habitação...».

A sentença juridicamente fundamenta a condenação do Réu no art.º 16.º da Lei da responsabilidade civil, Lei n.º 67/2007, de 31/12, conjugado com os art.ºs 494.º, 496.º e 563.º e 564.º, do C. Civil, considerando ser aplicável o regime da responsabilidade civil (por sacrifício), decorrente de atos lícitos, por entender que se verificam os respetivos pressupostos.

A responsabilidade que importa apreciar no âmbito do recurso, integra-se na responsabilidade civil extracontratual, isto é, a obrigação que recai sobre uma entidade envolvida em actividade de natureza pública que tiver causado prejuízos aos particulares.
A referida lei da responsabilidade civil reporta-se, no seu art.º 16.º, sob a epígrafe de Indemnização pelo sacrifício, a dois conceitos específicos em matéria de prejuízos: os danos especiais e os danos anormais.
Os danos especiais são aqueles que atingem um grupo determinado de pessoas; os danos anormais são aqueles que, excedendo os custos inerentes à vida em sociedade, sejam suficientemente graves para justificar a tutela do direito.

No caso em apreço, quer se enquadre a atribuição de indemnização ao Autor, com fundamento em responsabilidade civil por ato ilícito, nos termos dos art.ºs 3.º e 7.º e segs., quer na responsabilidade civil por ato lícito (preceito supra citado), não há dúvida de que a indemnização e respetivo valor se enquadram nos respetivos requisitos.

E, contrariamente ao alegado, também não se verifica falta de alegação e prova dos respetivos factos que alicerçam o pedido.

Os danos sofridos pelo Autor e respetiva família sem dúvida que se enquadram no conceito de danos especiais e anormais previstos, pelo menos, no art.º 16.º da Lei n.º 67/2007, citada, ou mesmo nos previstos no art.º 496.º, n.º 1, do C. Civil.

Segundo a doutrina, estão em causa na primeira norma, aquelas situações em que o Estado ou outras entidades públicas imponham a particulares encargos ou causem danos especiais e anormais no interesse da colectividade – por razões de interesse público, conforme a letra da lei (no sentido exposto, veja-se, Prof. João Caupers, Universidade Nova de Lisboa-Faculdade de Direito – sobre A RESPONSABILIDADE do Estado e outros entes públicos). «…esta situação era reconduzida no domínio da lei anterior a uma espécie de responsabilidade, a responsabilidade objectiva pela prática de actos lícitos, e aproximada da responsabilidade pelo risco» (Autor citado).

O pedido do Autor, no que respeita aos danos patrimoniais, decorre do facto de ter visto a sua utilização da habitação afetada, o que justifica a compensação atribuída, ou seja uma indemnização pela diminuição do valor do bem, consequente às apontadas limitações à possibilidade do seu gozo, danos que, conforme a matéria fática apurada, são manifestamente fora do normal.

Atribuiu o Tribunal corretamente e com base na equidade (art.º 566.º, n.º 3, do C. Civil), em face do alegado e provado nos autos, o valor de € 30.000,00 atinente à desvalorização da fração do Autor (cfr. jurisprudência ali citada).
E fundamentou também devida e corretamente o valor de € 20.000,00, atribuído a título de danos não patrimoniais (cfr. jurisprudência ali citada).

Para além do exposto, os montantes fixados não são excessivos e contém-se nos parâmetros habitualmente fixados pela jurisprudência.

Assim, a sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada e alicerçada nos factos provados, como também se verificam os requisitos da responsabilidade civil acima enunciados e que determinaram a condenação do Réu a indemnizar os Autores, conforme exposto, estando suficientemente provados e fundamentados, quer os danos patrimoniais, quer os danos não patrimoniais e correspondentes valores.

Pelo exposto, é parecer do Ministério Público que o recurso não merece provimento, devendo ser mantida a decisão recorrida.

A Procuradora-Geral Adjunta,
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Manuela Galego