Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2977/99
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/18/2003
Relator:Francisco Rothes
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRS - MAIS-VALIAS
ACTIVO IMOBILIZADO
EMPRESÁRIO EM NOME INDIVIDUAL
PRÉDIO DESTINADO AO EXERCÍCIO DA ACTIVIDADE
ART. 4.º, N.º 2, ALÍNEA D), DO CIRC
ART. 5.º DO DL N.º 422-A/88, DE 30 DE NOVEMBRO
Sumário:I - O imóvel da propriedade do empresário em nome individual e no qual instalou o seu estabelecimento comercial, assim o utilizando desde que o adquiriu até que cessou a actividade, porque directamente ligado a esta actividade, integra o activo imobilizado da empresa.
II - A tal conclusão não obsta o facto de o empresário nunca o ter feito constar da sua contabilidade como tal e nunca ter feito operar sobre o seu valor amortizações ou reintegrações, que relevariam negativamente na determinação do lucro tributável, pois não é o tratamento contabilístico que determina a natureza dos bens, mas antes esta resulta do destino que lhes é dado na empresa.
III - A venda desse imóvel, ainda que efectuada depois de cessada a actividade comercial do empresário, é de considerar como liquidação do activo efectuada pelo comerciante, pelo que os respectivos ganhos são subsumíveis à previsão da alínea d) do art. 4.º, n.º 2, do CIRS ("mais-valias resultantes das actividades resultantes das actividades comerciais e industriais definidas nos termos do Código do IRC").
IV - Os ganhos resultantes dessa venda estavam sujeitos a IMV, nos termos do art. 1.º, n.º 2, do respectivo código, e porque a aquisição do referido imóvel data de 1978, não logra aqui aplicação a regra transitória do art. 5.º do DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro.
V - O facto de apenas o rés-do-chão do referido imóvel (que não estava sujeito ao regime da propriedade horizontal) estar afecto à actividade empresarial do Contribuinte, aí estando instalado o seu estabelecimento comercial, em nada releva para a determinação dos ganhos sujeitos tributação, pois, nos termos da prova produzida, no primeiro andar o Contribuinte e a mulher por vezes faziam algumas refeições e pernoitavam, sendo certo que aí não era a sua residência, e apesar de não se ter apurado o destino dado ao segundo andar, os Contribuintes alegaram que o mesmo estava devoluto, o que significa que o destino principal do imóvel era a instalação do estabelecimento comercial e o uso residual dele feito não assumia autonomia.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: 1. RELATÓRIO

1.1 J...e mulher, L....(adiante Recorrentes, Impugnantes ou Contribuintes), recorreram para este Tribunal Central Administrativo da sentença proferida no processo acima identificado e que julgou improcedente a impugnação por eles deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 1989, do montante de esc. 32.535.455$00.
A referida liquidação foi efectuada na sequência de um exame à escrita da empresa em nome individual do Contribuinte marido e no âmbito da qual a Administração tributária (AT) conclui que o prédio urbano onde estava instalado o estabelecimento em que era exercida a actividade empresarial integrava o activo imobilizado da empresa, motivo por que os ganhos resultantes da venda do mesmo prédio, em 1989 e pelo preço de esc. 100.000.000$00, prédio que haviam adquirido em 1978 e pelo preço de esc. 4.000.000$00, estão sujeitos a IRS e deveriam ter sido declarados para esse efeito.

1.2 Na petição inicial da impugnação judicial os ora Recorrentes invocaram um extenso rol de vícios, do qual apenas nos interessa (() Aliás, como bem se considerou na sentença recorrida, que nesse ponto não vem atacada, o único vício que nela cumpria apreciar e foi apreciado é o de saber se os ganhos obtidos com a vendo do referido prédio são ou não rendimentos (mais valias) tributáveis em sede de IRS.) o de violação de lei por inexistência de facto tributário.
A esse propósito, alegaram os Impugnantes, em resumo, o seguinte:
- o prédio em causa nunca fez parte do activo imobilizado da empresa, como aliás o demonstra o facto de nunca assim o terem tratado, designadamente para efeitos de amortizações ou reintegrações;
- o Contribuinte marido «Depois de ter adquirido o dito prédio e na qualidade de pessoa singular dele proprietária e possuidora, fez entrega apenas do rés-do-chão desse prédio, ao comerciante que queria passar a ser, no regime de empréstimo gratuito, para que o comerciante que iria ser, desse rés-do-chão se servisse, com a obrigação de o restituir ao proprietário e possuidor, logo que deixasse de o usar como comerciante, como efectivamente aconteceu» (() As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, constituem transcrições.);
- porque o Impugnante instalou o seu estabelecimento comercial apenas no rés-do-chão do prédio, enquanto o primeiro andar era utilizado como segunda habitação deles e o segundo andar sempre esteve devoluto, nunca poderia considerar-se que o activo imobilizado da empresa abrangia mais do que aquele rés-do-chão;
- quando o prédio foi vendido já o impugnante havia cessado, cerca de sete meses antes, a sua actividade;
- os ganhos resultantes da transmissão em causa não ficam sujeitos a IRS por força do disposto no art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro.

1.3 Na sentença recorrida, depois de se delimitar a única questão a apreciar e decidir como sendo a de saber se os referidos ganhos estão ou não sujeitos a imposto considerou-se, em síntese, que o referido prédio integrava o activo imobilizado, pois o seu «destino principal [...] era o exercício da actividade de “Mini-mercado”», em estabelecimento instalado no rés-do-chão do prédio, e «[a] afectação dos outros dois andares era residual e acessória da actividade principal», sendo que «a natureza dos bens de uma empresa não depende de arranjos contabilísticos, mas sim da função económica dentro da empresa».
Assim, porque o imóvel fazia parte do activo imobilizado da empresa, «bem andaram os Serviços da Administração Fiscal ao tributarem os rendimentos obtidos com a sua venda em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares».
Mais se considerou que «não tem aplicação in casu o regime transitório previsto no artigo 5º do Decreto-lei n.º 442-A/88, de 30-11, uma vez que tais rendimentos estavam sujeitos a Imposto de Mais Valias nos termos do n.º 2 do artigo 1.º do respectivo Código aprovado pelo Decreto-lei n.º 46373, de 9 de Junho».
Consequentemente, a Juíza do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Viseu julgou a impugnação judicial improcedente.

1.4 O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.5 Os Recorrentes alegaram e formularam as seguintes conclusões:
« A
Os ora alegantes são pessoas singulares, sendo o alegante marido empresário em nome individual, como consta da petição e da douta sentença ora em recurso, tendo oportunamente impugnado os valores tributáveis e as liquidações de IRS e juros compensatórios, bem como essa liquidação.

B
Do facto de no rés-do-chão do imóvel em causa ter sido instalado um Mini-mercado, de ter ficado provado que no primeiro andar os ora impugnantes confeccionavam as refeições e que também, por vezes, pernoitavam e de que quanto ao segundo andar não ter ficado apurado qual o destino que os impugnantes lhe davam, não resulta, em nossa opinião e salvo o devido respeito, que o destino principal do imóvel era o exercício da actividade de Mini-mercado.
C
Na verdade só é possível conhecer qual o destino principal do imóvel quando for conhecido o destino de cada uma das três partes componentes do referido imóvel.
D
Na sentença em análise só ficou conhecido o destino do rés-do-chão do imóvel em causa.
E
A mesma sentença refere que, quanto ao segundo andar " não ficou apurado qual o destino que os impugnantes lhe davam ".
F
A afectação dos primeiros e segundos andares não era residual e acessória da actividade principal.
G
Não são aplicáveis ao recurso em causa os fundamentos do acórdão de 21-04-99-Procº 23450, do Supremo Tribunal Administrativo.
H
No citado acórdão o imóvel era todo utilizado na actividade comercial.
I
Os ora alegantes apenas utilizaram o rés-do-chão do imóvel no exercício da sua actividade comercial.
J
É impossível determinar qual a parte ou partes do imóvel que mais contribuíram para a formação da mais -valia.
L
É legítimo afirmar que foram os primeiro e segundo andares que mais contribuíram para a formação da mais valia.
M
O sector da habitação aumentou mais do que o sector comercial no período compreendido em 1978 e 1989.
N
As provas produzidas no processo, quer documentais, quer testemunhais, parecem-nos idóneas e suficientes para que delas resultem no mínimo, fundadas dúvidas acerca da quantificação dos valores tributáveis e das liquidações de IRS e juros compensatórios, tudo aqui em causa, pelo que, face a tais dúvidas, com o devido respeito, deveria a impugnação ter sido julgada procedente, contrariamente ao que aconteceu.
O
Por isso, face a tais dúvidas, com a devida vénia, deveria também o acto tributário de determinação e quantificação dos valores tributáveis, tudo aqui em causa, ter sido anulado.
P
Assim, na douta sentença ora em recurso, julgando improcedente a nossa impugnação, foram violadas, entre outras, as disposições do nº 1 do artº 2º do Dec. Lei nº 154/91, de 23 de Abril, que aprovou o Código de Processo Tributário, bem como o artº 3º, a alínea b) do artº 118º, a alínea a) do artº 120º e o artº 121º, estes do C.P.T., e ainda foi violado o disposto no artº 5º do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30/11, razões pelas quais deve tal douta sentença ser revogada, o que se requer.
Nestes termos e nos mais de direito, com douto suprimento que se requer, deve a douta sentença ora em recurso ser revogada e a impugnação ser julgada procedente por provada, com a consequente anulação da determinação dos valores tributáveis levados a efeito para IRS e juros compensatórios, bem como a liquidação de IRS e juros, face, no mínimo, às dúvidas fundadas sobre a quantificação dessa matéria colectável e, por se verificarem as ilegalidades que serviram de fundamento à impugnação, pois só assim, Vossas Excelências farão a costumada
JUSTIÇA».

1.6 Não foram apresentadas contra alegações.

1.7 O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso com a seguinte fundamentação:

«A sentença ora em crise fez uma correcta interpretação dos factos e aplicação do direito.
Em nosso entender, face à matéria dada como provada o destino principal do imóvel era o exercício da actividade comercial – “Mini-mercado” – pelo que terá de ser considerado como integrando o activo imobilizado da empresa individual do José da Cruz.
Sendo assim, não pode beneficiar do regime transitório da categoria G, previsto no art. 5.º do D.L. n.º 442-A/88, de 30-11».

1.8 Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

1.9 A questão sob recurso, delimitada pelas conclusões dos Recorrentes, é a de saber se a sentença fez correcto julgamento de direito quando considerou que incide IRS sobre os ganhos resultantes da venda efectuada em 1989 de um prédio adquirido em 1978. Para tanto, há que averiguar se a sentença fez correcto julgamento quando considerou que o destino principal do referido prédio era a actividade comercial do ora Recorrente, que o prédio integrava o activo imobilizado da respectiva empresa e que os ganhos em causa estavam sujeitos a Imposto de Mais Valias (IMV) e estão sujeitos a IRS, questões em relação às quais os Recorrentes também discordam do decidido na sentença recorrida.

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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos, que ora reproduzimos ipsis verbis e que, por ausência de impugnação, se devem ter por assentes:

1. O Impugnante exerceu a actividade de Mini-mercado, de 10-4-70 até 21-9-77 data em um incêndio destruiu o edifício situado na Rua Dr. Luís Ferreira em Viseu.
2. Por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Satão no dia 14 de Julho de 1978, adquiriu pelo montante de 4.000.000$00, o prédio urbano sito na Av. António José de Almeida n.° 3 em Viseu.
3. Este prédio urbano era constituído por rés-do-chão, primeiro e segundo andares.
4. No rés-do-chão instalou o seu mini-mercado para atendimento ao público.
5. No primeiro andar era por vezes confeccionadas refeições e também por vezes os Impugnantes lá pernoitavam - depoimento da testemunha José Ferreira Coelho.
6. Os Impugnantes residiam na Avenida 25 de Abril 169 1° em Viseu.
7. Os Impugnantes cessaram de facto a sua actividade em 31 de Maio de 1989 - relatório da fiscalização.
8. Por escritura pública de 11-12-89, o Impugnante vendeu pelo preço de 100.000.000$00 o prédio referido em 2.

2.1.2 Com interesse para a decisão, e ao abrigo do disposto no art. 712.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea f) do art. 2.º do CPPT, com base nos elementos dos autos e expressamente referidos entre parêntesis, consideramos ainda provado o seguinte facto, com interesse para a decisão a proferir:

9. Os Impugnantes nunca fizeram constar o prédio dito em 2. da sua contabilidade como elemento do activo imobilizado e também não procederam a amortizações ou reintegrações com referência ao mesmo (cfr. as conclusões do relatório do exame à escrita, com cópia de fls. 52 a 57, maxime ponto 5.3.1, a fls. 56, e os documentos de fls. 35 a 48).
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2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Na sequência de um exame à escrita da empresa do Contribuinte, os Serviços da AT concluíram que os Contribuintes não declararam, para efeitos de IRS do ano de 1989, os ganhos resultantes da venda de um imóvel que consideraram fazer parte do activo imobilizado daquela empresa e que foi adquirido em 1978.
Consequentemente, após a pertinente correcção da matéria colectável declarada, procederam à liquidação adicional de IRS.
Entenderam os Contribuintes que não havia lugar àquela liquidação e, por isso, impugnaram-na judicialmente.
A sentença recorrida julgou a impugnação judicial improcedente e os Contribuintes dela vieram recorrer para este Tribunal Central Administrativo.
Se bem interpretamos as suas alegações de recurso e respectivas conclusões, os Recorrentes entendem que, contrariamente ao que ficou decidido pela 1.ª instância, não há lugar à tributação dos ganhos resultantes da venda do imóvel em sede de IRS, em síntese, pelos seguintes motivos:
- não é possível afirmar-se, como na sentença recorrida, que o destino principal do imóvel era o exercício da actividade comercial, tanto mais que ficou provado que o estabelecimento comercial apenas ocupava o rés-do-chão, que no primeiro andar os Impugnante, por vezes, confeccionavam refeições e pernoitavam, e não se apurou o destino do segundo andar;
- o referido prédio não fazia parte do activo imobilizado da empresa, mas antes integrava o património pessoal do Contribuinte;
- a liquidação viola o disposto no art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, o que, na interpretação que fazemos, significará que os ganhos em causa não estariam sujeitos a Imposto de Mais Valias (IMV) e, por isso, não estão sujeitos a IRS.

Assim, fixamos como questão a decidir a de saber se a sentença fez correcto julgamento de direito quando considerou que incide IRS sobre os ganhos resultantes da venda efectuada em 1989 de um prédio adquirido em 1978, o que passa por indagar se a sentença fez correcto julgamento quando considerou:
- que o destino principal do referido prédio era a actividade comercial do ora Recorrente;
- que o prédio integrava o activo imobilizado da respectiva empresa;
- que os ganhos em causa estavam sujeitos a IMV e, por isso, que não lograva aqui aplicação a regra transitória do art. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, diploma que aprovou o Código do IRS (CIRS) (() Todas as referências ao CIRS se reportam à versão anterior à que do Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho.).

2.2.2 O DESTINO DO IMÓVEL

Salvo o devido respeito, os Recorrentes não têm razão quando pretendem que, pelo facto de o imóvel não estar todo destinado à actividade comercial, não pode haver lugar à tributação dos ganhos resultantes da venda do mesmo.
Vejamos antes do mais qual o destino do prédio:
De acordo com a factualidade que ficou provada, o prédio era constituído por três andares, sendo que no rés-do-chão o Contribuinte instalou o seu estabelecimento comercial, no primeiro andar eram «por vezes confeccionadas refeições e também por vezes os Impugnantes lá pernoitavam» e, quanto ao segundo andar, nada se apurou (cfr. factos vertidos sob os n.ºs 3., 4. e 5. do probatório), sendo certo que os Impugnante alegaram que este último sempre esteve devoluto (cfr. art. 55.º da petição inicial).
Em todo o caso, os documentos juntos aos autos, designadamente as escrituras respeitantes à compra do prédio em 1978 pelo ora Recorrente (cfr. fls. 14 a 21) e à sua venda em 1989 pelo mesmo Recorrente e sua mulher (cfr. fls. 22 a 25), permitem-nos verificar que o prédio não estava sujeito ao regime da propriedade horizontal, motivo por que nada nos permite concluir que existisse qualquer independência entre os diversos pisos (cfr. art. 1414.º do Código Civil).
Acresce que a prova produzida também não permite concluir que os primeiro e segundo andares fossem destinados a habitação, como parece pretenderem os Recorrentes (cfr. conclusões L) e M)).
A prova produzida permite apenas concluir que no rés-do-chão do prédio foi instalado o estabelecimento comercial e que no primeiro andar os Recorrentes por vezes faziam refeições e também por vezes pernoitavam, sendo certo que não era neste que tinham a sua residência (cfr. ponto 6. do probatório).
Assim, afigura-se-nos que não merece censura algum a conclusão que a Juíza do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Viseu extraiu de tal factualidade, no sentido de que o destino principal do imóvel era o exercício da actividade empresarial do Impugnante, de “mini-mercado”.
O facto de por vezes os Impugnantes fazerem refeições no primeiro andar do imóvel e de, também por vezes, aí pernoitarem, sobretudo tendo em conta que não era nesse local que tinham a sua residência, não obsta a que se conclua, como na sentença recorrida, que o destino principal do imóvel era servir de instalação ao estabelecimento comercial.

2.2.3 O PRÉDIO INTEGRAVA O ACTIVO IMOBILIZADO DA EMPRESA ?

É inquestionável que o imóvel em causa faz parte do activo imobilizado da empresa do Impugnante, como bem decidiu a Juíza do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Viseu.
Na verdade, sendo certo que a lei não nos dá um conceito de activo imobilizado, a doutrina tem vindo a afirmar e a jurisprudência a aceitar «que se trata de bens que não são produzidos ou adquiridos com vista à sua revenda com o objectivo de obtenção de lucro, mas antes de bens duradouros, que se encontram indisponíveis para venda, por se destinarem à produção, à utilização, ou à obtenção de rendimentos periódicos ou por se encontrarem em reserva, para serem utilizados ocasionalmente ou para serem vendidos apenas em situações de necessidade de alcançar liquidez» (() Cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de Abril de 1993, proferido no recurso com o n.º 14.534, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Abril de 1996, págs. 1142 a 1148, com abundantes referências doutrinais e de jurisprudência.
No mesmo sentido, vide também o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24 de Janeiro de 1996, proferido no recurso com o n.º 19.824, publicado no Apêndice ao Diário da República de 13 de Março de 1998, págs. 175 a 181.).
No caso sub judice, demonstrado que ficou que o imóvel foi utilizado pelo Contribuinte, no exercício da sua actividade comercial, desde a sua aquisição até ao termo da sua actividade (cfr. pontos do probatório), é manifesto que nenhuma censura merece a conclusão a que chegou a sentença recorrida, de que o imóvel integrava o activo imobilizado da empresa do Contribuinte (() Neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Abril de 1999, publicado no Apêndice ao Diário da República de 19 de Julho de 2002, págs. 1569 a 1573.).
Por outro lado, é irrelevante o tratamento contabilístico que o Contribuinte tenha dado ao imóvel, em nada relevando o facto de nunca ter feito operar sobre o seu valor amortizações ou reintegrações, que relevariam negativamente na determinação do lucro tributável, pois, como também ficou dito na 1.ª instância, não é o tratamento contabilístico que determina a natureza dos bens, mas antes esta resulta do destino que lhes é dado na empresa (() Neste sentido, os referidos acórdãos de 21 de Abril de 1993 e de 2 de Abril de 1999.).
Mas será que todo o imóvel se integra no conceito da activo imobilizado ?
Como resulta do que ficou dito no ponto anterior, nada nos permite cindir o prédio em partes, antes se devendo considerar que o seu destino principal determina a sua natureza. Salvo o devido respeito, não vislumbramos como pretendem os Recorrentes que se pudesse considerar que apenas o rés-do-chão do imóvel integra o activo imobilizado.

2.2.4 OS GANHOS RESULTANTES DA VENDA ESTÃO SUJEITOS A IRS ?

Também a este propósito a decisão do Tribunal a quo merece o nosso acordo.
Desde logo, cumpre ter presente que a venda do activo imobilizado, mesmo que efectuada após a cessação da actividade, haverá de considerar-se como respeitante à actividade comercial do Contribuinte, constituindo uma liquidação do activo promovida pelo comerciante, motivo por que os respectivos ganhos «não deixarão de ser “mais valias resultantes das actividades comerciais e industriais definidas nos termos do Código do IRC” (al. d) do nº 2 do art. 4º do CIRS) até então exercidas por a elas se encontrarem intimamente associados, mau grado a sua interrupção para o futuro» (() Cfr. o já referido acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Abril de 1999.).
Continuando a citar o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Abril de 1999: «Acresce que o diploma para o qual o preceito remete, o CIRC, considera que, para efeitos do mesmo, a cessação da actividade só ocorre “relativamente às entidades com sede ou direcção efectiva em território português, na data do encerramento da liquidação” - art. (7º/5/a) - o que reforça a asserção de que até então as actividades cessadas são passíveis de gerar rendimentos sujeitos a tributação»; isto, quer o acto de transmissão gerador dos ganhos possa ser tido, ou não, como acto de comércio.
Não há dúvida, pois, de que os ganhos resultantes da venda do imóvel estão sujeitos a tributação em IRS.
Nem se diga, como os Recorrentes, que, porque os ganhos em causa não estariam sujeitos a IMV, também não estão sujeitos a tributação em IRS, atento o disposto no regime transitório do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro (() Nos termos do n.º 1 do referido artigo: «Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código».)
Na verdade, os ganhos resultantes da transmissão onerosa de elementos do activo imobilizado das empresas estava sujeita a tributação em IMV, como decorria do art. 1.º, n.º 2, do respectivo código.
Assim, e porque a compra do imóvel foi efectuada em 1978, bem depois da entrada em vigor do CIMV, é inaplicável o regime transitório previsto no art. 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro.
A sentença recorrida decidiu neste sentido e não merece, pois, censura alguma, antes tendo feito correcta aplicação da lei, na esteira da jurisprudência que citou e que aqui nos limitámos a seguir.

2.2.5 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I – O imóvel da propriedade do empresário em nome individual e no qual este instalou o seu estabelecimento comercial, assim o utilizando desde que o adquiriu até que cessou a actividade, porque directamente ligado a esta actividade, integra o activo imobilizado da empresa.

II – A tal conclusão não obsta o facto de o empresário nunca o ter feito constar da sua contabilidade como tal e nunca ter feito operar sobre o seu valor amortizações ou reintegrações, que relevariam negativamente na determinação do lucro tributável, pois não é o tratamento contabilístico que determina a natureza dos bens, mas antes esta resulta do destino que lhes é dado na empresa.

III – A venda desse imóvel, ainda que efectuada depois de cessada a actividade comercial do empresário, é de considerar como liquidação do activo efectuada pelo comerciante, pelo que os respectivos ganhos são subsumíveis à previsão da alínea d) do art. 4.º, n.º 2, do CIRS (“mais-valias resultantes das actividades resultantes das actividades comerciais e industriais definidas nos termos do Código do IRC”).

IV – Os ganhos resultantes dessa venda estavam sujeitos a IMV, nos termos do art. 1.º, n.º 2, do respectivo código, e porque a aquisição do referido imóvel data de 1978, não logra aqui aplicação a regra transitória do art. 5.º do DL n.º 442-A/88, de 30 de Novembro.

V – O facto de apenas o rés-do-chão do referido imóvel (que não estava sujeito ao regime da propriedade horizontal) estar afecto à actividade empresarial do Contribuinte, aí estando instalado o seu estabelecimento comercial, em nada releva para a determinação dos ganhos, pois, nos termos da prova produzida, no primeiro andar o Contribuinte e a mulher por vezes faziam algumas refeições e pernoitavam, sendo certo que aí não era a sua residência, e apesar de não se ter apurado o destino dado ao segundo andar, os Contribuintes alegaram que o mesmo estava devoluto, o que significa que o destino principal do imóvel era a instalação do estabelecimento comercial e que o uso residual dele feito não assumia autonomia.

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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

Custas pelos Recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em quatro UCs.

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Lisboa, 18 de Fevereiro de 2003