Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:10/17/2012
Processo:04710/09
Nº Processo/TAF:41/07.7BECTB
Sub-Secção:2.º Juízo
Magistrado:Maria Antónia Soares
Descritores:CONTRA-ALEGAÇÕES DO M.º P.º EM DEFESA DA LEGALIDADE.
NOMEAÇÃO DE TÉCNICO SUPERIOR DE 2.ª CLASSE SEM ESTÁGIO PRÁTICO.
ACTO NULO OU ANULÁVEL.
Observações:P.A. n.º 12/2005 (M.ºP.º - T.A.F. CASTELO-BRANCO); P.A. n.º 62/05-A (M.ºP.º - T.C.A. SUL).
Texto Integral:Procº nº 04710/09
Acção Administrativa especial
Recurso de revista
Contra-alegações


Venerandos Juízes Conselheiros do
Supremo Tribunal Administrativo



A magistrada do MP junto deste TCAS vem, no processo supra referenciado, em que intervém em defesa da legalidade objectiva, apresentar as suas contra-alegações referentes ao recurso de revista excepcional que o recorrido, Município de Campo Maior, interpôs para esse Supremo Tribunal Administrativo (STA), do acórdão proferido em segunda instância o qual, revogando a sentença proferida em primeira instância, considerou procedente a acção administrativa especial proposta pelo Ministério Público.

I - Introdução:

1. .A presente acção proposta pelo Ministério Público, teve como finalidade a declaração de nulidade por falta de um elemento essencial, nos termos do nº1 do artº 133º do CPA, do despacho do Presidente da Câmara Municipal de Campo Maior de 2 de Abril de 2001, publicado no DR de 11-7-2001, que nomeou para o lugar de Técnico Superior de 2ª classe (arquitecto) o contra-interessado José Manuel Pernão Nunes, após o mesmo se ter candidatado ao concurso externo de ingresso para um lugar de técnico superior de 2ª classe aberto por aviso publicado no DR, III Série, de 18-4-2000 e na sequência de deliberação de 16-3-2001, do júri do concurso que, pelas razões constantes da acta da reunião realizada nessa data, considerou de dispensar a realização do estágio obrigatório a que se refere o artº 5º do DL nº 265/88, de 15-9.

2. A sentença proferida pelo TAF de Castelo Branco, na sequência do invocado pela entidade demandada, considerou improcedente a acção por entender que a falta de realização do estágio não constitui preterição de qualquer formalidade essencial que determine a nulidade prevista no nº1 do artº 133º do CPA.

3. O MP junto do TAF de Castelo Branco interpôs recurso jurisdicional desta sentença para o TCAS, tendo vindo este tribunal de recurso a dar provimento ao recurso e a considerar procedente a acção por entender que “…a falta do referido estágio constitui falta de habilitação legal para o exercício de um cargo público que afecta a validade do acto, configurando a falta do estágio prévio ofensa ao conceito de “elemento essencial “ como resulta da al. d), do nº 2, do artigo 133º, do CPA, por manifesta violação do principio especial do “ direito de acesso a cargos públicos”, entroncado no principio geral da igualdade ( artigo 50º e 13º da CRP) – cfr. a propósito Acórdão do STA de 3 de Julho de 2001, in Proc. nº 4711”.

E continua o acórdão recorrido: “Assim sendo, porque são nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais e /ou que “ ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental” , e porque tal configura a preterição de estágio prévio na contratação em causa, resulta nulo o despacho de nomeação do Presidente da Câmara Municipal de Campo Maior, de 2 de Abril de 2001, bem como a subsequente tomada de posse de 12 de Julho de 2001”.

Considerou, assim, o douto acórdão recorrido,“estar perante um caso de falta de elemento essencial e de ofensa do “conteúdo essencial de um direito fundamental”, ambos conducentes a nulidade, o primeiro enquanto preterição de formalidade essencial”.

É deste acórdão que vem interposto o presente recurso de revista pela entidade demandada e sobre o qual nos iremos em seguida pronunciar.

II - Inadmissibilidade do recurso de revista:

1.Segundo a entidade recorrente, verificam-se, no caso presente, os pressupostos necessários à admissibilidade do recurso contidos no nº1 do artº 150º do CPTA.

Nos termos deste dispositivo legal, “das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver excepcionalmente revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

2. É já vasta a jurisprudência desse Alto Tribunal que se tem pronunciado sobre os referidos pressupostos necessários à admissibilidade deste recurso jurisdicional.
Assim, citaremos apenas um desses acórdãos não obstante existirem muitos mais no mesmo sentido. Assim,

Nos termos do Ac do STA de 7-12-11, procº nº 01033/11,
“O recurso de revista a que alude o n.º 1, do artigo 150.º do CPTA, que se consubstancia na consagração de um duplo grau de recurso jurisdicional, ainda que apenas em casos excepcionais, tem por objectivo facilitar a intervenção do STA naquelas situações em que a questão a apreciar assim o imponha, devido à sua relevância jurídica ou social e quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Por outro lado, se atendermos à forma como o Legislador delineou o recurso de revista, em especial, se olharmos aos pressupostos que condicionam a sua admissibilidade, temos de concluir que o mesmo é de natureza excepcional, não correspondendo à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, na medida em que das decisões proferidas pelos TCA’s em sede de recurso não cabe, em regra, recurso de revista para o STA.
Temos assim, que de acordo com o já exposto, a intervenção do STA só se justificará em matérias de maior importância sob pena de se generalizar este recurso de revista o que, se acontecesse, não deixaria de se mostrar desconforme com os fins obtidos em vista pelo Legislador (cfr., a “Exposição de Motivos”, do CPTA)”.

3. Segundo a entidade recorrente, não está em causa apenas a apreciação do caso individual do contra-interessado, mas sim uma questão muito mais geral e que se prende com a pretensa nulidade dos vários despachos de nomeação de técnicos superiores da função pública com dispensa da prévia realização de estágio probatório, os quais têm vindo a ser proferidos em diversos casos que enumera; Acrescenta que o acórdão recorrido, para além de vir pôr em causa a segurança jurídica e um leque de decisões jurisprudenciais que têm vindo a fazer escola, pelo menos desde 1993, tem, obviamente, implicações relevantes em termos comunitários e reveste-se de particular sensibilidade social.

4. Existem duas questões distintas neste processo:

Uma é saber se o estágio, como condição de acesso à carreira técnica superior, é passível de ser dispensado pelo júri do concurso para ingresso na referida categoria, no âmbito da sua discricionariedade técnica, como defende o recorrente; a outra é saber se, caso tal estágio seja obrigatório, se a ilegalidade cometida com a sua omissão gera a nulidade, como defende o MP ou a mera anulabilidade do acto de nomeação como defende o recorrente.

5. Pese embora a aparente generalidade e abstração das questões expostas, a verdade é que a decisão sobre as mesmas se prende muito directamente com o caso concreto a analisar, a tal ponto que, cada situação poderá merecer uma decisão diferente ou até oposta.

Assim, no caso vertente, atendendo à matéria de facto fixada (e que já não pode ser alterada), ainda que vingasse a tese do recorrente de que o estágio poderia ser dispensado em certos casos- o que não se concede -, a verdade é que não estão provados os factos que permitiriam eventualmente tal dispensa no caso concreto, como seja o facto de que, durante o período em que exerceu as funções de arquitecto mediante a celebração de um contrato de avença, cumpria horário de trabalho e executava nas instalações do Município a totalidade das tarefas que lhe eram atribuídas sob sujeição hierárquica, tal como o contrato fosse de provimento.

Aliás, o próprio contrato de avença efectivamente celebrado e junto aos autos, refere que não confere ao contra-interessado a qualidade de agente e prestará os seus serviços sem subordinação hierárquica.

Isto, para além de que não ficou provado que o contra-interessado foi o único concorrente ao concurso em análise, como invoca o recorrente, o que prejudica a tese por si defendida de que não havendo necessidade de graduação dos candidatos não seria necessário o estágio.

6. Também a segunda questão tem a ver directamente com o caso concreto na medida em que o douto acórdão deste TCAS decidiu que a nulidade do acto decorria de o mesmo estar afectado por um vício especialmente grave que ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental e constitui preterição de uma formalidade essencial, conforme decorre das circunstâncias concretas do caso.

Prova disso é que nenhum dos acórdão do Tribunal de Contas e do Supremo Tribunal Administrativo, juntos com as alegações da entidade recorrente e já citados ao longo do processo, versa situação semelhante à aqui tratada, sendo que todas as situações nos mesmos versadas são diferentes entre si.

7. Assim, o acórdão do STA junto, trata de reclassificação profissional, situação substancialmente diferente da dos autos pois o que está em causa é a transição de carreira imposta a funcionários do quadro e não condições de ingresso na função pública.

8. Quanto aos acórdãos do Tribunal de Contas juntos com as alegações, os mesmos foram proferidos no âmbito do artº 44º da Lei nº 98/97, de 26-8, pelo que não se verificando qualquer dos fundamentos da recusa do visto previstos no seu nº3, foram deferidas as reclamações.

Ora a recusa dos vistos só pode ocorrer no caso de certas ilegalidades e não de todas, e tem essencialmente em vista aferir da legalidade dos encargos financeiros das nomeações.

Segundo Marcelo Caetano, “no caso de visto não há dúvida que o Tribunal de Contas não julga da legalidade do acto a qual é tomada em consideração apenas como fundamento da concessão ou recusa do exequátur”( in “Manual…”, 10 ª Ed, Vol I, pág 659).
Assim, a apreciação do Tribunal de Contas não interfere com a apreciação da legalidade dos actos administrativos efectuada pelos tribunais administrativos pelo que a jurisprudência citada pelo recorrente, deste tribunal, nenhum relevo tem para a questão controvertida.


9. Também temos como clara a obrigatoriedade do estágio neste caso, decorrente do próprio teor literal do artº 5º do DL nº 265/88, de 15-9, aliás aceite pela entidade demandada no próprio aviso de abertura do concurso e ao ter nomeado o referido funcionário como estagiário, por despacho de 22-8-2000, do Senhor Presidente da Câmara de Campo Maior, tendo só em 12-7-2001, sido nomeado definitivamente como técnico superior de 2ª classe ( sem estágio) .

10. Assim, pelo exposto, não nos parece que estejamos perante questões de especial relevância social ou jurídica ou em que a apreciação das normas jurídicas ou regulamentares aplicáveis se revistam de complexidade especial.~
E finalmente, não estamos, salvo melhor opinião, perante a necessidade de uma melhor aplicação do direito por manifesta violação de qualquer disposição legal ou constitucional, ou por ir contra jurisprudência firmada dos tribunais administrativos, que determine a reapreciação do acórdão recorrido por esse Alto Tribunal.

Termos em que não deverá, quanto a nós, o presente recurso ser admitido.

III- Apreciação do recurso de revista:

Para o caso de se entender que será de receber o presente recurso, dir-se-á o seguinte:

1. Como já se referiu, existem duas questões a resolver nestes autos:

Uma é saber se o estágio, como condição de acesso à carreira técnica superior, é passível de ser dispensado pelo júri do concurso para ingresso na referida categoria, no âmbito da sua discricionariedade técnica; a outra é saber se, caso tal estágio seja obrigatório, se a ilegalidade cometida com a sua omissão gera a nulidade ou a mera anulabilidade do acto de nomeação.

2.Também é importante referir que neste tipo de recurso não cabe a apreciação das questões de facto mas sim a aplicação do direito aos factos dados como provados.

Ora, como também já se referiu, não ficou provado que o funcionário em questão foi o único concorrente ao estágio em causa ( cfr artº3º da petição) e que o contrato de avença anteriormente celebrado tenha implicado na prática, nomeadamente, uma prestação laboral em relação de subordinação hierárquica, o cumprimento de um horário de trabalho e concretas responsabilidades e conteúdo funcional.

3.Mas ainda que tal acontecesse, não poderia, mesmo assim, ser dispensado o estágio dado que o mesmo estava dependente da respectiva avaliação final em função da classificação de serviço obtida durante o estágio e em função da apresentação de um relatório pelo estagiário, tal como a lei prevê sem quaisquer excepções.

4. Assim, a deliberação do júri de 16-3-2001, sob o título de “ acta de avaliação do estágio do técnico superior –arquitecto” é ilegal.

Vejamos a transcrição da acta da reunião em que foi proferida a citada deliberação:

“Nos termos do artigo 3º nº 1 [do Decreto – Lei nº 265/88] dispõe que o estágio para o ingresso na carreira técnica superior tem carácter probatório, formativo e gradativo do candidato.
. Que neste caso o carácter de gradação de estágio não é aplicável por só haver um candidato.
. Que o estágio se destina nos termos da lei a apurar se o candidato tem aptidão técnica e funciona para exercer as funções de técnico superior.
. Que o funcionário já exerce funções efectivas inerentes ao conteúdo funcional, primeiro como arquitecto em regime de avença (de 1 de Agosto de 1999 a 30 de Setembro de 2000) e depois como técnico superior em 5 meses.
. Que no âmbito dessa assessoria técnica de arquitectura aos serviços municipais ( nas duas qualidades) elaborou os projectos no requerimento apresentado em 14 de Fevereiro de 2001.
. Que as actividades desenvolvidas durante um estágio desta natureza são as que, efectivamente, o requerente realizou durante o período atrás referido.
. Que durante o exercício de funções o requerente provou grande eficácia e mérito.
. Que o fim a que se destina o estágio é a comprovação da sua aptidão técnica para ingresso na carreira.
. Que a dispensa do estágio se encontra no âmbito da discricionariedade técnica do júri, e
. Que as finalidades que o estágio visava realizar foram todas alcançadas no decurso da actividade do requerente.
(…)
A deliberação foi tomada com o voto contra do então Chefe da DAF, na qualidade de membro do júri, o qual considerou, em síntese, que não se tinha realizado o efectivo estágio de acordo com o estipulado no artigo 5º do Decreto – Lei nº 265/88, de 28 de Julho, e que as funções exercidas em regime de avença não são comparáveis à exercidas em regime de estágio.

5. Por sua vez, o acórdão recorrido pronuncia-se sobre a referida deliberação da seguinte forma :

“Refira-se, desde logo, que a referida dispensa do estágio, pelo júri, considerando-o efectuado na prévia prestação de serviços em regime de avença, carece de qualquer fundamento legal.
Com efeito, o contrato de avença por parte da Administração só pode ter lugar nos termos da lei e para a execução de trabalhos com carácter não subordinado (cfr. artigo 10º nº 1 do Decreto – Lei nº 184/89, de 2 de Junho), e caracteriza-se por ter como objecto prestações sucessivas no exercício de profissão liberal ( cfr. artigo 7º nº 1 e nº 3 do Decreto – Lei nº 409/91, de 17 de Outubro).
Ora, tal exercício assenta em pressupostos diametralmente opostos aos subjacentes a um estágio prévio, com destaque para o carácter probatório, formativo e gradativo, com “ subordinação hierárquica … cumprimento de horário … responsabilidade e conteúdo funcional ” inerente ao contrato administrativo de provimento.
Por conseguinte, independentemente da expressa consagração legal, nunca um contrato de avença acautelaria as necessidades e obrigações gizadas para um estágio prévio, sendo que o verdadeiro alcance do estágio prévio resulta do regime legal consagrado para o período experimental de trabalho, inerente a todas as normais situações de trabalho subordinado, constituindo assim uma acrescida exigência legal, um verdadeiro plus, a final a verdadeira habilitação legal.
Ora, nos termos do artigo 3º nº 1 do citado Decreto – Lei nº 265/88, de 28 de Julho, na redacção dada pelo Decreto – Lei nº 233/94, de 15 de Setembro, o estágio constitui condição de ingresso na carreira de técnico superior.
O regime de estágio para ingresso na carreira técnica superior deve obedecer às normas definidas no artigo 5º do Decreto – Lei nº 265/88, de 28 de Julho que preceitua:
“ 1 - O estágio para ingresso nas carreiras técnica superior e técnica obedece às seguintes regras:
a) A admissão ao estágio faz-se de acordo com as normas estabelecidas para os concursos de ingresso na administração central e local, definidas pelo Decreto-Lei n.º 44/84, de 3 de Fevereiro, e diplomas regulamentadores;
b) O estágio tem carácter probatório e deverá, em princípio, integrar a frequência de cursos de formação directamente relacionados com as funções a exercer;
c) O número de estagiários não pode ultrapassar em mais de 30% o número de lugares vagos existentes na categoria de ingresso da respectiva carreira;
d) A frequência do estágio será feita em regime de contrato além do quadro, no caso de indivíduos não vinculados à função pública, e em regime de requisição, nos restantes casos;
e) O estágio tem duração não inferior a um ano, a fixar no aviso de abertura de concurso, findo o qual os estagiários serão ordenados em função da classificação obtida;
f) Os estagiários aprovados com classificação não inferior a Bom (14 valores) serão providos a título definitivo, de acordo com o ordenamento referido no número anterior, nos lugares vagos de técnico superior de 2.ª classe ou de técnico de 2.ª classe;
g) A não admissão, quer dos estagiários não aprovados, quer dos aprovados que excedam o número de vagas, implica o regresso ao lugar de origem ou a imediata rescisão do contrato, sem direito a qualquer indemnização, consoante se trate de indivíduos vinculados ou não à função pública.
2 - O disposto na alínea g) do número anterior não prejudica a possibilidade de nomeação dos estagiários aprovados, desde que a mesma se efective dentro do prazo de validade do concurso para admissão ao estágio.
3 - A avaliação e classificação final dos estagiários será feita nos termos a fixar no aviso de abertura do concurso, devendo respeitar os seguintes princípios gerais:
a) A avaliação e classificação final competem a um júri de estágio;
b) A avaliação e classificação final terão em atenção o relatório de estágio a apresentar por cada estagiário, a classificação de serviço obtida durante o período de estágio e, sempre que possível, os resultados da formação profissional;
c) A classificação final traduzir-se-á na escala de 0 a 20 valores;
d) Em matéria de constituição, composição, funcionamento e competência do júri, homologação, publicação, reclamação e recursos aplicam-se as regras previstas na lei geral sobre concursos na função pública”.

Subscrevemos inteiramente o acórdão recorrido na parte transcrita, mormente na parte em que considera o estágio em análise obrigatório
6. Também na parte em que decidiu ser nulo o despacho de nomeação do contra-interessado em consequência deste não ter realizado previamente o estágio, parece ter feito correcta aplicação do direito.

7. Mas ainda que assim não se considerasse, não seria possível considerar que houve erro manifesto ou gritante na aplicação do direito.Senão vejamos:

A nulidade em causa já esteve expressamente consagrada na lei das Autarquias Locais a qual era aplicável por analogia, ás situações ocorridas com funcionários da administração central, por assim considerar a doutrina e a jurisprudência.

De facto, nos termos do artigo 88º nº 1 al. f) do Decreto – Lei nº 100/84, de 29 de Março, eram nulas as deliberações dos órgãos autárquicos que nomeassem funcionários sem concurso, a quem faltassem requisitos exigidos por lei, com preterição de formalidades essenciais ou de preferências legalmente estabelecidas.

Tanto a doutrina como a jurisprudência consideravam que este preceito se aplicava analogicamente a todos os actos praticados pela Administração ( cfr v.g. F. Amaral, in “Direito Administrativo”, vol III, pág 331 e ac do STA de 18-10-89)

Com a entrada em vigor da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro, que revogou a Lei nº100/84, deixou de existir preceito semelhante à citada alínea f), vigorando apenas o artigo 133º e ss. do CPA que, não definindo embora taxativamente os actos nulos, também não prevê a situação.

8. Portanto, actualmente, não existe qualquer normativo que atribua expressamente a nulidade a actos de nomeação de funcionários com preterição das formalidades legais.

No entanto, parece-nos que o legislador ao omitir esta nulidade na nova legislação, não a quis erradicar completamente do ordenamento jurídico português, mas sim transformá-la em outra nulidade menos explícita ou em nulidade por natureza, a fim de os tribunais poderem ter a oportunidade de apreciar a gravidade da situação concreta, caso a caso.

É a nosso ver o que resulta, nomeadamente, do nº3 do artº 134º do CPA, ao consagrar pela primeira vez legislativamente e de forma a vigorar por tempo indeterminado, a previsão de atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos, por força do simples decurso do tempo.

Isto na senda do que já acontecera com o DL nº 413/91, de 19-10, embora este diploma visasse apenas regularizar a situação de alguns agentes putativos.

Portanto, se o legislador consignou a possibilidade de consagração de situações de facto decorrentes de actos nulos, entre as quais se encontram as dos chamados agentes putativos, não pode ter excluído a nulidade dos actos de nomeação ilegais que dão origem a essas situações de facto consolidadas. Por outras palavras, se a situação dos agentes putativos está prevista na lei é porque as nomeações ilegais podem ser declaradas nulas em certas circunstâncias.

Ora, tais nulidades só podem ser ou as nulidades por natureza, mormente por ofensa do núcleo essencial de um direito fundamental ou por outra ilegalidade especialmente grave, ou as nulidades por falta de um elemento essencial do acto que pode ser a preterição de uma formalidade essencial tal como defendem Mário Esteves de Oliveira Pedro Costa Gonçalves e J.Pacheco de Amorim, in Código de Procedimento Administrativo Comentado, 2ª Edição,anotação V., pág 641 e segs P.V.e Moura, in “Função Pública” 2ª Ed, I vol, pag 95 e anotação 154 e acórdão do STA de 14-5-02, in recº nº 047825).

Têm sido considerados nulos por natureza também os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental ( cfr, entre outros autores, F. Amaral in Direito Administrativo, vol III, pág.334).

9. Questão é, pois, saber, se no caso foi ofendido o conteúdo essencial de um direito fundamental (cfr neste sentido o ac do STA de 20-5-93, in recº nº 031520).
.
A este propósito refere o douto acórdão recorrido, o seguinte:

“(…)Por conseguinte, a falta de habilitação legal para o exercício de um cargo publico afecta a validade do acto, configurando a falta do estágio prévio ofensa ao conceito de “ elemento essencial “ como resulta da al. d) do nº 2 do artigo 133º do CPA, por manifesta violação do principio especial do “ direito de acesso a cargos públicos”, entroncado no principio geral da igualdade ( artigo 50º e 13º da CRP) – cfr. a propósito Acórdão do STA de 3 de Julho de 2001, in Proc. nº 47111.
Assim sendo, porque são nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais e /ou que “ ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental” , e porque tal configura a preterição de estágio prévio na contratação em causa, resulta nulo o despacho de nomeação do Presidente da Câmara Municipal de Campo Maior, de 2 de Abril de 2001, bem como a subsequente tomada de posse de 12 de Julho de 2001”.

10. É inegável que o direito fundamental violado foi o direito de acesso a cargos públicos em condições de igualdade previsto nos artºsº 50º nº1 e 13º da CRP, uma vez que ao não sujeitar o contra-interessado a prévio estágio com todos os requisitos previstos no artº 5º do DL nº 265/88 - donde se destaca a obrigatoriedade de avaliação do trabalho despendido - não obstante ter aberto concurso para o efeito e ter até chegado a nomear o contra-interessado estagiário, a entidade recorrente agiu discricionariamente e sem objectividade, numa matéria que deveria ser estritamente vinculada, já que não tem qualquer possibilidade de escolha, permitindo que aquele usufruísse de condições de acesso a um cargo público em situação muito mais vantajosa do que aqueles que acederam aos cargos semelhantes após terem efectuado estágio com aproveitamento ( cfr G. Canotilho e V- Moreira in CRP Anotada, anotação XI e segs, pág 660 e segs ).
Ora a nomeação de funcionários sem os requisitos necessários ou com preterição dos formalismos previstos na lei que visam garantir o correcto exercício de funções públicas, violam o núcleo essencial do direito de acesso aos cargos públicos em condições de igualdade.

Trata-se, aliás, de uma proibição legal de aceder à função pública sem previamente ter sido feito um estágio, proibição essa que praticamente sempre existiu no ordenamento jurídico português e se destina a admitir funcionários que deram provas e que adquiriram os conhecimentos necessários ao desempenho da função sob a direcção de um superior hierárquico ( cfr M.Caetano in “Manual…”10ª Ed., vol II, pág 659).

E nem se diga que por existirem casos em que foi (ilegalmente) dispensado o estágio como condição de ingresso na categoria de técnico superior de 2ª classe, como defende o recorrente, também no caso presente essa dispensa tem de se considerar legal sob pena de violação do princípio da igualdade.

De facto, como se tem pronunciado diversas vezes a doutrina e a jurisprudência. não existe igualdade na ilegalidade.

Nestes termos, caso se considere ser de admitir o presente recurso, deverá ser mantido o acórdão recorrido.



IV - Em conclusão:


1.Vem pedida nesta acção, pelo MP, a declaração de nulidade do acto que nomeou para o lugar de Técnico Superior de 2ª classe (arquitecto) do Município de Campo Maior, o contra-interessado José Manuel Pernão Nunes, após candidatar-se ao concurso externo de ingresso para um lugar da referida categoria, aberto por aviso publicado no DR, III Série, de 18-4-2000 e na sequência de deliberação de 16-3-2001, do júri do concurso que, pelas razões constantes da acta da reunião realizada nessa data, considerou de dispensar a realização do estágio obrigatório a que se refere o artº 5º do DL nº 265/88, de 15-9.

2.Sobre este pedido foi proferida sentença pelo TAF de Castelo Branco, que considerou improcedente a acção por entender que a falta de realização do estágio não constitui preterição de qualquer formalidade essencial que determine a nulidade prevista no nº1 do artº 133º do CPA.

3.O MP interpôs recurso jurisdicional desta sentença para o TCAS, tendo vindo este tribunal de recurso a dar provimento ao recurso e a considerar procedente a acção por entender que “…a falta do referido estágio constitui falta de habilitação legal para o exercício de um cargo público que afecta a validade do acto, configurando a falta do estágio prévio ofensa ao conceito de “ elemento essencial “ como resulta da al. d) do nº 2 do artigo 133º do CPA, por manifesta violação do principio especial do “ direito de acesso a cargos públicos”, entroncado no principio geral da igualdade ( artigo 50º e 13º da CRP)

4. Deste acórdão proferido pelo TCAS vem interposto o presente recurso excepcional de revista pelo Município de Campo Maior, o qual defende que a dispensa de estágio no caso vertente é legal essencialmente pelas razões constantes da acta da reunião do Júri do concurso de 16-03-2001 e que ainda que fosse ilegal o acto de nomeação seria meramente anulável e não nulo.

5. O recurso em apreciação, salvo melhor opinião, não deverá ser recebido, por não estarem em discussão questões de especial relevância social ou em que a apreciação das normas jurídicas ou regulamentares aplicáveis se revistam de complexidade especial, nem perante a necessidade de uma melhor aplicação do direito por manifesta violação de qualquer disposição legal ou constitucional, ou por ir contra jurisprudência firmada dos tribunais administrativos, razões que determinariam, se existissem, a reapreciação do acórdão recorrido por esse Alto Tribunal.

6. Caso o recurso seja recebido, deverá ser mantido o acórdão deste TCAS.

7. Existem duas questões a resolver nestes autos: Uma é saber se o estágio, como condição de acesso à carreira técnica superior, é passível de ser dispensado pelo júri do concurso para ingresso na referida categoria, no âmbito da sua discricionariedade técnica; a outra é saber se, caso tal estágio seja obrigatório, se a ilegalidade cometida com a sua omissão gera a nulidade ou a mera anulabilidade do acto de nomeação.

8. A jurisprudência tanto do STA como do Tribunal de Contas citada pelo Recorrente em abono da sua tese, não tem aplicação ao caso vertente pelas razões que invocámos nas alegações, pelo que improcedem as conclusões A.a U. das alegações do recorrente.

9. Neste tipo de recurso não cabe a apreciação das questões de facto mas apenas lhe cumpre apreciar a aplicação do direito aos factos dados como provados.

10. Não se encontram provados os factos em que o recorrente alicerça a tese de que, no caso concreto, era desnecessária a realização de estágio, mormente por o funcionário em causa ter sido o único concorrente ao estágio em análise ( cfr artº3º da petição) e ainda por o contrato de avença anteriormente celebrado, ter implicado, na prática, nomeadamente, uma prestação laboral em relação de subordinação hierárquica, e o cumprimento de um horário de trabalho.

11. Mas ainda que tais factos estivessem provados, a lei não permite, mesmo assim, a dispensa de estágio, já que não foi efectuada a avaliação e classificação finais em função do relatório de estágio a apresentar pelo estagiário, da classificação de serviço obtida durante o período de estágio e, eventualmente, dos resultados da formação profissional.

12. Nos termos do artigo 3º nº 1 do citado Decreto – Lei nº 265/88, de 28 de Julho, na redacção dada pelo Decreto – Lei nº 233/94, de 15 de Setembro, o estágio constitui condição de ingresso na carreira de técnico superior, pelo que o regime de estágio para ingresso na referida carreira deve obedecer às normas definidas no artigo 5º do Decreto – Lei nº 265/88, de 28 de Julho.

13. Se o legislador consagrou no nº3 do artº 134º do CPA a possibilidade de consolidação de situações de facto decorrentes de actos nulos - entre as quais se encontram as dos chamados agentes putativos - não pode ter excluído a nulidade dos actos de nomeação ilegais que dão origem a essas situações de facto consolidadas.

14. Tais nulidades s podem ser as nulidades por natureza, mormente por ofensa do núcleo essencial de um direito fundamental ou violação grave ou grosseira da lei, ou as nulidades por falta de um elemento essencial do acto que pode ser a preterição de uma formalidade essencial, nos termos do nº1 do artº 133º do CPA.

15. Tal como decidiu o acórdão recorrido, porque são nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais e /ou que “ ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental” , e porque tal configura a preterição de estágio prévio na contratação em causa, resulta nulo o despacho de nomeação do Presidente da Câmara Municipal de Campo Maior, de 2 de Abril de 2001, bem como a subsequente tomada de posse de 12 de Julho de 2001”.

16. Foi igualmente violado o direito fundamenta de acesso a cargos públicos em condições de igualdade previsto nos artºs 50º e 13º da CRP, uma vez que ao não sujeitar o contra-interessado a prévio estágio com todos os requisitos previstos no artº 5º do DL nº 265/88 - não obstante ter aberto concurso para o efeito e ter até ter chegado a nomear o contra-interessado estagiário - a entidade recorrente agiu discricionariamente numa matéria que deveria ser estritamente vinculada, permitindo que aquele usufruísse de condições de acesso a um cargo público em situação muito mais vantajosa do que aqueles que acederam aos cargos semelhantes após terem efectuado estágio com aproveitamento, em conformidade com o que a lei prescreve.

17. Nestes termos o acto impugnado sofre de nulidade por natureza e da nulidade prevista no nº1 do artº 133º do CPA, tal como bem decidiu o douto acórdão recorrido que assim, deverá ser mantido, negando-se provimento ao presente recurso de revista caso se considere que o mesmo deve ser admitido.


Assim decidindo, farão Vossas Excelência a costumada,
JUSTIÇA!

A Procuradora - Geral Ajunta



Maria Antónia Soares