Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02797/08
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:05/05/2009
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IVA.
CADUCIDADE.
LGT.
Sumário:1. O IVA de liquidação adicional pela AT por correcções técnicas pelo período de um ano, deve ser imputado a cada um dos períodos de imposto do contribuinte, conforme o seu regime (mensal ou trimestral);
2. Tendo a AT procedido à imputação do imposto liquidado por cada um dos períodos (trimestral, no caso), assim notificando o contribuinte, bem como dos respectivos juros compensatórios de cada período, o prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto de cada período é autónomo em relação ao dos restantes períodos e conta-se, cada um deles, desde a data dos respectivos factos tributários;
3. Tendo os factos tributários ocorrido em 1997, o prazo de caducidade do direito à liquidação é contado nos termos do disposto no art.º 33.º do CPT, por faltar menos tempo para o mesmo se completar do que por aplicação da LGT;
4. Tendo sido aplicado o prazo de caducidade do direito à liquidação contido no art.º 33.º da LGT, não é de lhe aplicar o regime da suspensão desse prazo contido na norma do art.º 46.º n.º1 da LGT (suspensão por força de inspecção externa), por o mesmo só fazer sentido em conjunto com a aplicação do seu art.º 45.º da mesma LGT que, inovatoriamente dispõe, quanto à caducidade do direito de liquidação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. O Exmo Representante da Fazenda Pública (RFP), dizendo-se inconformado com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa - 4.ª Unidade Orgânica – na parte que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por J............., veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


4.1. - O presente recurso, visa reagir contra a decisão de julgar procedente a impugnação relativamente aos actos tributários em sede de IVA, referentes aos três primeiros trimestres do exercício de 1997, por ter caducado o direito à liquidação quando ocorreu a notificação das liquidações.
4.2. - Aplicou o Tribunal na sua apreciação, as normas em vigor em vigor à data dos factos tributários, o que no caso em concreto, estando em causa impostos de 1997, significou a aplicação das normas do CPT, nomeadamente o n° 1 do artigo 33°.
4.3. - Foi entendida pelo Tribunal, a existência de liquidações adicionais de IVA por cada um dos trimestres do exercício de 1997, quando na realidade estamos em presença de uma única liquidação de IVA, adicional, efectuada nos termos do artº 82° do CIVA
4.4. - Não considerou o Tribunal "a quo" a suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação contemplado no artº 46°, n° 1 da LGT, dada a existência de uma acção de inspecção externa com a duração de 5 meses e dois dias, o que só por si enquadra de imediato os 2° e 3° trimestre de 1997, considerados procedentes por caducidade do direito à liquidação na sentença.

Motivos pelos quais não comungamos do entendimento contido na sentença proferida.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente.
Porém, V. Exas. decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser concedido provimento ao recurso, aderindo à fundamentação da recorrente na parte que pugna pela aplicação do disposto no art.º 46.º n.º1 da LGT, de suspensão do decurso do prazo de caducidade por força da acção inspectiva.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Juízes Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. A única questão a decidir consiste em saber se ocorreu ou não a caducidade do direito à liquidação dos tributos relativos aos três primeiros trimestres de 1997.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1. Em 24/09/2002, foi concluída a inspecção efectuada pelo Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, tendo sido elaborado o Relatório da Inspecção Tributária e fixada a matéria colectável de IVA ao impugnante, relativamente aos exercícios de 1997 (cfr. doc. junto a fls. 41 e segs. do processo instrutor, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
2. De acordo com o Relatório da Inspecção identificado no ponto anterior, várias vezes foi tentada a comunicação com o ora impugnante, no sentido de este apresentar a sua escrita e tal nunca foi conseguido, pelo que tendo por base a declaração de IRS do ano em falta foi liquidado o imposto com base nas vendas (cfr. doc. junto a fls. 41 e segs do processo instrutor junto aos autos);
3. Em 02/10/2002, veio o impugnante exercer o seu direito de audição prévia (cfr. doc. junto a fls. 11 dos autos);
4. Em 03/12/2002, foi solicitado ao Chefe do Serviço de Finanças de ......... 4 que procedesse à notificação do ora impugnante das liquidações adicionais de IVA do exercício de 1997 e 1998, sendo que os Modelos 382 seriam recolhidos logo que o sistema informático o permita (cfr. doc. junto a fls.
24 do processo instrutor);
5. Em 06/12/2002, foi emitido o "Mandado" do qual consta que o impugnante deve proceder ao pagamento das quantias referentes aos quatro trimestres de 1997 e 1998, no prazo de 30 dias (cfr. doc. junto a fls. 25 do processo instrutor junto aos autos);
6. Em 12/12/2002, foi o impugnante notificado das liquidações adicionais de IVA referentes aos quatro trimestres de 1997 (cfr. doc. junto a fls. 28 do processo instrutor junto aos autos).
***
A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
***
Dos factos constantes da impugnação, todos objectos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.


4. Para julgar procedente a impugnação judicial quanto ao IVA dos 1.º a 3.º trimestres de 1997 (única parte em que a ora recorrente ficou vencida e que, portanto, faz parte do objecto do presente recurso) considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que quando ocorreu a sua notificação das liquidações em causa, já havia decorrido o respectivo prazo de caducidade de cinco anos previsto no art.º 33.º do CPT que assim entendeu ser o aplicável.

Para a recorrente de acordo com as conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, entende que houve uma única liquidação de imposto ao abrigo do disposto no art.º 82.º do CIVA, ainda que relativa aos quatro trimestres do ano pelo que não ocorreu a apontada caducidade, bem como no caso se deveria ter aplicado a norma do art.º 46.º n.º1 da LGT que faz relevar o decurso do prazo de inspecção durante o qual tal prazo se mantém suspenso.

Vejamos então.
A liquidação em causa dos 1.º a 3.º trimestres do ano de 1997 (e também ao seu 4.ºtrimestre) teve lugar por força de uma acção de inspecção a que o sujeito passivo e ora recorrido foi sujeito, concluída em 24.9.2002, e em que foi apurado imposto em falta, no total desse ano de 203.301,36, por correcções meramente aritméticas, montante este de imposto que depois foi dividido pelos quatro trimestres do ano, por o mesmo se encontrar enquadrado em sede de IVA, no regime normal trimestral, sendo por isso de igual montante o valor de o imposto em cada um deles, como se vê do relatório da mesma inspecção constante no PA apenso.

Tal montante total de imposto foi encontrado tendo por base as vendas declaradas em sede de IRS, para o mesmo ano, na falta de quaisquer outros elementos do contribuinte.

Na nota de apuramento mod. 382, cuja cópia consta de fls 10 e 10 verso do mesmo PA, sob a epígrafe Apuramento do montante da liquidação adicional – art.º 82.º (Correcção do imposto) – aparece também o mesmo liquidado pelos quatro períodos do ano que não em liquidação única como defende a recorrente, bem como a liquidação dos juros compensatórios foi efectuada pelo montante de cada um dos trimestres e logo, a sua liquidação varia de trimestre para trimestre, precisamente porque autonomizou cada um dos períodos de tributação e sendo o período temporal diverso em cada um deles, logo também, o resultado tinha de ser diverso, já que é constante o montante de imposto em que incidem em cada trimestre, como se pode ver do print de fls 23 do PA.

Igualmente o mandado de notificação cuja cópia consta de fls 25 do mesmo PA mostra que se mandou proceder à notificação do ora recorrido não pagar a colecta total do IVA do ano de 1997, mas sim dos quatro trimestres do mesmo ano (entre outros), que igualmente discrimina, bem como discrimina os juros compensatórios liquidados por cada um dos períodos de imposto como se vê do mesmo PA, pelo que a AT agiu, não como pretende a recorrente, como se de uma liquidação única se tratasse, mas sim como de quatro liquidações relativas a esse período, como bem se defendeu na sentença recorrida.

E tendo em conta a estrutura legal e económica deste imposto (IVA), e as normas dos art.ºs 19.º e segs, designadamente as dos art.ºs 26.º e 40.º do CIVA, o período temporal a que se reporta constitui um elemento essencial no apuramento e auto-liquidação do imposto devido, que a liquidação adicional ou oficiosa deverão respeitar, não se vendo que a norma do art.º 82.º do mesmo CIVA imponha posição diversa, como pretende a recorrente.

Assim sendo, o prazo de caducidade do direito de liquidação conta-se da ocorrência de cada um dos factos tributários de cada um dos trimestres em causa, como bem se decidiu na sentença recorrida, já que o IVA é um imposto de obrigação única(1), pelo que no caso, em 12.1.2002, quando o ora recorrido foi notificado das liquidações em causa mostrava-se caducado o respectivo direito, quanto a todas as liquidações anteriores ao 4.º trimestre de 1997, como bem se decidiu na sentença recorrida, nos termos do disposto no art.º 33.º n.º1 do Código de Processo Tributário então vigente e o aplicável.

Também no caso não é aplicável a norma do art.º 46.º n.º1 da LGT, como pretende a recorrente e bem assim o Exmo RMP, junto deste Tribunal, por as normas substantivas de tal lei só serem aplicáveis a factos tributários ocorridos depois da sua entrada em vigor, como se dispõe nas normas do seu art.º 12.º n.ºs 1 e 2, bem como o novo prazo de caducidade e respectivas vicissitudes só é aplicável a factos tributários ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 1998, como também dispõe a norma do art.º 5.º n.º5 do Dec-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro (seu decreto preambular), não podendo assim ser aplicável no caso a factos tributários ocorridos em 1997, aos quais são aplicáveis os dispositivos então vigentes para determinar se ocorreu ou não a caducidade do direito à liquidação(2).

Questão diversa e que no caso não logra aplicação, era a possível aplicação do prazo de caducidade de 4 anos previsto no art.º 45.º da LGT se, face à data da entrada em vigor desta LGT, menos tempo faltasse para o mesmo se completar, nos termos do disposto no art.º 297.º do Código Civil(3). Porém, como no caso, face à aplicação da lei nova o mesmo prazo só se completaria, na melhor das hipóteses em 31.12.2002 (não contando sequer com a suspensão durante o prazo em que decorreu a inspecção ao contribuinte, art.º 46.º n.º1 da mesma LGT), não é o mesmo de aplicar no presente caso.


Improcedem assim todas as conclusões do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Sem custas, por força da isenção de que então gozava a recorrente.


Lisboa, 5 de Maio de 2009
EUGÉNIO SEQUEIRA
MAGDA GERALDES
JOSÉ CORREIA



(1) A LGT no seu art.º 45.º n.º4, manteve a mesma forma de contagem do prazo de caducidade dos impostos periódicos e de obrigação única vinda do CPT, até à sua alteração pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2003), pelo seu art.º 43.º, que expressamente determinou que o prazo de caducidade do direito à liquidação do IVA se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto.
(2) Cfr. neste sentido os acórdãos do STA de 2.2.2005 e de 4.10.2006, recursos n.ºs 928/04-30 e 239/06, respectivamente.
(3) Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 2.11.2005, recurso n.º 744/05.