Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:06/20/2012
Processo:08969/12
Nº Processo/TAF:1392/09.1BELSB/T.A.C. LISBOA
Magistrado:Clara Rodrigues
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR.
REVOGAÇÃO DE DECISÃO AO ABRIGO DO ARTIGO 124.º, N.º 1, DO CPTA, POR APLICAÇÃO LEI N.º 62/11, DE 12/12.
AIM´S.
Texto Integral:Tribunal Central Administrativo Sul


Proc. nº 08969/12 – Rec. Jurisdicional

2º Juízo/1ª Secção ( Contencioso Administrativo )


Venerando Juiz Desembargador Relator

A Magistrada do MºPº junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada nos termos e para efeitos dos arts. 146º nº1 e 147º do CPTA, vem emitir parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:

I – O presente recurso vem interposto, pela então Requerente, da sentença de fls. 1313 e segs., do TAC de Lisboa, que revogou, ao abrigo do art. 124º nº 1 do CPTA, a anterior decisão que, em recurso jurisdicional, havia julgado procedente a providência cautelar requerida.

Nas conclusões das suas alegações de recurso a recorrente, além de requerer seja dado efeito suspensivo ao recurso, imputa à sentença recorrida errada não aplicação dos artigos 17º, 18º, 62º e 266º da Constituição e dos arts. 133º e 135º do CPA, e errada aplicação dos arts. 4º, 5º e 9º da Lei nº 62/2011 de 12/12 e violação dos arts. 120º nº 1 al. b) e 124º do CPTA.

Apenas a entidade ora recorrida, Infarmed, contra - alegou pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.

II – Na sentença em recurso foram dados como provados, com interesse para a decisão e com fundamento na prova documental e posição das partes, os factos constantes das alíneas a) a f), do ponto III, a fls. 1322 e 1323, supra, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

III – Quanto ao requerido efeito suspensivo a dar ao recurso.

Atento o que mais abaixo se referirá quanto à não verificação do fumus boni iuris por via da aplicação da Lei nº 62/2011 e consequentemente da manutenção da sentença recorrida, afigura - se - - nos que será de manter o efeito devolutivo dado ao recurso.

IV – Quanto ao imputado erro de não aplicação dos arts. 17º, 18º, 62º e 266º da Constituição e dos arts. 133º e 135º do CPA, bem como da errada aplicação dos arts. 4º, 5º e 9º da Lei nº 62/2011 de 12/12 e violação dos arts. 120º nº 1 al. b) e 124º do CPTA.

Vinha sendo nosso entendimento, seguindo até aí a jurisprudência maioritária deste TCAS, que em caso de concessão de AIMs pelo Infarmed de medicamentos genéricos contendo como princípio activo um produto protegido por patente, deveria ser suspensa a eficácia dessa autorização por haver forte probabilidade da procedência da pretensão formulada no processo principal, e se demonstrarem preenchidos os restantes requisitos da al. b) do nº 1 e do nº 2 do art. 120º do CPTA.

Todavia, em 12/12/2011 foi publicada a Lei nº 62/2011 que, entre o mais, veio alterar os arts. 19º, 25º, 179º e 188º e o nº 6 da parte ii do anexo i do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto.

Assim, os nºs 2 e 3 do art. 25º do DL 176/2006 passaram a ter a seguinte redacção:
2 - O pedido de autorização de introdução no mercado não pode ser indeferido com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 18.º
3 - Para determinar se um medicamento preenche as condições previstas nas alíneas c) a f) do n.º 1, o INFARMED tem em conta os dados relevantes, ainda que protegidos.”.

Por sua vez o nº 2 do art. 179.º do mesmo diploma passou a ter a seguinte redacção:
2 - A autorização, ou registo, de introdução no mercado de um medicamento não pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial.”

Ainda o art. 23-A aditado ao DL nº 176/2006 estipula que:
Objecto do procedimento
1 - A concessão pelo INFARMED, I. P., de uma autorização, ou registo, de introdução no mercado de um medicamento de uso humano, bem como o procedimento administrativo que àquela conduz, têm exclusivamente por objecto a apreciação da qualidade, segurança e eficácia do medicamento.
2 - O procedimento administrativo referido no número anterior não tem por objecto a apreciação da existência de eventuais direitos de propriedade industrial.”.

Por sua vez, o art. 8.º da referida Lei 62/2011 determina:
Autorização de preços do medicamento
1 - A decisão de autorização do PVP do medicamento, bem como o procedimento que àquela conduz, não têm por objecto a apreciação da existência de eventuais direitos de propriedade industrial.
2 - A autorização do PVP dos medicamentos não é contrária aos direitos relativos a patentes ou a certificados complementares de protecção de medicamentos.
3 - O pedido que visa a obtenção da autorização prevista nos números anteriores não pode ser indeferido com fundamento na existência de eventuais direitos de propriedade industrial.
4 - A autorização do PVP do medicamento não pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na existência de eventuais direitos de propriedade industrial.”.

E, o art. 9.º da mesma Lei determina ainda:
Disposições transitórias.
1 - A redacção dada pela presente lei aos artigos 19.º, 25.º e 179.º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, bem como o aditamento introduzido ao regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos e o disposto no artigo anterior, têm natureza interpretativa.” (bold e sublinhado nosso).

Ora, como é sabido, a norma interpretativa integra-se na norma interpretada, retroagindo os seus efeitos ao início da vigência desta (art. 13º, nº 1 do C. Civil), ou seja, “retroage os seus efeitos até à data da entrada em vigor da antiga lei, tudo ocorrendo como se tivesse sido publicada na data em que o foi a lei interpretada” – Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2ª Edição, anotação ao art. 13º – (bold nosso).

Assim sendo, que não haja outra alternativa, a nosso ver, senão a de que a orientação jurisprudencial maioritária deste TCAS deverá naturalmente ser reponderada, com a convocação desse novo elemento de ordem legal, conforme, aliás, já o vem a fazer.

E, face a tais disposições legais citadas, que os actos de concessão das AIMs e dos PVPs, em causa nos autos, sem atender à violação de direitos que decorrem da titularidade de patentes, se tenham de considerar como actos vinculados para o Infarmed e DGAE/MEE.

Sendo que não cabe apreciar em sede de providenciar cautelar, da imputada inconstitucionalidade material de tais normas, por violação dos arts. 17º, 18º, 62º nº 1 e 266º da CRP, o que, em termos de fiscalidade, sempre cumprirá, em nosso entender, ao Tribunal Constitucional.

Com efeito, conforme se exara, a propósito, no Ac. deste TCAS de 19/01/2012, Rec. 08253/11, in www.dgsi.pt/ «uma lei interpretativa (assim declarada por lei ou assim por natureza) só existe se a solução do direito anterior for controvertida ou pelo menos incerta e se a solução da lei nova se situar dentro dos quadros da controvérsia existente de modo que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normais de interpretação e aplicação da lei. Caso contrário, a lei nova será inovadora e não interpretativa, precisamente porque violou expectativas fundadas (J. BAPTISTA MACHADO, Introdução…, 1985, p. 245 ss; OLIV. ASCENSÃO, O Direito…, 4ª ed., 1987, nº 245 a 247; Assento do STJ de 16-4-1982, DR-1ª, 18-6-1982).

Como é sabido, a jurisprudência superior maioritária tem entendido que a AIM de medicamentos deve considerar também o direito fundamental à propriedade industrial, titulado por patentes, não podendo por isso emitir a AIM se houver uma patente alheia em vigor. Minoritariamente, entendia-se o que consta agora do art. 25º cit. O legislador veio assim “optar” por “fixar” que a solução legal era e é a da jurisprudência superior minoritária.

E é esta que temos de aplicar aqui, porque, como decorre da natureza jurídica deste tipo de tutela, não cabe discutir num processo cautelar duas questões complexas:

Ø se aquela lei, autointitulada de “interpretativa”, é ou não uma “fraude legislativa” (um disfarce da retroactividade da lei nova, como diz J. BAPTISTA MACHADO, Introdução…, 1985, p. 245) ou

Ø se viola ou não a CRP.

Portanto, temos de aqui aplicar o teor da lei nova cit. E desta decorre, como vimos (art. 25º EM), que o INFARMED agiu bem ao desconsiderar a invocada patente das requerentes, pelo que não existe fumus boni iuris no sentido invocado pelas requerentes.» (bold e sublinhado nosso).

Por outro lado, sempre se dirá que, tendo em conta o preceituado nos arts. 2º e 3º da Lei 62/11, quanto a ficarem sujeitos á arbitragem necessária os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, incluindo os procedimentos cautelares, relacionados com medicamentos de referência, na acepção da alínea ii) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, e medicamentos genéricos, independentemente de estarem em causa patentes de processo, de produto ou de utilização, ou de certificados complementares de protecção, cabendo recurso da decisão arbitral para o Tribunal da Relação competente, dessa forma se mostra garantida a tutela jurisdicional efectiva das questões relacionadas com a eventual possibilidade de comercialização por inerência da concessão de AIMs e PVPs de medicamentos protegidos por patentes e certificados complementares de protecção em vigor.

Por isso, se nos afigurando inexistir qualquer inconstitucionalidade das disposições da Lei nº 62/11 que alteraram, com natureza interpretativa, o Dec. Lei nº 176/2006.

Assim que, atento o disposto no art. 124º nº 1 do CPTA, a pedido do Infarmed, que a decisão anteriormente tomada de adopção da presente providência, sempre devesse ser revogada e considerada improcedente por inexistência do fumus boni iuris quer para efeitos da al. a), quer para efeitos da al. b) do nº 1 do art. 120º do CPTA, ficando prejudicado o conhecimento do requisito do periculum in mora da mesma al. b) e da ponderação de interesses a que se reporta o nº 2 do mesmo artigo e diploma legal.

Pelo que a sentença ao dessa forma ter decidido com fundamento na aplicação da Lei nº 62/2011, não tenha cometido, em nosso entender, qualquer erro de não aplicação das disposições constitucionais invocadas e de erro de aplicação dos preceitos da referida Lei, nem violado o art. 120º nº 1 als. a) e b) do CPTA.

V - Pelo que, em face do exposto e em conclusão, emito parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo - se a sentença recorrida.


Lisboa, 2012 - 06 - 20

A Procuradora Geral Adjunta


( Clara Rodrigues )