Texto Integral: | A folhas 104 veio a Presidente da Câmara Municipal de Montijo, interpor recurso da douta sentença proferida a folhas 82 e seguintes pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, a qual deferiu o pedido de suspensão de eficácia do despacho de 7 de Outubro de 2002 da ora recorrente.
Em tal despacho (cuja suspensão de eficácia foi assim decretada), determinava-se o embargo das obras de construção de um edifício destinado a lar de idosos, centro de dia e apoio domiciliário por tais edificações decorrerem sem a necessária licença camarária.
1. Como é sabido, nos meios processuais acessórios de carácter urgente, como o incidente de suspensão de eficácia, o tribunal tem funções de plena jurisdição, razão pela qual o recurso jurisdicional interposto da sentença da 1.ª instância tem por objecto a sentença recorrida, bem como o próprio pedido de suspensão – ver neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03/04/97, proferido no Recurso n.º 041860, publicado a folhas 2 407 do Apêndice ao Diário da República de 23 de Março de 2001.
2. Por outro lado, no pedido de suspensão não há lugar à apreciação dos vícios do acto suspendendo, conforme vem entendendo a abundantíssima e uniforme jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que, invariavelmente (embora com fundamentação diversa), conclui serem irrelevantes as considerações tendentes a demonstrar a ilegalidade do acto cuja suspensão se pretende.
Significa isto estar vedado ao tribunal o conhecimento da questão de fundo subjacente ao pedido de suspensão da eficácia, quer porque o deferimento da pretendida suspensão não depende da existência da prova sumária do direito ameaçado ( fumus boni juris), quer porque se lhe impõe a consideração da legalidade do acto e dos pressupostos de facto e de direito em que o mesmo assentou ((*) Neste sentido podem ver-se inúmeros Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, dos quais e a título de meros exemplos, se citam os de:
18/08/1999, in Recurso n.º 045 271;
22/05/1997, in Recurso n.º 041 760;
07/01/1997, in Recurso n.º 413 27A e
21/01/1996, in Recurso n.º 040 881 (todos in www.dgsi.pt)
*).
3. Também é inegável que a concessão da suspensão da eficácia de um acto administrativo depende da verificação cumulativa dos três requisitos enunciados pelo n.º 1 do artigo 76.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA). Daí o sentido invariável da jurisprudência dos tribunais administrativos:
“I - É jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal que são de verificação cumulativa, os requisitos a que alude o n.º 1 do art. 76º da L.P.T.A.”
lê-se no Ponto I do Sumário do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08/07/1999, proferido no Recurso n.º 045167-A (www.dgsi.pt) ((*) No mesmo sentido, e entre muitos outros que se poderiam citar, podem ver-se os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de:
18/02/2000, in Recurso n.º 046 562 ;
10/07/1997, in Recurso n.º 042 408 ;
11/01/1996, in Recurso n.º 039 238 e de
09/11/1995, in Recurso n.º 038 778 (todos in www.dgsi.pt) .
*).
Basta pois a falta de qualquer um daqueles requisitos para que a suspensão de eficácia não possa ser decretada ((**) “A falta de um daqueles requisitos, logo que detectada, torna inútil a indagação da verificação dos restantes e obsta ao deferimento do pedido de suspensão de eficácia” – lê-se no Ponto II do Sumário do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21.11.96, in Recurso n.º 41103-A (www.dgsi.pt) .
**).
Na minha perspectiva, a sentença recorrida não merece qualquer censura, dado haver feito correcta interpretação e aplicação da lei à factualidade que, com pertinência, vem fixada.
Na verdade, tal como já se deixou dito e se considerou na decisão ora em apreço (v. folhas 82 e seguintes), para que o Tribunal possa conceder a suspensão de eficácia dum acto é necessário que se verifiquem cumulativamente os pressupostos ou requisitos enunciados nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 76.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.
Ora, face à matéria dada por assente, não podia o Meritíssimo juiz “a quo” senão concluir pela verificação desses mesmos requisitos.
Efectivamente, da matéria alegada e demonstrada resulta ser indubitável que a execução do despacho em causa, implicando desde logo a paragem da obra, ocasionará prejuízos muito difícilmente calculáveis, e, por isso mesmo, de duvidosa e equitativa reparação.
Na verdade, não dispondo a Santa Casa da Misericórdia de Canha, por si só, de suporte financeiro que lhe permita custear uma obra de tal envergadura, ver-se-ia esta instituição particular de solidariedade social na insolucionável situação de perder a comparticipação financeira do PIDAC, tendo outrossim de fazer face à inevitável indemnização solicitada pelo empreiteiro.
Isto, para alem da mais que provável perda da comparticipação do PIDAC, com a subsequente devolução dos montantes já recebidos por parte do Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Setúbal; a inviabilização da obra, com indemnização à “Luseca, Sociedade de Construções, S.A.” por danos emergentes, lucros cessantes, e juros de mora; e ainda os prejuízos de natureza social, financeiramente não contabilizáveis, representados pela perda de equipamento com interesse público.
Todas estas circunstâncias conduziriam, muito provávelmente, a uma situação de estrangulamento económico daquela Santa Casa, sendo práticamente impossível quantificar tal prejuízo, como bem refere a douta sentença recorrida.
Não se vislumbra mínimamente, por outro lado (agora no concernente ao requisito negativo indicado na alínea b) do n.º 1 do artigo 76 da L.P.T.A.), que da suspensão da eficácia do despacho de 7.10.2002 possa resultar grave lesão do interesse público.
Efectivamente, o requerimento de licença da obra em causa já se encontra nos serviços da Câmara Municipal do Montijo desde o ano de 2000, havendo contado com a aprovação do Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Setúbal, e achando-se em condições de ser aprovado pelo Serviço nacional de Bombeiros.
De resto, a obra foi iniciada com a aquiescência da Senhora Presidente da Câmara, que enviou representante para a outorga do acto de consignação, e designou funcionário municipal para acompanhar os trabalhos.
Outrossim se salientará a não despicienda circunstância de a douta sentença haver suspendido a execução do despacho de 7.10.2002 até ser proferida decisão no processo camarário n.º 534/00 - não se vendo, tambem por essa razão, como poderiam a legalidade e ordem pública urbanísticas resultar beliscadas. E muito menos, gravemente.
Bem andou pois a decisão recorrida ao considerar igualmente verificado este requisito.
Por último se dirá não serem constatados no processo quaisquer sinais inequívocos de ilegalidade na interposição do recurso, uma vez que este se mostra tempestivo, respeita a acto recorrível, dispondo as partes da necessária legitimidade.
Atentando igualmente na verificação deste requisito (alínea c) do n.º 1 do artigo 76 da L.P.T.A.), não surpreende pois que a douta sentença haja determinado a suspensão da eficácia do despacho de 7.10.2002 da Senhora Presidente da Câmara Municipal do Montijo, com sujeição a termo.
Nesta conformidade, emito o seguinte parecer:
Deve negar-se provimento ao recurso, assim se mantendo a sentença recorrida. |