Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:Administrativo
Data:06/23/2008
Processo:03993/08
Nº Processo/TAF:00994/007.5BESNT
Sub-Secção:2º. Juízo
Magistrado:Mª. Antónia Soares
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
MEDICAMENTOS GENÉRICOS
AUTORIZAÇÃO DE INTRODUÇÃO NO MERCADO
FALTA DE NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão:11/06/2008
Texto Integral:Parecer do Ministério Público ao abrigo do nº1 do artº 146º do CPTA


Vem o presente recurso jurisdicional interposto pelas requerentes E...... and C....... e L.........-P........ ,Lda, da parte da sentença, que decretou a inutilidade superveniente da lide em relação ao pedido de intimação para abstenção de uma conduta formulado contra o Ministério da Economia e Inovação/DGAE, bem como da parte da sentença que considerou improcedente o pedido de suspensão de eficácia formulado contra o INFARMED e as contra-interessadas M........, I........, D........ e F......,
C........, Lda e G....... –M........, Lda

A- Na presente providência cautelar vem requerido, pelas empresas requerentes, o seguinte :

1- A suspensão de eficácia da decisão do INFARMED de 10-8-07 que concedeu à M..... autorização para introdução no mercado de cinco medicamentos contendo como princípio activo o OLANZAPINA, de 14-9-07 que concedeu à C........., Lda autorização para introdução no mercado de dois medicamentos contendo como princípio activo o OLANZAPINA, de 24-9-07 que concedeu à G........ –M............, Lda, autorização para introdução no mercado de dez medicamentos contendo como princípio activo o OLANZAPINA.



2- A intimação da Requerida DGAE, através do MEI, a abster-se de emitir os preços de venda ao público requeridos pelas Contra-Interessadas, enquanto a patente PT 97446 estiver em vigor, suspendendo o respectivo procedimento administrativo ou ainda a abster –se de fixar tais preços sem que essa fixação fique condicionada a apenas entrar em vigor na data em que a citada patente caducar.


B) A requerente ora recorrente, impugna a sentença apenas nas seguintes partes:

1- Na parte em que considerou que a suspensão do procedimento de fixação do preço de venda ao público ((PVP) pela DGAE, impede a apreciação pelo Tribunal, da requerida intimação deste organismo para se abster dessa fixação;
2- Na parte em que deu como não verificado o periculum in mora, considerando violada a alínea b) do nº1 do artº 120º do CPTA.

Assim, serão apenas estes pontos que vamos analisar neste parecer, devendo considerar-se transitada a sentença no que se refere às outras decisões na mesma contidas, ainda que desfavoráveis à recorrente.

C) E desde já podemos referir que, em nosso entender, não lhe assiste razão.

I - Assim, quanto à primeira questão, há a referir o seguinte:

No requerimento inicial peticionam, as Requerentes, ao Requerido, Ministério da Economia e da Inovação, o decretamento da providência cautelar de intimação “a abster-se de emitir os PVP requeridos pela contra-interessada, enquanto a patente 97466, se encontrar em vigor.

O Requerido, Ministério da Economia e da Inovação, decidiu, por despacho nº272/2007/XVII/SECSDC, de 30 de Julho, suspender o procedimento de aprovação do PVP dos medicamentos em causa, produzindo, assim, efeitos também em relação às Contra-Interessadas, nos termos do disposto no art. 2º da Portaria nº 300-A/2007, de 19 de Março e art. 31º do Código do Procedimento Administrativo.

Ora, “tendo já sido determinado, pela autoridade requerida, a paralisação do procedimento administrativo destinado à fixação dos PVP dos medicamentos genéricos, de que são titulares das AIMs as ora Contra-Interessadas, não é possível decretar a providência cautelar requerida, de abstenção à prática de acto administrativo uma vez que, para isso, seria necessário que o procedimento estivesse em curso, sendo previsível que o acto administrativo cuja prolação se pretende obstar, estivesse em condições de poder ser praticado, o que pelo supra expendido, não ocorre (cfr. art. 112º, nº 2, alínea f) in fine., do CPTA, ou seja, a violação ou fundado receio de violação de normas de direito administrativo)”( cfr sentença do TAC proferida no processo nº03886/08, deste TCAS).


Deste modo, não colhe o argumento utilizado pelas recorrentes, na parte em que impugnam a inutilidade superveniente da lide decretada, de que “só se o despacho constituísse caso resolvido - o que não se encontra demonstrado nos autos - tal seria possível”.

Na verdade, a Administração detém o denominado “privilégio da execução prévia” que consiste na imediata exequibilidade dos seus actos logo que são praticados, independentemente de qualquer apreciação da sua legalidade pelos tribunais.

Nestes termos, o acto que decreta a suspensão dum procedimento administrativo impede, de imediato, o seu prosseguimento ainda que, posteriormente, o mesmo venha a ser anulado pelos tribunais. E não havendo prosseguimento do processo, não podem ser praticados actos lesivos, pelo que não se pode impedir o que não pode ser praticado, por falta de objecto possível.

Ou seja, o MEI auto-absteve-se de praticar o alegado acto lesivo, pelo que se obteve por essa via o que se pretendia que o Tribunal fizesse.

Portanto, bem decidiu a sentença recorrida ao decretar a inutilidade superveniente da lide, quanto a esta parte do pedido, sem prejuízo de, caso se venham a alterar as circunstâncias até à decisão no processo principal, poder ser requerida nova providência cautelar.

II- Quanto à segunda questão suscitada nas alegações de recurso jurisdicional, afigura-se-nos de referir o seguinte:

Para além dos argumentos expendidos na douta sentença recorrida, com os quais concordamos, no nosso entender existe total falta de nexo causal entre as autorizações de introdução no mercado do medicamento em questão, da autoria do INFARMED, e os prejuízos de difícil reparação alegados pela Requerente, cujos factos integrantes constam dos artigos da petição referidos nas conclusões 40º, 41º e 42º.

Na verdade, essa autorização obedece unicamente a pressupostos de interesse público, com vista à defesa da saúde pública, os quais cumpre ao INFARMED preservar e mediante a verificação dos quais, não pode ser negada essa autorização, como resulta do artº 25º do DL nº 176/2006.

Ora os prejuízos invocados pelas requerentes resumem-se à perda de lucros que a comercialização de genéricos para elas acarreta, nada têm a ver com interesses de natureza pública mas apenas de natureza privada, na medida em que decorrem dos princípios da concorrência de interesses económicos, industriais e comerciais entre a empresa requerente e a empresa contra - interessada.

De resto, muitos dos danos invocados pelas requerentes, decorrem dos próprios diplomas que regulam a matéria em causa, ou são atribuíveis, hipoteticamente - diga-se desde já - a terceiros, médicos, doentes, etc .

Assim, a autorização de introdução no mercado do produto em causa, só por si não é susceptível de causar os danos materiais invocados, sendo necessária a produção de vários e diversos actos concretos de natureza privada, tanto da responsabilidade das empresas contra-interessadas, como da responsabilidade de outros agentes sociais (médicos, farmácia, público, etc, ) para que tais danos se viessem, eventualmente, a produzir.

Essa falta de nexo causal é patente pelo facto de a empresa detentora do direito de comercialização do genérico, não ser obrigada a comercializá-lo, detendo apenas o ónus de comercialização efectiva do medicamento que dela é objecto, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 14º nº1 e 29º nº1 alínea a), e do nº3 do artº 77º do Estatuto do Medicamento”( cfr conclusão 15º das alegações de recurso jurisdicional).

Também essa falta de nexo causal está claramente patente no facto de as requerentes, tal como aconteceu em casos semelhantes, terem interposto uma providência cautelar não especificada no Tribunal do Comércio de Lisboa, a correr termos no 1º Juízo com o nº 1066/07.8 TYLSB, contra a M......, na qual é requerida a intimação desta empresa para que “não importe, manipule, embale, coloque em circulação, venda ou ponha à venda, directa ou indirectamente, quer em Portugal, quer para exportação, o produto farmacêutico designado por OLANZAPINA M.....” ou sob quaisquer outros nomes comerciais, contendo a substância activa OLANZAPINA”( cfr alínea P) dos factos assentes na sentença recorrida e doc nº12 junto com a oposição da M.....).

Ou seja, consideraram as recorrentes, que o pedido de suspensão das AIMs não era suficiente para impedir a produção de prejuízos para os interesses que pretendem defender em nome da Patente de que são proprietárias, como efectivamente não é, pela simples razão de que tais prejuízos decorrem das actividades que as contra-interessadas poderão levar a cabo e que vêm enunciadas na providência interposta no Tribunal de Comércio.

Por outro lado, é possível, após a AIM, a negociação entre as duas empresas concorrentes, das condições de comercialização do produto genérico, de modo ao equilíbrio de interesses e, nomeadamente, é possível a autorização da empresa que detém a patente – mediante contrapartida ou sem ela – para a comercialização de produtos com a composição do princípio activo patenteado já que a comercialização de genéricos cujo princípio activo faz parte de medicamentos de referência está expressamente prevista na lei ( cfr vg, artºs 18º nº4 e 19º nº1 do E.M.).

Além disso, não têm razão as ora Recorrentes quando afirmam que os actos administrativos em causa nestes autos, de “autorização de introdução no mercado” (AIM) pelo INFARMED e de fixação do “preço de venda ao público” ( PVP) pela DGAE, têm como exclusiva finalidade a “viabilização jurídica, pela via administrativa, do exercício duma actividade criminosa que, de outra forma, não poderia ser praticada” o que determinaria a sua nulidade nos termos da alínea c) do nº2 do artº 133º do CPA.

De facto, salvo o devido respeito, não se percebe este “nexo causal”já que é manifesto que essa “actividade criminosa” não decorre, directa e necessariamente, das AIMs.

Deste modo, para além da falta de causalidade adequada, os danos invocados são, como se refere na sentença recorrida, meramente eventuais e hipotéticos, uma vez que, pelo que ficou dito, decorre que pode acontecer que a venda do produto genérico, com o mesmo princípio activo patenteado, não suplante ou de alguma maneira ponha em causa, os interesses económicos da requerente, pelo menos com gravidade que justifique a suspensão da AIM.

Aliás, como já se referiu, a permissão da venda de medicamentos genéricos é da responsabilidade do poder legislativo e político e não se vê possibilidade de aplicação da filosofia que presidiu a essa permissão, sem haver colisão de interesses entre os fabricantes dos genéricos e os laboratórios farmacêuticos detentores das marcas de comercialização de produtos com o mesmo princípio activo já instalados no mercado, a menos que sejam estes a comercializar também os medicamentos genéricos.

Aliás, a ser como a requerente pretende, na senda do aliás douto acórdão deste TCAS de 14-2-08 - o qual considerou que sendo o direito de propriedade industrial um direito fundamental, os actos de AIM do INFARMED não poderiam violá-lo - ficaria completamente tolhida a actividade deste Organismo no que respeita à comercialização de genéricos pois, para além de se preocupar com os aspectos de interesse público que lhe cumpre defender, tal como resulta do artº 25º do DL nº 179/2006 de 30-8, teria que fazer uma autêntica investigação não só a nível nacional mas também internacional, a fim de averiguar se existiria alguma empresa farmacêutica lesada com a introdução no mercado de medicamentos genéricos.

Ora, conforme se refere nos doutos acórdãos deste TCAS de 28-2-08, proferidos nos processos nºs 03222/07 e 03247, “… ao INFARMED, através da emissão de uma Autorização de Introdução no Mercado, apenas cabe controlar, no essencial, a qualidade e a segurança do medicamento, como resulta do disposto no artº 25º do Estatuto do Medicamento”.

Assim, a AIM de um medicamento, não é causa adequada a produzir danos às empresas concorrentes no mercado, podendo estes ser eventualmente ocasionados por variados factores estranhos ou ocasionais, como por exemplo os derivados dos princípios da concorrência ou de patentes registadas e ainda não caducadas.

Neste particular, há ainda a referir que, podendo o registo das patentes ser sucessivamente renovado, nos termos do artº 205 do CPI, a introdução no mercado de medicamentos genéricos e em particular aquele a que se referem estes autos, ficaria praticamente coartada para sempre.

Para além disso, o DL nº 176/2006, de 30-8, aprovou o actual Estatuto do Medicamento (EM), revogando o anterior regime estatuído pelo Decreto-Lei n.º 72/91, de 8 de Fevereiro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 242/2000, de 26 de Setembro, que no seu artigo 19.º estipulava que,

1 - São considerados medicamentos genéricos aqueles que reúnam cumulativamente as seguintes condições:
a) Serem essencialmente similares de um medicamento de referência, de acordo com o previsto nas alíneas i) e j) do artigo 2.º;
b) Terem caducado os direitos de propriedade industrial relativos às respectivas substâncias activas ou processo de fabrico;
c) Não se invocarem a seu favor indicações terapêuticas diferentes relativamente ao medicamento de referência já autorizado.
2 - A exigência de demonstração da bioequivalência, para a concessão da autorização de introdução no mercado de medicamentos genéricos, segue estritamente o disposto nas normas comunitárias sobre a matéria.

Em consonância com este, estipulava o nº1 do artº 20º do mesmo Decreto-Lei que “a autorização de introdução no mercado de medicamentos genéricos está sujeita ao disposto na secção I deste capítulo, com as alterações decorrentes do estabelecido no artigo anterior”.

Isto significava que a requerente, no âmbito do anterior E.M., teria que instruir o seu pedido de AIM com documento que comprovasse “terem caducado os direitos de propriedade industrial relativos às respectivas substâncias activas ou processo de fabrico”.

Ora, nos termos do actual DL nº 176/2006, de 30-8, tal exigência deixou de existir, referindo o seu artº 25º que “o requerimento de AIM é indeferido sempre que um dos seguintes casos se verifique:
a) O requerimento, apesar da validade, não foi apresentado em conformidade com o art. 15º.;
b) O processo não está instruído de acordo com as disposições do presente decreto-lei ou contém informações incorrectas ou desactualizadas;
c) O medicamento é nocivo em condições normais de utilização;
d) O efeito terapêutico do medicamento não existe ou foi insuficientemente comprovado pelo requerente;
f) A relação benefício-risco é considerada desfavorável, nas condições de utilização propostas;
g) O medicamento é susceptível, por qualquer outra razão relevante, de apresentar risco para a saúde pública”.

Por sua vez, também o artº 15º citado na alínea a) do dispositivo legal transcrito, não prevê qualquer prova da caducidade da patente como requisito da AIM de um medicamento genérico.

Verifica-se, assim, que para um medicamento ser considerado genérico não é necessário que tenham caducado os direitos de propriedade industrial relativos às respectivas substâncias activas ou processo de fabrico, pelo que o INFARMED, atentos os citados artºs 25º e 15º do E.M., não pode recusar a AIM com base na existência duma patente ainda em vigor.

Parece-nos, efectivamente, clara, a intencionalidade da alteração legislativa neste sentido.

Isto não obsta a que, como se refere no acórdão do TCAS de 14-2-08, in procº nº 03165/07 “a AIM não confira aos particulares direitos de que não sejam titulares relativamente à comercialização de medicamentos, não os dispensando, por isso, da sujeição aos exclusivos resultantes das patentes nem da responsabilização civil ou criminal cfr. art. 14º. nº 4 do E.M”

Porém, quanto a nós e salvo o devido respeito, a conclusão a tirar desta asserção, não é a mesma do acórdão citado, mas sim a de que é aos particulares ou empresas requerentes, que compete “o não exercício de direitos de que não são titulares”, sob pena de serem responsabilizados por isso, e não ao INFARMED o dever de fiscalização nessa matéria.

Diz ainda a recorrente que “o acesso à actividade ilícita iria produzir uma situação de facto consumado pois viabilizaria a eliminação do exclusivo emergente da patente por um período largamente coincidente com o tempo de duração da patente” (até 2012).

Mais uma vez falta aqui o nexo causal essencial directo, ou seja, a demonstração de que a alegada actividade criminosa de violação da patente pelas empresas contra-interessadas, decorre directa e necessariamente do acto de AIM do Infarmed, que se pretende ver suspenso e não das próprias contra interessadas.

Ou seja, a eventual ilicitude de condutas tanto a nível do direito comercial como do direito criminal, incluindo a validade da patente, terá que ser discutido entre as partes da relação jurídica donde emanou a conduta indevida e no foro próprio.

Portanto, no foro do Contencioso Administrativo e em particular num processo cautelar, não pode dar-se como assente a existência duma patente que não se sabe se é válida, para servir de fundamento principal à suspensão de eficácia dum acto administrativo cuja prolação não depende da inexistência daquela( cfr a sentença do Tribunal de Comércio de Lisboa e o acórdão da Relação de Lisboa de 16-3-06, juntos aos autos ) .

Nestes termos, não se verifica, quanto a nós, qualquer situação de facto consumado imputável ao INFARMED.

É, aliás, vasta jurisprudência e unânime a jurisprudência do STA que considera necessária a existência de nexo causal entre o dano e o acto suspendendo ( cfr, entre muitos, os acs do STA de 29-1-91, de 3-7-03 e de 19-3-03, in recºs nºs 028742, 0782A/03 e 0484/03, respectivamente).

Assim, nos termos do último acórdão citado “Tais prejuízos deverão ser consequência adequada directa e imediata da execução do acto (v. entre outros, acórdão de 30.11.94, recurso nº 36 178-A, in Apêndice ao DR. de 18-4-97, pg. 8664 e seguintes; de 9.8.95, recurso nº 38 236 in Apêndice ao DR. de 27.1.98, pg. 6627 e seguintes)”.

Não poderia, pois, também por este motivo, o Mmo Juiz a quo dar como verificado, quanto a esta parte do pedido, o requisito do periculum in mora constante da alínea b) do nº1 do artº 120º do CPTA( cfr neste sentido, os acórdãos deste TCAS in recºs 03247/07 e 03222/07 já citados).

Termos em que, pelo exposto, emitimos parecer no sentido da improcedência do presente recurso jurisdicional.


A magistrada do Ministério Público