Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:Administrativo
Data:10/17/2011
Processo:08079/11
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2º. Juízo
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:PARQUE NATURAL DA RIA FORMOSA.
CONDICIONAMENTO À ALTERAÇÃO DE CONSTRUÇÕES.
PARECER TÉCNICO DO PNRF.
PLANO ESPECIAL DE ORDENAMENTO DA RIA FORMOSA.
PLANO DE PORMENOR DA ILHA DA ARMONA.
Texto Integral:Vem o presente recurso jurisdicional interposto pela entidade demandada, Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, IP/Parque Natural da Ria Formosa, da sentença que considerou procedente a acção contra si proposta pela autora, com vista à anulação da deliberação da Câmara Municipal de Olhão de 16 -2-2005, que indeferiu o pedido de licenciamento do projecto de alterações formulado em 5/2/002, apresentando o respectivo projecto em 19/12/2002, com vista à legalização da moradia construída no lote 594 da Ilha da Armona, bem como com vista à anulação do parecer do ICNB/PNRF que se pronunciou desfavoravelmente sobre o referido projecto e ainda com vista à condenação do Director do Parque Natural da Ria Formosa a autorizar e a Câmara Municipal de Olhão a aprovar o mesmo projecto de alterações.

Segundo a sentença recorrida, as alterações apresentadas destinavam-se a melhorar as condições de segurança e de salubridade da edificação e conformam-se com o Plano de Pormenor da Ilha da Armona, que foi elaborado pela Câmara Municipal de Olhão, concessionária da Ilha, e aprovado pela Direcção Geral de Portos, nos termos da Base III do DL nº 92/83, de 16-2, estabelecendo o DR nº2/91 de 24/1 e, particularmente, o seu artº13º, alínea b), apenas as directrizes a que devia obedecer esse plano de pormenor.
Considerou, assim, a douta sentença recorrida, que os actos impugnados sofrem de erro nos pressupostos de facto por não terem verificado que o projecto da autora se mostrava conforme ao Plano de Pormenor e de erro nos pressupostos de direito, uma vez que o citado artº 13º estabelece, apenas, directrizes para a elaboração do Plano de Pormenor, não sendo aplicável directamente uma vez que a conformidade do projecto com o plano de pormenor prevalece sobre tudo o mais.

Não se conformou, porém, a entidade demandada com a sentença, alegando essencialmente que a autora procedeu à demolição completa da moradia que estava implantada desde 1977, tendo-a construído de novo com tijolo de tipo split, o qual não é desmontável/amovível deixando um rasto de destruição no local quando removido e constitui uma modificação estrutural.

Daí a proibição estabelecida na alínea b), do artº 13º, do DR nº2/91 de 24/1, que aprovou o Plano Especial de Ordenamento da Ria Formosa, nos termos do qual “não devem prever-se quaisquer modificações estruturais nos fogos existentes e todas as construções de apoio que se efectuem devem ser ligeiras, desmontáveis e feitas em materiais facilmente transportáveis”.
Ora, segundo defende, este plano é de aplicação prioritária em relação ao plano de pormenor que tem que, assim, se conformar com aquele, tal como resulta do nº4 do artº 24º .do DL nº 380/99, de 22-9, diploma que aprovou o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial. Para além disso, nos termos do artº 2º do DR nº 2 /91, na área abrangida pelo plano de pormenor serão observadas as normas e directivas dos planos de nível superior. E ainda segundo o artº 2º deste regime “os planos de ordenamento .(nacionais, regionais e municipais) aplicam-se de forma coordenada.

1- Excepção do caso julgado

Invoca, ainda, a entidade demandada, a excepção do caso julgado por considerar que a Autora propôs outra acção que deu origem ao processo nº 418/04.OBELLE do TAF de Loulé, com os mesmos sujeitos, pedido e causa de pedir, a qual foi decidida por sentença de 5-2-2009, já transitada em julgado.

A autora, nas suas contra-alegações, refere não ter a referida sentença transitado em julgado, “como bem sabia a entidade ora recorrente”, motivo pelo qual considera que a mesma litiga de má fé, pelo que pede a sua condenação no pagamento de uma indemnização pelas expressões incorrectas que utilizou contra si.

Em relação à excepção do caso julgado é patente que a mesma não se verifica essencialmente porque, como decorre da sentença de 5-2-2009, cuja cópia está junta a estes autos, as duas acções não têm identidade de pedidos nem de causa de pedir, uma vez que na acção nº 418/04, proposta em 15-9-2004, é impugnada a deliberação de 14-4-2004 que ordenou a demolição da citada moradia e à reposição do terreno do lote 594 nas condições em que se encontrava à data do início das obras.

Nestes termos, o invocado transito em julgado da sentença de 5-2-2009 - que efectivamente não ocorreu, conforme indagação que fizemos neste TCAS onde o processo actualmente se encontra em recurso - nunca poderia, só por si, induzir em erro tribunal, motivo pelo qual entendemos não se verificarem os pressupostos da litigância de má fé por ser de efeitos impossíveis.

Para além disso, pode existir confusão com a decisão já transitada no processo cautelar instaurado em 17-11-2004, no TAF de Loulé, com vista à suspensão de eficácia da citada deliberação da CM de Olhão de 14-4-2004 e cuja sentença a extinguir a instância - por se verificar a caducidade da providência - a recorrente impugnou neste TCAS, aqui tendo corrido termos com o nº nº01096/05, tendo por acórdão já transitado de 3-11-05, sido considerado improcedente o respectivo recurso jurisdicional ( cfr in www.dgsi.pt)

No entanto dir-se-á que numa análise perfunctória, parece-nos que haverá uma relação de dependência da acção nº 418/04 em relação à presente, tal como, aliás, considerou o EMMP no seu parecer emitido naquela acção, sendo que a decisão a proferir nesta acção determinará ou não a legalidade da ordem de demolição a apreciar naquela acção.

Assim, deverá, no nosso entender, ser indeferido o respectivo pedido de condenação como litigante de má fé, bem como o pedido de indemnização que lhe está conexo.


2- Mérito do recurso jurisdicional

Antes de mais importa referir que da douta sentença recorrida não decorrem as razões por que considera que o projecto apresentado pela autora está conforme com o plano de pormenor cujo regulamento vem publicado no DR II série de 22-4-1995; Apenas se refere que o parecer emitido pelo Director do PNRF consubstanciado no ofício de 20-01-2005, deveria ter verificado essa conformidade.

Para além disso, deveria, no nosso entender, ter sido levada à matéria de facto assente, que a autora optou por demolir a moradia existente para edificar novas paredes com tijolo tipo split e construir um segundo piso, conforme consta da memória descritiva do projecto de alterações e vem reconhecido pela autora( cfr fls 13 do PA do ICNB,IP/PNRF).

O Decreto-Lei n.° 373/87, de 9 de Dezembro, criou o Parque Natural da Ria Formosa, onde se insere a Ilha de Armona, o qual é uma área protegida de interesse nacional cujos objectivos primordiais são a preservação, conservação e defesa do sistema lagunar do Sotavento Algarvio, protegendo a fauna e flora específicas da região, bem como as espécies migratórias, ao mesmo tempo que se deve procurar o uso ordenado do território e o seu desenvolvimento económico, social e cultural.

E daí as restrições legalmente impostas às construções inseridas na respectiva área, cuja construção é, assim, altamente condicionada, mormente exigindo parecer prévio do ICNB/PNRF.

Nesta senda, nos termos do parecer negativo emitido pelo Director do PNRF, estas alterações modificam estruturalmente o fogo existente, pelo que contrariam a proibição estatuída na alinea b) do artº 13º do DR nº2/91.

Ora este parecer foi emitido no âmbito da discricionariedade técnica do organismo a quem cabe a sua autoria, especialmente vocacionado e formado para a apreciação de questões desta natureza.
Assim sendo, tal parecer não é, em princípio, sindicável contenciosamente, a menos que sofresse de erro grosseiro ou de manifesto lapso, o que não nos parece ser o caso ( cfr neste sentido, os acs deste TCAS de 3-11-05, de 7-4-05 e de 10-4-03 in recºs nºs 01096/05, 00162/04 e 02647/99, respectivamente).

Também nos parece inaplicável directamente ao caso o artº 60º nº2, do DL nº 555/99, de 16-12( RJUE), nos termos do qual as edificações construídas ao abrigo do direito anterior não são afectadas por normas supervenientes, não podendo a concessão de licença ou autorização para a realização de obras ser recusada com fundamento em normas supervenientes, desde que tais obras não originem ou agravem desconformidade com as normas em vigor ou tenham como resultado a melhoria das condições de segurança e de salubridade das edificações.

De facto estamos perante uma construção que está situada numa zona especial de protecção e, portanto, é regida por normas especiais, contidas em diplomas especiais, por acaso anteriores ao RGUE, e não pelas normas deste..

Portanto, aplicar este normativo do RJUE ao caso presente seria contrário á obrigatoriedade de parecer do PNRF, e estaríamos perante uma norma geral a derrogar normas especiais, ao contrário do que estabelece o artº 9º do CPC.

Nestes termos, o melhoramento das condições de salubridade e segurança do edifício, levado a cabo com as obras em causa, dado como provado na douta sentença recorrida, parece-nos irrelevante para o caso em apreço.

E isto porque tal melhoramento só pode ser levado a cabo caso as obras ao mesmo destinadas não modifiquem estruturalmente a moradia existente, o que não se verifica no caso vertente.

Vejamos finalmente o que se passa com a hierarquização dos planos de ordenamento urbanístico previstos para a zona.

Na alínea b), do artº 13º, do DR nº2/91 de 24/1, que aprovou o Plano Especial de Ordenamento da Ria Formosa, estabelece-se que “não devem prever-se quaisquer modificações estruturais nos fogos existentes e todas as construções de apoio que se efectuem devem ser ligeiras, desmontáveis e feitas em materiais facilmente transportáveis”.

Ora, este plano, sendo especial, é de aplicação prioritária em relação ao plano de pormenor que tem que, assim, se conformar com aquele, tal como resulta do nº4 do artº 24º .do DL nº 380/99, de 22-9, diploma que aprovou o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial.

Para além disso, nos termos do artº 2º do DR nº 2 /91, na área abrangida pelo plano de pormenor serão observadas as normas e directivas dos planos de nível superior. E ainda segundo o artº 2º deste regime “os planos de ordenamento .(nacionais, regionais e municipais) aplicam-se de forma coordenada.

Assim, sejam quais forem as normas do plano de pormenor com as quais a construção em análise se conformou – as quais desconhecemos por não virem invocadas quer na sentença quer pela recorrida – o referido na alínea b) do nº13º do DR nº 2/91 legitima, quanto a nós, o parecer desfavorável emitido em 20-01-2005, pelo Director do PNRF, aqui impugnado ( cfr artº 21º da factualidade assente na sentença).

Termos em que, face ao exposto, emitimos parecer no sentido da improcedência da questão prévia suscitada pela recorrida e pela procedência do presente recurso jurisdicional, revogando-se, em consequência, a douta sentença recorrida.