Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:10/13/2014
Processo:11533/14
Nº Processo/TAF:00000/00/0
Sub-Secção:2.º JUÍZO - 1.ª SECÇÃO
Magistrado:Manuela Galego
Descritores:RECURSO.
CONTRA ALEGAÇÕES.
COMPETÊNCIA MATERIAL.
TAXA DE ESTACIONAMENTO.
TRIBUNAL TRIBUTÁRIO.
Texto Integral:
PROCURADORIA DA REPÚBLICA JUNTO DO
TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

Processo n.º 11533/14
2.º Juízo-1.ª Secção (Contencioso Administrativo)
Recurso – ação administrativa comum sumaríssima


EXCELENTÍSSIMOS SENHORES JUIZES DESEMBARGADORES
DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


O Ministério Público junto deste Tribunal, nos termos do art.º 146.º e seguintes do CPTA, vem apresentar o seu PARECER nos seguintes termos:

Recorre a Autora D…, S.A.”, recorre da douta sentença proferida pelo TAF de P... que considerou o Tribunal Administrativo absolutamente incompetente, em razão da matéria para conhecer da presente ação e absolveu o Réu da instância.

Alega em síntese: -
--- A exceção de incompetência absoluta não devia ter sido julgada procedente, quando a questão subjacente nos presentes autos foi discutida amplamente nos Tribunais judiciais e foi confirmada pelo Acórdão n.º 05/10, de 09.06.2010 do Tribunal de Conflitos;
--- O pedido fundamenta-se em concessão de contrato celebrado com o Município de P..., segundo o qual ficam os utilizadores obrigados ao pagamento de um montante que varia consoante o tempo de utilização;
--- Esse montante é fixado pela RECORRENTE, e não pela autarquia, encontrando-se afixados nos locais por si explorados;
--- Nos termos do referido contrato de concessão ficou a recorrente obrigada a respeitar o Regulamento de Estacionamento de Duração Limitada, sem que tenham sido transferidos para a Recorrente qualquer autoridade ou dever público;
--- Apesar da concessão de contratos, tal como proclama o Tribunal de Conflitos no referido Acórdão, ser considerada uma relação administrativa, a verdade é que a relação estabelecida entre a Recorrente e o particular constitui uma relação jurídica que se funda no facto de lhe disponibilizar um serviço e este ficar obrigado a pagar à Recorrente a contraprestação pelo serviço prestado;
--- E esta contraprestação não pode ser confundida com taxas ou tributos cobrados por uma qualquer edilidade pública, até porque é a própria Recorrente quem fixa os valores pelo tempo de utilização, sem qualquer intervenção do Município de P…;
--- Nos termos dos contratos de concessão celebrados com a citada Autarquia foi-lhe adjudicada a concessão, exploração, gestão e manutenção de um parque de estacionamento, bem como a instalação e exploração dos parquímetros;
--- Citando o referido Acórdão afirma-se no mesmo que tais contratos, atenta a veste em que neles intervém o Município de P..., isto é atendendo à concessão descrita, subsumem-se ao conceito de contratos administrativos e ter-se-ão de considerar contemplados na primeira parte da al. f), do n.º 1, do art.º 4.º do ETAF;
--- A sua pretensão emerge de uma relação jurídico-administrativa, tendo por objeto a execução de um contrato que as partes submeteram a um regime substantivo de direito público, pelo que, não restam dúvidas de que os Tribunais competentes para conhecer da presente ação são os Tribunais Administrativos.

Do mérito do recurso:

A recorrente interpôs ação administrativa comum sob a forma sumaríssima contra o Réu O…, pedindo que o mesmo seja condenado a pagar-lhe a importância de € 399,31, acrescida de juros de mora.

--- Para o efeito fundamentou-se nos seguintes factos: -

--- Detém a exploração, gestão e manutenção dos estacionamentos de P..., mediante contratos de concessão celebrados com o Município de P....---

--- O Réu desde 22.02.2005 até 5.01.2012 estacionou o veículo de matrícula 88-99-ND nos vários parques de estacionamento que a Autora explora na cidade de P..., sem proceder ao pagamento do tempo de utilização, conforme regras devidamente publicitadas no local.

--- Tal como consta dos avisos colocados nos lugares de estacionamento a A. tem direito a cobrar uma taxa, que durante o ano de 2005 até 30 de Setembro de 2006 era no valor de € 5,40, e que a partir de 1 de Outubro de 2006 passou a ser de € 6,60.

A competência material dum Tribunal constitui um pressuposto processual, sendo apreciada em função do pedido formulado e da causa de pedir em que o mesmo se alicerça, não dependendo da legitimidade das partes ou da procedência ou não da ação.

Preceitua o art. 4.º, n.º 1, do ETAF (aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19/02) que compete à jurisdição administrativa e fiscal a apreciação dos litígios que tenham, nomeadamente por objeto:
f) Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público”.

Por outro lado, consagra também ainda o art.º 212.º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa, que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, vindo a sua competência a ser concretizada no artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais”.

O fundamento do pedido no litígio em apreço, embora possa referenciar-se genericamente pelo âmbito da previsão do art. 4.º do ETAF, reporta-se a uma situação mais específica do que as previstas nas referidas normas, pois que emerge claramente de uma relação jurídica tributária.
E enquadra-se mais especificamente no âmbito da competência dos Tribunais Tributários, prevista no art.º 49.º, n.º 1, al. c), do ETAF.
É inquestionável que a Autora, ora recorrente, é uma sociedade anónima de direito privado, concessionária do serviço público de cobrança das taxas pela utilização de zonas de estacionamento equipadas com parquímetro, condicionada e de acordo com os art.ºs 24° e 25° do Regulamento das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada de P..., publicado no DR II série, de 2004.06.01, n° 128, apêndice 71/2004 e aprovado em 27.4.04, pela Assembleia Municipal do Município de P....
Se se tratasse de um litígio relacionado com os contratos de concessão seriam necessariamente competentes os tribunais administrativos para dirimir os litígios resultantes da execução do referido contrato subjacente ou os decorrentes da invalidade total ou parcial do mesmo (alínea f) do nº1 do artº 4º do ETAF e art.ºs 37º e 40º do CPTA).
Todavia, a situação concreta em apreço nos autos é completamente diversa.
Não restam dúvidas de que a Autora não atua como qualquer particular numa comum relação de direito privado, não sendo manifestamente esta a situação em apreço nos autos, pois que agiu no âmbito de normas de interesse e ordem públicos.
O litígio emergente dos atos descritos na Petição Inicial, embora recaia genericamente na esfera de competência da jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais (art. 1.º, n.º 1 do ETAF), é da competência da jurisdição tributária.
Com efeito, a questão jurídica em apreciação diz respeito, no essencial, ao pagamento da taxa de estacionamento prevista para o parqueamento de veículos por período de tempo limitado, pelo que está em causa um relação jurídica de natureza tributária entre a Autora e um particular e não uma relação jurídica administrativa entre esta e a Autarquia (como também se refere no recente Ac. do TCAS de 10.10.2013, Rec. n.º 09702/13:… A recorrente confunde duas relações jurídicas diferentes: a que existe entre ela e entidade pública que lhe fez a concessão e a que está na base desta AAC e vem descrita na p.i. A primeira é administrativa, como é óbvio e foi referido no citado ac. do T. de Conflitos; a segunda é tributária, pois diz respeito a taxas municipais (vd. art. 3º LGT) devidas pelo A. por causa do estacionamento em parque municipal concessionado à A. pelo município. Ora, as relações jurídicas tributárias estão, como se sabe, sujeitas à jurisdição dos T.T. e não aos TACs (vd. Art.ºs. 212º-3 CRP, 4º ETAF, 35º ss CPTA e 99º ss CPPT) …”.
Este Acórdão foi confirmado pelo STA, por Ac. de 10-10-2013 (Relator: Juiz Conselheiro Paulo Pereira Gouveia).
Atente-se também no recente Acórdão do coletivo de Juízes Desembargadores da secção administrativa deste TCA Sul, proferido nos autos de recurso n.º 10511/13, em 6-02-2014, ao abrigo do art.º 48.º, n.º 5,do CPTA, proferido no mesmo sentido.
A Autora, como concessionária, surge na relação como um particular, investida de prerrogativas próprias de um sujeito de direito público – neste caso uma Câmara Municipal - revestido de "ius imperium". Pelo que, dispõe dos mesmos poderes de autoridade da entidade concedente, o Município de P..., como se fosse esta a exploradora direta do referido espaço de estacionamento de veículos e que a mesma entidade deliberou concessionar-lhe.
Estes poderes de autoridade dão competência à Autora, ora recorrente, como concessionária, para aplicar a referida e por si própria designada “taxa”, ficando qualquer condutor, que estacione o veículo no local explorado por ela, vinculado ao pagamento de um montante que varia consoante o tempo de utilização, conforme regras afixadas nos espaços de estacionamento. Caso o condutor não proceda ao pagamento do valor do estacionamento no parquímetro respetivo, a Autora coloca na viatura um aviso de liquidação, referente ao incumprimento, cobrando, para o efeito, uma verba.

Pelo que, no âmbito da concessão, prossegue fins de interesse público legalmente definido, estando, para tanto, munida dos necessários poderes de autoridade, poderes que compreendem o direito de fixar, aplicar e cobrar os preços previamente definidos, no que respeita aos limites mínimos que são impostos pela Assembleia Municipal da Autarquia em causa No sentido exposto, e a respeito da cobrança de água, veja-se também o Acórdão de 9/11/2010, proferido no conflito nº 17/10, e que seguiu a posição já antes assumida no Acórdão do Tribunal dos Conflitos de 26/09/2006 - Processo n.º 14/06..
Na verdade o preço cobrado, tal como designado pelo Município e pela própria Autora, constitui uma taxa, como se prevê nos art.ºs 4°, n° 2, e 30.º, nº 2, da Lei Geral Tributária, aplicável à data e aprovada pelo DL n° 398/98, de 17.12, correspondendo no essencial às mesmas normas da lei atual (versão dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31/12), e também na alínea g) do art° 19º da Lei n° 42/98, de 06.08 (Lei da Finanças Locais à data), a que correspondem, na atualidade os art.ºs 14.º e 20.º da Lei n.º 73/2013, de 3/09., pelo que a douta sentença em apreço se nos afigura correta e não enferma dos erros ou ilegalidades invocadas.
Também se enquadra na Lei n.º 53-E/2006, 29 de Dezembro (regime geral das taxas das autarquias locais), a qual regula as relações jurídico-tributárias geradoras da obrigação de pagamento de taxa às autarquias locais, qualificando estas como tributos - cfr. arts. 1°, n.° 2 e 3° da citada Lei.

Ao contrário do que invoca a Recorrente o Acórdão do Tribunal de Conflitos, de 9-06-2010, proferiu a decisão num conflito entre os tribunais administrativos e os tribunais comuns.E, de acordo com o mesmo Acórdão, uma vez que a recorrente, no âmbito dos contratos de concessão, se vinculou expressamente ao Regulamento de Estacionamento de Duração Limitada do Município de P..., é este diploma que rege a sua relação com os utilizadores dos espaços de estacionamento concessionados, “situação que cai na previsão da parte final da al. f) do n.º 1 do art.º 4° do ETAF” (cfr. citado Ac. de 9/6/20 10).
Mas apenas atribuiu a competência à jurisdição administrativa e fiscal, sem distinguir uma da outra.
A jurisdição administrativa e fiscal é uma única jurisdição, à qual pertencem tanto os tribunais administrativos como os tributários, sendo aqueles competentes para julgar os litígios cuja resolução exige a aplicação de normas de direito administrativo e estes os competentes para dirimir os litígios que impliquem a aplicação de normas de direito fiscal.
Como estamos perante uma relação jurídico-tributária geradora da obrigação de pagamento de uma taxa são estes últimos os competentes para apreciar a relação jurídica em apreço (confira-se também a doutrina citada no douto Acórdão proferido no processo n.º 10511/13, em 6-02-2014, de que se transcreve parcialmente na nota seguinte) Mário Aroso de Almeida (ob.cit., págs. 193 e 194) : “à face do critério do artº 212.º, .n° 3, da CRP, deve ainda entender-se, ao contrário do que sucedia no passado, que a matéria tributária ou fiscal se estende, em geral, a todo o universo das relações jurídicas fiscais, independentemente da forma que revista a respectiva parte: deve, assim, entender-se que os tribunais tributários (e as secções do contencioso tributário) são os tribunais comuns para o conhecimento dos litígios emergentes das relações jurídicas fiscais, pelo que também são competentes para dirimir os litígios emergentes de contratos fiscais, assim como as questões de responsabilidade civil extracontratual emergentes das relações jurídicas fiscais.

A atribuição de poderes tributários para liquidação e/ou cobrança de uma taxa por um Município a uma entidade privada, neste caso, decorrente da colaboração de um contrato administrativo de concessão, não altera a natureza jurídica da relação jurídica estabelecida com o particular, simplesmente introduz uma intermediação entre o particular e o município no âmbito da liquidação e/ou cobrança da taxa, a qual é sempre fixada e liquidada nos termos definidos pela autarquia — cfr. neste sentido, Nuno de Oliveira Garcia, Contencioso de taxas, Almedina, 2011 págs. 73 a 81.
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Assim, cabe na competência dos Tribunais Tributários a apreciação de litígios emergentes da cobrança coerciva de dívidas a uma empresa concessionária com a natureza indicada, uma vez que a dívida reveste uma natureza fiscal, sendo da competência dos referidos Tribunais.

Pelo exposto, é Parecer do Ministério Público que o recurso não merece provimento, devendo manter-se a decisão recorrida.

A Procuradora-Geral Adjunta,

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Manuela Galego