Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02087/07
Secção:CT-2º JUIZO
Data do Acordão:02/03/2009
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL.
IRC.
CONSEQUÊNCIAS DA FALTA DE AUDIÇÃO DAS TESTEMUNHAS.
ENTRADA DE ACTIVOS.
TRANSMISSÃO DE PREJUÍZOS FISCAIS.
Sumário:I) -A falta de inquirição das testemunhas, no caso sub judice, não constitui nulidade porquanto cumpre ao juiz avaliar se a questão a dirimir no processo é meramente de direito ou, sendo também de facto, se constam já do processo todos os elementos pertinentes para a decisão e, nesse caso, decidir-se pelo imediato conhecimento do pedido, sem que haja produção de prova.
II) -Quanto à instrução do processo de acção administrativa especial, vale plenamente o princípio do inquisitório, podendo o relator ordenar as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade, bem como indeferir as diligências requeridas que considere claramente desnecessárias (artº 90º nº 1 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos)
III) -Assim, porque compete ao juiz ou relator aferir da necessidade ou não de produzir prova, quando, após a fase dos articulados aquele profere despacho saneador e ordena a notificação das partes para alegações, é porque entendeu dispensável a produção de prova. Nesse caso, como é manifesto, a falta de inquirição das testemunhas oferecidas pela A não constitui omissão de um acto que a lei prescreva. A lei não prescreve que deve haver sempre a inquirição das testemunhas, antes permitindo ao juiz aferir da necessidade desse acto.
IV) -Em matéria de produção de prova aplica-se o regulado na lei processual civil (cfr. artºs. 513º a 645º do CPC) mas, quando o considere claramente desnecessário, o juiz ou relator pode indeferir requerimentos dirigidos à produção de prova ou recusar a utilização de certos meios desta, mediante decisão fundamentada (artº 90º, nº 2 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos).
V) -A razão de ser deste regime prende-se com a necessidade de obviar ao risco de, em processos em que domina a prova documental, o requerimento de outro tipo de prova, em especial, a prova testemunhal, vir a ser utilizado como expediente dilatório, sendo essa solução plenamente justificável, em ordem aos elementares princípios da economia e celeridade processuais.
VI) -Foi porque o relator entendeu poder conhecer do pedido imediatamente após a fase dos articulados e após o saneador, ordenando a notificação das partes para alegarem por escrito por não terem renunciado às mesmas alegações em respeito pelo disposto no artº 91º nºs. 4 a 6 do CPTA , motivo por que não se verifica a arguida nulidade por falta de inquirição das testemunhas arroladas pela A.
VII) -A lei não impõe qualquer despacho em que o juiz exprima o seu juízo sobre a possibilidade ou impossibilidade de conhecimento imediato do pedido, juízo que fica implícito na tramitação que imprimir ao processo: se ordenar a realização de qualquer diligência de prova, quer ela tenha sido requerida pelo A, pela entidade demandada ou pelo MP, quer o faça ex officio, é porque entende que o processo ainda não reúne as condições para conhecer do pedido; se proferir saneador de imediato e ordena a produção de alegações (facultativas), é porque entende desnecessária a produção de prova.
VIII) -O facto de se sustentar a desnecessidade de despacho expresso a dispensar a inquirição das testemunhas arroladas não significa que o juízo sobre a necessidade ou não de produção de prova não esteja sujeito a controlo já que sempre essa decisão do juiz poderá ser sindicada em sede do recurso interposto do acórdão. Aí, não só o A ou a Entidade demandada podem sustentar a insuficiência da matéria de facto e/ou o erro no seu julgamento, como o próprio tribunal ad quem pode e deve, se considerar que a sentença não contém os factos pertinentes à decisão da causa e que os autos não fornecem os elementos probatórios necessários à reapreciação da matéria de facto, anular a sentença oficiosamente (cfr. art. 712.º, n.º 4, do CPC, por força dos arts. 792.º e 749.º, do mesmo Código, e 1.º, do CPTA).
IX) -"Razões económicas válidas" e "inserção numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva" são conceitos indeterminados cujo preenchimento cabe à Administração e que, ao contrário do poder discricionário verdadeiro e próprio, como poder de eleger uma de entre várias soluções igualmente válidas, só admitem uma solução justa no caso concreto.
X) -No preenchimento dos conceitos indeterminados pode existir, ou não, a chamada margem de livre apreciação ou discricionariedade técnica. Tanto a questão de saber se houve "razões económicas válidas" ou se a fusão "se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva" é matéria de discricionariedade técnica, com uma longa margem de livre apreciação da Administração.
XI) -Nestes casos, o juízo da Administração não pode ser fiscalizado pelos tribunais, salvo erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:A. - O relatório

1. C……………….. e M………….-CRL, identificada nos autos, veio deduzir a presente acção administrativa especial contra o Ministro de Estado e das Finanças contra o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, tendo em vista obter a anulação do despacho deste nº …./2007-XVII de 12.07.2007 que lhe indeferiu o pedido de transmissibilidade de prejuízos fiscais por si apresentado e que a entidade demandada seja condenada na prática do acto de deferimento do pedido.
Citada a entidade demandada veio a mesma contestar e juntar o processo administrativo.
O Exmº Procurador Geral Adjunto (EPGA), junto deste Tribunal, a quem foi feita entrega de cópia da p.i. e dos documentos que a instruem nos termos e para os efeitos do disposto no artº 85º do CPTA, conforme termo de entrega lavrado a fls. 423, emitiu o seguinte douto parecer constante de fls. 445 a 452:
“A argumentação expendida na contestação apresentada pela entidade demandada merece a total adesão do MºPº nesta instância, pelo que se acompanha a mesma na íntegra, entendendo-se que a acção deve ser julgada improcedente, por o acto visado pela autora não sofrer de nenhum dos invocados vícios”.
Pelo relator foi proferido o despacho saneador de fls. 429 dos autos, no qual se pronunciou pela inexistência de questões que obstem ao conhecimento do objecto do processo, havendo que as partes fossem notificadas para alegarem por escrito, havendo aí sustentado o seguinte:
A AUTORA:
“1. O pedido de transmissibilidade de prejuízos fiscais deduzido pela Autora, no âmbito da operação de fusão com a C…., respeitou todas as exigências legais e foi devidamente fundamentando, mormente, em face dos pressupostos previstos no n.° 2 do art. 69.° do CIRC.
2. Nos termos do art. 69.° do CIRC incumbe ao Ministro das Finanças decidir dos pedidos dos contribuintes para concessão do benefício ali previsto, indicando o n.° 2 que, para tal, a fusão deve fundar-se em razões económicas válidas e deve estar inserida numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva -verificados tais pressupostos a lei incumbe a Administração no dever de decidir favoravelmente o pedido do contribuinte.
3. Conforme dispõe o Acórdão do STA de 05.07.06, proferido no recurso n.° 142/06, "razoes económicas válidas" e "inserção mima estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva, "são conceitos indeterminados cujo preenchimento cabe à Administração e que, ao contrário do poder discricionário verdadeiro e próprio, como poder de eleger uma de entre várias soluções igualmente válidas, só admitem uma solução justa no caso concreto".
4.Em face dos autos, é manifesta a existência de uma motivação económica válida da fusão em apreço, bem como, a sua inserção numa estratégia de redimensionamento e de reestruturação das entidades envolvidas, com claros efeitos positivos na estrutura produtiva.
5.Estes conceitos indeterminados de cujo preenchimento a lei faz depender a concessão do benefício, segundo dispõe o Acórdão do TCA (Sul), de 01.02.05 (processo n° 25/04), "devem ser preenchidos em concordância com o art. 11° da Directiva n° 90/434CEE do Conselho, de 23.07.1990, que dispõe sobre o regime fiscal comum, de modo a evitar a tributação das fusões, no sentido de que tais operações devem ir além da procura de um benefício puramente fiscal como a compensação horizontal de perdas, nos termos interpretados no acórdão C-28/ 95 do Tribunal de Justiça, de 17.07.1997”.
6. In casu, muito para além do aproveitamento do potencial benefício fiscal atribuído por lei, o que, de facto, se visou com a fusão foi justamente a racionalização dos recursos existentes, lançando-se mão para o efeito do meio reconhecidamente mais válido para atingir esse fim — a fusão.
7.Em face da dissonância entre o disposto no art.69° do CIRC e a interpretação da Administração fiscal, o Despacho que indefere a pretensão da Autora é manifestamente ilegal, por violação de lei, por erro manifesto na interpretação de conceitos legais relativamente indeterminados e por desvio de poder, devendo ser anulado nos termos do art. 135° do CPA.
8. O acto sub judice extravasa a letra e a ratio do n° 2 do art. 69° do CIRC, consubstanciando uma ilegalidade congénita do mesmo.
9.Estamos pois, perante o que a jurisprudência (vide, os acórdãos do STA, de 02.02.88, 10.07.86, 09.06.94 e 17.04.80, proferidos, respectivamente, nos recursos 021666, 020496, 028382, c 013565) denomina por erro manifesto na apreciação dos factos e na interpretação de conceitos legais relativamente indeterminados, erro esse que constitui vício de violação de lei, sindicável por esse Tribunal e susceptível de determinar a anulação do acto em crise.
10. O acto de indeferimento do pedido formulado pela Autora consubstancia um erro grosseiro de interpretação e uma manifesta desadequação ao escopo do art. 69° do CIRC, bem como, da mens legis que o precede.
11.Invoca ainda a Administração fiscal que, "...o plano especifico de dedução de prejuízos fiscais transmitidos, que deverá ser efectuado nos termos do Despacho n° 79/2005-XV11, de 2005/04/15, de S. Exa o SEAF e da Circular 712005 de 16 de Maio (n° 1), não permitiria qualquer dedução dos prejuízos fiscais transmitidos pela CCAMMN.".
12.Como o poder decisório da Administração se esgota aqui na densificação dos requisitos do n° 2 do art. 69°, tal posição representa a criação de um verdadeiro critério decisório ex novo, fora do esquema regular de criação de normas legais impositivas, em violação do princípio da legalidade.
13. A limitação imposta pela Despacho n° 79/2005 - XVII, do SEAF, cria uma efectiva e ilegal restrição do direito à dedução, violando abertamente os limites legalmente impostos no art. 69° do CIRC.
14. Tal viola manifestamente o princípio da legalidade, expresso no art. 103° da CRP e no art. 8° da LGT, bem como o princípio da tributação pelo rendimento real das empresas, vertido no n° 2 do art. 104° da CRP.
15. As circulares não são fonte de direito. Segundo SOARES MARTINEZ "não têm por destinatários os particulares, os cidadãos, os contribuintes", nem vinculam "os Tribunais, que tratam de aplicar as leis fiscais sem qualquer dependência dos critérios adoptados pela Administração" (Direito Fiscal, Almedina, 1993, pag. 111).
16. Visto que o Despacho n° 79/2005 - XVII, do SEAF, publicitado pela Circular 7/2005, não é lei não pode, como tal, o seu conteúdo ser assumido como critério decisor a ponderar pela Administração fiscal.
17. Sempre seria de refutar a aplicação in casu da Circular 7/2005, porquanto, as entidades envolvidas são cooperativas e, objectivamente, aquele normativo está pensada e estruturados para aplicar às sociedades comerciais.
18.O critério da Administração fiscal para indeferir o pedido da Autora é claramente desfasado desta ponderação e culmina numa decisão mal que viola, de forma flagrante, a ratio do art. 69° do CIRC, bem como, de todo os instituto que potência a neutralidade das operações de fusão.
TERMOS EM QUE, E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE A PRESENTE ACÇÃO SER TOTALMENTE PROCEDENTE POR PROVADA, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, NOMEADAMENTE A REVOGAÇÃO DO ACTO DE INDEFERIMENTO EXPRESSO DO PEDIDO DE DEDUÇÃO DE PREJUÍZOS FISCAIS DEDUZIDO PELA AUTORA E A CONSEQUENTE CONDENAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO FISCAL À PRÁTICA DO DEFERIMENTO LEGALMENTE DEVIDO.”
A ENTIDADE DEMANDADA:
“A) Saber se a operação de fusão realizada foi efectuada por razões económicas válidas, como a A. invoca que foi, é uma questão que envolve juízos de valor inseridos numa grande margem de liberdade de apreciação da AT, uma vez que estamos no campo da chamada discricionariedade técnica.
B) Deste modo, não só o juízo emitido pela AT, de considerar que a operação não foi efectuada por razões económicas válidas, não é, salvo erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal, sindicável pelo Tribunal, como também, porque o acto que a A. pretende que o Tribunal condene a AT a emitir envolve valorações próprias do exercício da actividade administrativa, não sendo identificável uma única solução como legalmente possível, não pode, salvo o devido respeito, o Tribunal substituir-se à AT e determinar o conteúdo do acto a praticar pela mesma, cfr. art. 71° n° 2 e 95° n° 3 do CPTA.
C) Não pode, pois, proceder o pedido da A, de condenação da AT à prática de um acto de deferimento, uma vez que tal condenação implicaria o reconhecimento, por parte do Tribunal, que não da AT, de que a fusão foi realizada por razões económicas válidas.
D)O acto de indeferimento do pedido de transmissibilidade de prejuízos fiscais, no caso concreto, não enferma de qualquer erro grosseiro, mostrando-se adequado ao fim legal.
E) De facto, na análise da operação de fusão por incorporação em que a A. é parte e na apreciação do interesse económico da mesma, a AT considerou que o contributo fornecido pela sociedade incorporada, C………, no processo de fusão era negativo para a A., que a sobrecarregava no seu objectivo de reorganização e de viragem de resultados futuros, uma vez que a Caixa incorporada, C……., apresentava, no exercício de 2005, uma situação patrimonial negativa, estava em situação difícil e revelava uma degradação da sua situação financeira e dos seus rácios prudenciais.
F) Assim, a operação em causa não tem efeitos positivos a médio e longo prazo, pelo contrário, os resultados positivos ao longo do período projectado decorrem exclusivamente, ou quase exclusivamente, da contribuição da incorporante.
G) O que determina a inexistência de ganhos macro-económicos a obter com a operação de fusão, em concreto.
H) Finalmente, o que levou ao indeferimento do pedido da A. foi a conclusão de que a fusão não se realizou por razões económicas válidas e esta conclusão é prévia e leva, como é lógico, à desnecessidade da consideração da aplicação de um qualquer plano de deduções. O facto de se ter feito referência, na fundamentação do acto impugnado, ao despacho n° 79/2005-XVII, de 2005.04.15, apenas foi um mais: " ainda que se entendesse que a fusão tinha sido realizada por razões económicas válidas", desnecessário, é certo, para reafirmar as consequências decorrentes da transmissão do património negativo da incorporada.
Termos pelos quais entende que deve dar-se como fundada a matéria da impugnação, julgando-se improcedente, por não provada, a acção e absolvendo-se a entidade demandada dos pedidos, com todas as legais consequências.”
Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.
*
B. A fundamentação.

2. A questão decidenda.
São as seguintes as questões a decidir: Se ocorre a nulidade por falta de inquirição das testemunhas e, na negativa, é ilegal, o acto de indeferimento sobre o pedido de transmissibilidade dos prejuízos fiscais das Sucursais devendo o mesmo ser revogado.

3. A matéria de facto.
Com relevo para a apreciação do mérito da acção, pelos documentos e processo administrativo juntos e articulação das partes, encontra-se provada a seguinte factualidade:
1. Em 2006, a Autora C…………….. incorporou, por fusão, a C……………….. M………., CRL (doravante designada por CCAMMN).
2.Esta fusão foi justificada pelas entidades envolvidas com a diferente evolução económica de tais entidades, e com a necessidade de valorizar e potenciar os activos existentes.
3. A Autora C……………., desde a sua fundação em 1916 até à dita fusão, registou um aumento positivo, fortalecendo a sua estrutura económica e financeira, e reforçando, em consequência, os seus rácios prudenciais como se colhe do documento junto de fls. 97 a 114 e que constituem as demonstrações financeiras dos últimos exercícios.
4. Conforme foi considerado no estudo demonstrativo das vantagens económicas da fusão entre a Autora C……………….. e a C……….. M……., CRL-CCAMMN que está junto de fls.- 115 a 141, anteriormente à fusão, a Autora tinha já atingido o limite do seu âmbito territorial de actuação, atentas as contingências legais, e, por consequência, o limite do aproveitamento da eficiência máxima dos seus recursos.
5. Ao invés, a CCAMMN, nos últimos anos, apresenta uma degradação considerável da sua situação financeira e dos seus rácios prudenciais, fortemente limitadores da sua actividade como decorre do documento junto de fls. 142 a 159.
6. As entidades envolvidas optaram pela fusão por virtude da depreciação galopante dos activos da entidade incorporada (CCAMMN) e na possibilidade e necessidade de reabilitar esses activos no âmbito de uma nova estrutura.
7.A referida fusão inseriu-se num movimento de concentração e racionalização das estruturas de crédito agrícola a nível nacional e internacional, tendo sido devidamente autorizada e apoiada pela Caixa Central do Crédito Agrícola Mútuo e pelo Banco de Portugal nos termos do projecto de fusão a que se reporta o parecer junto de fls. 160 a 162 dirigido pela Caixa Central ao Banco de Portugal.
8. Aí se demonstrava que a fusão assentava na evidência económica de que dela decorriam diversas sinergias e consequentes ganhos de eficiência, e que, como tal, por essa via, era viável a reabilitação dos activos da incorporada e a potenciação e valorização do activo já existente na incorporante.
9. O Banco de Portugal, em resposta ao pedido de informação para apresentar junto da Administração Fiscal formulado pela Autora, veio confirmar que “a) -No nosso entendimento, a generalidade das fusões por incorporação de caixas de crédito agrícola mútuo constituem um meio capaz de contribuir para a consolidação e o fortalecimento do sector bancário e, deste modo, atingir e preservar adequados níveis de solvabilidade e de liquidez; b) - A autorização para a fusão de caixas de crédito agrícola mútuo tem levado em consideração, entre outros factores, o apoio constituído por financiamentos concedidos pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola, sempre que tal se mostre necessário ou conveniente” – cfr. doc. junto a fls. 163.
10. - As administrações das entidades envolvidas, porque estavam plenamente cientes do estado real destas entidades e do panorama geral do crédito agrícola, a nível nacional e internacional, optando deliberadamente pela fusão, enquanto mecanismo economicamente mais eficiente para a sua reestruturação e incremento.
11.Isso também baseados em que a fusão proporcionou o imediato incremento do crédito não agrícola — por força da eliminação das limitações de balanço e do consequente reforço dos rácios prudenciais —, o qual, por sua vez, gerou um inevitável aumento da rentabilidade dos activos e recursos humanos das entidades envolvidas.
11.Ainda segundo a Autora, a fusão permitiu ainda ganhos de eficiência e produtividade a nível logístico — informática, de contabilidade e auditoria, planejando económico, assessoria jurídica, gestão documental, publicidade, formação de recursos humanos, gestão de risco e controlo de crédito vencido, desenvolvimento de novos produtos, redução de custos com os órgãos sociais, entre outros.
12. Para a Autora, a fusão fundou-se na reestruturação e a racionalização das actividades económicas desenvolvidas e o redimensionamento e potenciação da actividade económica a médio e longo prazo das cooperativas intervenientes, não assentando num estrito móbil fiscal, sendo que o efeito económico das sinergias geradas e a consideração do eventual "custo de reposição" evidenciam, em concreto, a motivação económica da fusão.
15. Ainda segundo a Autora, a realidade existente após a fusão (e por efeito desta) é, por si só, demonstrativa da motivação económica válida com efeitos duradouros na estrutura produtiva que presidiu à fusão.
16.A Autora, enquanto entidade incorporante, e baseada em todas as razões explanadas nos pontos antecedentes, apresentou, em Novembro de 2006, um requerimento dirigido ao Ministro das Finanças, ao abrigo do n° l do art 69.° do CIRC, solicitando a necessária autorização para dedução aos seus lucros tributáveis (posteriores à fusão) dos prejuízos ficais acumulados pela CCAMMN, entidade incorporada, nos exercícios de 2000, 2001, 2002, 2003, 2004 e 2005, no valor total de 10.209.847,85 €, conforme se alcança do documento junto de fls. 164 a 363.
17. Como também decorre desse documento, para instruir o processo, a Autora fez acompanhar o referido pedido de todos os elementos necessários, contendo toda a informação necessária e relevante para a aferição da validade, legitimidade e autenticidade das razoes económicas e dos aspectos jurídicos invocados para a operação realizada justificam a dedução dos prejuízos, tal como solicitada.
18.Em 27.03.2007, a Autora foi notificada do projecto de indeferimento do pedido por si formulado, consubstanciado no Despacho emitido pelo Subdirector-Geral dos Serviços do Imposto sobre o Rendimento, proferido por subdelegacão com base no Despacho 22852/2005, publicado no D.R. II Série, n° 213, de 07/11/05, como resulta do doc. constante de fls. 364.
19.Invocava, o dito projecto, que não foram demonstradas razões económicas válidas para a realização da operação de fusão em causa, indispensáveis à concessão da referida autorização para a dedução dos prejuízos fiscais, sendo do seguinte teor:
“O pedido de autorização para a transmissibilidade dos prejuízos fiscais, apresentado pela C……………………l, CRL. (CCAMAS), incorporante, da extinta C…………………… M……….., CRL. (CCAMMN), incorporada, no âmbito de uma operação de fusão por incorporação, não pode ser autorizado, pelos motivos seguintes:
•O património da entidade incorporada, no último balanço anterior à fusão, registava um valor negativo;
• A concessão da autorização da transmissibilidade dos prejuízos da incorporada na incorporante, está subjugada à evidência de que a fusão foi efectuada por critérios económicos vantajosos com consequências evidentes na estrutura positiva, parecendo que a situação em apreço não preenche os requisitos estabelecidos no n° 2 do artigo 69° do CIRC. De facto, a incorporação de uma entidade com património líquido negativo, expressa que esta na prática não possui qualquer património, indica mesmo que esse património se encontra a um nível inferior a zero, ou seja, o passivo (elementos patrimoniais negativos) excede o activo (elementos patrimoniais positivos) nesse montante.
Não se vislumbra qualquer efeito positivo na incorporação do património da CCAMMN para a CCAMAS, não contribuindo esse património para os resultados positivos futuros da requerente (sociedade incorporante).
• Aliás, em "Raul Ventura - Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades" nas anotações ao artigo 98.° (pág. 80), pode ler-se o seguinte: " Efectuadas as avaliações pode acontecer, quanto a cada uma das sociedades intervenientes (...) que o passivo seja superior ao activo ou que o activo seja superior ao passivo.
No primeiro caso, a fusão não é possível enquanto tal situação se mantiver, por exemplo, enquanto a sociedade não reduzir o seu capital. Se tal acontecesse na sociedade incorporada, ela transmitiria para a incorporante um valor negativo; para o receber, a sociedade incorporante não poderia aumentar o seu capital, emitindo novas acções, porque o património líquido não seria aumentado mas sim reduzido".
Ou seja, em termos patrimoniais as melhorias que se verifiquem após a fusão dever-se-ão única e exclusivamente à sociedade incorporante.
• Para além de não haver interesse económico conforme exige o n° 2 do artigo 69° do CIRC, o pano específico de dedução de prejuízos fiscais transmitidos, que deverá ser efectuado nos termos do despacho n.° 79/2005-XVII, de 2005.04.15, do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, divulgados pela Circular da DGCI n° 7/2005 de 16 de Maio, não permitiria qualquer dedução dos prejuízos fiscais transmitidos pela CCAMMN.
Com efeito, a alínea c) do n° 1 da Circular 7/2005, impõe como restrição à dedutibilidade dos prejuízos o contributo da sociedade incorporada na promoção dos resultados futuros da sociedade incorporante. Esse parâmetro é encontrado através do peso relativo que o património da sociedade incorporada possui, no conjunto dos patrimónios de todas as entidades envolvidas na operação.
Se, com um peso relativo próximo do zero (património quase nulo), a dedução fica limitada a uma reduzida percentagem do acréscimo do lucro tributável da sociedade incorporante, quando um património é negativo (o nosso exemplo), não será possível, face ao que está determinado, efectuar qualquer dedução dos prejuízos da incorporada na incorporante.”- vd. P.I. apenso.
20.A Autora exerceu o direito de audição prévia junto da Direcção de Serviços do IRC da DGCI, alegando, sumariamente, que a fusão (i) foi realizada por razões economicamente válidas e (ii) insere-se numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio eu longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva, isso como consta do documento junto a fls. 370 e ss e que também consta do P.I..
21. Pelo Despacho do SEAF n° 868/2007 - XVII de 12 de Julho, por delegação de competências (Despacho 17829/2005 (2a Série), publicado no D.R. n° 159, II Série, de 2005/08/19), foi o pedido de transmissibilidade dos prejuízos fiscais apresentado expressa e definitivamente indeferido, com base em informações e pareceres que constam do P.I., mormente da “NOTA INFORMATIVA” sobre a qual foi exarado o despacho recorrido de “Concordo”:
“1 -Considerando que a concessão do beneficio fiscal estipulado no artigo 69°, n°1 e 2 do Código do IRC, está subordinada à autorização do Ministro das Finanças e à demonstração de que a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes e se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva. E que,
2 -O carácter excepcional próprio dos benefícios fiscais, como resulta do disposto no n°1 do artigo 2° do Estatuto dos Benefícios Fiscais, traduz a evidente tipificação dos casos que estão subordinados à autorização supra mencionada, como seja, no caso concreto, a necessidade de verificação do interesse económico da operação.
3 -Considerando que, nesta operação, a incorporada legou para a incorporante um património negativo, o que torna inaplicável qualquer dedução, tendo em conta o constante no Despacho n° 79/2005-XVII, de 15 de Abril, desta Secretaria de Estado, posteriormente desenvolvido pela Circular n° 7/2005, de 16 de Maio, em concreto a alínea c) do n° 1.
4 — É de determinar, assim, que, pela falta de verificação dos pressupostos quanto à sua concessão, em concreto pela inexistência de razões económicas válidas, determinados pelos nº1 e 2 do artigo 69° do Código do IRC, seja indeferido o pedido de transmissibilidade de prejuízos fiscais formulado pela "C………………………., CRL", confirmando, assim a Informação 373/2006, da DGCI, bem como a sua Adenda posterior ao exercício do direito de audição prévia, quanto ao projecto de decisão da DGCI, pela sociedade requerente. E que,
5 — À DGCI, para os devidos efeitos.
Lisboa, 11 de Julho de 2007
O Assessor,
(Guilherme d'0liveira Martins)”
*
4. O direito.
4.1. - Da Questão prévia:

A Autora suscita no corpo alegatório a irregularidade processual da falta de audição das testemunhas que arrolou logo na p.i., dizendo não prescindir do direito de inquirir as testemunhas, o que espera seja determinado, com a apresentação subsequente de novas alegações.
A entidade demandada tomou posição sobre essa questão afirmando, no fundamental, que não há lugar à audição das testemunhas uma vez que a matéria questionada no presente processo é, tão só de saber se a operação foi ou não realizada por razões económicas válidas, sendo, por isso, unicamente matéria de direito suportada por juízos técnicos sobre o interesse económico da operação de fusão não existindo, por isso, matéria de facto controvertida.
Apreciando e decidindo:
Em termos factuais, há que dar como assente que na p.i. a A arrolou testemunhas como se alcança de fls.44.
E, no despacho saneador proferido em 01.07.2008 e eaxarado a fls. 429, fixou-se prazo para apresentação de alegações finais, sem que se tomasse posição expressa sobre a produção da prova testemunhal requerida inicialmente.
Vejamos.
A falta de inquirição das testemunhas, no caso sub judice, não constitui nulidade porquanto cumpre ao juiz avaliar se a questão a dirimir no processo é meramente de direito ou, sendo também de facto, se constam já do processo todos os elementos pertinentes para a decisão e, nesse caso, decidir-se pelo imediato conhecimento do pedido, sem que haja produção de prova.
Quanto à instrução do processo de acção administrativa especial, como refere Vieira de Andrade, Justiça Administrativa (Lições), 5ª edição, pág. 294, vale plenamente o princípio do inquisitório, podendo o relator ordenar as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade, bem como indeferir as diligências requeridas que considere claramente desnecessárias (artº 90º nº 1 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos)
Assim, porque compete ao juiz ou relator aferir da necessidade ou não de produzir prova, quando, após a fase dos articulados aquele profere despacho saneador e ordena a notificação das partes para alegações, é porque entendeu dispensável a produção de prova. Nesse caso, como é manifesto, a falta de inquirição das testemunhas oferecidas pela A não constitui omissão de um acto que a lei prescreva. A lei não prescreve que deve haver sempre a inquirição das testemunhas, antes permitindo ao juiz aferir da necessidade desse acto.
Com efeito, decorre do Código de Processo dos Tribunais Administrativos que cabe às partes indicar nos seus articulados os actos cuja prova se propõem fazer (cfr. artºs 78º, nº 1, al. l), e 83º, nº 1); o Ministério Público pode requerer a realização de diligências instrutórias (artº 85º, nº 2); se o processo houver de prosseguir e a matéria de facto ainda se mostrar controvertida, o juiz determinará a abertura da instrução, fixando no despacho saneador um período de produção de prova (artº 87º, nº 1, al. c)) e pode ordenar as diligências que considere necessárias para o apuramento da verdade, no respeito do princípio do inquisitório (artº 90º, nº 1; cfr. artº 265º, nº 3, do CPC).
Em matéria de produção de prova aplica-se o regulado na lei processual civil (cfr. artºs. 513º a 645º do CPC) mas, quando o considere claramente desnecessário, o juiz ou relator pode indeferir requerimentos dirigidos à produção de prova ou recusar a utilização de certos meios desta, mediante decisão fundamentada (artº 90º, nº 2 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos).
A razão de ser deste regime prende-se com a necessidade de obviar ao risco de, em processos em que domina a prova documental, o requerimento de outro tipo de prova, em especial, a prova testemunhal, vir a ser utilizado como expediente dilatório, sendo essa solução «plenamente justificável, em ordem aos elementares princípios da economia e celeridade processuais»- (Fernandes Cadilha, in Reflexões sobre a marcha do processo”- Reforma do Contencioso Administrativo –Trabalhos Preparatórios- O Debate Universitário, vol. I, Lisboa, 2000, p. 254, reproduzidos nos Cadernos de Justiça Administrativa, nº 22, Julho/Agosto 2000, pp.60-70.
Ora, no caso, foi porque o relator entendeu poder conhecer do pedido imediatamente após a fase dos articulados e após o saneador, ordenando a notificação das partes para alegarem por escrito por não terem renunciado às mesmas alegações em respeito pelo disposto no artº 91º nºs. 4 a 6 do CPTA , motivo por que não se verifica a arguida nulidade por falta de inquirição das testemunhas arroladas pela A.
É certo que no despacho saneador não se fundamentou tal desnecessidade em que a p.i.não integrava factualidade relevante e com interesse para a decisão susceptível de demonstração pela produção da prova testemunhal nela arrolada, sem prejuízo do relevo, para a solução/decisão da causa, que terá de atribuir-se à prova documental disponível nos autos, foi decidido; mas isso está implícito no despacho ao não proceder à inquirição de testemunhas.
É por demais evidente que o relator entendeu que os elementos probatórios juntos aos autos, tornavam desnecessária a produção de prova testemunhal.
E é para nós pacífico o entendimento de que o artº. 90º do CPTA, como decorrência do princípio processual da proibição da prática de actos inúteis consagrado no artº 137º do CPC, confere ao relator o poder discricionário de ajuizar da necessidade ou não da produção das provas oferecidas, pelo que não tinha o A que ser notificado do questionado despacho, sem prejuízo de ele recorrer da sentença com fundamento na insuficiência da matéria de facto e/ou erro do seu julgamento.
Decorre dos autos que o relator entendeu que os autos forneciam os elementos necessários para conhecer do pedido pelo que, logicamente, devia ordenar, como ordenou, a produção de alegações, após o saneamento do processo.
Sucede até que para nós é discutível se o relator teria de exarar despacho a dispensar a inquirição das testemunhas por entender desnecessária a produção da prova requerida pela A e, assim, da sua opção pelo imediato conhecimento do pedido, e se esse despacho teria de ser notificado às partes, sob pena de nulidade.
Entendemos que não é exigível despacho nesse sentido desde logo porque a lei não prevê decisão alguma a dispensar a produção da prova oferecida pelas partes, apenas impondo que o juiz, após verificar se pode ou não conhecer do pedido sem que haja lugar à produção da prova e caso conclua pela afirmativa, deve, após alegações, de imediato relatar o processo. A lei não impõe qualquer despacho em que o juiz exprima o seu juízo sobre a possibilidade ou impossibilidade de conhecimento imediato do pedido, juízo que fica implícito na tramitação que imprimir ao processo: se ordenar a realização de qualquer diligência de prova, quer ela tenha sido requerida pelo A, pela entidade demandada ou pelo MP, quer o faça ex officio, é porque entende que o processo ainda não reúne as condições para conhecer do pedido; se proferir saneador de imediato e ordena a produção de alegações (facultativas), é porque entende desnecessária a produção de prova.
Todavia, o facto de se sustentar a desnecessidade de despacho expresso a dispensar a inquirição das testemunhas arroladas não significa que o juízo sobre a necessidade ou não de produção de prova não esteja sujeito a controlo já que sempre essa decisão do juiz poderá ser sindicada em sede do recurso interposto do acórdão. Aí, não só o A ou a Entidade demandada podem sustentar a insuficiência da matéria de facto e/ou o erro no seu julgamento, como o próprio tribunal ad quem pode e deve, se considerar que a sentença não contém os factos pertinentes à decisão da causa e que os autos não fornecem os elementos probatórios necessários à reapreciação da matéria de facto, anular a sentença oficiosamente (cfr. art. 712.º, n.º 4, do CPC, por força dos arts. 792.º e 749.º, do mesmo Código, e 1.º, do CPTA).
No entanto, embora a lei prescreva tal despacho, nos autos o mesmo não foi proferido fundamentando adequadamente a desnecessidade da produção de prova testemunhal arrolada pela A, pelo que se pode aceitar que houve desvio entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo efectivamente seguido nos autos para efeitos da não condenação da A em custas.
Todavia e em consonância com o ponto de vista da entidade demandada e por accionamento do princípio pró-actione ou anti -formalista, entendemos que não é de deferir a audição das testemunhas porquanto a matéria questionada no presente processo é, tão só de saber se a operação foi ou não realizada por razões económicas válidas, sendo, por isso, unicamente matéria de direito suportada por juízos técnicos sobre o interesse económico da operação de fusão não existindo, por isso, matéria de facto controvertida.
Passamos, por isso, a conhecer da questão de fundo.
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4.2. – Da ilegalidade do acto de indeferimento sobre o pedido de transmissibilidade dos prejuízos fiscais
No ponto, seguiremos a fundamentação do Acórdão deste TCA de 15/07/2008, tirado no Recurso nº 1775/07, numa situação semelhante à dos presentes autos, naquilo que vimos entendendo, por uma questão de uniformidade e de economia, que se perfila na doutrina do Acórdão do TCAS de 01-02-2005, tirado no Recurso nº 25/04 e reafirmada entre outros, no Acórdão de 21/06/2005, Recurso nº 247/04, este, como o primeiro, relatado pelo relator desta formação.
À hoje denominada acção administrativa especial correspondia o anterior recurso contencioso, que aquela veio substituir, tendo contudo o seu objecto sido ampliado, de molde a nela caber não só a declaração de invalidade ou anulação dos actos recorridos – cfr. art.ºs 6.º do anterior ETAF e 191.º do CPTA – como também, entre outros, no pedido de condenação à prática de um acto administrativo legalmente devido – art.º 46.º e segs do CPTA – e tendo o prazo geral para a sua dedução sido alargado para três meses – seu art.º 58.º - sendo esta, actualmente, a forma processual para fazer valer em juízo os direitos dos administrados que até então eram efectuados através do dito recurso contencioso.
A reforma sobre a tributação do rendimento e a adopção de medidas destinadas a combater a evasão e fraude fiscais constituiu o fundamento avançado pelo legislador para proceder a vastas e profundas alterações, quer no CIRS, quer no CIRC, na chamada reforma da tributação aprovada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro.
Porém, volvidos que foram pouco mais de seis meses já, de novo, o legislador sentiu necessidade de rever, quer esses mesmos códigos, quer outros diplomas legais como o Estatuto dos Benefícios Fiscais, alteração agora erigida como instrumento de facilitação do conhecimento e interpretação do quadro legal por parte dos sujeitos passivos do imposto tendo procedido à sua republicação integral pelo Dec-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho.
Só que também aqui os propósitos do legislador nesta matéria não foram duradouros. Com efeito, volvido menos de um mês, já se encontrava de novo, a alterar, entre outros diplomas, o CIRC, em oito dos seus artigos pelo Dec-Lei n.º 221/2001, de 7 de Agosto.
Conforme consta do preâmbulo deste último Dec-Lei, as preocupações, agora, foram de introduzir no regime de neutralidade fiscal no tratamento de operações que visam a reestruturação ou a racionalização da actividade das empresas, como forma decisiva para a competitividade do tecido empresarial, uma maior eficácia e celeridade. E como consta do mesmo preâmbulo, Dá-se a um dos aspectos fulcrais do regime – a transmissibilidade de prejuízos – maior desenvolvimento e prevê-se uma norma de deferimento tácito aplicável nas situações em que não seja proferida decisão no prazo de três meses contados a partir da data da apresentação do requerimento.
(…)
Tendo em conta a data em que o requerimento a pedir tais benefícios deu entrada na DGCI, a norma do art.º 69.º do CIRC, subordinada à epígrafe, Transmissibilidade dos prejuízos fiscais, tinha a seguinte redacção:
1 – Os prejuízos fiscais das sociedades fundidas podem ser deduzidos dos lucros tributáveis da nova sociedade ou da sociedade incorporante, nos termos e condições estabelecidos no artº 47º (…), desde que seja concedida autorização pelo Ministro das Finanças (…).
2 – A concessão da autorização está subordinada à demonstração de que a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes, e se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva (…).
Assim, a concessão da autorização encontra-se dependente do preenchimento dos vários requisitos enunciados na norma do art.º 69.º n.º2 do CIRC, como seja a de que a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes, e se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva, devendo ser fornecidos, para esse efeito, todos os elementos necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada, tanto dos seus aspectos jurídicos como económicos, iniciando a norma pelo pano de fundo pretendido atingir pela fusão – razões económicas válidas – seguindo depois com um quadro exemplificativo onde é suposto apreender tais razões económicas válidas, como sejam nos casos de reestruturação ou racionalização, com efeitos positivos na estrutura produtiva, etc.
Este conceito de razões económicas válidas, tem assim de ser preenchido pela Administração, com os concretos elementos que tendam para aquele fim, concedendo à Administração um vastíssimo campo de concretização e de pesquisa tendo em vista preencher o estalão legal previsto em tal norma, mas ainda assim, havendo uma vinculação do administrador a um comportamento demarcado na lei, não existindo aqui quaisquer poderes administrativos discricionários.
Diferente, seria se o legislador tivesse optado por atribuir à Administração, entre os vários interesses aptos para a satisfação do interesse público, aquele que, no momento, melhor o satisfizesse, em que já lhe deixava nas mãos a escolha entre os vários comportamentos possíveis a adoptar, onde existiria a discricionariedade administrativa.
Como refere, Mário Esteves de Oliveira, também não temos dúvidas de que na interpretação da lei, não goza o intérprete – seja ele um juiz, um órgão administrativo ou a doutrina – de qualquer margem de livre escolha, tendo antes que procurar conhecer a mens legis e actuar na sua conformidade: o sentido a adoptar na interpretação é algo de profundamente diferente – senão contrário – da discricionariedade.
No poder discricionário qualquer dos comportamentos por que o agente opte é legal, enquanto que a interpretação só pode conduzir a um sentido ou comportamento – o que for querido pelo legislador ou pela lei.
Quando a lei administrativa, nomeadamente para a definição dos pressupostos da actividade administrativa, remete para conceitos técnicos próprios de outros ramos da ciência (Medicina, Química, Física, Engenharia, Economia, Sociologia, etc.), tem o órgão administrativo que recorrer aos ensinamentos destes para determinação do conteúdo da lei.
De facto, as questões resultantes da utilização de conceitos técnicos pela lei, resolvem-se através de critérios exclusivamente técnicos, não tendo o órgão administrativo a liberdade de repudiar o conteúdo que lhes é imputado nos respectivos ramos de ciência e optar por qualquer outro.”
Decorre do probatório (vd. pontos 18 e 19) que a AT analisou que não foram demonstradas razões económicas válidas para a realização da operação de fusão em causa, indispensáveis à concessão da referida autorização para a dedução dos prejuízos fiscais, sendo do seguinte teor:
“O pedido de autorização para a transmissibilidade dos prejuízos fiscais, apresentado pela C………………….. Sal, CRL. (CCAMAS), incorporante, da extinta C…………………. M………, CRL. (CCAMMN), incorporada, no âmbito de uma operação de fusão por incorporação, não pode ser autorizado, pelos motivos seguintes:
•O património da entidade incorporada, no último balanço anterior à fusão, registava um valor negativo;
• A concessão da autorização da transmissibilidade dos prejuízos da incorporada na incorporante, está subjugada à evidência de que a fusão foi efectuada por critérios económicos vantajosos com consequências evidentes na estrutura positiva, parecendo que a situação em apreço não preenche os requisitos estabelecidos no n° 2 do artigo 69° do CIRC. De facto, a incorporação de uma entidade com património líquido negativo, expressa que esta na prática não possui qualquer património, indica mesmo que esse património se encontra a um nível inferior a zero, ou seja, o passivo (elementos patrimoniais negativos) excede o activo (elementos patrimoniais positivos) nesse montante.
Não se vislumbra qualquer efeito positivo na incorporação do património da CCAMMN para a CCAMAS, não contribuindo esse património para os resultados positivos futuros da requerente (sociedade incorporante).
• Aliás, em "Raul Ventura - Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades" nas anotações ao artigo 98.° (pág. 80), pode ler-se o seguinte: " Efectuadas as avaliações pode acontecer, quanto a cada uma das sociedades intervenientes (...) que o passivo seja superior ao activo ou que o activo seja superior ao passivo.
No primeiro caso, a fusão não é possível enquanto tal situação se mantiver, por exemplo, enquanto a sociedade não reduzir o seu capital. Se tal acontecesse na sociedade incorporada, ela transmitiria para a incorporante um valor negativo; para o receber, a sociedade incorporante não poderia aumentar o seu capital, emitindo novas acções, porque o património líquido não seria aumentado mas sim reduzido".
Ou seja, em termos patrimoniais as melhorias que se verifiquem após a fusão dever-se-ão única e exclusivamente à sociedade incorporante.
• Para além de não haver interesse económico conforme exige o n° 2 do artigo 69° do CIRC, o pano específico de dedução de prejuízos fiscais transmitidos, que deverá ser efectuado nos termos do despacho n.° 79/2005-XVII, de 2005.04.15, do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, divulgados pela Circular da DGCI n° 7/2005 de 16 de Maio, não permitiria qualquer dedução dos prejuízos fiscais transmitidos pela CCAMMN.
Com efeito, a alínea c) do n° 1 da Circular 7/2005, impõe como restrição à dedutibilidade dos prejuízos o contributo da sociedade incorporada na promoção dos resultados futuros da sociedade incorporante. Esse parâmetro é encontrado através do peso relativo que o património da sociedade incorporada possui, no conjunto dos patrimónios de todas as entidades envolvidas na operação.
Se, com um peso relativo próximo do zero (património quase nulo), a dedução fica limitada a uma reduzida percentagem do acréscimo do lucro tributável da sociedade incorporante, quando um património é negativo (o nosso exemplo), não será possível, face ao que está determinado, efectuar qualquer dedução dos prejuízos da incorporada na incorporante.”- vd. P.I. apenso.
A Autora, no exercício do seu direito de audição, ainda rebateu essa valoração sem que tenha convencido o decisor que, baseando-se em informações, relatórios e pareceres que estão no PI, considerou, definitivamente, através do Despacho n° 868/2007 - XVII de 12 de Julho, por delegação de competências (Despacho 17829/2005 (2a Série), publicado no D.R. n° 159, II Série, de 2005/08/19), ora recorrido, que era de indeferir o pedido de transmissibilidade dos prejuízos fiscais apresentado, despacho lançado sobre da “NOTA INFORMATIVA” especificada no ponto 21 do probatório, sobre a qual foi exarado o despacho recorrido de “Concordo”:
“1 -Considerando que a concessão do beneficio fiscal estipulado no artigo 69°, n°1 e 2 do Código do IRC, está subordinada à autorização do Ministro das Finanças e à demonstração de que a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes e se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva. E que,
2 -O carácter excepcional próprio dos benefícios fiscais, como resulta do disposto no n°1 do artigo 2° do Estatuto dos Benefícios Fiscais, traduz a evidente tipificação dos casos que estão subordinados à autorização supra mencionada, como seja, no caso concreto, a necessidade de verificação do interesse económico da operação.
3 -Considerando que, nesta operação, a incorporada legou para a incorporante um património negativo, o que torna inaplicável qualquer dedução, tendo em conta o constante no Despacho n° 79/2005-XVII, de 15 de Abril, desta Secretaria de Estado, posteriormente desenvolvido pela Circular n° 7/2005, de 16 de Maio, em concreto a alínea c) do n° 1.
4 — É de determinar, assim, que, pela falta de verificação dos pressupostos quanto à sua concessão, em concreto pela inexistência de razões económicas válidas, determinados pelos nº1 e 2 do artigo 69° do Código do IRC, seja indeferido o pedido de transmissibilidade de prejuízos fiscais formulado pela "C……………………, CRL", confirmando, assim a Informação 373/2006, da DGCI, bem como a sua Adenda posterior ao exercício do direito de audição prévia, quanto ao projecto de decisão da DGCI, pela sociedade requerente.
(…).
Resulta, pois, que o pedido foi indeferido com o fundamento capital do não preenchimento do pressuposto legal das razões económicas válidas e a inserção numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio e longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva.
E, na verdade, independentemente do cumprimento ou não dos requisitos de natureza formal, o que a lei exige é que sejam demonstradas - ónus que impende sobre a requerente - as vantagens económicas da operação o que, no caso presente, não foi, manifestamente, efectuado.
No tocante à forma de demonstração das razões económicas e da estratégia subjacentes à operação, embora a Lei não defina a forma de demonstração, entende-se que consubstanciando o regime de reporte numa medida de afastamento excepcional do regime geral de intransmissibilidade dos prejuízos fiscais reportáveis, consagrado no artigo 47° do Código do IRC, o legislador subordina a concessão do beneficio à demonstração de determinados pressupostos, como sejam o de a operação subjacente ser realizada por motivos económicos válidos, tais como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes, e se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva.
Nos acórdãos do TCAS acima referidos, esta questão foi assim enfrentada:
Dispõe o artº 69º, nº 1 do CIRC, na redacção vigente à data em que ocorreram os factos, que “Os prejuízos fiscais das sociedades fundidas podem ser deduzidos dos lucros tributáveis da nova sociedade ou da sociedade incorporante até ao fim do período referido no nº 1 do artº 47º, contado do exercício a que os mesmos se reportam (...), estando a concessão da autorização aí prevista, segundo o nº 2 do mesmo preceito legal “...subordinada à demonstração de que a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes, e se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva, devendo ser fornecidos, para esse efeito, todos os elementos necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada, tanto dos seus aspectos jurídicos como económicos”.
Assim, são os seguintes os pressupostos legais para que a A. possa deduzir os prejuízos fiscais da sociedade fundida dos seus lucros tributáveis: I. a existência de autorização; II. a demonstração de que a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes, III. a inserção numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, e III. a verificação de efeitos positivos na estrutura produtiva.
Embora se possa considerar uma norma de carácter genérico, já que a lei não define o que entende por razões económicas válidas, nem indica a metodologia a adoptar para determinação dos efeitos positivos, conferindo, desse modo, à AF uma certa flexibilidade, não contém, todavia, um “cheque em branco” para a AF usar como bem entenda, nem qualquer inversão do ónus da prova.
Embora o citado normativo não defina o que deve entender-se “por razões económicas válidas”, aponta como tais, a título meramente exemplificativo, a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes.
A tal respeito, afirma a A. e parece ter demonstrado nos autos que a operação de fusão em causa foi decidida num contexto de Grupo (CCAs) e respectivas participadas, incluindo a sociedade absorvida, e em que fora já possível concluir que a operação contribuiria para a redução da exposição ao risco.
Ora, num juízo de normalidade, tem de aceitar-se que a projectada fusão visava a optimização daquela variável e das consequências dela decorrentes - a realização de economias e a redução da exposição ao risco, pelo que, à partida, é razão económica invocada parecer ser válida.
No caso sub judicibus, e ainda na senda dos citados arestos, enfatiza-se que a A. e a sociedade absorvida faziam parte de um grupo empresarial constituído o que é prova directa do vínculo de dependência jurídica - relacionamento especial entre as empresas incorporante e incorporada e dependentes da posição dominante do accionista/sócio comum -, susceptível de influenciar decisivamente a actuação das duas empresas, o que é confirmado pela entidade supervisor, Banco de Portugal.
E não é certo que a contabilidade das empresas revelem sinais que podem indiciar práticas enquadráveis numa “lógica de grupo” de desviar os lucros/custos para onde a tributação seja menos pesada, também o é que a transmissão de prejuízos aqui em questão em tal sentido não pode assentar em meros indícios ou presunções, tendo a AF de provar que não se verificavam os pressupostos legais que permitem a transmissão de prejuízos.
Na verdade, o procedimento questionado pela AF pode ser visto na lógica de gestão do grupo de empresas em que as mesmas estavam inseridas.
Mas isso levanta a controvérsia gerada pelo confronto entre a lógica empresarial, que tem que ver com o sucesso económico de diversas empresas e a lógica jurídico – fiscal que impõe a autonomização de instituições que, sob esse ponto de vista, tudo tinham em comum.
Claro que nem sempre estas lógicas colidem, antes se moldando reciprocamente, embora a realidade empresarial tenha obrigatoriamente de se enquadrar na realidade jurídica em que está inserida, enquanto esta se mantiver inalterada. Por outro lado, também não é verdade que esta limite sempre aquela, pois, em muitas situações como a dos autos, esta divisão empresarial pretende justamente usufruir das vantagens jurídicas e fiscais dessa divisão. Logo, nem sempre são realidades antagónicas. Isto para dizer que a lógica formal nem sempre é contra a empresarial, mas esta sempre tem de obedecer aquela, enquanto a mesma não for modificada.
Ora, no caso dos autos, o que a A. pretende é justamente sobrepor a sua lógica de gestão (inclusive enquanto grupo) à realidade jurídica em que aquela não pode deixar de estar inserida.
Vale isto por dizer que tem a AF de justificar a razão por que não aceitou a transmissão de prejuízos segundo o estalão legal.
Tal como a define Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, 1978, 1º tomo, 554, a fusão consiste em duas pessoas colectivas se unirem para formar uma única pessoa, podendo revestir duas modalidades: a)- integração – na qual as pessoas colectivas que se fundem se extinguem e surge uma nova pessoa colectiva e b)-incorporação- em que as pessoas colectivas se extinguem, mas aquela em que se incorporam subsiste, ainda que modificada; ou seja, as duas modalidades distinguem-se pelo destino das pessoas colectivas.
»In casu» ocorreu manifestamente uma operação de fusão por incorporação, ditada, pelos interesses dos sócios de todas as sociedades que dela são objecto e que a autorizam(1).
Daí que se possa afirmar, como parece tê-lo feito a A., que a fusão é, regra geral, e a situação em análise não constitui excepção, recomendada por interesses comuns às sociedades nela intervenientes, e não apenas a uma delas.
E o "redimensionamento empresarial" que faz parte da estratégia na qual a fusão relevante para efeitos do número 2 do artigo 69° do Código do IRC se insere consiste precisamente numa operação em que as sociedades intervenientes (todas as sociedades intervenientes) desempenham um papel. Se, num grupo de sociedades, uma das sociedades deixou de cumprir um papel relevante na estratégia concebida globalmente, a decisão de eliminação dessa sociedade é justificável desde logo pelo mais simples dos motivos, qual seja a eliminação de estruturas duplicadas.
E a ratio do nº 2 do artigo 69° do Código do IRC tem subjacente o conceito de fusão dos interesses comuns às sociedades nela envolvidas e o seu fortalecimento económico quando refere exemplificativamente "a reestruturação ou racionalização das sociedades intervenientes" como razão económica válida para estes efeitos de aplicação do regime.
Ora, o princípio da legalidade administrativa apenas permite que a administração actue se isso lhe permitir a lei, não o podendo fazer contra ela; sendo, de resto, os pressupostos da sua actuação factos constitutivos do seu direito de agir, cuja prova lhe compete.
Donde que a "ideia que é dada" parece inculcar que o Sr. SEAF entendeu dispor de um poder discricionário. Para nós, parece ser aceitável, porque conforme à letra e ao espírito da lei, que a decisão da fusão foi ditada pela razão fundamental de que não se justificava a manutenção de uma estrutura que gera uma actividade reduzida e os custos a ela associados.
E o que decorre do regime legal da transmissibilidade dos prejuízos fiscais, estabelecido no art.º 69.º do CIRC e em face dos elementos fornecidos, é que, os resultados previsionais para os próximos exercícios seriam crescentes, o que poderá indiciar que a operação se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio e longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva por ir permitir um aproveitamento de sinergias funcionais e economias de escala e uma redução de custos, o que desde logo impõe a natural conclusão de que se poderá considerar que a operação foi realizada por motivos económicos válidos com efeitos positivos na estrutura produtiva.
Acresce que, como vínhamos considerando, alinhados na jurisprudência do TCAS manifestada naqueles citados arestos, nem no âmbito do artº 69º em referência, nem no contexto mais geral do artigo 47° do Código do IRC (que regula, em termos gerais, a dedução dos prejuízos fiscais), a lei atribui qualquer efeito ou ponderação à dimensão da actividade desenvolvida pelo sujeito passivo.
Porque assim, como no caso vertente a actividade da sociedade absorvida foi projectada num cenário em que a mesma sociedade se encontrava inserida num grupo implicou muito naturalmente a ponderação, numa perspectiva económica, dos efeitos positivos da transmissão dos custos e isso qualquer que seja a interpretação do art. 23° do circ.
É que nos termos do artº 10º do CIRC (cuja epígrafe é Custos ou perdas) Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes :...» Como se vê do artº 17º nº 1 do CIRC, uma das componentes do lucro tributável é o resultado líquido do exercício expresso na contabilidade, sendo este resultado uma síntese de elementos positivos (proveitos ou ganhos) e elementos negativos (custos ou perdas).
Assim, é porque é mister definir cada um destes grupos de elementos que o presente artigo enuncia, a título exemplificativo, os custos ou perdas, os elementos que, para efeitos de IRC, são considerados como componentes negativas do resultado líquido do exercício.
Decorre do estipulado que é consagrado um critério geral definidor face ao qual se considerarão como custos ou perdas aqueles que, devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da respectiva fonte produtora. Após a fixação desse critério, enuncia o preceito, a título exemplificativo, volta-se a dizê-lo, os custos ou perdas de maior projecção.
O princípio rector do art° 17° n° l do CIRC estabelece que uma das componentes do lucro tributável é o resultado líquido do exercício expresso na contabilidade, sendo este resultado uma síntese de elementos positivos (proveitos ou ganhos) e elementos negativos (custos ou perdas).
É para definir o grupo dos elementos negativos que o art° 23° do CIRC enuncia, a título exemplificativo, as situações que os podem integrar consagrando um critério geral definidor face ao qual se considerarão como custos ou perdas aqueles que devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da respectiva fonte produtora.
E, havendo dúvida em relação a certos "custos financeiros" directamente relacionados com a actividade normal da impugnante e que tais custos não são totalmente estranhos à mesma, tem de aceitar-se que existe, em tal situação, o nexo causal de "indispensabilidade" que deve existir entre os custos e a obtenção dos proveitos ou ganhos numa perspectiva de “grupo económico”.
E isso até porque o IRC visa tributar o lucro da organização, o acréscimo patrimonial experimentado durante o período tributário (art. 17°. n° l e art. 3°. n° l. al. a) e n° 2. do circ) em virtude de representarem custos ocasionados pela actividade da empresa.
Assim, dúvidas não podem sobrar de que, face ao art. 23° do circ, os custos fiscais, em regra, são os gas­tos derivados da actividade da empresa que apresentem uma conexão fáctica ou económica com a organização.
Deste modo e em atenção ao caso concreto, só se as operações económicas deixassem de radicar em razões empresariais, mas na ilícita concessão de vantagens a um terceiro ou de benefícios em favor da empresa A. é que a transmissão de custos seria inadmissível.
Ainda que não se concorde inteiramente com a afirmação de que a relevância fiscal de um custo não depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou sequer da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), já se aceita que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é estritamente empresarial ou visando na ilícita concessão de vantagens a um terceiro ou de benefícios em favor da empresa A.
«In casu», não resulta claro que a A. tirou tais benefícios em detrimento das alegadas razões económicas (empresariais) para operar a fusão, antes resultando desta que geriram a situação estrategicamente de forma adequada à tutela dos seus interesses.
Como se viu, a norma do art.º 69.º da CIRC, impõe como requisito para o deferimento da transmissão dos prejuízos fiscais, no caso da entrada de activos, que a operação seja realizada por razões económicas válidas e este estalão legal deve ser preenchido na acepção da norma do art.º 11.º da Directiva n.º 90/434CEE do Conselho, de 23 de Julho de 1990, que veio dispor sobre o regime fiscal comum, de modo a evitar a tributação das fusões, cisões, entrada de activos e permutas de acções, no sentido de que tais operações devem ir além da procura de um benefício puramente fiscal, como a compensação horizontal das perdas, como foi interpretado no acórdão C-28/95 do Tribunal de Justiça de 17 de Julho de 1997.
Em tal desiderato e porque se prova a continuidade da actividade da empresa, seria de considerar a transmissão dos prejuízos fiscais como normal e imprescindível à manu­tenção da fonte produtora dada a manifesta e comprovadas adequação e conveniência à acti­vidade e tutela da A .
A solução perfilhada pela AT, parece até ir contra o princípio da capacidade contributiva à luz do qual, entre a aplicação de dois regimes potencial e abstractamente subsumíveis a uma da­da situação, impõe-se fazer a opção pelo menos gravoso, ou seja, pelo que permite a revelação fiscal do em­pobrecimento económico do contribuinte em vista do disposto no art. 23° do circ através da transmissão de prejuízos, em detrimento da sua não aceitação sustentada no acto impugnado, não escorável na letra e no espírito da lei.
No caso das empresas, a sua capacidade contributiva é, na verdade, revelada fundamentalmente pelo seu lucro real, por opção legal e constitucional (n°9 do) preâmbulo do CIRC e n°2 do art°104 da CR, anterior n°2 do art°107) e, no caso de grupos económicos, em que estão em causa cisões ou fusões, haverá que ter em conta.
Evocando uma vez mais o douto aresto deste TCA de 01-02-2005, tirado no Recurso nº 25/04:
Como é bem de ver, essa estratégia empresarial da autora, de continuidade do exercício da actividade em termos de racionalidade económica e de melhoria do seu desempenho em função da absorção das áreas de negócios das referidas Sucursais, que constituem o fundamento da operação da entrada de activos e justificam a concessão do referido benefício, tanto se pode obter mantendo a mesma a titularidade das suas acções no mesmo grupo empresarial ou tendo outro grupo empresarial procedido à sua aquisição. Na verdade, desde que a empresa continue a exercer a sua actividade empresarial em Portugal dentro desse quadro alargado em resultado da extinção da actividade das referidas Sucursais e por esse efeito tenha reduzido os custos e optimizado os ganhos, por força dessa operação de entrada de activos e consequente extinção das Sucursais, como se reconhece na fundamentação do mesmo despacho que no caso ocorreu, continua a existir uma estratégia empresarial de continuidade da sua actividade, e que não poderá deixar de se inserir na promoção da competitividade da empresa, escopo confesso do legislador contido no preâmbulo do citado Dec-Lei n.º 221/2001, independentemente de quem, em cada momento, seja titular do seu capital social.”
“Em suma, não se podendo concluir que tal operação teve por fim, essencial ou primacial, de aproveitamento de benefícios fiscais, para além, naturalmente, dos eventuais e correlativos benefícios fiscais directamente dependentes da operação em causa, nos termos da Directiva n.º 90/434CEE do conselho, de 23 de Julho de 1990, que veio dispor sobre o regime fiscal comum, de modo a evitar a tributação das fusões, cisões, entrada de activos e permutas de acções, no sentido de que tais operações devem ir além da procura de um benefício puramente fiscal, como a compensação horizontal das perdas, como foi interpretado no acórdão do Tribunal de Justiça C-28/95, de 17 de Julho de 1997, cuja cópia se encontra no processo instrutor, e ambas as partes também se encontram de acordo nesta interpretação, e que tal operação não pode deixar de ter efeitos positivos na estrutura produtiva, no sentido em que veio reforçar, de forma significativa, a sua afirmação no mercado nacional, com um evidente decréscimo de custos e um reforço dos capitais da Europeia, como se fundamenta no despacho proferido, é tal operação de qualificar como tendo sido realizada por motivos económicos válidos, numa estratégia de médio e longo prazo, sendo por isso merecedora de que os prejuízos das sociedades extintas (Sucursais) possam ser deduzidos dos lucros tributáveis da sociedade incorporante, (...) sendo o mesmo de dizer que se mostram preenchidos os requisitos previstos no art.º 69.º do CIRC, com o deferimento do peticionado pela autora e sendo de anular o despacho recorrido que em sentido contrário decidiu.
Todavia, tendemos a rever a nossa posição por razões de uniformidade a que alude o artº 8º nº 3 do CC, pois o STA tem decidido, uniformemente, a questão sub judice, como pode ver-se, por todos, no Ac. do STA, de 12/07/2006, Proc. 01003/05, afirmando que estamos aqui perante conceitos indeterminados cujo preenchimento cabe à Administração.
Expende-se no Ac. do STA, de 12/07/2006, Proc. 01003/05,que "Sabendo nós que estamos perante conceitos indeterminados, como acima referimos, importa agora avançar no sentido de saber se, no caso, estamos perante um acto sindicável.
Escreve Freitas do Amaral que "o que importa é saber se a interpretação de conceitos indeterminados é uma actividade vinculada ou discricionária e, por conseguinte, sindicável, ou não, pelos tribunais - Curso de Direito Administrativo, vol. II, pág. 107.
Ora, saber se houve "razões económicas válidas” ou se a fusão "se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva" é matéria de discricionariedade técnica, com uma longa margem de livre apreciação da Administração, que poderá originar soluções diferentes, consoante o interesse que a Administração privilegie: uma fusão pode fundar-se numa razão económica válida para um interesse público de vitalidade da economia nacional, mas tal pode já não ocorrer em face dum interesse público de vitalidade de uma economia sectorial. Citando Freitas do Amaral: "Porque não se lhe pede um trabalho de subsunção, uma tarefa declarativa de coincidência com um esquema dado, mas se exige uma tensão criadora do direito no caso concreto, deve naturalmente entender-se que esta actividade que, por desejo do legislador, sofre um influxo autónomo da vontade do agente administrativo, deve escapar ao controlo do juiz, embora este tenha o dever de verificar se a solução encontrada obedeceu às exigências externas postas pela ordem jurídica".
"Assim sendo, e porque o acto de indeferimento do SEAF se fundamentou na inexistência dos requisitos exigidos pela lei para a concessão da autorização para deduzir os prejuízos fiscais acumulados pelas sociedades fundidas, este seu juízo não pode ser fiscalizado pelos tribunais. A menos que ocorresse erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal. O que não se antolha (...). No sentido ora exposto, pode ver-se o acórdão deste STA de 5 de Julho de 2006 (rec. n° 142/06)".
Para os referidos efeitos, "erro grosseiro ou manifesto é um erro crasso, palmar, ostensivo, que terá necessariamente de reflectir um evidente e grave desajustamento da decisão administrativa perante a situação concreta, em termos de merecer do ordenamento jurídico uma censura particular mesmo em áreas de actuação não vinculadas" (cfr. Acórdão de 11/05/2005, rec. 330/05).
No caso dos autos, tal espécie de erro não aconteceu.
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C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a presente acção administrativa especial e em manter o acto impugnado.
Custas pela A., fixando-se o valor da taxa de 10 UCs, tendo em atenção a complexidade da causa, a repercussão económica da acção para o responsável pelas custas e a situação económica deste, a qual será reduzida a metade por se tratar de uma acção administrativa especial em que não houve lugar a audiência pública – cfr. Artºs 73º D nºs 1,3 e 4 e 74º nº 1 al. e) do CCJ.
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Lisboa, 03/02/2009
(Gomes Correia)
(Eugénio Sequeira)
(Manuel Malheiros) (Vencido. Entendo que nos casos em que a AT goza de discricionariedade técnica deve ser dada aos particulares a possibilidade de demonstrarem através de qualquer meio de prova a existência no caso sub judice de erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal por qualquer meio.
Não lhe sendo dada essa possibilidade nega-se o direito a um processo equitativo garantido pelo art.º 20º n.º 4, CRP.
No caso dos autos tendo em consideração a opinião do banco de Portugal (v. n.º9 da matéria de facto) entendo que deveria ser dada à Recorrente a possibilidade de demonstrar pela prova testemunhal a existência de erro grosseiro ou manifesta desadequação.
Em consequência, votaria a anulação da sentença por défice instrutório.
3.2.09 Manuel Malheiros
(1) Como expende Ferrer Correia, Lições, II, Sociedades, 240, a fusão de sociedades é o acto pelo qual duas ou mais sociedades reúnem as suas forças económicas para formarem, com os sócios de todas elas, uma só personalidade colectiva, um novo