Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:ADMINISTRATIVO
Data:07/24/2012
Processo:09016/12
Nº Processo/TAF:2241/08.3BELSB
Sub-Secção:2.ª SECÇÃO
Magistrado:Clara Rodrigues
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR.
PRESCRIÇÃO PROCEDIMENTO.
CATEGORIA INFERIOR INSTRUTOR NOMEADO.
Texto Integral:
Tribunal Central Administrativo Sul

Proc. nº 09016/12 – Rec. Jurisdicional

2º Juízo/1ª Secção ( Contencioso Administrativo )


Venerando Juiz Desembargador Relator

A Magistrada do MºPº, junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificada nos termos e para efeitos do artº 146º nº1 do CPTA, vem, ao abrigo do disposto no art. 145º nº 5 do CPC, emitir parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, nos seguintes termos:

Vêm interpostos dois recursos da sentença proferida, a fls. 1452 e segs., pelo TAF de Loulé, que julgou procedente, por provada, a presente acção, deferindo o pedido de declaração de nulidade da deliberação da CM …, de 01/07/2008, e, em consequência, condenou a mesma CM em todos os pedidos formulados, sendo um pelo então A. na parte em que não foram conhecidos os vícios invocados na p.i., para além dos que considerou procedentes, e o outro pelo Município, então Réu da sentença proferida.

Nas conclusões das suas alegações de recurso o recorrente, então A. imputa à sentença recorrida, violação do art. 95º n º 2 do CPTA e a nulidade da al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC.
Por sua vez, a entidade então R. nas conclusões das suas alegações de recurso, imputa à sentença recorrida erro de julgamento com violação dos arts. 4º nºs 2 e 3, 51º nº 2 e 52º nº 1 e 42º todos do ED e 133º nº 1, 2ª parte, do CPA.

Apenas o Município, enquanto recorrido, contra - alegou pugnando pela improcedência do recurso do A.

II – Na sentença em recurso foram dados como provados, com interesse para a decisão e com base na prova documental, os factos constantes das alíneas A) a J), do ponto II., de fls. 1455 a 1458, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.

III – Desde já se nos afigura ser de alterar e aditar à matéria de facto dada como provada, nos termos do art. 712º nº 1 do CPC, o seguinte:
- Na al. A), onde consta a data da “2007.01.11” passar a constar “2008.01.11” – cfr. acusação (fls. 12) e relatório final (fls. 122), e ponto 2. da p.i).
Na verdade, o ano de 2007 consta certamente por lapso no doc. nº2 junto à p.i. até porque, face ao constante da al. C) dos factos assentes, a instauração do processo disciplinar teria de ocorrer posteriormente.

- Na al. B), alterar “detinha a categoria de Técnica Superior (Jurista) 1ª classe” para “detinha a categoria de Técnica Superior Principal” (cfr. doc. junto a fls. 1424 e 1425).

- Aditar aos factos assentes uma alínea onde passe a constar a categoria profissional do A., designadamente, que o mesmo “detinha à data da instauração do processo disciplinar a categoria de Técnico Superior Assessor Principal“ (cfr. doc. junto a fls. 1399).

IV – Quanto ao recurso da sentença interposto pelo então A.

Imputa o então A. à sentença recorrida a nulidade de omissão de pronúncia do art. 668º nº 1 al. d) do CPC e violação do art. 95º nº 2 do CPTA.

Invoca o recorrente verificar - se tal nulidade por a sentença em recurso não se ter pronunciado sobre as ilegalidades invocadas na p.i. da ilegal substituição do Presidente da Câmara Municipal em violação do art. 79º nº 1 e 80º da Lei nº 169/99 de 18/09, da omissão de factos provados no Relatório Final em violação do nº 2 do art. 374º do CPP, da falta de audiência prévia em violação do art. 42º nº 1 do ED e da falta de inquirição de testemunhas arroladas em violação do nº 4 do art. 312º do CPP, arts. 155º nº 4 e 266º nº 4 do CPC e arts. 32º e 269º nº 3 da CRP, da violação do art. 43º nº 1 e 65º nº 1 do ED, da violação do art. 29º da CRP e do erro sobre os pressupostos de facto e de direito sobre o nº 1 do art. 3º do ED, e ainda da prescrição do procedimento disciplinar por outros factos que lhe são imputados,por parte da entidade recorrida.

Todavia, conforme sustenta a Mmª Juiz a quo a fls. 1611 e segs., na sentença recorrida, considerou - se que face à solução dada na mesma quanto à procedência dos vícios de prescrição para instauração do processo disciplinar e do acto de nomeação da instrutora ficava “prejudicada a apreciação dos restantes vícios porque os mesmos radicam na instrução do procedimento disciplinar, o qual padece de invalidade por via da nomeação da referida instrutora”, inexistindo por isso omissão de pronúncia.

E, na verdade, conforme é jurisprudência corrente: «A nulidade de omissão de pronúncia estabelecida na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, verifica-se quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que deva apreciar, devendo apreciar as questões que lhe foram submetidas que se não encontrem prejudicadas pela solução dada a outras (artigo 660.º, n.º 2 do mesmo diploma) – cfr., entre muitos outros, Acórdão STA de 13/05/03, Rec. nº 02047/02 (bold nosso).

Todavia é um facto que a sentença tendo embora se pronunciado sobre a prescrição do procedimento disciplinar dos factos imputados ao ora recorrido nos arts. 146º a 155º e 174º do Relatório Final, não se pronunciou sobre a mesma prescrição relativamente a outros factos que lhe são imputados e ainda anteriores àqueles.

Assim, que, a nosso ver, exista nulidade por omissão de pronúncia relativamente a esta questão, que não se encontra consumida mas já não relativamente aos restantes vícios invocados, já que quanto a estes, com tal decisão de prejudicialidade, possa haver erro de julgamento (que o recorrente não invocou), mas não omissão de pronúncia.

Daí que se afigure ser de declarar a sentença nula naquela parte da prescrição não conhecida, passando este tribunal ad quem a conhecer da referida presrição, sobre a mesma se dizendo o seguinte:

Na al. A) dos factos dados como assentes na sentença recorrida, a alterar nos termos atrás propostos, resulta provado que por despacho do Presidente da Câmara de 11.01.2008 foi instaurado ao ora recorrido processo disciplinar.

Mais resulta das als. C) e D) dos factos provados (não impugnados), que o recorrente, necessariamente, tomou conhecimento dos factos imputados ao ora recorrido nos arts. 146º a 155º e 174º do Relatório Final, em 22.03.2007.

Também relativamente aos restantes factos constitutivos de ilícito disciplinar imputados ao ora recorrido, descritos no relatório final, atentas as datas que nos respectivos artigos acusatórios constam, resulta o necessário e respectivo conhecimento dos mesmos pelo Presidente da Câmara muito antes dos três meses que precederam a instauração do processo disciplinar.

Pelo que, nos termos do nº 2 do art. 4º do ED, o procedimento disciplinar à data em que foi instaurado, encontrava - se já prescrito, por decorrido o prazo de três meses sobre o conhecimento dos factos que lhe são imputados como constituindo ilícitos disciplinares.

V – Quanto ao recurso da sentença interposto pelo Município então Réu.

Imputa o aqui recorrente, à sentença recorrida, o vício de erro de julgamento, com violação dos arts. 4º nºs 2 e 3, 51º nº 2 e 52º nº 1 e 42º todos do ED e 133º nº 1, 2ª parte, do CPA.

A) Quanto à imputada violação do art. 4º nºs 2 e 3 do ED (DL nº 24/84 de 16/01).

Nos termos do nº 2 do art. 4º do ED, o processo disciplinar prescreve “se, conhecida a falta pelo dirigente máximo do serviço, não for instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 3 meses”.

Na al. A) dos factos dados como assentes na sentença recorrida, a alterar nos termos atrás propostos, resulta provado que por despacho do Presidente da Câmara de 11.01.2008 foi instaurado ao ora recorrido processo disciplinar.

Mais resulta das als. C) e D) dos factos provados (não impugnados), que o recorrente, necessariamente, tomou conhecimento dos factos imputados ao ora recorrido nos arts. 146º a 155º e 174º do Relatório Final, em 22.03.2007.

O mesmo se diz relativamente aos restantes factos constitutivos de ilícito disciplinar imputados ao ora recorrido, descritos no relatório final, atentas as datas que nos mesmos artigos constam e donde resulta o necessário e respectivo conhecimento dos mesmos pelo Presidente da Câmara muito antes dos três meses que precederam a instauração do processo disciplinar.

Pelo que, nos termos do nº 2 do art. 4º do ED, o procedimento disciplinar à data em que foi instaurado, encontrava - se já prescrito, por decorrido o prazo de três meses sobre o conhecimento dos factos que lhe deram origem.

E, o facto dos ilícitos disciplinares constituírem também ilícito criminal se pode ser relevante relativamente ao prazo estipulado no nº 1 do mesmo preceito, alargando - o, já não releva no que respeita ao prazo estipulado no seu nº 2.

Com efeito, como refere M. Leal Henriques in “Procedimento Disciplinar”, 4ª edição, 2002, em anotação ao referido art. 4º do ED “Sendo assim (isto é, limitando - se o nº 3 do preceito a alargar o prazo estipulado no nº 1), há que dizer que nada obsta a que a regra do nº 2 (prazo encurtado) se aplique também no caso de infracção simultaneamente disciplinar e criminal, com cujo objectivo e fundamento de resto se harmoniza.
É o que, efectivamente, e com inteira propriedade, conclui o Par. da PGR nº 123/87 (…) em conjugação com a doutrina do Par. Nº 97/80 da mesma PGR., quando pondera (…).

É esta, de resto, a conclusão a que chegou igualmente o STA-P (cfr. adiante, v.g. o Ac. de 91-03-21).
Afigura - se - nos assim, que, hoje, tal regra – a do nº 2 do preceito – deve ter aplicação a qualquer conduta com relevância disciplinar, independentemente de ela também merecer a atenção a outras ordens jurídicas, nomeadamente a criminal.
E não cuido que a inserção dessa regra logo a seguir ao preceito que se reporta à infracção meramente disciplinar, e não em seguimento à regra ínsita no nº 3, seja argumento que pese para invalidar o valor das considerações antes feitas”.

Pelo que, ao dessa forma ter considerado, a sentença recorrida ainda que parcialmente, não tenha violado tal preceito legal.

B) Quanto à imputada violação dos arts. 51º nº 2 e 52º nº 1 e 42º todos do ED e 133º nº 1, 2ª parte, do CPA, pela sentença recorrida.

Começa o recorrente por invocar não ter sido dado como provado a categoria ou classe profissional do A.

Todavia, a ser aditada à matéria de facto assente, atento o documento junto a fls. 1399 e o disposto no art. 712º nº 1 do CPC, a categoria profissional do A., conforme atrás proposto, que tal questão fique prejudicada.

Invoca ainda o recorrente que a instrutora do processo disciplinar, quando nomeada, se encontrava nomeada em comissão de serviço, para o cargo de Directora do Departamento Urbanístico da Câmara Municipal de Santarém, ocupando assim um lugar de topo na orgânica do referido Município, o que significa que se encontrava na mais alta posição administrativa que se pode ter numa Câmara apta a instruir qualquer processo disciplinar.

Mas assim não o entendemos, pois de acordo com a nota biográfica da mesma, junta fls. 1424 e 1425, à data da sua nomeação como instrutora do processo, em 11.01.2008, a mesma era Técnica Superior Principal, sendo que esta nomeação em comissão de serviço, não lhe retirava a categoria em que estava inserida, não funcionando como progressão ou promoção.

Pelo que a instrutora nomeada detinha, efectivamente, categoria inferior à do A. (cfr. anexo 2 do DL nº 353-A/89 de 16/10), não tendo sido observado o disposto no art. 51º nº 2 do ED (DL nº 24/84), o que acarreta, tal como o entendeu a sentença recorrida nulidade do acto de nomeação do instrutor, sendo nulo todo o processado posterior àquele acto.

Com efeito, constituindo embora uma nulidade processual suprível, nos termos do art. 42º nº 2 do ED, o A., ora recorrido, não deixou de a arguir na defesa que apresentou à nota de culpa, sem que tal arguição tenha sido atendida. (cfr. Paulo Veiga e Moura in “Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Função Pública, anotado”, pág. 157 in fine, em anotação ao art. 42º da Lei nº 58/2008 de 09/09, cujo teor é semelhante ao do art. 51º do DL nº 24/84)

Assim, tratando - se a nomeação de instrutor de um acto preparatório, não recorrível autonomamente, que sempre o mesmo, uma vez não sanado, pudesse ser impugnado, como o foi, no recurso interposto da decisão final, como é jurisprudência corrente do STA e deste TCAS.

Pelo que, verificando - se a nulidade de todo o procedimento disciplinar a partir da nomeação do instrutor inclusive, como o decidiu a sentença recorrida, que fique prejudicado o conhecimento das restantes questões.

VI – Assim, em face do exposto e em conclusão, emito parecer, no sentido de:
- ser, respectivamente, alterada e aditada à matéria de facto dada como assente, nos termo do art. 712º nº 1 do CPC, os factos atrás descritos neste parecer;
- ser dado parcial provimento ao recurso interposto pelo então A., anulando - se a sentença recorrida, na parte em que não conheceu da prescrição procedimental relativamente a outros factos imputados ao A. como ilícitos disciplinares.
- ser negado provimento ao recurso interposto pelo Município, então Réu.

Lisboa, 2012 - 07 - 24


A Procuradora Geral Adjunta



( Clara Rodrigues )