Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02365/08
Secção:CT-2ºJUÍZO
Data do Acordão:12/18/2008
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IRC.
CUSTOS.
PROVA.
DÚVIDA FUNDADA
Sumário:1.Tendo a AF coligido para os autos indícios certos e seguros da prova da falsidade das facturas desconsideradas como custos, cabia por sua vez à contribuinte, infirmá-los ou seja efectuar a prova da efectiva aderência de tais facturas com a realidade, no que consistiam "os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido", ou sejam as razões que podem levar à almejada anulação, ou ainda, criar a fundada dúvida sobre os mesmos;
2. Logra fazer tal prova, a impugnante que através dos depoimentos das testemunhas inquiridas em conjunto com parte da matéria do relatório da fiscalização tributária vem colocar em dúvida séria, fundada, a inexistência dos fornecimentos constantes nas concretas facturas desconsideradas pela AT, que constam emitidas por duas empresas e em que a AT apurou que a impugnante utilizava, por vezes, a subcontratação para fornecimento das mercadorias por si produzidas.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. P........ – M.............., Lda, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


69. Decidiu o Tribunal a quo, julgando improcedente o pedido formulado pela recorrente, por entender, que, "A administração fiscal recolheu indícios muito sérios de facturação simulada que a impugnante não logrou, de modo algum desfazer"..
70. A decisão do procedimento, é obrigatoriamente fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram.
71. A sua inobservância, para além de ausência, constitui vício de fundamentação legalmente exigida.
72. A inspecção tributária faz constar do relatório, ponto 2, folhas 3, que o sujeito passivo "Recorre, por vezes, à subcontratação para poder cumprir prazos estipulados nos contratos celebrados com clientes"
73. Continua, ponto 3.1 , folhas 4, que "A justificação para a situação de permanente crédito de imposto está no facto do sujeito passivo exportar quase toda a produção, de que resulta isenção de IVA naquelas vendas, com direito a dedução do IVA suportado. Outro facto que concorreu para aquela situação foi a aquisição de imobilizado. . . "
74. Motiva as correcções constantes do ponto 3.1.1, relativas às facturas n.º 190 e 198 no facto de "Os pagamentos daquelas facturas, tendo como suporte os recibos, estão registadas na conta "caixa" nos meses de Dezembro de 1991 e Janeiro de 1992."
75. Acrescenta, que "...não consta daquela conta o registo da entrada de cheques, o que considera estranho..."
76. Conclui "Em face do anteriormente exposto (vide folha 6 do relatório de inspecção, último parágrafo) considera-se que...existem indícios de que se trata de operações simuladas, pelo que o custo...não é aceite...e se considera que houve dedução indevida de IVA.
77. A inspecção tributária fundamenta os indícios de operações simuladas, a partir única e exclusivamente de um pagamento, que estranhamente não foi efectuado com cheque.
78. E ainda pela falta de apresentação de declarações periódicas do emitente das facturas e por terem sido emitidas liquidações oficiosas.
79. As presunções ou deduções, não podem de todo, criar no espírito do julgador um estado de convicção assente na certeza relativa do facto.
80. As causas indicadas no ponto 3.1.2 respeitam a duas facturas com os n.º 16 e n.º 22, emitidas pela firma Fábrica de R...............
81. A fundamentação utilizada pela administração tributária, é exactamente a mesma, insistindo em estranhar, não haver pagamento em cheque.
82. In casu, chega aos indícios de que se trata de operações simuladas, pela inexistência no cadastro do IVA do emitente das facturas.
83. Da mesma forma, não considera o custo inerente àquelas operações e retira o direito à dedução do IVA.
84. "Compete à A.T a prova dos pressupostos que, afastando a presunção de veracidade da declaração, lhe permitiram o recurso às correcções técnicas no apuramento da matéria tributável...competindo-lhe designadamente demonstrar os factos que lhe permitiram concluir que a operação a que se refere uma determinada factura é simulada (... ) tal ónus cumpre-se com a prova dos “factos índice" que, valorados à luz da experiência comum, permitam um juízo suficientemente sólido naquele sentido..."Acórdão do TCA de 19/2/2002
85. É a administração tributária que tem de provar os pressupostos legitimadores da sua actuação, sendo certo que lhe cabe o ónus de provar a factualidade que a levou a desconsiderar um custo contabilizado (no caso que a levou a afirmar determinada operação como simulada).
86. Factualidade que tem de ser susceptível de abalar a presunção de ­veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte.
87. Decidiu o Acórdão 1365/06 do TCA Sul, pese embora em sentido diverso da pretensão do contribuinte, pela procedência do pedido formulado pela Fazenda Pública, porque não foram apresentados documentos comprovativos do que teria pago pelos trabalhos facturados e alegadamente efectuados.
88. O douto acórdão, diz ainda que "as correcções não foram efectuadas apenas porque as empresas em questão não declararam ao fisco os respectivos montantes quer em sede de IVA quer em sede de IRC. As correcções foram feitas também e sobretudo pelo facto de o recorrido não ter apresentado, apesar de notificado para tal...quer dos respectivos pagamentos".
89. "...face à prova produzida nos autos, nomeadamente...a falta de apresentação...dos recibos relativamente aos alegados pagamentos das facturas . . .deve o recurso proceder.
90. Não é de todo o caso dos presentes autos, já que os pagamentos e os respectivos recibos constam do relatório da inspecção tributária, desde sempre (foram recolhidos da contabilidade da recorrente).
91. E ainda, porque não pode a falta de cumprimento das obrigações tributárias dos emitentes das facturas, dar causa a correcções à matéria colectável, dos adquirentes de bens ou serviços.
92. O Digno Magistrado do Ministério Público, pronuncia-se pela suficiência da prova carreada aos autos, a folhas 144 do processo de impugnação judicial, defendendo, "Sucede, porém, que a impugnante logrou carrear aos presentes autos prova bastante para, pelo menos, infirmar aqueles elementos indiciários e lançar fundada dúvida sobre a existência dos pressupostos do acto tributário impugnado.
93. É o que resulta do depoimento das testemunhas ouvidas a fls.120 e seguintes, e pelo qual se pode concluir da natureza das operações subjacentes às facturas acima referidas designadamente as mercadorias que foram encomendadas e entregues à impugnante, como ocorreu essa entrega, quais os meios de pagamento e bem assim as circunstâncias atinentes à venda judicial e arrendamento das instalações da carpintaria da L.....
94. “Nos termos do actual Código de Processo Tributário...a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário implica a sua anulação, sendo que a prova da existência dos pressupostos do acto tributário, bem como da inexistência de factos constitutivos dos respectivos vícios, cabe à Administração Fiscal. . .
95. No caso a impugnante, mediante prova produzida, logrou infirmar as suspeitas que serviram de base e pressuposto ao acto tributário impugnado. Somos, pois, de parecer que a presente impugnação deve ser julgada procedente... "
96. Porque o dever de fundamentação visa responder à necessidades de esclarecimento dos administrados informando-os do itinerário cognoscitivo e valorativo do autor do acto, de modo a que também o Tribunal possa dispor de um efectivo controlo sobre a legalidade desse acto.
97. A insuficiência a obscuridade e a contradição da fundamentação do acto tributário equivalem a falta de fundamentação, Acórdão do TCA Norte n.º 144/03.
98. Não andou bem, por isso, a douta decisão do tribunal a quo, ao entender que a administração fiscal recolheu indícios muito sérios de facturação simulada, que a impugnante não logrou de modo algum desfazer.
99. Como não andou, ao prostrar a credibilidade dos depoimentos, sem que tenha isentado algum pormenor menos exacto, legitimado pelo hiato de tempo verificado, entre a ocorrência dos factos, 1991 e o respectivo depoimento, 28 de Abril de 1997 (cinco anos completos e seis meses).
100. Absolutamente desculpável e não, susceptível de abalar a sua credibilidade, veja-se o sentido que do mesmo depoimento extraiu, o Digno Magistrado do Ministério Público
101. Para além de dar (a douta decisão) como não provados, com interesse para a decisão, factos que a própria inspecção tributária atesta em relatório, nomeadamente o recurso à subcontratação
102. Donde, deve a superior decisão, anular os actos praticados, atento o carácter instrumental do fim prosseguido pela fundamentação do acto tributário, sendo que suficiência da fundamentação se afere, pela possibilidade de ficar a sua impugnação empenhada.
Da inexistência de notificação para exercício do direito de audição
103. O direito de audiência dos interessados no procedimento, constitui uma concretização legislativa do direito de participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhe disserem respeito e é aplicável a todo o tipo de procedimento.
104. Hoje reconhecido também no artigo 60.º da LGT e artigo 60.º do RCPIT, representa o cumprimento do modelo de administração participada postulado constitucionalmente.
105. Sem embargo, de o direito de audição em matéria fiscal assistir aos interessados antes da vigência da LGT, por via da aplicação do disposto nos artigos 100.º a 105.º do CPA (entendimento que consta da Circular n.º 13/99, de 8 de Julho, da Direcção de Serviços da Justiça Tributária e sufragado pela jurisprudência, designadamente pelos Acórdãos STA n.º 58272, de 30/10/2002 e TCA Sul n.º 6596/2002 de 25/5/2004 e n.º 20/04, de 12/4/2005)
106. Perante um direito com consagração Constitucional, não pode a administração tributária em alguma circunstância deixar de notificar um projecto de decisão em matéria tributária, desfavorável.
107. O procedimento tributário por excelência, é indubitavelmente o procedimento de liquidação.
108. A liquidação, tratada como um acto autónomo na linha do circuito operacional de aplicação da lei, embora intimamente ligado e dependente do acto de determinação da matéria colectável, não é suficiente só por si, para criar a situação jurídica de obrigação tributária no contribuinte.
109. A notificação de um projecto em matéria tributária, só faz sentido se do seu exercício resultar um debate entre o contribuinte e a administração fiscal, podendo o contribuinte apresentar argumentos inovadores e arrolar novos factos.
110. O exercício do direito de audição do contribuinte não se esgota, na possibilidade de ser ouvido antes da decisão da administração fiscal, mas também na faculdade de poder apresentar novos elementos de prova ou novos argumentos jurídicos que podem levar a administração a alterar o projecto.
111. O acórdão do STA n.o 57334 de 27 de Fevereiro de 2002, veio estabelecer, que "há preterição de formalidade legal se, tendo o contribuinte sido ouvido antes da conclusão do relatório de inspecção tributária, não for de novo ouvido antes do acto de liquidação, pois trata-­se de duas audições autónomas relativamente a duas decisões distintas do processo de liquidação".
112. Tendo a inspecção tributária preterido essa formalidade legal, em sede de projecto de relatório, deveria ter acautelado o direito do contribuinte e notificá-lo do projecto de liquidação.
113. Tal preterição consubstancia uma clara violação de lei, não apenas pela ausência de notificação em sede de projecto de relatório da inspecção tributária, mas também e ainda, pela ausência de notificação para exercício do contraditório, sobre o acto de liquidação.
114. Já que, inserindo-se o direito de audição nos poderes de discricionariedade do contribuinte, não desonerada a administração tributária de proceder a essa notificação.
115. Não a tendo feito, constituindo a audiência prévia no procedimento tributário um direito subjectivo legal - procedimental, a sua violação, constitui vício de forma da decisão final, resultando na anulabilidade do acto correspondente a essa decisão, justamente por se entender ter o direito sido verdadeiramente violado, por haver a forte possibilidade de influenciar essa decisão.
­
Termos em que nos melhores de direito devem as presentes alegações de recurso ser recebidas porque em tempo, concedendo o Tribunal ad quem provimento ao recurso, na medida em que a decisão do tribunal a quo não fez acertado entendimento sobre a fundamentação do acto tributário praticado em sede de acção inspectiva como não fez sobre a prova produzida, suficiente para invalidar os elementos indiciários que sobre a recorrente impendem e ainda porque foi preterida a formalidade da audiência prévia o que constitui vício de forma da decisão final.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por a sentença recorrida bem ter interpretado a prova produzida que constituem indícios seguros da simulação de tais transacções e a ora recorrente não ter logrado infirmar tais indícios como lhe cabia, para que a sua pretensão pudesse ter êxito, pelo que a mesma não é passível da apontada censura, sendo por outro lado a outra questão – falta do direito de audição antes da liquidação – questão que não foi suscitada nos autos, nem sobre ela a sentença recorrida emitiu pronúncia, pelo que a mesma também não é de conhecimento por parte deste Tribunal.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Juízes Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. A única questão a decidir consiste em saber se a impugnante e ora recorrente logrou colocar em dúvida séria, fundada, os indícios apurados pela fiscalização tributária donde concluiu que as quatro facturas desconsideradas como custos não tinham aderência com a realidade, não sendo de conhecer da outra questão ao responder-se afirmativamente.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1. A impugnante foi submetida a uma acção de fiscalização realizada em 25/3/1994, no âmbito da qual foi elaborado o relatório junto a fls. 57 e segs. cujo conteúdo se dá por reproduzido.
2. A liquidação impugnada é consequência desta acção de inspecção.
3. A acção de fiscalização permitiu verificar:
a. "..Nos dois últimos períodos de exercício de 1991 a dedução de IVA relativo a existências é muito superior ao verificado nos restantes perío­dos.. "(fls. 61 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
b. A existência de duas fotocópias das facturas nºs 190/91 e 198/91 e, res­pectivos recibos, emitidas em 5/11/91 e 12/12/91 por "Carpintaria.............. Lda, as quais serviram de suporte documental à con­tabilização de custos, no exercício de 1991, nos montantes de 3.018.000$00 e 3.154.000$00, respectivamente (fls. 61 cujo conteúdo se dá por reproduzido)
c. As cópias das facturas encontram-se nos autos a fls. 71 (factura n.º 190 e recibo a fls. 72) e fls. 73 (factura n.º 198 e recibo a fls. 74).
d. O pagamento daquelas facturas, e recibos correspondentes, estão regista­dos na conta "caixa" nos meses de Dezembro de 1991 e Janeiro de 1992, mas não consta daquela conta o registo da entrada de cheques em "caixa", correspondentes àqueles pagamentos.
e. A consulta ao sistema informático do Serviço de Administração do IVA (dados de 24/3/94), revelou que a última declaração periódica entregue pela Carpintaria ............... Lda., respeita ao período de 88/09 e que foi entregue em branco, assim como dos períodos anteriores do ano de 1988 (cfr. fls. 76 a 80 dos autos).
f. Em relação à Carpintaria ...............Lda., a Direcção de Finanças de Lisboa informou que "...na morada indicada verificou-se que não existe a carpintaria em questão mas, sim no mesmo local encontra-se uma garagem que pertence ao Senhor J.......... que a adquiriu em 1988 em hasta pública para seu uso particular. Mais informou que houve uma cessão de quotas em 7 de Outubro de 1988, a um único sócio o Sr. J..............(fls. 47 cujo conteúdo se dá por repro­duzido).
g. Foi ainda prestada a informação segundo a qual "todos os bens da firma Carpintaria ............. Lda. foram vendidos judicialmente, confor­me consta das declarações periódicas de rendimento mod. 22 dos exercícios 1989 e 1990. (informação de fls. 19 cujo conteúdo se dá por reproduzido) 4. Quanto ao emitente "Fábrica de Restauração .................", a impugnante contabilizou, como custos do exercício de 1991 duas facturas deste emitente. Uma com o n.º 16, no montante de 2.080.000$00, outra com o n.º 22, no montante de 2.630.000$00.
5. Mas a acção de fiscalização permitiu verificar
a. Através de consulta efectuada em 7/3/94 à base de dados do Serviço de Administração do IVA que o contribuinte n.º .......... é inexistente (fls. 85 cujo conteúdo se dá por reproduzido);
b. Os pagamentos daquelas facturas e recibos correspondentes, estão regis­tados na conta "caixa" nos meses de Dezembro de 1991 e Janeiro de 1992, mas não consta daquela conta o registo da entrada de cheques em "caixa", correspondentes àqueles pagamentos
6. A Sra. M............., empresária em nome individual da empresa "Fábrica e Restauração ..............." vivia, ao tempo dos factos, maritalmente com o Sr. J........, sócio gerente da sociedade "Carpintaria da L....".
*
FACTOS NÃO PROVADOS.
Com interesse para a decisão da causa, não se provou que:
Para poder cumprir os apertados prazos de fornecimento estipulados pelos clientes, a impugnante recorre por diversas vezes a subcontratação e inclusivamente à compra de produtos já fabricados por terceiros. (No sentido que a impugnante lhe dá na petição inicial, ou seja para justificar a aquisição dos bens mencionados nas facturas cujos custos não foram aceites). Por vezes, os pagamentos a terceiros são efectuados em dinheiro, como é usual neste ramo de indústria, especialmente se os fornecedores são empresas de muito reduzida dimensão. Os pagamentos em dinheiro são uso de comércio neste tipo de actividade, onde existem pequenas unidades com capacidade de produção muito reduzida.
Estas pequenas empresas tem normalmente estrutura familiar, e apenas um ou dois Clientes exportadores, que lhes fazem encomendas anuais, para os quais vão fabricando e entregando material, e recebendo pagamentos em dinheiro, por conta do que lhes for devido no final do ano. Nessa altura, faz-se o acerto de contas da encomenda total e é emitida a ou as facturas pelos montantes entregues.
No exercício em causa, a impugnante socorreu-se dos serviços do Sr. J.........., pequeno empresário do sector de madeiras trabalhadas, que aparecia como encarregado das empresas 'Carpintaria ............., Lda. e 'Fábrica e Restauração ................”.
Como é uso nesta indústria, no início do ano o sócio gerente da impugnante encomen­dou ao Sr. J.......... o fornecimento de diverso material, que se destinava a incorporar nas suas encomendas a Clientes estrangeiros.
Por isso, o Sr. J.......... assumiu o compromisso de entregar tais peças e materiais, que eram fabricados por trabalhadores seus nas insta­lações da "Fábrica e Restauração ............", e ao que dizia, por si trazidos da "Carpintaria ............, Lda."
Por diversas vezes foram entregues nas instalações da impugnante as peças e trabalhos encomendados, nos valores não aceites pela Administração Fiscal, por trabalhadores do Sr. J........ e por ele próprio, aos quais foram entregues somas de dinheiro em pagamento por conta corrente dos acertos finais.
Chegado o final do ano, fez-se o acerto de contas, foram entregues pelo Sr. J......... as facturas em questão, incluindo IVA, e emitidos os respectivos recibos.
Tudo se passou em conformidade com os usos, e os montantes incluídos nas facturas correspondem efectivamente a compras e vendas que são indubitavelmente custos da empresa, e que devem ser aceites para efeitos fiscais.
De facto, o Sr. J.......... possui, ou possuía à data dos factos, instalações fixas onde se dedicava ao fabrico das peças em questão, era gerente de uma das empresas e encarregado da outra, tinha empregados a trabalhar nas peças destinadas à impugnante, e por vezes eram eles próprios que se deslocavam às instalações desta para entregar as mercadorias pron­tas e receber os respectivos pagamentos em dinheiro.
*
MOTIVAÇÃO.
A convicção do tribunal baseou-se nos seguintes meios de prova:
PROVA DOCUMENTAL.
Os meios de prova documental que serviram para a convicção do tribunal estão referi­dos no «probatório» com remissão para as fls. do processo onde se encontram.
PROVA TESTEMUNHAL.
Quanto a este meio de prova, relevaram os depoimentos das testemunhas inquiridas, oferecidas pela impugnante e cujo depoimento não mereceu credibilidade. Vejamos porquê.
O Sr. E.......... reiterou o que a impugnante disse na petição inicial. Reitera que os pagamentos eram feitos em dinheiro e que no final do ano era emitido um recibo global que servia de justificação às saídas de caixa. Mas atendendo a que os montantes envolvidos nas 4 facturas atingem o montante de 12.731.940$ = (3.531.060$+3.690.180$+2.433.600$+3.077.100$) tal não é minimamente credível.
A serem verdadeiros, esses pagamentos em dinheiro implicavam a entrega mensal de 1.060.995$ em doze meses, ou, como seria mais curial devido às férias, 1.157.449$ mensais, durante 11 meses, o que não é verosímil.
Diz ainda desconhecer as instalações da carpintaria em Lisboa: Porque só lhe interessa­va o produto final entregue. Mas se pagava fraccionadamente, em dinheiro e sem qualquer documento, como poderia confiar nas «contas finais» com um fornecedor cujas instalações até desconhecia?
Também refere que as mercadorias eram entregues desacompanhadas de qualquer documento, querendo com isto dizer que não havia guias de remessa, ou de transporte, ou factu­ras - facto que também é confirmado pela testemunha Sr. R.............
Mas não é credível tal procedimento, porque o transportador sujeitava-se a pesada sanção. E se o fizesse uma vez, certamente não o faria por sistema.
O depoimento do Sr. J.......... disse ter explorado a "Carpintaria .........", uma das «fornecedoras» da impugnante, desde 1988 até 1992. No entanto, prova-se que todos os bens desta sociedade foram vendidos judicialmente, conforme DPs de 1989 e 1990.
Contra este facto, diz a testemunha que as máquinas nas quais trabalhava foram com­pradas em leilão à referida carpintaria pela carpintaria .............. Continua assim, a traba­lhar com o nome da "Carpintaria ......." e com as máquinas desta. Mas compradas por outra!
Para além dessa «confusão», sabe-se que a última DP da "Carpintaria .........." respeita ao período de 88/09 e foi entregue em branco.
Portanto, e em conclusão, temos que a Carpintaria da ..... fornecia material, sem guias de remessa ou transporte, não tinha máquinas nem instalações, recebia em dinheiro, mas entre­gava DPs em «branco».
Neste quadro factual, é evidente que os depoimentos não merecem qualquer credibilidade.

Em relação aos fornecimentos efectuados por "Fábrica e Restauração ............", as considerações efectuadas supra são idênticas. Esta teria instalações, emprestadas pela testemu­nha Sr. J.............., com umas máquinas para fazer torneados em madeira que trouxe de Lisboa, e na qual trabalhavam o Sr. J......... e sua companheira, Sra. M......... As mercadorias eram transportadas numa carrinha de caixa aberta, ao fim da tarde, para a impugnante.
Este depoimento continua sem merecer credibilidade (note-se que a testemunha traba­lhou para o Sr. E......... - sócio gerente da impugnante): Confirma que não havia guias de remessa, nem facturas, nem outros documentos e por isso, nada pode explicar sobre facturação e quantidades globais. Acresce que as mercadorias não eram conferidas à sua frente.
Se não havia documentos, e a mercadoria não era conferida, qual seria a «base» para os pagamentos e respectiva facturação?
Acresce que o contribuinte n.º ......... é inexistente no cadastro de IVA.
Tudo conjugado, em articulação com o alegado pagamento em dinheiro de valores ele­vados, estes depoimentos tão pouco mereceram qualquer credibilidade.
E tendo em conta a falta de credibilidade dos depoimentos das principais testemunhas, ou seja, aquelas que mais poderiam saber sobre os factos, o depoimento das restantes nada acrescenta de credível, antes pelo contrário. Veja-se, por exemplo, que a Dª L............ disse ter trabalhado por conta da Dª M............ durante três meses, no Verão de 1991, e que o seu marido também lá trabalhou na mesma altura, muitas vezes, quase todos os dias. Mas o marido, Sr. R........, diz ter trabalhado cerca de oito meses no ano de 1991, por conta da Sra. M.........
*

4. Para julgar improcedente a impugnação judicial deduzida considerou o M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que a AT carreou para os autos dados e seguros, ainda que através de indícios, que os invocados montantes suportados pela ora recorrente com as facturas desconsideradas pela mesma não tinham aderência com a realidade, o que esta não logrou desfazer, demonstrando que ao abrigo de tais facturas tinham sido adquiridos os bens em causa fornecidos por aquelas duas empresas.

Para a recorrente de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, contra o assim entendido se vem insurgir, pugnando pela inexistência de tais indícios seguros apurados pela AT, para além de também ter produzido prova no sentido de os infirmar – conclusões 69 a 102 – tendo também vindo arguir a falta de notificação para o exercício do direito de audição antes da liquidação em causa.

Vejamos então.
A questão a que assim temos de responder, de acordo com as mesmas conclusões, é se aquelas verbas relativas às quatro facturas (n.ºs 190 e 198 e 16 e 22) que foram passadas, as duas primeiras, pela sociedade Carpintaria ............, e as duas seguintes pela Fábrica e Restauração ................, à impugnante e ora recorrente, no exercício em causa, de 1991, em que esta as considerou como custos desse exercício, correspondem a reais operações de aquisição de bens e serviços, como nelas constam – caixas para o pão e escaparatos e rolos de massa colunas para rolo de papel e escorredores de pratos - efectivas e concretas, com os seus exactos montantes, constituindo as respectivas contrapartidas, relativas aos fornecimentos de tais mercadorias que a mesma utilizou na sua actividade de fabricação e comercialização de artigos de madeira trabalhadas para uso doméstico e industrial.

Os factos patrimoniais registados pela contabilidade são descritos e comprovados por meio de escritos comerciais - os documentos - base de todo o registo contabilístico, sem os quais o mesmo não se poderá processar. Aliás, as empresas estão sujeitas a incorrerem em sanções se procederem ao registo de factos não devidamente documentados...cfr. A. Borges, A. Rodrigues e R. Rodrigues, in "Elementos de Contabilidade Geral", Editora Rei dos Livros, pág. 62.

Anteriormente, na norma do art.º 26.º do CCI, aí se não via a formulação directa de qualquer exigência de suporte documental condicionante da qualificação de verbas como custos, como a que hoje se infere dos art.ºs 23.º e 41.º n.º1 h) do CIRC. Estas, de acordo com tais preceitos, exigirão a demonstração efectiva da (ocorrência) do sacrifício; a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos ao imposto e para a manutenção da fonte produtora.
Fazendo apelo à existência, por um lado, da sua concreta verificação ou acontecimento do mundo real (que efectivamente se suportaram), e, por outro, de um nexo de causalidade com os proveitos ou manutenção da fonte produtora, para que as verbas sejam qualificadas como custos, logo de tais preceitos se intuirá que a evidenciação de tais realidades se terá de materializar em quaisquer instrumentos formais de suporte que apenas poderiam ser, atento o princípio da praticabilidade que enforma o direito fiscal, os documentos.

E tais documentos terão de conter, tendo em vista tal função de qualificação de custos, os elementos necessários àquela determinabilidade ou seja têm de externar a existência do sacrifício patrimonial, a sua extensão (montante), e a sua causa, donde resultará a aferição sobre se o proveito será dela resultado.

Por outro lado, também, ao enunciar o modo de determinação do lucro tributável, no art.º 17.º do CIRC reportando-o à soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo exercício e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade, está o legislador a exigir um suporte documental dos ganhos e perdas, pois que tal resultado só pode repousar sobre uma realidade formalizada e não só realmente pressuposta.
Temos, pois, por assente que as verbas contabilizadas pelo contribuinte na conta de resultados hão-de transparecer da sua escrita formal e que esta tem de estar organizada em termos de possibilitar fácil, clara e precisamente, as operações (exigência do art.º 29.º do C.Comercial) e fortuna dos comerciantes, como de evidenciar a causa, natureza e montante das operações aqui de modo, não só, a permitir a sua arrumação contabilística (segundo o POC), como a determinação dos ganhos, perdas, proveitos e custos.

Quanto às categorias dos documentos aptos a preencher aqueles requisitos, no domínio da contribuição industrial, era entendido que os documentos teriam a quota de credibilidade que emergir dos termos em que se encontrar organizada a contabilidade, face à imposição legal dos referidos art.ºs 51.º e 22.º do CCI e 29.º do C. Comercial, exigindo-se que tal contabilidade permita o apuramento e também o controlo claro e inequívoco do lucro tributável. Se a escrituração comercial estiver organizada em termos de, apenas perante ela, se poder efectuar a prognose das operações efectuadas e do lucro tributável, evidente é que se terá de atribuir eficácia probatória ao documento de suporte, a menos que se indicie não corresponder à realidade.
Se o documento se encontra inserido numa escrita organizada, nos termos sobreditos, dando a conhecer os elementos necessários ao desempenho da sua função fiscal, terá de atribuir-se-lhe o crédito de confiança correspondente. Era a contrapartida legal da imposição de uma escrita organizada aos contribuintes do grupo A, decorrente dos citados preceitos legais (1).

E hoje, face às citadas normas do CIRC, o sistema em termos de exigibilidade dos correspondentes suportes documentais para demonstração das operações subjacentes, não poderá deixar de ser, ao menos, igual ao então vigente quanto à contribuição industrial, e da existência deles resulta, actualmente, por força do disposto no art.º 75.º da LGT e anteriormente, do art.º 78.º do CPT, a presunção de veracidade dos dados e lançamentos deles decorrentes.

Sendo mesmo mais exigente quanto ao IVA, no tocante ao direito à dedução do imposto suportado pelo sujeito passivo, em que só as facturas passadas na forma legal conferem tal direito - art.ºs 19.º n.º2 e 35.º do CIVA.

Mas na falta de tais suportes documentais, ou das menções supra, não podem ter os mesmos efeitos que no âmbito deste imposto(IVA), logo pela singela mas não menos lógica razão de que nenhuma norma deste CIRC o sanciona, sendo tal sanção do vício formal da respectiva desconsideração do montante aí inscrito, específica deste imposto, atento a sua estrutura de dedução de tais montantes de IVA inscrito nas facturas no imposto a entregar, funcionando como notas de crédito(2).

No caso, os montantes das quatro facturas não aceites como constituindo custos do exercício de 1991 em sede de IRC fundaram-se, além do mais, em que ...
...
Nos meses de Novembro e Dezembro de 1991 estão registadas na contabilidade compras de mercadorias nos valores de esc. 3.018.000$ e esc. 3.154.000$ ...respectivamente, com base nas cópias, em vez dos originais, das facturas n.ºs 190 e 198 emitidas pela firma “Carpintaria ............, Lda”, em 5.11.1991 e 12.12.1991.
As fotocópias daquelas facturas e dos recibos correspondentes constituem os anexos n.ºs 2, 2-A, 3 e 3-A desta informação.
Os pagamentos daquelas facturas, tendo como suporte os recibos, estão registadas na conta “Caixa” nos meses de Dezembro de 1991 e Janeiro de 1992, mas não consta daquela conta o registo da entrada de cheques na Caixa correspondentes àqueles pagamentos, o que é estranho tendo em conta os valores em causa.
O sócio-gerente ...quando solicitado a provar o pagamento efectivo daquelas compras de mercadorias, não conseguiu fazê-lo, tendo afirmado que houve vários pagamentos em dinheiro.
Por outro lado, a consulta ao sistema informático do Serviço da Administração do IVA revelou que a última Declaração Periódica de I.V.A entregue pelo sujeito passivo “Carpintaria........... Lda”, respeita ao período de 88/09, e que foi entregue em branco, assim como dos períodos anteriores do ano de 1988, como se pode verificar pelo anexo n.º4 desta informação.
Apresenta-se como anexos n.ºs 5.1 a 5.5 o extracto da conta corrente daquele sujeito passivo no Serviço de Administração do I.V.A no qual se verifica que foram emitidas liquidações oficiosas (L.O) por falta de entrega das Declarações Periódicas respeitantes aos períodos de imposto dos anos de 1991 e 1992.
Em face do anteriormente exposto considera-se que relativamente às operações cujo suporte documental são as facturas n.ºs 190 e 198 emitidas pela firma “Carpintaria.............”, existem indícios de que se trata de operações simuladas, pelo que o custo do exercício que a mesmas originaram, no valor de esc. 6.172.000$00 ..., não é aceite para efeitos fiscais nos termos do disposto no art.º 23.º do Código do I.R.C., e se considera que houve dedução indevida de IVA...
3.1.2 - Fornecedor Sem Cadastro No S.A.I.V.A.
Nos meses de Novembro e Dezembro de 1991 estão registadas compras de mercadorias nos valores de esc. 2.080.000$ e 2.630.000$ ...respectivamente, com base nas facturas n.ºs 16 e 22, emitidas pela firma “Fábrica e Restauração ..............”, N.I.F. ......., em 15.11.1991 e 17.12.1991.
As fotocópias das facturas anteriormente referidas, e dos recibos correspondentes, constituem os anexos n.º 6 a 9 desta informação.
Ao pagamentos daquelas facturas, tendo como suporte os recibos, estão registados na conta “Caixa” nos meses de Dezembro de 1991 e Janeiro de 1992, mas não consta daquela conta o registo da entrada de cheques na Caixa correspondentes àqueles pagamentos, o que é estranho tendo em conta os valores em causa.
O sócio-gerente...quando solicitado a provar o pagamento efectivo daquelas compras de mercadorias, não conseguiu fazê-lo, tendo afirmado que fizera vários pagamentos em dinheiro no ano de 1991.
A consulta à base de dados do Serviço de Administração do I.V.A revelou que não existe no cadastro o contribuinte n.º .........., conforme se pode ver no anexo n.º 10 desta informação.
...
Em face da inexistência no cadastro do I.V.A da firma “Fábrica e Restauração ...................”, e não obstante as declarações da..., considera-se que relativamente às operações cujo suporte documental são as facturas n.ºs 16 e 22 anteriormente referidas, existem indícios de que se trata de operações simuladas, não sendo possível à firma...exercer o direito à dedução do I.V.A nelas mencionado...nem considerar na determinação do seu lucro tributável os custos inerentes àquelas operações, no valor de esc. 4710000$... nos termos do disposto no art.º 23.º do Código do I.R.C..
...
Tratam-se assim de operações documentadas, com as facturas emitidas pelos dois indicados fornecedores das mercadorias, em posse do sujeito passivo, na aquisição desses bens pela impugnante, existentes na contabilidade desta, como não se encontra colocado em causa, que a Administração Tributária não aceitou como titulando as correspondentes operações, face aos termos supra, e na sentença recorrida também assim se entendeu, quer por a ora recorrente não ter logrado abalar ou infirmar esses factos índices em que repousam os fundamentos apurados pela fiscalização tributária no seu relatório do exame à escrita, quer por não ter logrado provar que tais facturas correspondiam a efectivas e reais operações de fornecimento de tais mercadorias.

Como constitui jurisprudência, ao que se saiba unânime, apenas para efeitos do direito à dedução do IVA mencionado nas facturas ou documentos equivalentes passadas pelos vendedores, é que tais documentos em posse do sujeito passivo, se têm de apresentar com os requisitos mencionados na norma do art.º 35.º n.º5 do CIVA, por força da norma do n.º2 do art.º 19.º do mesmo Código, que o exige. Para todos os outros efeitos, designadamente para documentar um custo, inexiste norma legal a impôr tal restrição(3).

Para efeitos de documentar um custo em sede de contribuição industrial e hoje do IRC, nenhuma norma do respectivo Código exige directamente que a correspondente factura ou documento equivalente, tenha de conter todos os elementos referidos no n.º5 do art.º 35.º do CIVA, que para efeito deste imposto (IVA), o impõe, para poder ser exercido o direito à dedução nos termos do seu art.º 19.º. Aliás, como antes se viu, inexiste mesmo qualquer norma em sede de IRC a exigir que os custos estivessem documentados com qualquer categoria de documentos, se bem, como também ali se disse,... para que as verbas sejam qualificadas como custos, logo de tais preceitos resulta que a evidenciação de tais realidades se teria de materializar em quaisquer instrumentos formais de suporte que apenas poderiam ser, atento o princípio da praticabilidade que enforma o direito fiscal, os documentos.

Por outro lado, os suportes materiais da contabilidade englobam, não só, os livros e registos, mas também os documentos justificativos como hoje dispõe a norma do art.º 98.º n.º3 a) do CIRC, mas que já no âmbito da contribuição industrial se entendia vigorar. Os documentos justificativos de origem externa, como no caso, necessários para comprovar a operação, em princípio não podem ser supridos por documentos internos, mas podem ser substituídos por outros meios de prova tendentes a demonstrar a veracidade da operação e logo, o bem fundado dos lançamentos efectuados na contabilidade. Designadamente por prova testemunhal, já que esta é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada, como dispõe a norma do art.º 392.º do Código Civil.

Como refere M. H. de Freitas, in parecer publicado na CTF n.º 365, pág. 343 e segs, conclusão c) "A inexistência, relativamente a um dado lançamento, de documento de origem externa, nos casos em que devesse existir, pode contudo, e sem prejuízo das sanções que forem aplicáveis, ser suprida, para efeitos de determinação de um lucro real efectivo, por outros meios de prova que demonstrem de forma inequívoca a materialidade da operação que está subjacente ao lançamento efectuado e os demais elementos indispensáveis à quantificação dos respectivos reflexos".

No caso, a recusa da AT em com base nessas facturas serem aceites os montantes nelas constantes como constituindo custos, resultou além do mais acima exposto, quanto a estes dois fornecedores, por à referida empresa “Carpintaria........., Lda”, os pagamentos daquelas duas facturas terem sido efectuados em dinheiro, ter entregue a última declaração periódica de I.V.A relativa ao período de 88/09, e que foi entregue em branco, assim como dos períodos anteriores do ano de 1988, e quanto ao fornecedor “Fábrica e Restauração ..............”, N.I.F. ............, os pagamentos daquelas facturas terem também sido pagas em dinheiro, não existir no cadastro o contribuinte n.º ........., e daí a ilação de tais facturas se reportarem a operações simuladas, tendo feito cessar a presunção de veracidade das operações e lançamentos decorrentes de uma escrita regularmente organizada (art.º 78.º da LGT), desta forma tendo a AT cumprido o ónus da prova que sobre si impendia (4), ainda que, reconhece-se, tais indícios se nos afiguram algo ténues e no limiar do cumprimento desse ónus, da existência dos pressupostos do acto de liquidação adicional, dado que de acordo com o disposto no art.º 266.º n.º2 da Constituição da República Portuguesa a Administração só pode agir nas condições em que a lei lho autoriza, tendo de ser ela a suportar a desvantagem de não ser feita prova da verificação dos pressupostos legais que lhe permitam agir com autoridade (pelo menos, quando produza efeitos desfavoráveis para os particulares).

E assim sendo, cabia agora à impugnante ter vindo com a necessária prova, infirmar ou abalar os pressupostos contidos no relatório da inspecção em que repousa a mesma desconsideração de tais facturas ou demonstrar a materialidade das operações subjacentes a tais documentos, e se o conseguisse, apesar daqueles indícios de tais facturas não terem aderência com a realidade, os mesmos teriam de ser aceites e logo o bem fundado desses lançamentos na sua contabilidade.

Em direito fiscal tal como no direito comum (este em relação à indivisibilidade da confissão), é possível aproveitar apenas uma parte dos dados e lançamentos de uma escrita regularmente organizada, e rejeitar a parte viciada por inaptidão para evidenciar o lucro real da empresa em ordem ao lançamento da tributação, nos termos, entre outros, do citado art.º 78.º do CPT e hoje do art.º 75.º da LGT.

Aliás, ninguém melhor do que a recorrente se encontraria em condições de provar que os referidos montantes inscritos em tais facturas se reportam às aquisições dos citados objectos em madeira às citadas empresas, a quem são atribuídas, nos termos sobreditos, ainda que quanto aos respectivos pagamentos tivessem ocorrido as vicissitudes acima apontadas, que apontavam para a sua não aderência com a realidade.

Cabe referir que no direito adjectivo fiscal, art.º 40.º n.º1 do CPT, e no direito adjectivo civil, art.º 265.º n.º3 do CPC, ambos regidos pelos princípios da aquisição processual e do inquisitório do tribunal em matéria de provas, o que interessa em ordem à solução jurídica do litígio é o que resulte provado, seja por via das partes seja por via do tribunal.
Nesta medida, o ónus da prova da factualidade alegada pelas partes tem a natureza de ónus objectivo, por decorrência do princípio da oficialidade, e não de ónus subjectivo tal como em sede de alegação, embora hoje este ónus subjectivo de alegação se apresente mitigado por disposição expressa do art.º 264.º n.ºs 2 e 3 do CPC, que introduziu o conhecimento oficioso de factos instrumentais e complementares.
A consequência do ónus de prova objectivo é que vem a...suportar as desvantagens da incerteza do facto de que não tenha logrado prova, por via das partes ou do tribunal, a parte a quem interesse a aplicação da norma de que ele for pressuposto...cfr. Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Almedina/1982, V-III, pág. 163.

O impugnante não deve limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida a existência e a quantificação do acto tributário. Cabe-lhe o ónus de prova de tais factos, sem embargo de o juiz, no âmbito do seu poder-dever inquisitório, diligenciar também comprová-los - cfr. Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, in CPT, Comentado e Anotado, 3.ª Edição, anotação 8. ao art.º 121.º, págs. 267 e 268.
Em igual sentido, já antes da LGT, aponta Vieira de Andrade(5), ao escrever:
«há-de caber, em princípio, à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos».

A repartição do ónus da prova em sede de impugnação judicial, após a entrada em vigor do CPT, em que se situa a presente liquidação adicional, ao vir introduzir um novo preceito - o do art.º 121.º e hoje do art.º 100.º do CPPT - afigura-se-nos como exprimindo um princípio estruturante do processo contencioso tributário, como do processo administrativo tributário, em que a «fundada dúvida sobre a existência do facto tributário» deve implicar que a administração fiscal se abstenha, quer da respectiva quantificação, quer da subsequente liquidação do imposto.
No dizer de Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão(6), é a consagração do princípio de que a dúvida reverte a favor do contribuinte, em substituição do princípio «in dubio pro fisco» que, na prática, era acatado no regime anterior à Reforma Fiscal.

A «dúvida fundada» a que alude o referido art.º 100.º do CPPT, que implica a anulação do acto impugnado, não pode assentar na ausência ou inércia probatória das partes, sobretudo do impugnante (7).
Este não deve limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida a existência e quantificação de facto tributário.
Cabe-lhe o ónus da prova de tais factos, sem embargo de o juiz, no âmbito do seu poder-dever inquisitório, diligenciar também comprová-los.
Só mediante a prova concludente de tais factos é que é possível pelo fundamento daquela dúvida.

Como aliás também entendem, A. José de Sousa e José da Silva Paixão, in Código de Processo Tributário, Comentado e Anotado, 4.ª Edição, pág. 292, nota 7., "O impugnante tem, por conseguinte, o ónus da alegação dos factos integradores da ilegalidade do acto tributário a anular"...E na nota 10., pág. 293: Sem embargo do ónus da prova de tais factos que recai sobre o impugnante (art.º 342.º do Código Civil)"...

A produção de prova está associada à alegação. Quem tem de alegar os factos tem também em princípio, o ónus da produção da prova respectiva. No caso, pretendia a impugnante anular o acto de liquidação adicional do referido exercício, por terem tido lugar aqueles concretos fornecimentos de artigos de madeira por aquelas duas empresas, como tal carecia de fundamento a liquidação adicional de IRC, pelos montantes de tais facturas desconsiderados como custos do exercício. Cabia, com efeito, à impugnante, para obter a almejada anulação da liquidação, ter provado tal factualidade (ou seja, quer destruindo os pressupostos em que assentou a liquidação, quer provando que tais facturas correspondem às exactas prestações de serviços das invocadas pessoas e a quem os pagou, incluindo o IVA mencionado, como alegou) como parte integrante do seu direito à referida anulação, o que constituía a causa de pedir, ou sejam "os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido", como se diz na norma do art.º 127.º n.º1 do CPT e hoje do art.º 108.º n.º1 do CPPT, tendo em vista obter a pretendida anulação (8).

Cabia à impugnante alegar tal matéria, como alegou – cfr. art.ºs 13.º a 28.º e segs da sua petição inicial de impugnação judicial - mas também prová-la, aliás de acordo com a norma geral em tal matéria do art.º 342.º do CC, que dispõe que «àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado». Princípio que hoje encontra expressa guarida na norma do art.º 74.º da LGT.

E para contrariar os indícios fundados, ainda que ténues como acima se afirmou, em que a AT fez assentar tal liquidação adicional por desconsideração daqueles custos, referida, veio a impugnante arrolar seis testemunhas.

Foram estas todas inquiridas, como consta da respectiva acta de fls 120 a 123 dos autos, tendo todas elas, no essencial, confirmado a tese da impugnante de que tais facturas correspondem aos fornecimentos de artigos em madeira comercializados pela impugnante e destinados à exportação, efectuados durante o ano de 1991 pelas citadas empresas, mas só contabilizados no final do ano, bem como os pagamentos, em dinheiro, iam sendo efectuados ao longo do ano por conta dos mesmos, com acerto no final do mesmo ano, tendo algumas das testemunhas inquiridas estado directamente envolvidas em tais fornecimentos como asseveraram, ainda que não exista total unanimidade entre todos os depoimentos, como bem afirma o M. Juiz do Tribunal “a quo” na sentença recorrida, o que em nosso entender os não descredibiliza na totalidade como o mesmo entendeu, quando os mesmos foram prestados em Abril de 1997 e são relativos a factos ocorridos em 1991, sendo perfeitamente natural o esbatimento de alguns dos pormenores referidos pelas mesmas. Aliás, se todos esses depoimentos, passados todos esses anos, fossem perfeita e linearmente coincidentes é que haveria sérias razões para desconfiar da sua veracidade, bem podendo essas testemunhas terem sido industriadas para o efeito.

E também não se diga que a desconsideração de tais depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas pelo M. Juiz do Tribunal “a quo”, se deve às circunstâncias próprias do princípio da imediação, que permite ao juiz melhor ajuizar de pequenos pormenores da mesma como seja a firmeza e a convicção com que os depoimentos são prestados pelas testemunhas, e que na sua transcrição, naturalmente, se não consegue apreender.
É que a sentença recorrida foi proferida por outro Juiz que não foi o que presidiu à mesma inquirição de testemunhas como se pode ver da respectiva acta de fls 120 e segs e da sentença recorrida, a fls 167 dos autos, pelo que este acesso a tal prova foi, na decisão recorrida, exactamente igual ao verificado neste Tribunal, ou seja, pela leitura dos respectivos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, desta forma se encontrando arredada possível dúvida da convicção de tais depoimentos que o tribunal “a quo” melhor poderia ter apreendido, mercê dessa imediação.

Do conjunto desses depoimentos, é de realçar o prestado por J.........., que contratou directamente com a impugnante o fornecimento de tais artigos em madeira e também alguns transportou, quer os facturados pela empresa, Carpintaria da L.... quer os facturados pela empresa Fábrica e Restauração de ................, sendo aquela empresa de sua pertença e esta pertença da sua companheira M........., sendo que esta senhora ouvida em declarações pela fiscalização tributária confirma esta mesma versão dos factos (fls 86/87 dos autos), da testemunha L.......... que confirma tais fornecimentos à impugnante no ano de 1991, em que trabalhou para esta Fábrica e Restauração ........., onde o seu marido também trabalhou e que trazia tais artigos em madeira a pedido da sua patroa (M.........) para os entregar na impugnante, a testemunha J.......... que emprestou o barracão sido em P....... a esta senhora M..........., em 1990, para aí instalar umas máquinas para fazer torneados em madeira e onde foi exercida actividade com estas por um período de cerca de dois anos e a testemunha R.......... que no ano de 1991 também trabalhou para esta Fábrica e Restauração ........., em P......, onde no final da tarde, no seu regresso a casa, transportava destes móveis para o armazém da impugnante sito em V....., numa carrinha de caixa aberta, pertença dos seus patrões, não vindo tais mercadorias acompanhadas de guias de transporte, facturas ou outros documentos, os quais não lhe eram entregues.

Do conjunto de tais depoimentos, ainda que não perfeitamente coincidentes como se disse, e dos demais elementos probatórios constantes dos autos, designadamente dos elementos carreados pela fiscalização tributária que apurou que (a impugnante) recorre, por vezes, à subcontratação para poder cumprir os prazos estipulados nos contratos celebrados com os clientes – cfr. fls 59 dos autos - são pois, aptos a contrariar, com um mínimo de certeza e de segurança, os (ténues) índices carreados pela AF referidos supra, e com base nos quais considerou que tais concretas facturas não tinham aderência com a realidade, que nesse exercício, tenham ocorrido os fornecimentos imputados àquelas duas empresas, relativamente às quatro facturas em causa, desconsideradas pela AT, relativamente aos apontados fornecimentos de mercadorias pelas indicadas empresas, bem podendo pois, serem tais fornecimentos os supra indicados pela fiscalização e que a mesma chamou de subcontratação a que a impugnante, por vezes, recorria, desta forma tendo criado uma dúvida fundada sobre a existência e a quantificação do facto tributário em causa (liquidação adicional relativa ao exercício de 1991), que implica a sua anulação nos termos do disposto no art.º 121.º n.º1 do CPT então vigente.

Aliás, se a própria AT apurou no referido relatório da fiscalização que a ora recorrente, para poder cumprir os prazos estipulados nos contratos celebrados com os seus clientes recorre, às vezes, à subcontratação, não pode deixar de se admitir que tais facturas passadas por banda destes dois invocados fornecedores sejam exactamente essas empresas subcontratadas a quem a impugnante, por vezes, recorre.

O conjunto daquela prova documental e testemunhal, acima analisada, ainda que não constitua prova positiva suficiente, para considerar provada tais fornecimentos de mercadorias, designadamente quanto à extensão que a impugnante apresentava na sua contabilidade e que fez inscrever em custos do exercício é, contudo, susceptível de abalar os ténues indícios recolhidos pela AT que apontavam tais fornecimentos como operações simuladas, daqui resultando uma dúvida fundada sobre a existência dos pressupostos de tal liquidação que favorece a impugnante e desfavorece a AT, nos termos da citada norma do art.º 121.º n.º1 do CPT.

E não tendo feito tal prova em contrário, mas tendo colocado em dúvida séria, fundada, a conclusão tirada pela Administração Fiscal baseada naqueles indícios supra de que tais lançamentos se reportam a operações simuladas, tem a causa de ser decidida contra a Fazenda Pública, com a revogação da sentença recorrida, que em sentido contrário decidiu.

Cabia à impugnante, ter alegado e provado factos certos e concludentes que infirmassem os concretos indícios recolhidos pela AT ou que tivesse vindo fazer a prova da existência daquelas operações subjacentes aos referidos documentos, ou que no caso, haviam ocorrido circunstâncias especiais que levaram a que os mesmos tivessem sido emitidos nos termos em que o foram, mas que os seus montantes consistiam exactamente nos montantes pagos pela mesma na aquisição de tais artigos em madeira. Situação que colocava a impugnante nas melhores condições para o esclarecer e provar, como antes se disse, e que nos termos supra, logrou colocar em dúvida fundada mediante a prova testemunhal concludente arrolada e prestada e perante a existência de apenas ténues indícios aportados pela fiscalização tributária no sentido da desconsideração de tais facturas, alguns mesmo, desde logo, só por si, no sentido de induzir em alguma dúvida tal desconsideração, como acima se viu.

Não se encontra em causa a falsidade ou a simulação, com os exactos contornos que tais figuras se revestem no direito civil, no art.º 240.º do Código Civil, mas tão só se tais facturas têm ou não aderência com a realidade, isto é se se tratam de meros papéis ou se correspondem à realidade aí descrita, sendo bastante à AT a prova de elementos indiciários que levam a concluir nesse sentido, isto é, de indícios sérios e objectivos, que traduzam uma probabilidade elevada de que tais facturas não titulam operações reais, pois de contrário seria praticamente impossível atingir o objectivo legal de tributação das empresas pelo seu rendimento real e de combate à fraude e evasão fiscais.


Procedem assim as conclusões do recurso, sendo de lhe conceder provimento e de revogar a sentença recorrida que em sentido contrário decidiu e de não conhecer do outro fundamento do recurso, por prejudicado – art.º 660.º n.º2 ex vi do art.º 713.º n.º2, ambos do CPC.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em conceder provimento ao recurso e em revogar a sentença recorrida nela se anulando a liquidação.


Sem custas.


Lisboa,18 de Dezembro de 2008
EUGÉNIO SEQUEIRA
ASCENSÃO LOPES
LUCAS MARTINS

(1) Cfr. neste sentido o acórdão do então Tribunal Tributário de 2.ª Instância de 16.2.1993, recurso n.º 61 331.
(2) Cfr. em sentido semelhante o acórdão deste Tribunal de 29.6.99, recurso n.º 318/97.
(3) Cfr. entre outros, os acórdãos do STA de 15.1.1997, recurso n.º 21 167 e de 22.1.1997, recurso n.º 21 103.
(4) Como constitui jurisprudência repetidamente afirmada, designadamente pela do STA, como se podem ver dos seus acórdãos de 24.4.2002, de 17.4.2002 e de 20.4.2003, recursos n.ºs 102/02, 26.635 e 241/03.
(5) In A Justiça Administrativa, (Lições), 2.ª edição, pág. 269.
(6) In Código de Processo Tributário, Comentado e Anotado, 4.ª Edição, pág. 275, notas 7. e 8.
(7) Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 15.1.1997, recurso n.º 17 914.
(8) Cfr. neste sentido o acórdão do então Tribunal Tributário de 2.ª Instância de 4.4.1995, recurso n.º 62 872.