Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:Administrativo
Data:07/20/2011
Processo:07851/11
Nº Processo/TAF:00023/04
Sub-Secção:2º. Juízo
Magistrado:Clara Rodrigues
Descritores:CONCURSO.
ECDU.
APLICAÇÃO ARTº 5º DL 204/98 DE 13/11.
Texto Integral:I – O presente recurso jurisdicional vem interposto pelo então Recorrido, da sentença de fls. 90 e segs. do TAC de Lisboa, que concedeu provimento ao recurso contencioso e anulou a deliberação de 03.10.2003 de aprovação da ordenação dos candidatos, do júri do concurso documental para provimento de dois lugares de professor associado do grupo de Biotecnologias do quadro de pessoal docente da Universidade do Algarve.

Nas conclusões das suas alegações de recurso, afigura - se resultar que o ora recorrente imputa à sentença recorrida o vício de erro de julgamento, com violação do art. 5º do DL nº 204/98 de 11/07 e o DL nº 448/79 de 13.11.

O então recorrente, ora recorrido, apresentou contra - alegações, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.

II – Na sentença em recurso foram considerados como assentes os factos constantes dos pontos 1. a 8., de fls. 91 e 93, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.

III – A sentença recorrida, com fundamento no acórdão do Pleno do STA de 13/11/2007, Rec. 01140/06, entendeu que o júri do concurso ao não ter definido, previamente ao conhecimento dos curricula dos candidatos, os métodos e critérios objectivos dos concorrentes e o sistema de classificação final não cumpriu a exigência do art. 5º do DL nº 204/98 de 11/06.

Discordando de tal entendimento, defende o recorrente que, constituindo a carreira de Docente Universitário, uma carreira de regime especial, os procedimentos concursais previstos no ECDU (anterior à alteração da Lei nº 8/2010 de 13/05), concretamente o concurso para professores associados se rege por normas próprias, com exigências e especialidades, que não se compadecem com o regime geral do DL nº 204/98 de 11/07, apelando ao Acórdão também do Pleno de 03.05.2007, Proc. nº 065/07, que cita.

Acontece que este Acórdão, citado pelo recorrente, apenas se pronuncia pela inexistência de oposição de julgados entre o Acórdão fundamento e o Acórdão recorrido, por estarem em causa situações fácticas diferentes, tendo julgado findo o recurso, sendo que a parte transcrita daquele Acórdão, pelo recorrente, não constitui fundamento deste, mas sim do Acórdão fundamento escolhido, ou seja, do proferido pelo STA, em 14.04.2005, no Rec. 0429/03.

Assim, que em termos de uniformização de jurisprudência haja que atender ao Acórdão do Pleno do STA de 13.11.2007, Rec. 01140/06, in www.dgsi.pt/, mencionado pela sentença recorrida, o qual decidiu que o art. 5º n.º 2, do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho, é aplicável aos concursos regulados pelo Estatuto da Carreira Docente Universitária.

Pelo que, sem necessidade de outros argumentos e por economia expositiva passamos a citar o mesmo Acórdão, no que à fundamentação sobre a questão importa:
«A deliberação impugnada foi proferida num concurso para professor catedrático de uma universidade pública.
O DL n.º 448/79, de 13 de Novembro, ratificado com emendas pela Lei n.º 19/80, de 16 de Julho (( ) Alterado pelo DL n.º 316/83, de 7 de Fevereiro, pelo DL n.º 48/85, de 27 de Fevereiro, pela Lei 6/87, de 27 de Janeiro, pelo DL n.º 145/87, de 24 de Março, e pelo DL n.º 412/88, de 9 de Novembro.) aprovou o Estatuto da Carreira Docente Universitária, aplicável ao pessoal docente das Universidades e Institutos Universitários, instituições que adiante se designam, genérica e abreviadamente, por Universidades (art. 1.º).
Neste Estatuto incluem-se normas relativas ao recrutamento do pessoal docente, nomeadamente, no que interessa para o caso em apreço, de professores catedráticos, através de concurso documental [arts. 2.º, alínea a), 9.º, alínea b), e 37.º a 52.º].
Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho, veio estabelecer o regime dos concursos de recrutamento e selecção de pessoal para os quadros da Administração Pública.
Nos termos do art. 2.º deste diploma, o regime nele estabelecido neste diploma aplica-se aos serviços e organismos da administração central, bem como aos institutos públicos nas modalidades de serviços personalizados do Estado e de fundos públicos (n.º 1) e, com as necessárias adaptações, à administração local e à administração regional, sem prejuízo da competência dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas (n.º 2), não podendo as especialidades «ter como efeito o afastamento dos princípios e garantias consagrados no artigo 5.º» (n.º 3).
No art. 3.º do mesmo diploma estabelece-se que «os regimes de recrutamento e selecção de pessoal dos corpos especiais e das carreiras de regime especial podem obedecer a processo de concurso próprio com respeito pelos princípios e garantias consagrados no artigo 5.º» (n.º 2) e que se mantêm «os regimes de recrutamento e selecção de pessoal aplicáveis aos corpos especiais e às carreiras de regime especial que deles disponham».
As carreiras docentes são qualificadas como «corpos especiais» [arts. 13.º, n.º 3, do DL n.º 248/85, de 15 de Julho, e 16.º, n.º 2, alínea d), do DL n.º 184/89, de 2 de Junho], pelo que a situação dos autos se enquadra neste art. 3.º, sendo aplicável ao concurso em causa o regime de recrutamento previsto no referido DL n.º 448/79, de 13 de Novembro, mas sem prejuízo da aplicação dos princípios e garantias consagrados no art. 5.º do DL n.º 204/98.
Os princípios e garantias consagrados neste art. 5.º são os seguintes:
Princípios e garantias
1 – O concurso obedece aos princípios de liberdade de candidatura, de igualdade de condições e de igualdade de oportunidades para todos os candidatos.
2 – Para respeito dos princípios referidos no número anterior, são garantidos:
a) A neutralidade da composição do júri;
b) A divulgação atempada dos métodos de selecção a utilizar, do programa das provas de conhecimentos e do sistema de classificação final;
c) A aplicação de métodos e critérios objectivos de avaliação;
d) O direito de recurso.
4 – No acórdão recorrido, decidiu-se confirmar a decisão do Tribunal Administrativo do Círculo do Porto de anular o concurso, por violação dos princípios da imparcialidade e da igualdade de oportunidades, com fundamento na falta de definição pelo Júri, antes da apreciação do mérito dos candidatos, do sistema de classificação final.
O referido art. 3.º do DL n.º 204/98, ao estabelecer que «os regimes de recrutamento e selecção de pessoal dos corpos especiais e das carreiras de regime especial podem obedecer a processo de concurso próprio com respeito pelos princípios e garantias consagrados no artigo 5.º», contém uma resposta legislativa expressa para a questão que é objecto do presente recurso jurisdicional, no sentido da aplicação global destes princípios e garantias, inclusivamente, por isso, a divulgação atempada do sistema de classificação final.
Por outro lado, pela repetição da ressalva da aplicação destes princípios e garantias, que se constata no n.º 3 do art. 2.º e no n.º 2 do art. 3.º, conclui-se que houve uma especial preocupação legislativa em generalizar essa aplicação, não se admitindo excepções, mesmo nas situações em que se admite que os concursos possam ser submetidos a regimes especiais.
Num Estado de Direito, assente na soberania popular e no primado da Lei (arts. 2.º e 3.º, n.ºs 1 e 2, da C.R.P.), na sua aplicação aos casos concretos têm de ser acatados os juízos de valor legislativamente formulados, quando não ofendam normas de hierarquia superior nem se demonstre violação de limitações legais de carácter geral (abuso do direito), não podendo o intérprete sobrepor à ponderação legislativa os seus próprios juízos sobre o que pensa que deveria ser regime legal, mesmo que os considere mais adequados e equilibrados que os emanados dos órgãos de soberania com competência legislativa.
Sendo assim, perante a explícita intenção legislativa de não admitir excepções à aplicação daqueles princípios e garantias, não pode encontrar-se suporte, a nível da lei ordinária, para uma interpretação restritiva que afaste a sua aplicação aos concursos regulados no ECDU.
Por isso, só com fundamento em violação de norma de hierarquia superior, designadamente de natureza constitucional, poderá aventar-se a possibilidade de afastar a aplicação daqueles princípios e garantias aos concursos para professores catedráticos.
Porém, nomeadamente no que concerne à norma cuja aplicação se discute no presente recurso, que é a da alínea b) do n.º 2, em que se exige a «divulgação atempada dos métodos de selecção a utilizar, do programa das provas de conhecimentos e do sistema de classificação final», não se encontra fundamento para afirmar a sua inconstitucionalidade e, pelo contrário, há razões para afirmar que ela é uma exigência da própria Constituição.
Na verdade, aquela divulgação atempada, entendida como anterior ao conhecimento dos elementos curriculares dos candidatos, visa dar transparência ao recrutamento, sendo o mínimo exigível como forma de assegurar que os critérios que virão a ser utilizados para graduação dos candidatos não são adaptados em função do perfil curricular dos candidatos, por forma a permitir beneficiar ou prejudicar algum deles.
Por isso, trata-se de uma regra que é corolário do princípio constitucional da imparcialidade, cuja observância é constitucionalmente imposta à generalidade da actividade da Administração Pública (art. 266.º, n.º 2, da CRP e 6.º do CPA).
Ou, noutra perspectiva, aquela regra corresponde ao mínimo exigível para garantir a observância do princípio da igualdade de oportunidades, proclamado no n.º 1 do art. 5º do Decreto-Lei n.º 204/98, pelo que a sua adopção na generalidade dos concursos é postulada pela própria essência do Estado de Direito, como patenteia a repetida preocupação constitucional em afirmar esse princípio explicitamente, em várias matérias [arts. 59.º, n.º 2, alínea b), 73.º, n.º 2, 74.º, n.ºs 1, e 2, alínea h), 76.º, n.º 1, 81.º, alínea b), e 113.º, n.º 3, alínea b), da CRP].
Por outro lado, em qualquer concurso de recrutamento de pessoal em que haja mais que um candidato haverá necessidade, inclusivamente para cumprimento da exigência constitucional de fundamentação, de aplicar, implícita ou explicitamente, algum sistema de classificação, pelo que não se pode justificar uma excepção à aplicação daquelas regras do art. 5.º com base na alegada dificuldade de determinação antecipada desses métodos e sistema, pois, antes ou depois do conhecimento do perfil dos candidatos, a dificuldade será idêntica.
A regra constitucional da autonomia das universidades de «autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira» (art. 76.º, n.º 2, da CRP), para além de não implicar a atribuição de poder incontrolável e arbitrário de escolha de docentes, não pode, no caso das universidades públicas, sobrepor-se à aplicação dos princípios básicos do Estado de Direito.
5 – Refira-se, finalmente, que não valem os argumentos invocados pelo Recorrente relativos à alegada inviabilidade da fixação de critérios de selecção.
Relativamente ao exemplo invocado dos concursos para juízes conselheiros, basta ver, para invalidar tal afirmação, o Aviso n.º 10270/2005 (2.ª série), publicado no Diário da República, II Série, de 18-11-2005, relativo a concurso para juiz do Supremo Tribunal de Justiça. (( ) Refere-se nesse aviso, além do mais, o seguinte
Relativamente aos concorrentes provenientes do quadro de juízes desembargadores, tendo especialmente em conta o exercício do cargo a que o concurso se destina, serão globalmente ponderados, nos termos do artigo 52.º do EMJ, os seguintes factores:
a)Anteriores classificações de serviço, com uma ponderação entre 50 e 70 pontos;
b)Graduação obtida em concurso de habilitação ou cursos de ingresso em cargos judiciais, com ponderação entre 1 e 5 pontos;
c) Currículo universitário e pós-universitário, com ponderação entre 1 e 5 pontos;
d)Trabalhos científicos realizados, com ponderação entre 0 e 10 pontos, não se englobando nesta categoria os trabalhos que correspondam ao exercício específico da função;
e) Actividade exercida no âmbito forense ou no ensino jurídico, com ponderação entre 0 e 10 pontos;
f) Outros factores que abonem a idoneidade dos requerentes para o cargo a prover, com ponderação entre 50 e 100 pontos.
Integram este factor, designadamente:
O prestígio profissional e pessoal;
A capacidade de trabalho revelada, ponderando a quantidade e a qualidade do serviço;
O domínio da técnica jurídica, ponderando não apenas as opções ao nível da forma, como ainda ao nível da substância;
O nível dos trabalhos, tendo em conta os conhecimentos revelados com reflexo na resolução dos casos concretos;
O grau de empenho revelado pelo magistrado na sua própria formação contínua e actualizada e na adaptação às modernas tecnologias;
A contribuição para a melhoria do sistema, quer através da formação de novos magistrados, quer da dinâmica revelada nos lugares em que as funções foram prestadas;
Negativamente, de acordo com a maior ou menor gravidade, será especialmente ponderado o registo disciplinar do candidato, com dedução até 20 pontos.
7 – Relativamente aos concorrentes provenientes do quadro de procuradores-gerais-adjuntos, ter-se-ão em consideração também os factores referenciados no n.º 6.
8 – Relativamente aos concorrentes como juristas de mérito, tendo especialmente em conta o exercício do cargo a que o concurso se destina, serão globalmente ponderados os seguintes factores:
a) Currículo universitário e pós-universitário, com ponderação até 60 pontos;
b) Trabalhos científicos publicados, com ponderação até 60 pontos;
c) Actividade exercida no âmbito forense ou no ensino jurídico, com ponderação até 60 pontos, assim discriminados:
Currículo profissional – até 30 pontos;
Elementos escritos apresentados no concurso – até 30 pontos;
d) Outros factores que abonem a idoneidade do candidato, com ponderação até 20 pontos, assim discriminados:
Outras actividades e funções – até 10 pontos;
Prestígio profissional e pessoal – até 10 pontos.)
Para além disso, no que concerne à presumível especial qualidade e independência dos membros dos júris de concursos para professores universitários, que o Recorrente pretende ter potencialidade para dispensar as garantias gerais de imparcialidade dos concursos públicos, pode constatar-se que a exigência dessas garantias tem sido feita por este Supremo Tribunal Administrativo mesmo em relação ao próprio Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, apesar de ser um órgão superior do Estado e ser integrado maioritariamente por juízes, cuja presumível imparcialidade e independência não é, decerto, menor do que a dos professores universitários. Na verdade, também em relação aos concursos em que o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais é a entidade decidente, não tem deixado de exigir-se a divulgação atempada dos critérios e factores de selecção, como pode ver-se pelos acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 15-2-2005, recurso n.º 1328/03, de 27-10-2005, recurso n.º 411/04, de 22-2-2006, recurso n.º 1388/03.
6 – Conclui-se, assim, que a divulgação atempada do sistema de classificação final exigida pelo art. 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho, é aplicável aos concursos regulados pelo Estatuto da Carreira Docente Universitária.».

O mesmo se tem de dizer, pois, no caso em apreço, em tudo idêntico ao do Ac. citado, no que respeita à aplicação do art. 5º do DL nº 204/98 pelo que nada há a censurar à sentença recorrida, que não padece do imputado erro de julgamento e violação do mencionado art. 5º DL 204/98 e do ECDU.

IV – Assim, em face do exposto e em conclusão, emito parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo - se a sentença recorrida.