Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:Administrativo
Data:02/03/2012
Processo:08391/12
Nº Processo/TAF:0009/11.9BELSB
Sub-Secção:2º. Juízo
Magistrado:Clara Rodrigues
Descritores:ACÇÃO COMUM.
INCUMPRIMENTO CONTRATO SUBEMPREITADA.
INCOMPETÊNCIA JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA.
Texto Integral:Venerando Juiz Desembargador Relator

A Magistrada do MºPº junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada nos termos e para efeitos do art. 146º nº1 do CPTA, vem emitir parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:

I – O presente recurso vem interposto pela, então Ré, do Despacho Saneador junto a fls. 81 e segs. do TAF de Loulé, que julgou improcedente a excepção deduzida pela Ré da incompetência dos tribunais administrativos em razão da matéria e não admitiu a intervenção principal provocada da Massa Insolvente da T…

Nas conclusões das suas alegações de recurso, a recorrente imputa ao despacho saneador recorrido violação da al. f) do nº 1 do art. 4º do ETAF e, para o caso de assim não se entender, dos arts. 27º, 320º e 325º do CPC.

A A., ora recorrida, não apresentou contra - alegações de recurso jurisdicional.

II – Desde já se nos afigura assistir razão à recorrente.

Com efeito, pese embora os Acs. citados pela A. na p.i., no caso em apreço, sufragamos os Acs. do STA, citados pela recorrente, sobretudo o Ac. do Tribunal de Conflitos de 09/12/2019, Rec. 020/10.

Na verdade, a Autora propôs a presente Acção Comum pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de 39.268,58€, decorrente do incumprimento do contrato de subempreitada que celebrou com a Ré. em relação ao qual se encontram por liquidar diversas facturas. Assim, invoca a realização de obras ao abrigo de tal contrato, as quais não lhe foram pagas pelo empreiteiro que o subcontratou.

Ora, conforme se fundamenta no Acórdão atrás citado «O art.º 211.º/1 da CRP, estatui que "os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais" e o n.º 3 do seu art.º 212 prescreve que "compete aos tribunais administrativos e fiscais o conhecimento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas", normativo que tem tradução no art.º 1.º/1 do ETAF onde se dispõe que “os Tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.”
O que quer dizer que, por um lado, a jurisdição dos Tribunais Judiciais se define por exclusão, cabendo-lhe julgar todas as acções que não sejam atribuídas a outros Tribunais, e, por outro, que o conceito de relação jurídica administrativa é decisivo para determinar a repartição de competências entre os Tribunais Administrativos e os Tribunais Judiciais, na medida em que essa repartição se faz em função do litígio cuja resolução se pede emergir, ou não, de uma relação jurídica administrativa. Nesta conformidade, para se saber qual o Tribunal materialmente competente para conhecer da pretensão formulada pelo Autor - se o Judicial se o Administrativo - importará analisar em que termos foi desenhada a causa de pedir e qual foi o pedido formulado, pois será essa análise que nos indicará se estamos, ou não, perante uma relação jurídica administrativa. Sendo certo que para esse efeito é irrelevante o juízo de prognose que faça relativamente à viabilidade da pretensão, por se tratar de questão atinente ao seu mérito Vd., a título exemplificativo, Acórdãos Tribunal de Conflitos de 11/7/00 (Conflito n.º 318), de 3/10/00, (Conflito n.º 356), de 6/11/01 (Conflito n.º 373), de 5/2/03, (Conflito n.º 6/02), de 29/10/2006 (Conflito n.º 18/06) e de 15/07/2007 (Conflito n.º 5/07) e do Pleno do STA de 9/12/98, rec. n.º 44.281 (BMJ 482/93) e do STJ de 21/4/99, rec. n.º 373/98 e Prof. Manuel de Andrade ”Noções Elementares de Processo Civil” pg. 88 e seg.s..
5. 1. No caso, está em causa uma acção de responsabilidade civil emergente do defeituoso cumprimento de dois contratos de subempreitada celebrados entre o Autor e a 1.ª Ré no que tange às cláusulas relacionadas com o pagamento. E, se assim é, os Tribunais Administrativos serão competentes para dirimir esses conflitos se aqueles contratos puderem ser qualificados como administrativos, isto é, como contratos em que foi constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa (art.º 178.º/1 do CPA) e isto porque, nos termos do art.º 4º, n.º 1, al.ª f) do ETAF, compete aos Tribunais Administrativos o julgamento das acções que tenham por objecto dirimir litígios que tenham por objecto “questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja um entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público.”
Ora, analisando o conteúdo de tais contratos a conclusão que se retira é que os mesmos não podem ser qualificados como administrativos uma vez que através deles não foi constituída, modificada ou extinta qualquer relação jurídica administrativa.
Com efeito, sendo administrativas as relações estabelecidas entre duas pessoas colectivas públicas ou entre dois órgãos administrativos e aquelas em que um dos seus sujeitos (público ou privado) actua no exercício de um poder de autoridade ou no cumprimento de deveres administrativos com vista à realização do interesse público, é forçoso concluir que as relações estabelecidas nas referidas subempreitadas não gozam destas características. E isto porque nelas não só não está envolvida nenhuma pessoa colectiva pública como também nenhum dos seus sujeitos interveio munido de um poder de autoridade ou no cumprimento de deveres administrativos tendo em vista a realização de um interesse público. Ou seja, os elementos caracterizadores da competência dos Tribunais Administrativos - a qualidade dos sujeitos da relação jurídica litigiosa, os poderes com que nela intervêm e a finalidade que visam alcançar - não se encontram plasmados nos referidos contratos de subempreitada e, se assim é, ter-se-á de concluir que o litígio que o Autor apresentou no Tribunal Judicial do Porto não decorre de um contrato administrativo Vd. M. Esteves de Oliveira e R. Esteves de Oliveira CPTA Anotado, vol. I, pg. 25 e seg.s., Freitas do Amaral, Direito Administrativo III, pg. 439/440 e, entre outros, Acórdão do STA de 25/01/2005..
Dito de outra forma, o único contrato que pode ser qualificado como administrativo é o contrato de empreitada celebrado entre as duas RR [art.º 178.º/2/a) do CPA] mas a natureza pública deste contrato não foi comunicada às subempreitadas que o Autor acordou com a 1.ª Ré, ainda que nelas se possa ter referido que, nos casos omissos, se lhes aplicaria o disposto no DL 59/99, de 2/03.
Sendo assim, isto é, não tendo as relações jurídicas nascidas dos contratos celebrados entre o Autor e a 1.ª Ré a natureza administrativa nem podendo tais contratos ser qualificados como contratos administrativos é forçoso concluir que os Tribunais Administrativos carecem de competência para dirimir os litígios que deles possam emergir.
Em suma: não estando em causa no pleito descrito nas decisões em conflito qualquer relação jurídica administrativa, nem se vislumbrando no art. 4º do ETAF ou em qualquer outra norma a atribuição específica de competência à jurisdição administrativa para decidir sobre esta matéria, tal competência cabe, por força do disposto no art. 18.º n.º 1 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, a esta ordem judiciária.
Esta, de resto, tem sido a jurisprudência unânime deste Tribunal - vd. Acórdãos de 6/10/99, (proc. n.º 44905), de 29/03/2001 (proc. n.° 366), de 18/09/2007 (proc. 4/07), de 19/11/09 (proc. 18/09) e de 17/06/2010 (proc. 29/09).
Termos em que este Tribunal de Conflitos decide o presente conflito de jurisdição atribuindo aos Tribunais Judiciais competência para julgar a acção a que os autos se referem.».

Também, no caso em apreço assim acontece, sendo que no caso em apreço o disposto no art. 267º do RJEOP, como refere a recorrente, só por si não confere ao contrato de subempreitada natureza pública.

Motivo, por que, em nosso entender, o despacho saneador enferme de violação do art. 4º nº 1 al. f) do ETAF.
E, assim se decidindo, que fique prejudicado o conhecimento da parte da decisão que não admitiu a intervenção principal provocada da Massa Insolvente da T…


III – Pelo que, em face do exposto e em conclusão, emito parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso, revogando - se o despacho saneador recorrido, substituindo - o por outro que julgue a jurisdição administrativa incompetente em razão da matéria para apreciar e decidir do mérito da presente causa.