Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02396/08
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/13/2008
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:ARRESTO. FUNDAMENTOS. IVA. PROPORCIONALIDADE.
DANO DE IMPOSSÍVEL OU DIFÍCIL REPARAÇÃO
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. Decretado o arresto dispõe o arrestado, em alternativa, de dois meios de reapreciação dessa decisão: o recurso jurisdicional quando apenas pretenda que se proceda a um reexame da decisão recorrida ou, a oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de provas não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução;
2. Em matéria tributária, ao arresto aplicam-se as disposições correspondentes do Código de Processo Civil, mas só na parte em que não for especialmente regulado no Código de Procedimento e de Processo Tributário;
3. No caso de IVA, quer seja proveniente dos outputs quer seja dos inputs, é-lhe aplicável a norma do art.º 136.º n.º5 do CPPT (redacção da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho), por força da qual se presume (presunção legal) haver fundado receio da diminuição de garantia de cobrança desses créditos tributáveis;
4. O arresto deve ser decretado apenas em bens suficientes para garantir o direito em causa e legais acréscimos e não deve causar prejuízo de impossível ou difícil reparação ao arrestado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. M..., identificado nos autos, dizendo-se inconformado com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa – 1.ª UO - que decretou o arresto em diversos bens seus, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


a) Do probatório fixado na sentença, e como determinante do arresto, contam, para além da supra referida discriminação do património conhecido ao recorrente, os seguintes factos:
i) O recorrente é empresário em nome individual com actividade de comércio de madeira por grosso em bruto;
II) Foi efectuada uma inspecção ao recorrente relativa ao exercício de 2003 no âmbito da qual se verificou a dedução indevida de IVA, IVA liquidado e não entregue irregularidades em sede de IRS ainda não quantificadas.
b) A partir destes factos dados como provados, e em sede de fundamentação, afirma-se na sentença que os tributos em causa estão liquidados - remetendo-se neste aspecto para o facto C constante do probatório -, acrescentando-se que, nos termos do artigo 136°, n° 5 do CPPT, a verificação do fundado receio da diminuição da garantia patrimonial de cobrança dos créditos tributáveis se presume quando se está perante dívidas por impostos que o devedor esteja obrigado a reter ou a repercutir a terceiros e não haja procedido à correspondente entrega nos cofres do Estado sendo tal o caso dos autos uma vez que estão em causa dívidas de IVA.
c) O supra referido facto C putativamente constante do probatório não existe, isto é a sentença está-se a estribar, para decidir como decidiu, num facto que não consta do probatório fixado.
d) Pelo que não podia a sentença usar, na parte de fundamentação da mesma, um facto que não foi dado como provado.
e) Mas ainda que tivesse sido dado como provado, que não o foi, tal não seria verdade uma vez que os putativos tributos ainda não se encontram liquidados.
f) A sentença que decretou o arresto tem a data de 27/12/2007 e pelo ofício n° 017064 de 03/03/2008 a DGCI ainda está a notificar o recorrente do Relatório de Inspecção Tributária de onde constam (Ponto III) as correcções meramente aritméticas à matéria tributável.
g) Ora se o calendário gregoriano evolui e não regride pensa­-se que sem grande esforço se chega à conclusão de que em 27/12/2007 ainda não haviam tributos liquidados como, diga-se, ainda hoje não existem pois que tais liquidações só podem ocorrer na sequência daquele Relatório de Inspecção.
h) E com isto se afasta o dado como provado na sentença de que existiria IVA liquidado e não entregue.
i) Sobeja então a questão da putativa aplicação da presunção do artigo 136°, n° 5 do CPPT mas tal também não se revela certeiro desde logo porque não é pelo simples facto de se estar perante dívidas de IVA que torna automaticamente aplicável a presunção daquele normativo.
j) A presunção do fundado receio só opera, como resulta do seu texto e para o que in casu releva, quando se está perante dívidas por impostos que o devedor esteja obrigado a repercutir a terceiros e não haja procedido à correspondente entrega nos cofres do Estado, sendo que sem que tal situação se verifique não existe tal presunção e o requerente do arresto terá de provar, então, o preenchimento dos seus requisitos nos termos gerais.
k) Ora no presente caso não é uma situação de repercussão de IVA em terceiros que está em causa, logo IVA nos outputs.
l) O que está em causa é IVA apresentado pelo recorrente como dedutível e que a DGCI desconsiderou por, alegadamente, as facturas não titularem operações reais, logo IVA nos inputs.
m) São, pois, situações inconfundíveis e que por o serem não permite fazer estender a aplicação do artigo 136°, n° 5 do CPPT da primeira também à segunda.
n) Pesquisando por todos os 17 artigos que constituem a
exposição da matéria de facto que a requerente do arresto apresentou a juízo de molde a legitimar o mesmo não existe um único facto referente a IVA liquidado antes sendo todos referentes a IVA suportado e que a DGCI questiona a sua existência, ou seja, a requerente da providência não assentou o seu pedido sequer na causa de pedir que a sentença vem depois a firmar.
o) Pelo que urge concluir que a sentença, para decidir como decidiu, fez indevido uso do artigo 136°, n° 5 do CPPT.
p) Entende o recorrente que só poderia ter sido decretado o arresto sobre os seus bens se estivessem preenchidos cumulativamente os dois requisitos previstos no artigo 136°, n° 1 (a) e b) do CPPT.
q) Ora do alegado pela requerente do arresto (na sua P.I.) para demonstrar o fundado receio da garantia de cobrança dos créditos tributários apenas se retira:
i) As relações pouco claras e de supremacia económica da recorrente sobre outras empresas e as declarações putativamente prestadas por intervenientes no circuito no sentido da falta de adesão à realidade das facturas que constituíram os inputs do recorrente;
II) Ao que se remata com a conclusão de um fundado receio na diminuição da garantia patrimonial através de ocultação ou alienação de bens.
r) Como reconhecido pela própria requerente do arresto esta última afirmação é meramente conclusiva e o fundado receio na diminuição da garantia teria de assentar em factos que, desde que demonstrados, com grande probabilidade revelassem a mesma.
s) O facto de o recorrente se encontrar envolvida em malévolos esquemas de "facturas falsas" não permite levar à conclusão de qualquer ocultação ou alienação de bens.
t) No que respeita a factos desta eventual sonegação de bens a requerente da providência não alega sequer um único e teria de os alegar e provar para que o arresto obtivesse legitimidade legal.
u) Por outro lado o arresto que foi decretado, e como se pode ver da discriminação feita na sentença, incidiu sobre todos os bens do recorrente, bens esses de que o mesmo carece para o giro da sua actividade.
v) Ora sendo o arresto uma "antevisão" do acto de penhora manifesto se torna que fica impedida, ou em vias de tal, a actividade do recorrente e se assim for é que não pode o recorrente vir a pagar nada do que lhe é imputado, pois que apenas lhe restará cessar a actividade por ausência de meios que lhe permitam continuar a levar a mesma a cabo.
w) Afigura-se, pois, que o arresto com a dimensão que foi decretado ofende o artigo 51°, n° 2 da LGT pois que é o mesmo completamente desproporcionado.
x) Pelo que, por tudo quanto vem de se alegar, entende o recorrente que a sentença violou os artigos 136°, nos 1, 2 e 5 do CPPT e 51°, n° 2 da LGT não se podendo, assim, manter.

Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser a sentença revogada e substituída por uma decisão que não reconheça estarem preenchidos os requisitos legais para ser decretado o arresto e, em consequência, seja ordenado o levantamento do mesmo, tudo o mais com as consequências legais.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, em separado e no efeito meramente devolutivo.


Também a recorrida Fazenda Pública (FP) veio a apresentar as suas alegações e nestas as respectivas conclusões as quais igualmente na íntegra se reproduzem:


1 - Nos termos do art. 31° n° 2 do RCPIT, aprovado pelo D.L. n° 413/98 de 31/12, a interposição de providência cautelar de arresto, fundamenta-se na informação elaborada
pela equipa de Inspecção Tributária, na qual se descrevem os factos demonstrativos do imposto e a sua provável existência.
2- O IVA é um imposto geral, que directa ou indirectamente é repercutido a terceiros.
3- Do relatório elaborado pelo Serviço de Inspecção, podem ser conhecidos, recolhidos e verificados um conjunto de elementos objectivos que justificam que o património do devedor é manifestamente insuficiente para fazer face ao pagamento dos tributos em dívida.

NESTES TERMOS, deve ser negado provimento ao presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA.


Por se tratar de autos classificados de urgentes vêm os mesmos à Conferência sem a prévia recolha dos vistos dos Exmos Juízes Adjuntos.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, estribando-se nas contra-alegações apresentadas pelo Exmo RFP.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se ocorre errado julgamento da matéria de facto na sentença recorrida ao remeter para alínea não existente no probatório fixado; Se a presunção contida no n.º5 do art.º 136.º do CPPT de fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis se aplica ao IVA, quer ele provenha dos outputs quer ele provenha dos inputs; E se os bens arrestados pela sua dimensão não são proporcionais ao dano a evitar e causam prejuízo de impossível ou difícil reparação.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A. M... é empresário em nome individual com actividade de comércio de madeira por grosso em bruto, - fls. 10;
B. Foi efectuada uma acção de inspecção à actividade exercida pelo empresário referido em A, relativamente ao exercício do ano de 2003, no âmbito da qual se verificou a existência de dedução indevida de IVA, bem como de IVA liquidado e não entregue e, ainda, irregularidades em sede de IRS, ainda não quantificadas - fls. 10:
E Ao requerido é conhecido o seguinte património:
. Prédio rústico sito na Techugueira, Sobral da Abelheira, concelho de Mafra, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 18, Secção A, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n° 184 da freguesia de Sobral da Abelheira - fls. 121;
. Prédio rústico sito na Techugueira, Sobral da Abelheira, concelho de Mafra, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 20, Secção A, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n° 184 da freguesia de Sobral da Abelheira- fls. 122;
. Prédio rústico sito na Varzinha, Sobral da Abelheira, concelho de Mafra, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 101, Secção I, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n° 782 da freguesia de Sobral da Abelheira- fls. 123;
. Quota social no valor de € 5000, detida na sociedade por quotas M... - Comércio de Madeiras, Lda, com sede na Rua dos Madeireiros, n° 17, Palhagueiras, freguesia de A- dos - Cunhados, concelho de Torres Vedras, matriculada na Conservatória do registo Comercial de Torres Vedras, sob o n° 505 207 052 - fls. 25;
. Veiculo automóvel de marca "Volvo", matrícula PT - 94 - 98 - fls. 105;
. Veículo automóvel de marca "Nissan", matrícula PX - 69 - 44 - fls. 106;
. Veiculo automóvel de marca "Opel", matrícula 05- 75- QH - fls. 107;
. Veículo automóvel de marca "Volvo", matrícula 20 - 76 - JR - fls. 108;
. Veículo automóvel de marca "Opel", matrícula 31 - 34 - QP- fls. 109;
. Veículo automóvel de marca "Ford", matrícula 54 - 84- LM- fls. 110;
. Veículo automóvel de marca "Mitsubishi", matrícula 66 - 94 - TH- fls. 111;
. Veículo automóvel de marca "Volvol", matrícula 70 - 26 - PN- fls. 112;
. Veículo automóvel de marca "Volvol", matrícula 82- 22- XL- fls. 1113;
. Veículo automóvel de marca "Mitsubishil", matrícula 71 - 75- QZ- fls. 114;
. Créditos na Fábrica de Papel da P...- Empresa Produtora-de Pasta e Papel, SA, NIPC 503025798, com domicílio fiscal em Apartado 55, Mitrena, Setúbal- fls. 10 e ss;
. Conta bancária, no Banco Espirito Santo, na Agência de Torres Vedras, designada «CE Oeste», conta n° 3300 3050 0002- fls. 10 e ss;
. Conta bancária, no Banco Santander Totta, com o n° 51181252001 fls. 10 e ss;
*
Não existem factos alegados que não tenham sido indiciariamente provados.


4. Para julgar procedente a providência cautelar de arresto e decretar o arresto requerido pelo Exmo RFP considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que se verificam, no caso, os dois pressupostos de que a lei faz depender para o seu decretamento: o fundado receio de diminuição de garantia patrimonial e encontrarem-se os tributos já liquidados ou em fase de liquidação, presumindo-se o fundado receio da diminuição de garantia patrimonial no caso de dívidas por impostos que o devedor seja obrigado a reter ou a repercutir a terceiros, como é o caso do IVA.

Para o recorrente de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto desde logo se vem insurgir contra a factualidade constante do probatório e onde se apoiou a sentença recorrida como seja uma suposta alínea C), que não existe no probatório fixado, não se encontrando tais impostos, mesmo hoje, ainda liquidados, não sendo também aplicável a presunção contida no art.º 136.º n.º5 do CPPT, por o IVA em causa não resultar dos outputs mas sim dos inputs, onde tal presunção não tem lugar, não existindo qualquer prova, nos termos gerais, do fundado receio da perda da garantia patrimonial e por outro lado, com a apreensão total dos bens do ora recorrente ficar o mesmo inibido de continuar a exercer a sua actividade pelo que em tal dimensão o mesmo seria violador do disposto no art.º 51.º n.º2 da LGT.

Vejamos então.
Desde logo quanto ao invocado errado julgamento da matéria de facto tal como foi efectuado na sentença recorrida quanto a uma invocada alínea C) – cfr. matéria das conclusões b) a h) das conclusões do recurso - apraz-nos registar que o ora recorrente não deu cumprimento ao disposto no art.º 690.º-A do Código de Processo Civil (CPC), na medida em que não indicou quais os concretos pontos que considera incorrectamente julgados e, sobretudo, não indicou quais os concretos meios probatórios constantes dos autos que impunham decisão diversa sobre esses pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, o que levaria à sua rejeição nesta parte.

Porém, tendo em conta que este Tribunal conhece de matéria de direito e de matéria de facto – art.º 39.º do ETAF – e que esta pode ser alterada pelo tribunal, mesmo oficiosamente, nos termos do disposto no art.º 712.º n.º 1 do mesmo CPC, e tendo também em conta a primazia que deve ser dada ao conhecimento da substância mesmo quando a forma se revela não totalmente adequada, como no caso, passaremos a conhecer desta matéria naquele âmbito em que a mesma pode ser oficiosamente conhecida.

E desde logo, como se vê da integral transcrição do julgamento da matéria de facto tal como foi efectuado na sentença recorrida, nela não consta nenhuma alínea C), como bem invoca o ora recorrente, tendo a mesma apenas destacado a matéria de facto constante das alíneas A., B. e E., desta forma não tendo sequer seguido a ordem alfabética, o que se entende como dever-se a algum mero lapso, tendo depois feito constar na aplicação do direito que «os tributos em causa estão liquidados – C dos factos provados», afirmação que não corresponde à realidade, desde logo por não existir nenhuma alínea C, enfermando a mesma de erro de julgamento, que não só de mero lapso na indicação da letra da alínea por em nenhuma das outras alíneas constar esta matéria como provada, com esta dimensão.

Assim, ao abrigo da alínea a) do n.º1 do art.º 712.º do Código de Processo Civil (CPC), urge fixar e reformular a matéria de facto constante na alínea B. do probatório da sentença recorrida de molde a dela constar a realidade emergente da prova dos autos quanto a tal questão e que virá a ter a seguinte redacção:
B. Foi efectuada uma acção de inspecção à actividade exercida pelo empresário referido em A, relativamente aos exercícios entre outros do ano de 2003, no âmbito da qual se verificou a existência de dedução indevida de IVA de pelo menos no montante de 216.400,13 €, derivado de operações simuladas, e, ainda, irregularidades em sede de IRS, ainda não quantificadas, decorrendo o procedimento de liquidação com vista à sua cobrança – cfr. docs. constantes em entre outros lugares a fls. 27 e segs destes autos e informação a que alude o art.º 31.º n.º2 do RCPIT aprovado pelo Dec-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro, constante de fls 440 e segs dos autos.


4.1. Passemos agora ao conhecimento da restante matéria das conclusões do recurso – conclusão i) e seguintes.

Nos termos do disposto no art.º 136.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), pode o representante da Fazenda Pública requerer arresto de bens do devedor de tributos ou do responsável solidário ou subsidiário, desde que reunidos os requisitos constantes das suas duas alíneas, a) e b) – fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis e estar o tributo liquidado ou em fase de liquidação – ou depois de instaurada a execução fiscal nos termos do n.º1 do art.º 214.º do mesmo CPPT, havendo justo receio de insolvência ou de ocultação ou alienação de bens, quer por parte do executado, quer por parte do responsável subsidiário, solidário ou sucessor.

O arresto é decretado sem audiência da parte contrária – art.º 408.º n.º1 do CPC ex vi do art.º 139.º do CPPT – só se abrindo para o arrestado a via contraditória depois de ser notificado da decisão, podendo em alternativa este optar por uma das duas vias contenciosas possíveis: o recurso da decisão que decretou o arresto «quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida» ou a oposição à mesma decisão, «quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução», nos termos do disposto nos art.ºs 388.º e 392.º n.º1 do CPC.
A oposição tem assim por objecto, a alegação de factos ou produção de meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução.

Sendo o arresto uma providência cautelar substanciada numa apreensão judicial de bens (art.º 406.º n.º2 do CPC) destina–se ela, além do mais, a garantir a cobrança dos créditos tributários, podendo ser requerida relativamente a bens do devedor de tributos ou do responsável solidário ou subsidiário.
Mas para tal devem verificar-se cumulativamente, as circunstâncias previstas na citada norma do art.º 136.º n.º1 do CPPT, de fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis e estar o tributo já liquidado ou em fase de liquidação.

Decorre deste regime legal que, à Fazenda Pública cabe provar os factos dos quais resultam, além da existência (ou provável existência) do tributo, que este esteja liquidado ou em fase de liquidação e que há receio de diminuição de garantias de créditos tributários.

No caso, o IVA reputado em falta de pelo menos € 216.400,13 e o IRS então ainda a apurar, relativos ao exercício do ano de 2003, entendeu-se na decisão da providência cautelar que decretou o arresto, que ambos os pressupostos se mostravam preenchidos, por ambos os impostos se encontrarem liquidados, como acima se fundamentou, o que, ainda que não corresponda à realidade, como também acima se viu, não deixa de ter o mesmo regime jurídico, já que a norma do n.º1, alínea b), do art.º 136.º do CPPT, abrange ambas as situações (imposto liquidado ou em fase de liquidação) e também existir o fundado receio de diminuição de garantia da sua cobrança, fazendo aplicação da norma do n.º5 do mesmo art.º 136.º, que o faz presumir no caso de dívidas por impostos que o devedor ou responsável esteja obrigado a reter ou a repercutir a terceiros e não haja entregue nos prazos legais (norma acrescentada pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho), como é o caso do IVA.

Em sede do presente recurso – cfr. matéria das suas conclusões i) a o) - vem o ora recorrente insurgir-se contra o funcionamento desta presunção aplicada na decisão recorrida no caso do IVA, independentemente de ele provir dos inputs ou dos outputs, defendendo que só nesta última hipótese da forma de apuramento do IVA funcionará tal presunção de fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis, deixando o requerente do arresto de ter o ónus da prova desse fundado receio (cfr. art.º 344.º n.º1 do Código Civil).

O imposto sobre o valor acrescentado, abreviadamente IVA, tal como é praticado nos países que o adoptam é um imposto geral sobre o consumo. É um imposto plurifásico: aplica-se em várias fases do processo produtivo. O que caracteriza o IVA é o método de cálculo da dívida fiscal de cada operador, conhecido por método do crédito do imposto (indirecto, subtractivo ou das facturas): cada operador económico liquida imposto à taxa legal, sobre as transacções que efectua, mas em cada período de imposto recebe crédito do imposto que suportou nesse mesmo período nas aquisições dos "inputs" da sua produção. O imposto a entregar ao Estado é assim o que resulta da diferença entre o IVA liquidado nas facturas de venda e o IVA suportado, constante das facturas de compra(tudo referido a um determinado período de imposto). Não existem efeitos cumulativos, apesar de se tributarem todos os estádios produtivos: o imposto liquidado num estádio é deduzido pelo estádio seguinte. A taxa do imposto é a que gravar as transacções fiscais, no caso de serem de montantes diversos aos vários estádios de produção. A neutralidade do tributo apenas é afectada quando se prevêem isenções para certos operadores, ou certas transacções, e quando a concessão dessas isenções implica a não possibilidade legal de deduzir o imposto que o operador isento suportou na aquisição de "inputs" produtivos.

A génese do moderno IVA deve buscar-se nos sucessivos ajustamentos introduzidos nos impostos de tipo cumulativo, com a finalidade de minorar distorções fiscais que lhes eram próprias. A evolução mais característica verificou-se em França, a justo título considerado o País em que nasceu o IVA actualmente em vigor - cfr. POLIS - Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado - Tomo 5, pág. 1478 e segs.

Em Portugal, o IVA começou a vigorar em 1.1.1986, tendo o respectivo Código sido aprovado pelo Dec-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro.
Do seu preâmbulo, designadamente do seu ponto 4, quanto à incidência do imposto, o mesmo visa tributar todo o consumo em bens materiais e serviços, abrangendo todas as fases do circuito económico, desde a produção ao retalho, sendo, porém, a base tributável limitada ao valor acrescentado em cada fase. A dívida tributária de cada operador económico é calculada pelo método do crédito de imposto, traduzindo-se na seguinte operação: aplicada a taxa ao valor global das transacções da empresa, em determinado período, deduz-se ao montante assim obtido o imposto por ela suportado nas compras desse mesmo período revelado nas respectivas facturas de aquisição. O resultado corresponde ao montante a entregar ao Estado.

Porém, salvo o devido respeito, afigura-se-nos artificiosa esta posição do recorrente ao cindir o imposto (IVA) provindo dos inputs e o dos outputs, desde logo por a citada norma do art.º 136.º n.º5 do CPPT, apenas se referir a «impostos que o devedor esteja obrigado a reter ou a repercutir a terceiros e não haja entregue nos prazos legais», sem distinguir a sua proveniência, e inexistirem dois impostos mas apenas um, neste caso o IVA, cujo método de apuramento e logo a prestação devida ao Estado, depender tanto dos montantes cobrados aos seus clientes nas vendas ou prestações de serviços efectuadas (imposto retido) como dos montantes pagos aos seus fornecedores nas aquisições de bens e serviços (imposto repercutido), cuja operação final concretiza o débito de imposto devido, tudo nos termos do disposto nos art.ºs 19.º e segs do CIVA(1).
Ou seja, em regra, o montante do imposto exigível a apurar pelo sujeito passivo na sua declaração periódica, tanto depende do imposto suportado como do imposto recebido, não havendo lugar a dois impostos mas a um só, correspondente à diferença entre o imposto recebido e o imposto suportado pelo sujeito passivo, tudo reportado a um determinado período de tempo.

Assim, a sentença recorrida que também assim entendeu e decidiu não é merecedora da apontada censura, antes deve tal entendimento ser confirmado, improcedendo a matéria da conclusões i) a t).


Finalmente na matéria das conclusões u) a x) vem o ora recorrente insurgir-se com a sentença recorrida por a mesma ter decretado o arresto de bens que impedem o normal exercício da sua actividade económica, sendo mesmo desproporcionado, o que ofende a norma do art.º 51.º, n.º2 da LGT.

Dispõe esta norma do art.º 51.º n.º2 da LGT que as providências cautelares devem ser proporcionais ao dano a evitar e não causar dano de impossível ou difícil reparação, norma que mais não faz do que dar concretização ao princípio constitucional da proporcionalidade contido no art.º 266.º n.º2 da CRP e também no art.º 5.º do CPA.

A prova constante dos autos, designadamente pela ausência do valor dos bens arrestados e outros cujo montante ainda se desconhece, como no caso dos créditos sobre terceiros e nas contas bancárias, não é possível desde já aferir, se o arresto dos bens indicados é ou não, em termos prováveis, suficiente para garantir o pagamento dos impostos em causa relativos ao exercício do ano de 2003 e legais acréscimos, o que só à medida que tal arresto for sendo efectuado e a liquidação se concretizar se poderá saber, e o ora recorrente ao mesmo então poderá reagir através do meio específico previsto no art.º 137.º n.º3 do CPPT (redacção da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho), ocorrendo a caducidade do arresto na medida em que ocorra esse excesso.

De resto, o Exmo RFP no seu requerimento de arresto de fls 435 e segs dos autos, expressamente, vem na matéria do seu art.º 28.º dessa mesma peça processual, articular a pretendida proporcionalidade dos bens a arrestar para garantir os impostos em falta, sendo pois, o próprio requerente da providência que desde logo se mostra motivado para que se não deixe de cumprir essa mesma norma do art.º 51.º n.º2 da LGT.

Quanto ao risco de encerramento da sua actividade pelo arresto de todos aqueles bens que são essenciais ao giro da sua actividade, como alega, nenhuma prova existe nos autos nesse sentido, que sejam esses apenas os bens que possui para o exercício da sua actividade comercial, pelo que não se pode concluir pelo risco de tal arresto lhe causar dano de impossível ou de difícil reparação.


Improcedem assim todas as conclusões do recurso sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida, ainda que, em parte, por diversa fundamentação.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida com a presente fundamentação.


Custas pelo recorrente, em ambas as instâncias.


Lisboa, 13/05/2008
EUGÉNIO SEQUEIRA
ASCENSÃO LOPES
LUCAS MARTINS


(1) Cfr. neste sentido os acórdãos do então TCA de 17.6.203, recurso n.º 654/2003 e deste TCAS de 21.1.2004, recurso n.º 7350/02.