Pareceres/Diversos

Tribunal Central Administrativo Sul - Contencioso Administrativo
Contencioso:Administrativo
Data:12/05/2008
Processo:04593/08
Nº Processo/TAF:00428/06.2BEALM
Sub-Secção:2º. Juízo
Magistrado:Amadeu Guerra
Descritores:REQUERIMENTO DE OBTENÇÃO DO SUBSÍDIO DE DESEMPREGO;
PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DO REQUERIMENTO;
PRECLUSÃO DO DIREITO ÀS PRESTAÇÕES.
Texto Integral: Excelentíssimos Senhores Desembargadores


O magistrado do Ministério Público, notificado para se pronunciar sobre o recurso interposto, vem, nos termos dos artigos 146.º n.º 1 do CPTA, dizer o seguinte:

O presente recurso é interposto do acórdão que julgou improcedente a acção administrativa especial e que absolveu o Conselho Directivo do Instituto de Solidariedade e Segurança Social dos pedidos contra ele deduzidos. Estava em causa a deliberação do Conselho Directivo da entidade recorrida que não concedeu provimento ao recurso hierárquico relativo ao despacho de indeferimento de requerimento de prestação de desemprego da Directora do Núcleo de Desemprego do Centro Distrital de Segurança Social de Lisboa.

O Autor veio interpor recurso com os seguintes fundamentos:
“1. Sendo a lei omissa quanto à situação de despedimento em que é intentada acção judicial de impugnação do mesmo, deve por razões de equidade e argumento de maior razão, ser admitida a apresentação de requerimento de prestação de desemprego, no prazo de 90 dias após o trânsito em julgado da decisão ali proferida;
2. A interpretação acolhida no douto acórdão recorrido, no disposto no art. 61.º n.º 1 do DL 119/99, de 14 de Abril, está ferida de inconstitucionalidade por restrição desproporcionada e injustificado ao direito consignado no art. 59.º n.º 1 al. e) da CRP, por força do art. 18.º n.º 2 do mesmo texto”.

A entidade recorrida considera que o recurso deve ser considerado improcedente e mantida a decisão recorrida na medida em que o DL 119/99, de 14 de Abril, ao estabelecer um prazo para requer as prestações de desemprego, não viola a CRP.

VEJAMOS

1. Conforme sublinha o acórdão recorrido (fls. 11), está apenas em causa, no presente processo, saber se o A. tem direito ao deferimento do requerimento de prestação de desemprego, apresentado em 3/3/2005 por cessação do contrato de trabalho por justa causa ocorrida em 25/11/2002. O acórdão recorrido e o Instituto da Segurança Social entendem, em síntese, que o requerente não tem direito às prestações de desemprego na medida em que o pedido foi formulado fora do prazo previsto para esse efeito no artigo 61.º do DL 119/99, de 14 de Abril.

O recorrente – alegando a inconstitucionalidade do art. 61.º do DL 119/99 – considera que o prazo de 90 dias deveria ser contado a partir do trânsito em julgado da decisão proferida na acção judicial que homologou a transacção realizada.

Importa sintetizar a matéria de facto relevante:
- O despedimento do trabalhador foi-lhe comunicado em 29/11/2002;
- Foi proposta acção de impugnação de despedimento que culminou com uma transacção, homologada por sentença de 14/2/2005;
- O trabalhador apresentou o requerimento para atribuição das prestações de desemprego em 3/3/2005.

2. A primeira questão que se coloca é a de delimitar o regime aplicável em sede de obtenção do subsídio de desemprego.

Dispõe o artigo 61.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 119/99, de 14 de Abril, que «a atribui­ção das prestações de desemprego depende da apresentação do requerimento à instituição de segurança social que abrange o trabalhador ou àquela em cujo âmbito de competência territorial se situa a sua residência, no prazo de 90 dias consecutivos a contar da data do desemprego».

Em confor­midade com o artigo 62.º, n.º 1 do mesmo diploma é considerada como data do desemprego o dia imediatamente subsequente àquele em que se verifi­cou a cessação do contrato de trabalho.

Constata-se que lei faz depender a atribuição do subsídio de desemprego da apresentação de requerimento para o efeito, estipulando, adicionalmente, um prazo de 90 dias para a apresentação daquele requerimento.
Estamos perante um prazo de caducidade, em conformidade com o artigo 298.º, n.º 2, do Código Civil, pelo que a não apresentação do reque­rimento naquele prazo faz precludir o respectivo direito.

Importa, deste modo, averiguar qual foi a data em que se «verificou a cessação do contrato de trabalho».
Em relação às situações de despedimento desencadeadas por iniciativa do empregador, ainda que com invocação de justa causa, tem a jurisprudência considerado que a «data de desemprego» será “o dia imediatamente subsequente àquele em que o trabalhador recebe a comunicação pela entidade patronal de que proferiu decisão de despedimento, e não o dia imediatamente subsequente àquele em que é proferida ou em que transita a decisão judicial proferida em acção de impugnação de despedimento intentada pelo trabalhador” (Acórdão do STA de 14/1/2003 – Processo n.º 048153 disponível in http://www.dgsi.pt e também sumariado no acórdão recorrido). Aliás, o acórdão recorrido dá conta de outra jurisprudência que aponta no mesmo sentido e que nos dispensamos aqui de reproduzir.

Este entendimento está, aliás, em conformidade com a respectiva legislação de trabalho que considera o despedimento promovido pelo empregador como uma das forma de fazer cessar o respectivo contrato. Efectivamente, a decisão de despedimento apresenta-se como uma declaração negocial que, tendo um destinatário (o trabalhador), produz os seus efeitos, tornando-se eficaz, «logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada» e assim que chega ao poder do destinatário ou é dele conhecida (cf. artigo 224.º n.º 1 do Código Civil).

3. O Acórdão recorrido vai mais longe e dá-nos conta de que o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre o caso em apreciação nos presentes autos. Efectivamente, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 275/2007, de 2 de Maio, pronunciando-se sobre a eventual inconstitucionalidade deste preceito, decidiu “julgar inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade conju­gado com o artigo 59.º, n.º 1, alínea e), da Consti­tuição da República Portuguesa, a norma do artigo 61.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 119/99, de 14 de Abril, interpretado no sentido de que o incumprimento do prazo de 90 dias consecutivos a contar da data do desemprego para o inte­ressado requerer à Segurança Social a atribuição do subsídio de desemprego deter­mina a irremediável preclusão do direito global a todas as prestações a que teria direito durante todo o período de desemprego involuntá­rio.

O Tribunal Constitucional considerou, nos fundamentos da decisão, aspectos relevantes que importa fazer evidenciar:
– “Não se vê que as razões de segurança jurídica, subja­centes ao estabelecimento de prazos de caducidade, sejam suficientes para – com base em qualquer “mora” do trabalhador desempregado – o privar, na totalidade, da percepção de todas as prestações pecuniárias substitutivas das remunerações salariais perdidas durante o período em que lhe deveriam ser concedidas, perdurando a situação de desemprego involuntá­rio”.
– A circunstância de a autora ter formulado a sua pretensão perante a Segurança Social fora de prazo “não é susceptível de dificultar, de modo relevante, a actividade procedimental cometida à Segurança Social no âmbito do procedimento em causa, destinada essencialmente a ajuizar da existência dos pressupostos e condições do direito às prestações de desemprego e calcular a respectiva duração e montante – sendo certo que tal “mora” dos trabalhadores sempre ditará a preclusão ou caducidade das prestações parcelares que se teriam vencido até à referida data de apresen­tação do requerimento (itálico e sublinhado nosso).
– “Tendo o subsí­dio de desemprego uma função sucedânea da remuneração salarial de que o trabalhador se viu privado e sendo a situação de desemprego, geradora do direito àquele subsídio, por natureza uma situação permanente e não instantânea, que se prolonga e renova no tempo, é de todo desrazoável fulminar com a perda definitiva e irreversível do direito ao subsídio de desem­prego, por todo o tempo (futuro) em que o trabalhador a ele teria direito (que se pode prolon­gar por anos), por qualquer atraso na formulação inicial do pedido.

Considera o Tribunal Constitucional que se a situação de desemprego involuntário, em que se funda o direito ao subsídio de desemprego, persiste no momento em que o pedido da sua concessão foi formulado, deve entender-se que ter-se-á prolongado o direito para além dessa data.
Negar este direito, embora limitado ao período temporal em que se pode considerar ter sido tempestivamente exercitado, signi­fica, em termos substanciais, uma negação, sem motivo adequado, do próprio direito dos tra­balhadores, constitucionalmente garantido, à assistência material em situação de desemprego involuntário.

Ora, o acórdão recorrido decidiu em conformidade com o entendimento do Tribunal Constitucional tendo, a fls. 19 do acórdão (fls. 119 dos autos), perspectivado os direitos do Autor de acordo com a doutrina aí formulada.

No entanto – atendendo às datas da cessação do contrato, à idade do Autor, ao período de concessão das prestações de subsídio de desemprego a que poderia ter direito, bem como à data em que as mesmas foram requeridas (em 3/3/2005) – concluiu o acórdão que “já havia decorrido todo o possível período de concessão de prestações de subsídio de desemprego”.
Tendo já operado a caducidade em relação a todas as prestações eventualmente devidas, porque não apresentado o requerimento necessário no prazo legalmente estabelecido, acabou o Acórdão por absolver o Réu dos pedidos formulado.

Verifica-se que o entendimento adoptado pelo acórdão recorrido está de acordo com os princípios estabelecidos no Acórdão do Tribunal Constitucional, razão pela qual se nos afigura que o acórdão recorrido não merece qualquer reparo.


Termos em que, pelo exposto, emitimos parecer no sentido da improcedência do recurso jurisdicional, devendo ser mantido o acórdão recorrido.