Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:Administrativo
Data:02/20/2012
Processo:08503/12
Nº Processo/TAF:00081/11.1BELLE
Sub-Secção:2º. Juízo
Magistrado:Clara Rodrigues
Descritores:RENOVAÇÃO LICENÇA ARMA DE FOGO.
CONCEITO DE "FALTA IDONEIDADE".
Texto Integral:Venerando Juiz Desembargador Relator

A Magistrada do MºPº junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada nos termos e para efeitos do art. 146º nº1 do CPTA, vem, ao abrigo do disposto no art. 145º nº 5 do CPC, emitir parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:

I – O presente recurso vem interposto pelo então A., da sentença de fls. 122 e segs. do TAF de Loulé, que julgou improcedente a presente acção especial de impugnação e, em consequência, absolveu a Entidade Demandada dos pedidos.

Nas conclusões das suas alegações de recurso, o recorrente imputa à sentença recorrida violação dos arts. 659º a 661º do CPC, nulidade das als. b) e c) do nº 1 do art. 668º do CPC e 205º da CRP, violação do art. 15º da Lei de Identificação Criminal e da Lei 67/98, art. 35º nºs 1 e 4 da CRP e arts. 18º nºs 1, 2 e 3, 27º nº 1, 30º nº 4, 62º nºs 1 e 2 e 272º nº 1 da CRP.

A Entidade, ora recorrida, contra - alegou pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.

II – Na sentença recorrida foram dados como provados, com interesse para a decisão e com fundamento na prova documental, os factos constantes dos pontos 1. a 5., de II, de fls. 124 a 129, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

III – Quanto à imputada violação dos arts. 659º a 661º do CPC

Ao contrário do que defende o recorrente da simples leitura da sentença recorrida verifica - se que a mesma depois de elaborar o relatório, elencou os facto dados como provados que discriminou e fundamentou com base na prova documental, omitindo uma correcta discriminação dos factos considerados provados.
Por outro lado, o recorrente, argumentando que não foram levados em consideração todos os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou outros válidos meios de prova, não descrimina quais os factos que não foram levados em consideração na matéria factual assente, nem os meios de prova em que se fundamentam.

Além de que, também ao contrário do alegado pelo recorrente a Mmª Juiz a quo interpretou e aplicou as normas jurídicas aplicáveis de acordo com a subsunção que fez daqueles factos.

Se o fez ou não com erro de julgamento já é outra questão que não tem a ver com o disposto nos arts. 659º a 661º do CPC, que, a nosso ver, não se mostram violados, pelo que improcedem as conclusões I a III das alegações de recurso.

IV – Quanto às imputadas nulidades das als. b) e c) do nº 1 do art. 668º do CPC.

Como é consabido «só a falta absoluta de fundamentação é razão de nulidade da sentença, pois uma exposição medíocre ou insuficiente dos fundamentos, permitindo descortinar as razões que a ditaram, sujeita a decisão à possibilidade de ser revogada ou alterada em recurso» (cfr. Acs. do STA de 27/5/98 Rec. nº. 37068, de 16/6/99 Rec nº. 44915 e de 6/6/89 in BMJ 388º. 580).

Ora, no caso em apreço, a sentença recorrida, não padece da referida nulidade já que não existe uma falta absoluta de fundamentação.

Aliás, mesmo que houvesse lugar a considerar provado um ou outro facto não constante da matéria factual assente – que o recorrente nem sequer indica – sempre tal aditamento poderia ter lugar nesta instância ao abrigo do art. 712º do CPC, por isso, não implicando a nulidade da sentença.

Por outro lado, a nulidade prevista no artº 668º nº1 al. c) do CPC – oposição entre os fundamentos e a decisão – só se verifica quando os fundamentos, quer de facto quer de direito, invocados pelo juiz devam, logicamente, conduzir ao resultado oposto ao que é expresso na sentença.

Não se verifica por conseguinte tal nulidade, quando os fundamentos invocados pelo juiz, em seu entender, conduzem a um determinado resultado lógico e consequente que pode eventualmente redundar em erro de julgamento, o que não significa desconformidade entre os fundamentos e a sua parte dispositiva, passível de determinar a invocada nulidade.

Ora, o recorrente considera existir tal nulidade por ao ter “dado como provado no ponto 4. que as condenações já ocorreram há mais de dez anos (5/12/2001), nunca tal poderia ter sido tomado como válido para efeitos de sustentar qualquer juízo judicial”, reportando - se ao conceito de Idoneidade.

Todavia, por um lado, o que foi dado como provado nos pontos 4. e 5. da matéria factual assente foram as duas condenações do ora recorrente, dadas pelas sentenças naqueles pontos referidas e indicação dos respectivos crimes, penas e datas e, por outro lado, ao aferir mediante tais condenações e não só, tal não significa desconformidade entre os fundamentos e a sua parte dispositiva, passível de determinar a imputada nulidade ou inconstitucionalidade, nomeadamente do art. 202º da CRP (art. 205º da CRP de 1976).

Assim, que improcedam igualmente as conclusões IV a VI das alegações do recorrente.

V – Quanto á violação do art. 15º da Lei de Identificação Criminal e da Lei 67/98, art. 35º nºs 1 e 4 da CRP e arts. 18º nºs 1, 2 e 3, 27º nº 1, 30º nº 4, 62º nºs 1 e 2 e 272º nº 1 da CRP.

Dispõe o art. 28º nº 1 da Lei nº 5/2006 de 23/02, na redacção da Lei nº 17/2009 de 6/05, quanto á renovação da licença uso e porte de arma:
1 - A renovação da licença de uso e porte de arma deve ser requerida até ao termo do seu prazo e depende da verificação, à data do pedido, dos requisitos exigidos para a sua concessão. (bold nosso).

Por sua vez, estipula o art. 15º do mesmo diploma
“1 - As licenças C e D podem ser concedidas a maiores de 18 anos que reúnam, cumulativamente, as seguintes condições:
a) Se encontrem em pleno uso de todos os direitos civis;
b) Demonstrem carecer da licença para a prática de actos venatórios de caça maior ou menor e se encontrem habilitados com carta de caçador com arma de fogo ou demonstrem fundamentadamente carecer da mesma por motivos profissionais;
c) Sejam idóneos;
d) Sejam portadores de certificado médico;
e) Sejam portadores do certificado de aprovação para o uso e porte de armas de fogo.
2 - A apreciação da idoneidade do requerente é feita nos termos do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 14.º “ (bold nosso)

E, o art. 14º da mesma Lei determina ainda:
1 – (…)
2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 30.º da Constituição e do número seguinte, para efeito de apreciação do requisito constante na alínea c) do número anterior, é susceptível de indiciar falta de idoneidade para efeitos de concessão de licença o facto de, entre outros, ao requerente ter sido aplicada medida de segurança ou ter sido condenado pela prática de crime doloso, cometido com uso de violência, em pena superior a 1 ano de prisão.
3 - No decurso do período anterior à verificação do cancelamento definitivo da inscrição no registo criminal das decisões judiciais em que o requerente foi condenado, pode este requerer que lhe seja reconhecida a idoneidade para os fins pretendidos, pelo tribunal da última condenação.

Por sua vez, o art. 15.º da Lei nº 57/98 de 18/08, na redacção da Lei 114/2009 de 22/09 dispõe:
[...]
1 - São canceladas automaticamente, e de forma irrevogável, no registo criminal:
a) As decisões que tenham aplicado pena de prisão ou medida de segurança, decorridos 5, 7 ou 10 anos sobre a extinção da pena ou medida de segurança, se a sua duração tiver sido inferior a 5 anos, entre 5 e 8 anos ou superior a 8 anos, respectivamente, e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime;
b) As decisões que tenham aplicado pena de multa principal a pessoa singular, decorridos cinco anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime;
c) (…)
d) (…)
e) As decisões que tenham aplicado pena substitutiva da pena principal, decorridos cinco anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime;
f) (…)
g) (…)
h) [Anterior alínea d).]

O ora recorrente foi condenado por crime doloso na pena de 65 dias de multa por decisão de 14.01.2008, de acordo com o seu registo criminal junto aos autos, tendo sido extinta a pena pelo pagamento da referida multa em 24/10/2008 (cfr. registo criminal a fls. 39).

Daí que, tendo em conta o disposto na al. b) do nº 1 da Lei nº 114/2009 de 22/09, não tenham ainda decorrido 5 anos sobre a extinção da referida pena, motivo por que a mesma não tenha sido cancelada no seu registo criminal, pelo que improcede a conclusão VIII das alegações do recorrente, não ocorrendo qualquer violação do art. 15º da Lei de Identificação Criminal e/ou da Lei de Protecção de Dados nem do art. 35º da CRP.

Na verdade, conforme se sustenta no Ac. do STA de 24/11/04, Rec. 045/04 «(…) constando do certificado de registo criminal que instruiu o pedido formulado, uma condenação do recorrente, pelo crime de sequestro, aplicada por decisão judicial de 16-01-97, à data da prolação do acto contenciosamente impugnado (6-10-2000) ainda não tinha tal decisão sido cancelada do registo criminal uma vez que ainda não tinham decorrido cinco anos sobre a extinção da pena aplicada – cfr. artigo 15, n.º 1, al. a),
da Lei n.º 57/98, de 18-08 (…) a decisão da entidade recorrida, ao indeferir a pretensão também com base nessa condenação, não padece de erro nos pressupostos de facto.».

Por outro lado, o nº 2 do art. 14º da Lei nº 5/2006, na redacção da Lei 17/2009 atrás transcrito, ao referir “entre outros significa que mesmo não tendo sido aplicada medida de segurança ou ter sido condenado pela prática de crime doloso, cometido com uso de violência, em pena superior a 1 ano de prisão – caso que, a verificar - se, a decisão de não renovação da licença é vinculativa – poderão outros motivos ou antecedentes levar à consideração da falta de idoneidade e ser recusada a renovação da licença.

E foi na consideração conjunta dos elementos policiais e dos constantes no registo criminal do ora recorrente que a Entidade recorrida proferiu a decisão impugnada, donde resulta, como refere a sentença recorrida, que “(…) o Autor tem dificuldade em pautar - se pelas regras que regem a sociedade em que se insere”.

Pelo que, em nosso entender, não se mostram violadas as disposições constitucionais ou outras legais, imputadas à sentença recorrida.

VI – Assim, em face do exposto e em conclusão, emito parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo – se a sentença recorrida.