Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:Administrativo
Data:11/09/2011
Processo:08159/11
Nº Processo/TAF:00296/04.9BELLE
Sub-Secção:2.º Juízo
Magistrado:Clara Rodrigues
Descritores:ACÇÃO COMUM DE INDEMNIZAÇÃO.
PRESCRIÇÃO DIREITO À INDEMNIZAÇÃO.
CUSTAS - DL 34/2008 SUA APLICAÇÃO.
Texto Integral:Venerando Juiz Desembargador Relator


A Magistrada do Mº Pº junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada nos termos e para efeitos do art. 146º nº1 do CPTA, vem, ao abrigo do disposto no art. 145º nº 5 do CPC, emitir parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:

I – O presente recurso vem interposto pela então A., da sentença, proferida pelo TAF de Loulé, a fls. 193 e segs., que julgou procedente a excepção peremptória da prescrição do direito à indemnização, absolvendo a Entidade Demandada do pedido e o condenou em custas ao abrigo do DL nº 34/2008 de 26/02.

Nas conclusões das suas alegações de recurso o recorrente imputa à sentença recorrida incorrecta interpretação dos arts. 498º nº 1, 323º nºs 1 e 4, 326º nº 1 e 327º nº 1 do CC e do DL nº 34/2008 de 26/02.

A Entidade Recorrida, então Ré, contra - alegou pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrido.

II – Na sentença em recurso foram dados como provados, com fundamento nos documentos juntos, os factos constantes das alíneas A) a K), do ponto III, a fls. 196 e 197, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

III – Desde já, afigura - se - nos que a matéria de facto dada como assente na sentença em recurso deve ser reformulada nos termos do art. 712º nº 1 do CPC, uma vez que a mesma é insuficiente e obscura para a decisão da excepção em causa e, por outro, os elementos documentais constantes dos autos e a posição das partes o permitirem.

Assim, a nosso ver, deverão ser dados como provados os seguintes factos:
1- Em 28.02.2000, a A. apresentou a sua proposta no Concurso Público para “Fornecimento e montagem de mobiliário para a Biblioteca Municipal de S. Brás de Alportel”, pelo preço de 20.900.561$00 (vinte milhões novecentos mil e sessenta e um escudos)a que acrescia IVA á taxa legal de 17%, no montante de 3.553.095$00 (três milhões quinhentos e cinquenta e três mil e noventa e cinco escudos) – cfr. doc. 1 junto com a p.i.
2- Em 03.03.2000, a A. foi excluída do referido concurso – cfr. doc. nº 2 junto à p.i. e posição das partes.
3- A A. interpôs recurso contencioso do referido acto de exclusão, que seguiu seus termos no TAC de Lisboa, tendo sido proferida sentença de anulação do referido acto em 09.11.2000, a qual transitou em julgado em 13.04.2001 – cfr. doc. nº 2 junto à p.i. e posição das partes.
4- A A. interpôs também recurso contencioso de anulação, contra a Câmara Municipal, aqui Ré, do despacho que adjudicou o fornecimento objecto do mesmo concurso a outra concorrente, que seguiu seus termos no TAC de Lisboa, inicialmente sob o nº 783/00 e depois sob o nº 12/01, tendo nele sido proferida sentença que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, em 21.12.2001 – cfr. doc nº 3 junto com a p.i. e posição das partes.
5- Em 26.03.2004, a A. requereu a notificação judicial avulsa do aqui Réu, da sua intenção de exercer o direito a receber os valores correspondentes aos prejuízos sofridos em consequência da sua exclusão do concurso referido em 1, a fim de ser interrompido o prazo prescricional daquele seu direito, nos termos do art. 323º do CC – cfr. doc. junto a fls.83 e 84.
6- Em 29.03.2004, a A. requereu nova notificação judicial avulsa nos mesmos termos referidos em 5 – cfr. doc. de fls. 88 dos autos.
7- Em 29.03.2004, o aqui Réu foi notificado, na pessoa de I…, do conteúdo da notificação avulsa – cfr. doc. de fls. 94 dos autos.
8- No recurso contencioso nº 12/01, o aqui Réu informou o TAC de Lisboa que por deliberação de 2000.04.11 “adjudicou …(igual ao transcrito na al. H) da matéria assente na sentença recorrida).
9- Informação que foi notificada ao então advogado do ali recorrente e aqui A., nos termos dos arts. 229ºA e 260ºA do CPC, por carta registada, enviada em 16.04.2001 – cfr. doc. fls. 95, 96 in fine e envelope de fls. 97.
( E não 2004, como certamente por lapso se indica na al. I) da matéria de facto assente na sentença recorrida).
10- A A. instaurou … (igual ao descrito na al. J) da matéria assente na sentença recorrida).
11- O Réu foi citado na presente acção… (igual à al. K) da matéria assente na sentença recorrida).

IV – A questão a decidir é a de saber se à data da propositura da presente acção o direito de indemnização que através dela o recorrente pretende efectivar, estava ou não prescrito.

Dispõe o artigo 498, n.º1, do Cód. Civil: «O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso».

Daí, que a primeira questão a resolver seja a do prazo a partir do qual se deve considerar que o A. teve conhecimento do direito à indemnização.

Considerou a sentença recorrida que o A. teve conhecimento do acto anulado, datado de 2000.03.03 (pensamos que a data de 2000.03.01 se trata de lapso), ou pelo menos em 2001.04.13, data do trânsito em julgado da decisão que o anulou, enquanto o ora recorrente, então A., defende que o prazo prescricional nunca se poderia começar a contar antes de 19.10.2001, data em que tomou conhecimento do requerimento entregue no processo 12/01 do TAC, comunicando já ter sido adjudicado a terceiro o fornecimento e montagem do mobiliário objecto do concurso e que o contrato já tinha sido integralmente cumprido, mais defendendo ter a notificação avulsa efectuada em 29.03.2004 interrompido o prazo de prescrição.

Conforme se expende, entre outros, no Ac. do STA de 27/01/2010, Rec. 0513/09, in www.dgsi.pt/ «Constitui jurisprudência firme do STA que, de acordo com o disposto nos arts. 323º, nº1, 326º e 327º do Cód. Civ., o prazo de prescrição do direito de indemnização por danos causados por actos administrativos contenciosamente impugnados interrompe-se com a notificação do autor desses actos para responder no recurso contencioso, só começando a correr novo prazo de três anos com o trânsito em julgado da decisão proferida nesse processo (Cf., entre muitos outros, os acds. de 24-10-91 (rec. 028806), de 27-09-2005 (rec. 062/05), de 09-02-2006 (rec.0294/05), de 28-05-2008 (rec. 069/08), de 25-06-2009 (rec. 092/09) e de 09-09-2009 (rec. 0224/09).).
Reafirmando tal doutrina, e dado que a decisão anulatória do despacho em causa transitou em julgado a 15.02.01, à referida data da instauração da acção (15/05/2003), ainda não havia decorrido o prazo prescricional.
I.2.2.3. Por seu lado, do artigo 7.° do D.L. n.° 48.051, de 21/11/1967 não pode senão retirar-se [para além do já referido quanto ao significado da regra contida na sua 2ª parte], que o interessado pode exercer o direito à acção de indemnização sem necessidade de intentar recurso contencioso de anulação, sem que daí possa extrair-se qualquer sentido sobre o momento a quo do prazo prescricional.
Ou seja, a circunstância de se pode exercer o direito à acção de indemnização sem necessidade de instauração de qualquer meio processual não implica que a sua instauração não tenha, ao abrigo dos já referidos normativos, efeito interruptivo do prazo prescricional do direito de acção com vista a efectivar o direito indemnizatório.
I.2.2.4. Como também, para os fins em causa, o exercício do direito de acção, recte, o respectivo prazo de propositura, em nada é afectado pelo facto de no recurso contencioso de anulação instaurado o Autor não haver anunciado que ia (ou não) pedir indemnização por responsabilidade civil extracontratual. Ou seja, mesmo que fosse admissível a renúncia ao prazo prescricional, o silêncio a tal respeito num meio processual em que ao interessado apenas cabe a alegação e prova das causas de invalidade de um acto mostrava-se de todo irrelevante.» (bold nosso).

No caso em apreço a presente acção de indemnização tem como causa de pedir a ilicitude do acto que excluiu o ora recorrente do concurso em questão em 03.03.2000, pelo que foi nesta data que o A. teve conhecimento do direito que lhe competia, nos termos do citado art. 498º nº 1 do CC.

Todavia, de tal decisão o ora recorrente interpôs recurso contencioso que correu termos sob o nº 225/00 no TAC de Lisboa, que por sentença de 09.11.2000 anulou o acto recorrido.

Da qual foi interposto recurso para o STA, tendo tal sentença transitado em julgado em 13.04.2001, conforme resulta da posição das partes (contestação do ora recorrido e resposta às excepções deduzidas pelo ora recorrente, resposta onde afirma “por despacho notificado em 29.03.2001” afigurando querer referir a data do envio da notificação do despacho do STA que terá julgado aquele recurso deserto por falta de alegações, donde o trânsito ocorreria em 13.04.2001).

Assim, de acordo com a jurisprudência atrás citada, naquele recurso contencioso foi interrompido o prazo de prescrição com a notificação do autor do acto recorrido (exclusão da aqui recorrente), começando a correr novo prazo de três anos a partir de 13.04.2001, com o trânsito em julgado da decisão proferida nesse processo.

Daí que a prescrição do direito a indemnização tivesse ocorrido em 13.04.2004, pelo que à data da instauração da presente acção, em 23.06.2004 e da citação do Réu, em 28.06.2004, já tal direito estava prescrito.

Por outro lado, mesmo que se considere que por aquele recurso contencioso ter sido interposto contra o júri do concurso e ter sido este o notificado para a resposta e, por isso, não se ter sido interrompido o prazo de prescrição com tal notificação, sempre no recurso contencioso com o nº 12/2001 (ex 783/009) era recorrida a Câmara Municipal que foi notificada para a respectiva resposta antes de 16.04.2001 (cfr. doc. nº 3 e docs. de fls. 95, 96 e 97), pelo que sempre o prazo de prescrição se teria interrompido antes desta data, prosseguindo logo após a data em que se interrompeu dada a decisão de extinção da instância (e não a partir do trânsito em julgado desta decisão).

Com efeito, de acordo com o n.º 1 do artigo 323º do Código Civil, a prescrição só se interrompe pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima a intenção de exercer o direito.

Contudo, nos termos do n.º 2 do artigo 327º do Código Civil, quando se verifique a absolvição da instância, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo.

Daí, que à data da instauração da presente acção e da citação do Réu nesta que também o prazo de prescrição do direito à indemnização já tivesse decorrido.

Por outro lado, ao contrário do que defende o recorrente, em nosso entender, a notificação avulsa efectuada em 29.03.2004 não pode levar a nova interrupção do prazo de prescrição.

Com efeito, seguimos de perto a orientação jurisprudencial do Ac. do TCAN de 28/06/2007, Rec. 00590/06. 4BECBR, in www.dgsi.pt/, (que por sua vez seguiu a orientação da jurisprudência da Relação do Porto) que passamos a citar na parte que nos importa: «O objecto do recurso prende-se com os efeitos desta notificação judicial avulsa.
Pergunta-se se esta interrompeu ou não o novo prazo de prescrição que havia começado a decorrer na data da citação efectuada na Acção interposta no TJ de Cantanhede.
Na esteira, entre outros dos Acs. da RP de 08.JAN.02, 07.NOV.02 e 14.JUL.03, in Recs. nºs 01241824, 0231393 e 0313320, respectivamente, somos do entendimento da não atribuição desse efeito à notificação judicial avulsa, em referência.
De outro modo, estaria posto em causa quer o instituto da prescrição quer do mecanismo processual constante do art.º 289º do CPC.
Com efeito, refere no último dos arestos jurisprudenciais, atrás citados, que:
“(...)
Como é sabido, o fundamento específico da prescrição reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo que o legislador considerou razoável para tal. O não exercício do direito dentro do prazo legal faz presumir que o titular do direito quis renunciar ao mesmo, ou pelo menos, como diz Manuel de Andrade (Teoria Geral, I, Almedina, 2.ª reimpressão, pag. 446), a negligência torna-o indigno de protecção jurídica (dormientibus non succurrit ius). Todavia, outras razões se costumam invocar para justificar o instituto da prescrição. A certeza ou segurança jurídica é uma delas, “a qual exige que as situações de facto que se constituíram e prolongaram por muito tempo, sobre a base delas se criando expectativas e se organizando planos de vida, se mantenham, não podendo ser atacadas por anti-jurídicas” (autor, obra e local citado). Outras razões são a necessidade de proteger os devedores contra as dificuldades de prova e exercer uma pressão educativa sobre o titular do direito para que não descure o seu exercício.
Ora, permitir sucessivas interrupções da prescrição seria atentar contra todas aquelas razões que constituem o fundamento daquele instituto jurídico.
(...)
(...) em face dos interesses visados pelo instituto da prescrição: a regra geral é a prescrição dos direitos, destinada a evitar o seu exercício depois de decorrido certo período de tempo; a sua interrupção da prescrição reveste carácter excepcional e só é, por isso, admitida em circunstâncias especiais.”
É claro que a proibição de sucessivas interrupções não resulta directamente da letra da lei, mas da letra da lei também não resulta o contrário. Por isso, temos de lançar mão do elemento teleológico e esse aponta, claramente, no sentido de que a interrupção da prescrição só pode ocorrer uma vez. Tal conclusão não é repudiada pela letra da lei e podemos mesmo dizer que nela tem algum apoio, uma vez que a interrupção a que a lei se refere parece ser inequivocamente a interrupção do prazo inicial e não a interrupção do novo prazo de prescrição (vide artigos 323.º a 327.º do CC).
(...)”
Aderindo a tal construção jurídica somos do entendimento que, tal como bem refere a sentença proferida pelo tribunal a quo, a tese da Recorrente não merece acolhimento.
“ A ser aceite, tal implicaria que qualquer interessado que requeresse consecutivas notificações judiciais avulsas com efeito interruptivo pudesse prolongar no tempo o prazo para exercer o seu direito à indemnização, logrando um “efeito interruptivo sucessivo” sem efectivamente interpor qualquer acção.
Ora, com as citações na primeira acção, a autora interrompeu o original prazo prescricional. No entanto, ao ser absolvida da instância, começou a correr da data das primitivas citações (15 de Setembro de 2000) novo prazo prescricional para exercer o seu direito.
O facto de ter utilizado as notificações judiciais avulsas referidas no ponto 4. do probatório não tem a virtualidade de fazer iniciar novo prazo de três anos.
É que a regra geral contida no n.º 1 do artigo 323º do Código Civil e a interrupção operada por efeito das citações originais apenas comportam uma excepção: a de propositura de nova acção.
E o prazo de três anos a contar das citações iniciais para interpor nova acção não pode ser novamente interrompido por força de outro acto interruptivo”.
De outro modo, como atrás se fez menção estaria posto em causa quer o instituto da prescrição quer a construção jurídico-processual ínsita no art.º 289º do CPC.».

V – Quanto à imputada violação do DL nº 34/2008 de 26/02.

Defende o recorrente sobre a decisão recorrida quanto à condenação em custas ter sido aplicado indevidamente o Regulamento das Custas Processuais aprovado pelo DL nº 34/2008 de 26/02, por este se aplicar aos processos iniciados a partir de 01 de Setembro de 2008.

Todavia, entendemos não lhe assistir razão.

Na verdade, dispõe o art. 27º do DL nº 34/2008, quanto à sua aplicação no tempo:
1 - As alterações às leis de processo e o novo Regulamento das Custas Processuais aplicam-se apenas aos processos iniciados a partir do dia 1 de Setembro de 2008, salvo o disposto nos números seguintes.
2 – (…)
3 - Aplicam-se aos processos pendentes, a partir da data da entrada em vigor do presente decreto-lei, os artigos 446.º, 446.º-A, 447.º-B, 451.º e 455.º do Código de Processo Civil.
4 – (…)
5 – (…)
6 - O mecanismo previsto no artigo 22.º do Regulamento das Custas Processuais, no que respeita aos processos pendentes, não se aplica quando a parte tenha já beneficiado ou venha a beneficiar do disposto nos artigos 14.º e 15.º do Código das Custas Judiciais.

A sentença em recurso foi proferida em 14.03.2010, na vigência do Regulamento em causa, estando o processo pendente desde 23.06.2004.

Assim, nos termos do nº 3 daquele citado art. 27º do DL nº 34/2008 era - lhe aplicável, como o foi pela sentença recorrida, o art. 446º do CPC cuja redacção dos nºs 1 e 2 é idêntica antes e depois das alterações introduzidas pelo DL 303/2007 de 24/08.

Por outro lado, não tendo o ora recorrente beneficiado nem se prevendo que venha a beneficiar do disposto nos arts. 14º e 15º do Código das Custas Judiciais, que nos termos do nº 6 do citado art. 27º do DL nº 34/2008 (a contrario) lhe fosse aplicável, como o foi pela sentença recorrida o disposto na al. b) do nº 3 do art. 22º do Reg. das Custas Processuais republicado no Anexo III do DL nº 34/2008.

Pelo que, em nosso entender a sentença recorrida não tenha violado aquele DL nº 34/2008.

VI – Assim, em face de todo o exposto e em conclusão, emito parecer no sentido de:
- ser alterada, nos termos do art. 712º nº 1 do CPC, a matéria de facto dada como assente na sentença recorrida, a ser reformulada nos termos do ponto III deste parecer;
- após se negando provimento ao presente recurso mantendo - se a decisão da sentença recorrida, incluindo quanto à condenação em custas, embora, no que se refere à excepção da prescrição, com os fundamentos exarados neste parecer.