Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:Administrativo
Data:01/27/2012
Processo:08431/12
Nº Processo/TAF:00520/09.1BELSB
Sub-Secção:2º. Juízo
Magistrado:Clara Rodrigues
Descritores:ACÇÃO ESPECIAL.
PROGRESSÃO NA CARREIRA - NOVO REGIME.
MUDANÇA DE ESCALÃO.
Texto Integral:Venerando Juiz Desembargador Relator

A Magistrada do MºPº junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada nos termos e para efeitos do art. 146º nº1 do CPTA, vem, emitir parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:

I – O presente recurso vem interposto pelo Sindicato, então A., da sentença de fls. 63 e segs. do TAC de Lisboa, que julgou totalmente improcedente a presente acção, absolvendo o Réu do pedido.

Nas conclusões das suas alegações de recurso, o recorrente imputa à sentença recorrida nulidade por omissão de pronúncia a que se reporta o art. 668º nº 1 al. d) do CPC e incorrecta interpretação do direito aplicável, ao que se afigura com violação do art. 119º da Lei nº 67-A/2007 de 31/12, da Lei nº 12-A/2008 de 27/02 e DL nº 353-A/89 de 16/10.

Não foram apresentadas contra - alegações de recurso jurisdicional.

II – Na sentença recorrida foram dados como provados, com interesse para a decisão e com fundamento na prova documental, os factos constantes dos pontos 1 a 6, sob o título “FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO”, a fls. 64, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

III – Quanto à nulidade da al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC.

Invoca o recorrente verificar - se tal nulidade por a sentença em recurso não se ter pronunciado sobre as ilegalidades invocadas na p.i. da omissão de resposta, violação do princípio da administração aberta e da preterição do instituto da audição dos interessados, por parte da Entidade ora Recorrida.

Todavia, conforme sustenta a Mmª Juiz a quo a fls. 93, na sentença recorrida, considerou - se prejudicado o conhecimento dos vícios imputados ao acto, face à solução dada na mesma de “não poder ser reconhecido o direito ao posicionamento no escalão 4, índice 254, desde 1.3.2008 até 31.12.2008, mostrando - se correcta a transição feita que lhe foi comunicada em Fevereiro de 2009”, inexistindo por isso omissão de pronúncia.

E, na verdade, conforme é jurisprudência corrente: «A nulidade de omissão de pronúncia estabelecida na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, verifica-se quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que deva apreciar, devendo apreciar as questões que lhe foram submetidas que se não encontrem prejudicadas pela solução dada a outras (artigo 660.º, n.º 2 do mesmo diploma) – cfr., entre muitos outros, Acórdão STA de 13/05/03, Rec. nº 02047/02 (bold nosso).

Assim, que com tal decisão de prejudicialidade, possa haver erro de julgamento (que o recorrente não invocou), mas não omissão de pronúncia.

IV – Quanto à imputada incorrecta interpretação do direito aplicável, com violação do art. 119º da Lei nº 67-A/2007 de 31/12, da Lei nº 12-A/2008 de 27/02 e DL nº 353-A/89 de 16/10.

Vinha sendo jurisprudência deste TCAS o entendimento exarado na sentença recorrida, a qual se fundamentou precisamente em Acordão deste Tribunal ad quem que citou.

Pelo nosso lado, temos vindo a entender em pareceres por nós subscritos, formulados noutros processos, que: «Na consideração do Ac. deste TCAS, proferido no Rec. 05163/09, transcrito parcialmente na sentença ora em recurso, no caso em apreço, também no momento em que o associado do Recorrente se apresentou a requerer a progressão na carreira com efeitos reportados a 01/01/2008, já não lhe era aplicável a regra da progressão automática prevista no Dec. Lei nº 353-A/89, mas sim a regra dos artigos 46º a 48º e 113º da Lei nº 12-A/2008, ou seja o novo regime da Função Pública que veio a entrar em vigor em 1 de Março de 2008.
Daí que, como se refere no Ac. citado «se possa falar com propriedade em congelamento na progressão nas carreiras da função pública até à entrada em vigor da referida Lei 12-A/2008 que efectivamente veio a estabelecer novas regras de progressão, efectuando-se a mesma, por força deste diploma, não de forma automática como sucedia até então, mas em função do mérito.» (bold nosso).
Na verdade, Lei nº 67-A/2007, de 31/12 (Lei do Orçamento de Estado para 2008), ao determinar que, a partir de 1 de Janeiro de 2008, a progressão nas categorias ficaria na alçada da lei que viesse a definir e a regular novos regimes de vinculação de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas (o que veio a acontecer com a Lei 12-A/2008) não fez mais do que congelar a progressão das carreiras da função pública – congelamento esse já determinado anteriormente pelas Leis 43/2005 de 29/09 e 53-C/2006 de 29/12 – até à entrada em vigor desta Lei 12-A/2008, não sem determinar, contudo, que, uma vez operada a progressão nas categorias de acordo com as regras da nova lei, a mesma produzisse os seus efeitos a partir da referida data de 01 de Janeiro de 2008.
E, a nosso ver, isto não entra em contradição com a data da vigência da Lei 12-A/2008 (01.03.2008), nem tem a ver com qualquer retroactividade desta, já que as suas normas vigoram para futuro, o que não impede que uma lei anterior, neste caso a Lei 67-A/2007, mande aplicar aos casos de progressão nas categorias, no período compreendido entre 1 de Janeiro de 2008 e 01 de Março de 2008, as regras que venham a ser definidas em lei a publicar (o que veio a acontecer com a nova lei, que as definiu em função do mérito e não de forma automática), assim as congelando até lá.
O consignado no art. 119º nº 1 da Lei 67-A/2007, visou, assim, em nosso entender, não propriamente uma revogação tácita do DL 353-A/89, como se defende nos acórdãos deste TCAS atrás citados, mas antes um congelamento “impróprio” da progressão nas categorias até à entrada em vigor do novo diploma (Lei 12-A/2008), cuja produção de efeitos da aplicação das regras de progressão em função do mérito, reverteria, para os casos compreendidos naquele período, à data de 01 de Janeiro de 2008. Daí que o apelidemos de “congelamento impróprio” (nosso parecer formulado no proc. nº 06081/10, em 25.03.2010).

E, este continua a ser o nosso entendimento.

Não obstante, foi proferido, por este TCAS, o Acórdão de 07/12/2011, no Proc. nº 06966/10, que aderindo ao Ac. do STA de 26.05.2010, Rec. 0958/09, proferido em recurso de revista excepcional, inverteu o sentido jurisprudência até aí formulada.

O referido Ac. do STA, na parte que nos importa, é do seguinte teor:
«(...) A produção legislativa é, por natureza, uma actividade complexa e rigorosa, sobretudo quando através dela se instituem regimes legais em áreas sensíveis, como é, sem dúvida, o que aqui nos ocupa (regime de carreiras e de remunerações dos trabalhadores da função pública), reclamando acrescidas exigências de rigor técnico na edificação do respectivo quadro legal.
E essas exigências tornam-se ainda mais prementes quando se trata de implementar regimes provisórios, com medidas de suspensão temporária de efeitos fixados em diplomas vigentes, e com apelo à produção antecipada de efeitos de futuras leis inovatórias, situações naturalmente geradoras de delicados problemas de concorrência, sucessão e aplicação de leis no tempo.
O que nos obriga, então, a uma atenta e elaborada tarefa de interpretação e captação da vontade legislativa, partindo sempre do pressuposto, para a fixação do sentido e alcance da lei, de que “o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (art. 9º, nº 3 do C.Civil).
A situação que nos ocupa é deveras complexa.
A associada do Autor, tendo iniciado funções a 03.09.2001, e vindo a ser remunerada, no escalão 1 da respectiva categoria, pelo índice 137, teria adquirido, a 06.01.2008, o direito à progressão automática e oficiosa ao escalão 2 da categoria, por ter completado nessa data o módulo de tempo de 4 anos fixado no citado art. 19º do DL nº 353-A/89, de 16 de Outubro, cuja contagem esteve suspensa entre 30.08.2005 e 31.12.2007, nos termos das citadas Leis nº 43/2005, de 29 de Agosto, e nº 53-C/2006, de 29 de Dezembro, contagem que assim teria sido retomada a 01.01.2008.
Sustenta, porém, o acórdão sob revista, confirmativo da decisão de 1ª instância, que as normas dos arts. 19º e 20º do DL n.º 353-A/89 já não eram aplicáveis, por efeito do já transcrito art. 119º, nº 1 da Lei nº 67-A/2007, de 31 de Dezembro, pelo que a situação daquela funcionária já estava, a 01.01.2008, sob a alçada dessa lei futura, por virtude da produção antecipada dos seus efeitos.
Afirma expressamente o acórdão sob censura que “(…), com tal determinação, previu-se que a partir de 1 de Janeiro de 2008, derrogando efeitos de anterior legislação, todas as progressões ficariam sob alçada da lei que viesse a definir e a regular os novos regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas.”
E que “Essas regras para que remete aquele artigo 119º, nº 1, foram introduzidas pela Lei 12-A/2008, de 27/02 (cfr. arts. 46º a 48º e 113º), devendo aplicar-se a partir de 01.01.2008, por imposição daquela norma da Lei 67-A/2007, não obstante a Lei 12-A/2008, na sua generalidade, entrar em vigor posteriormente”, o que significa que “a Lei nº 67-A/2007 derroga as disposições do DL. nº 353-A/89 relativas à progressão nas categorias, na medida em que essa matéria viesse a ser regulada no diploma a publicar....
A Exma magistrada recorrente insurge-se contra o assim decidido, pugnando pela inaplicabilidade à situação dos autos do citado art° 119° da Lei n° 67-A/2007, norma que, em seu entender, não pode destruir direitos adquiridos ao abrigo do citado DL n° 353-A/89, de 16 de Outubro, diploma que só veio a ser revogado pela Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.
Cremos que lhe assiste inteira razão.
Como se deixou já referido, a funcionária associada do Autor, tendo iniciado funções a 03.09.2001, completaria o módulo de tempo de 4 anos na categoria, necessário à progressão automática e oficiosa de escalão (art. 19º do DL nº 353-A/89, de 16 de Outubro), a 01.10.2005, primeiro dia do mês seguinte ao do preenchimento do módulo.
Uma vez que a contagem do tempo de serviço esteve suspensa entre 30.08.2005 e 31.12.2007, nos termos das citadas Leis nº 43/2005 e nº 53-C/2006, o referido módulo de 4 anos completou-se, assim, naturalmente à luz do regime estabelecido no DL nº 353-A/89, a 06.01.2008, vencendo-se o direito à remuneração pelo novo escalão no dia 1 do mês seguinte, ou seja, a 01.02.2008.
E isto porque, terminado a 31.12.2007 o período de validade da suspensão de contagem do tempo de serviço para efeito de progressão nas carreiras, o DL nº 353-A/89 retomou a plenitude da sua eficácia normativa, completando-se, consequentemente, ao abrigo do regime nele estabelecido, os módulos de tempo cuja contagem fora suspensa.
O que só não sucederia se acaso esse diploma tivesse sido revogado, uma vez que “quando se não destine a ter vigência temporária, a lei só deixa de vigorar se for revogada por outra lei” (art. 7º, nº 1 do C.Civil).
O que se nos afigura não ter acontecido, concretamente pelo art. 119º, nº 1 da Lei n° 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2008).
Não se olvida que, nos termos do citado art. 7º do C.Civil, a revogação pode resultar de “declaração expressa”, de “incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes” ou da “circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior”.
Afastada naturalmente a última das hipóteses apontadas, cabe referir, em primeiro lugar, que a Lei n° 67-A/2007 não contém qualquer declaração expressa de revogação, total ou parcial, do DL nº 353-A/89.
E temos igualmente por certo que do texto daquele art. 119º, nº 1 não resulta a revogação tácita ou implícita daquele diploma, pois que essa revogação só veio a ser expressamente consagrada na Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro [art. 116º, al. u)], o que seria naturalmente incompreensível se a mesma tivesse sido já operada por diploma anterior. Teríamos então um diploma a ser revogado por duas vezes, o que é, do ponto de vista técnico e jurídico, perfeitamente inconcebível.
Retomemos então a letra do preceito:
“1 – A partir de 1 de Janeiro de 2008, a progressão nas categorias opera-se segundo as regras para alteração do posicionamento remuneratório previstas em lei que, na sequência da Resolução do Conselho de Ministros nº 109/2005, de 30 de Junho, defina e regule os novos regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, produzindo efeitos a partir daquela data.”
O que este preceito da Lei n° 67-A/2007, que é uma lei de aprovação do Orçamento do Estado, nos veio dizer é que, a partir de 1 de Janeiro de 2008, a progressão nas categorias vai obedecer às regras que virão a ser estabelecidas em lei que há-de surgir posteriormente, e que essa lei futura produzirá efeitos a partir daquela data.
Há que convir que se trata de um método pouco ortodoxo de determinação da eficácia das leis, o de estabelecer ex ante, em normação provisória, a retroactividade da aplicação ou da produção de efeitos de uma lei futura, sendo certo, para mais, que essa mesma lei futura não só silencia essa eficácia retroactiva, como fixa, ela própria, para data posterior à da sua publicação a respectiva vigência e produção de efeitos.
Na verdade, dispõe o art. 118º, nº 1 da Lei nº 12-A/2008 que, sem prejuízo da sua entrada em vigor (para certos efeitos) no dia seguinte ao da publicação, “a presente lei entra em vigor no 1º dia do mês seguinte ao da sua publicação e produz efeitos nos termos dos nº s 3 a 7”, dos quais não resulta qualquer produção de efeitos anterior.
Do que decorre naturalmente uma de duas conclusões:
(i)ou o referido art. 119º, nº 1 da Lei nº 67-A/2007, ao fixar a data de 1 de Janeiro de 2008 para o início da produção de efeitos do novo regime de progressão nas categorias, que há-de vir a ser estabelecido em lei futura, contém a ressalva implícita das situações desenvolvidas ainda ao abrigo do DL n° 353-A/89, diploma que só veio a ser revogado justamente pela nova lei (Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro);
(ii) ou, a admitir-se que o citado art. 119º, nº 1 da Lei nº 67-A/2007 fixa, sem qualquer ressalva, a data de 1 de Janeiro de 2008 para o início da produção de efeitos dessa lei futura, então essa prescrição foi necessariamente derrogada pelo conteúdo da nova lei, concretamente pelo citado art. 118º, nº 1 da Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (lex posterior priori derrogat).
Em qualquer dos casos, é inequívoco que à progressão nas categorias por mudança de escalão, decorrente da permanência por um módulo de tempo de 4 anos no escalão imediatamente anterior, que se vença entre 01.01.2008 e 01.03.2008, é aplicável o disposto nos arts. 19º e 20º do DL nº 353-A/89, de 16 de Outubro, diploma que só veio a ser revogado pela Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (novo regime de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas), a qual fixou a sua entrada em vigor e a respectiva produção de efeitos em data posterior à da sua publicação.
Ao decidir em sentido oposto, considerando que à progressão nessas circunstâncias se aplica o disposto no art. 119º, nº 1 da Lei nº 67-A/2007, de 31 de Dezembro, e, por via desta, o regime que veio a ser estabelecido na Lei nº 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, o acórdão recorrido incorre em erro de julgamento por violação das aludidas disposições legais.».

No caso dos presentes autos, a associada do ora recorrente encontrava - se posicionada no 3º escalão, índice 244, desde 01/11/2002, tendo requerido a sua progressão ao escalão 4 da categoria de Assistente Administrativo Principal,com efeitos a 29/02/2008 de acordo com o módulo de tempo fixado no art. 19º do DL nº 353-A/89.

A associada do A., posicionada no 3º escalão em 01/11/2002, completaria 3 anos no referido escalão em 01/12/2005 (1º dia do mês seguinte ao do preenchimento do módulo). Todavia, uma vez que a contagem do tempo de serviço esteve suspensa entre 30.08.2005 e 31.12.2007, nos termos das Leis nº 43/2005 e nº 53-C/2006, o referido módulo de 3 anos, mesmo considerando a aplicação do regime estabelecido no DL nº 353-A/89, completou-se a 01.03.2008 (e não 29/02/2008 como refere), vencendo-se o direito à remuneração pelo novo escalão no dia 1 do mês seguinte, ou seja, a 01.04.2008 (1º dia do mês seguinte ao do preenchimento do módulo).

Mas, mesmo que o módulo se completasse em 29/02/2008, como defende a recorrente, sempre o direito à remuneração se venceria a 01/03/2008, ou seja no dia em que entrou em vigor a Lei nº 12-A/2008

E, assim sendo, que em tal data de 01/04/2008, ou mesmo na de 01/03/2008, a Lei nº 12-A/2008, entrada em vigor em 01/03/2008, já lhe fosse aplicável e consequentemente que já estivesse revogado o DL nº 353-A/89 por esta mesma Lei.

Pelo que, a progressão já tivesse de ser feita de acordo com as novas regras desta Lei nº 12-A/2008.

Consequentemente, que se tenha de concluir como na sentença recorrida, ainda que pelos motivos ora invocados neste parecer.

VI – Assim, em face do exposto e em conclusão, emito parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso mantendo - se a decisão recorrida, ainda que pelos motivos atrás exarados.