Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02211/08
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:04/08/2008
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL.
SUA NATUREZA E INCIDÊNCIA PESSOAL.
Sumário:I)- A partir da revisão constitucional de 1982, acolhendo a melhor doutrina e a mais recente jurisprudência, as contribuições devidas à Segurança Social devem considerar-se como verdadeiros impostos na medida em que no facto tributário que as gera não aparece especificamente contemplada qualquer contrapartida ou actividade administrativa.

II – Assumindo essas obrigações natureza tributária, como tal, estão sujeitas ao regime de impugnabilidade dos artºs. 99 e ss do CPPT com fundamento em qualquer ilegalidade, designadamente a inexistência de facto tributário.

III -Não logrando a impugnante provar que um seu sócio não exerceu a gerência, como era seu ónus, ainda que não haja sido remunerado, é sujeito passivo das contribuições impugnadas uma vez que também não provou que era pensionista ou que estava abrangido por regime obrigatório de outra actividade exercida em acumulação (artº 1º, nº 1, als. a) e b) do DL 103/94), situações em que nem sequer alegou que se encontrasse.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acorda-se, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo:

1. C... & S..., Ldª, vem interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou improcedentes os presentes autos de impugnação judicial.
Em alegação, a recorrente formula as seguintes conclusões Ordenadas numericamente por nossa iniciativa):
1. -Desde 1992 que J..., não era sócio-gerente da sociedade C... & S..., Lda., nem sequer era sócio, por nesse ano ter celebrado um contrato-promessa de venda da sua quota com A...
2. -Nunca exerceu de facto a função de gerente, embora o constasse no pacto social.
3. -Tendo até renunciado a ela, no contrato-promessa celebrado com Adérito da Cruz C... em 1992 (Doc.n0 10 da petição inicial)
4. -Nunca auferiu qualquer remuneração da sociedade C... & S..., Lda.
5. -E por isso, estava isento de contribuições para a Segurança Social, como é estatuído pelo Decreto-Lei n°.327/93 de 25/9, no seu artigo 6°..B, e Decreto-Lei n°. 103/94 de 20/04.
6. -Por estar pendente processo de divórcio com sua mulher, sendo a quota um bem comum, só em 21/07/2000, foi possível regularizar a situação, no registo da Conservatória do Registo Comercial, após a sentença de divórcio.
7. -Não se entende, porque é que Mm°.Juiz não considera demonstrada a não gerência. -Porque foram apresentados elementos suficientes para o demonstrar.
8. -E ainda que não o tivesse sido, não foi dada oportunidade ao particular para produzir mais prova, como é instituído pelo art°. 114°. do C.P.P.T., cuja redacção diz:- "o juiz ordenará as diligências de prova necessárias, incluindo se for o caso a remessa do processo aos competentes serviços de administração arbitrária"
9. -É ilegal, o apuramento por estimativa das contribuições e por arbitrariedade da Segurança Social, sem fundamentar como atingiu tão elevado montante após a exigência ilegal de folhas de remunerações que não foram auferidas.
10. -Apuramento que atingiu o elevado montante de 1.474.516$00 de contribuições pagas e não devidas,
Nestes termos,
Deve o presente recurso ser julgado:
-PROCEDENTE
E o processo seguir os seus trâmites legais, e ser ordenado o reembolso da referida verba acrescida dos juros legais até à data do reembolso.
Não houve contra – alegações.
A EPGA pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece provimento.
Os autos vêm à conferência depois de satisfeitos os vistos legais.
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2. Em matéria de facto, a sentença recorrida assentou o seguinte:
1. Factos provado s (ordem alfabética por nós estabelecida):
a)- Foram liquidadas contribuições e cotizações para a segurança social relativamente a J..., na qualidade de sócio e gerente da sociedade C... & S..., Ld.ª e ao período decorrido entre os anos de 1990 e 2000, no montante de (então) 1.474. 516$00.
b) -Nesse período, J... não só estava inscrito no registo predial como sócio e gerente da sociedade C... & S..., Ld.ª como também apresentou as declarações de IRC dela e em nome dela.
c) -E não apresentou situação cumulativa de descontos.
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2. Factos não provados
Nesse período, J... não praticou qualquer acto de gerência da sociedade C... & S..., Ld.ª
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3. Fundamentação do julgamento
A decisão da matéria de facto fundou-se nos documentos juntos aos autos (vejam-se as cópias dos documentos a folhas 64 e seguintes).
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3.- Como é pacificamente defendido pela nossa doutrina e decidido na nossa jurisprudência, por força dos termos conjugados dos artºs. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC, o âmbito do recurso é determinado pelas conclusões da alegação do recorrente, só abrangendo as questões que nestas estejam contidas (cfr. Prof. J.A.Reis, in CPC Anotado, Vol. V, pág. 363, Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, Vol. III, pág. 299 e, entre muitos, os Acs. do STJ de 4/7/76, BMJ 258º-180, de 2/12/82, BMJ 322º-315 e de 25/7/86, BMJ 359º-522).
Donde que a questão que se impõe neste recurso, tal como bem a identificou o Mº Juiz na sentença recorrida, é a de saber se devem ser efectuados descontos para a segurança social relativamente aos gerentes de direito e de facto de uma sociedade, seja ele remunerado ou não.
Para o Mº Juiz «a quo», considerando os factos provados e o disposto no art° 1º do Decreto-Lei n° 103/94, de 20 de Abril estabelece, na parte ora relevante, o que segue:
«1. São excluídos do âmbito de aplicação do Decreto-Lei n° 327/93, de 25 de Setembro, os membros de órgãos estatutários de pessoas colectivas com fins lucrativos que não recebam, pelo exercício da respectiva actividade, qualquer tipo de remuneração e se encontrem numa das seguintes situações:
a) Sejam abrangidos por regime obrigatório de protecção social em função do exercício de outra actividade em acumulação com aquela;
(…).»
Por sua vez, o art.° 6° do Decreto-Lei n° 327/93, de 25 de Setembro, refere o seguinte:
«São excluídos do âmbito de aplicação do presente diploma:
(…)
b) Os sócios que, nos termos do pacto social, detenham a qualidade de gerentes, mas não exerçam, de facto, essa actividade nem aufiram a correspondente remuneração;
(…).»
Assim sendo, uma vez que o J... exerceu efectivamente a gerência e não estando numa situação cumulativa de descontos, parece seguro que as contribuições e cotizações em causa sempre eram devidas e, por isso, deve manter-se a respectiva liquidação (e pagamento).
Foi com tal fundamentação julgada a impugnação judicial improcedente e, em consequência, absolvida a Fazenda Pública do pedido.
A recorrente insurge-se contra o assim fundamentado e decidido por considerar, no fundamental, que não se entende, porque é que Mm°.Juiz não considera demonstrada a não gerência uma vez que foram apresentados elementos suficientes para o demonstrar. E, ainda que não o tivesse sido, não foi dada oportunidade ao particular para produzir mais prova, como é instituído pelo art°. 114°. do C.P.P.T., cuja redacção diz:- "o juiz ordenará as diligências de prova necessárias, incluindo se for o caso a remessa do processo aos competentes serviços de administração arbitrária".
Mais aduziu que é ilegal, o apuramento por estimativa das contribuições e por arbitrariedade da Segurança Social, sem fundamentar como atingiu tão elevado montante após a exigência ilegal de folhas de remunerações que não foram auferidas.
Qui juris?
Posto isto, diga-se, preliminarmente, que a melhor doutrina e a mais recente jurisprudência qualificam as contribuições patronais para a segurança social como impostos.
Na verdade e na senda de inúmeros arestos do STA de que se destacam os Acórdãos de 24/01/96, Recurso nº 19585, de 25/06/97, Recurso nº 19381; de 03/12/97, Recurso nº 21343 e de 08/07/99, Recurso nº 21491, as contribuições para a Segurança Social, no que concerne à prestação devida pela entidade patronal, na medida em que no facto tributário que as gera não aparece especificamente contemplada qualquer contrapartida ou actividade administrativa têm a natureza de impostos.
Com efeito, já o artº 62º nº 1 al. a) do ETAF atribuía competência aos TT de 1ª Instância para "conhecer dos recursos dos actos de liquidação de quaisquer receitas tributárias, incluindo as parafiscais".
De resto, o artº 5º do Dec-Lei 348/80, de 3 de Setembro, que alterou o artº 66º al. i) da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (Lei 82/77, de 6 Dez), estabelecia que era da competência dos tribunais fiscais o conhecimento das questões entre instituições de Previdência ou de abono de família e os contribuintes (entidades patronais).
Sobre este assunto, escreveram A...e J..., in CPT Anotado, 4ª edição, que "o sentido útil (do referido normativo), dada a natureza do contencioso de anulação dos tribunais fiscais, só pode ter sido o de atribuir-lhes competência para a anulação, em processo de impugnação judicial, da liquidação das contribuições, nos casos em que são efectuadas pelos organismos da previdência".
Mais tarde, o artº 46º nº 2 da lei nº 28/84, de 14 Agosto, previu expressamente a impugnação da liquidação e exigência das contribuições à Segurança Social, nos tribunais tributários.
Igual prescrição se continha no artº 154º do CPT.
O certo é que, a partir da revisão constitucional de 1982, as contribuições devidas à Segurança Social, pelas entidades patronais, devem considerar-se como verdadeiros impostos, ainda que especiais já que o seu artº 108º nº 1 al. b) passou a determinar que o Orçamento do Estado incluísse também "o orçamento da Segurança Social", que não apenas as respectivas "linhas fundamentais de organização". Esse conteúdo normativo foi mantido pela lei 6/91 de 20 de Fevereiro.
Constituem, pois, prestações pecuniárias, com previsão orçamental, impostas coactivamente e sem carácter de sanção exigidas por entes públicos e com viste à satisfação de fins públicos, sem existência de qualquer vínculo sinalagmático ou de contra-prestação entre elas, identidade essa que já tinha sido expressamente afirmada pelo Dec. -lei 68/87, de 9 Fevereiro.(1)
Diga-se, ainda, que os tributos compreendem os impostos, as taxas e (eventualmente) as receitas parafiscais. É o que decorre do artº 3º, nº 2 da LGT: “os tributos compreendem os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas”.
Esclareça-se, depois, “tributos parafiscais são as receitas análogas ao imposto mas que deste se distinguiram ou pela própria essência conceitual ou pela especialidade de regimes jurídicos a que estão submetidos.
Nas receitas fiscais, estariam incluídas as “contribuições da previdência”, as “amortizações para o Fundo de Desemprego”, as “taxas de organismos de coordenação económica” e as “receitas dos organismos cooperativos”.
Contudo, à medida que tais receitas foram desaparecendo ou que a sua natureza jurídica foi sendo melhor precisada pela doutrina, a categoria dos tributos parafiscais tem vindo a perder importância, até ser eliminada da maioria das obras doutrinais. Ficarão, nessa categoria, eventualmente, só, as contribuições para a segurança social se, e na medida em que, não puderem ser consideradas impostos” (Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Sousa in LGT anotada, 3ª ed. pág. 50).
Ora, como já vimos, a partir da revisão constitucional de 1982, quer a doutrina, quer a jurisprudência têm vindo a entender que, as contribuições devidas à Segurança Social, devem considerar-se como verdadeiros impostos.(2)
Donde que as dívidas provenientes de contribuições para a Segurança Social assumem natureza tributária e, como tal, estão sujeitas ao regime de impugnabilidade dos artºs. 99 e ss do CPPT com fundamento em qualquer ilegalidade, designadamente a inexistência de facto tributário, que foi a legada pela impugnante.
Posto isto, como se vê das conclusões delimitativas do recurso, a tese da recorrente vai no sentido de que a liquidação das questionadas contribuições para a Segurança Social referentes ao sócio J... enferma de ilegalidade decorrente do facto de este não ter auferido qualquer remuneração pela gerência. E, para o comprovar, remete para a acta junta a fls. 51 e para o doc. constante de fls. 24 e 25 que formaliza um contrato promessa de cessão de quota, celebrado em 7/3/92, com declaração da sua renúncia à gerência da sociedade impugnante.
Numa enunciação mais simples: a recorrente sustenta que o sócio J..., no período compreendido entre Novembro de 1995 e Outubro de 2000, relativamente ao qual foram liquidadas contribuições (cfr. fls. 84) não exerceu as funções de gerência da sociedade impugnante, não havendo, pois, o dever contributivo em que se ancora a liquidação impugnada.
Para justificar que o referido sócio exerceu tal gerência, a Segurança Social apoiou-se fundamentalmente no facto de aquele ter assinado as declarações de IRC até ao ano de 2000.
O Mº Juiz «a quo» e o MP perfilham o entendimento de que o dito sócio exerceu funções de gerência e por isso é legal a liquidação.
E, na verdade, é também nosso entendimento que a impugnante não fez prova do não exercício da gerência no mencionado período e isso porque:
Em primeiro lugar, pese embora a impugnante afirme no artº 30º da p.i. que só em 21/7/2000 foi regularizada a situação registral, se é certo que nessa mesma data, nas Apresentações nºs 8, 9 e 10 (vd. fls. 127) se fez constar que a quota era bem próprio do sócio J..., ainda nessa data e através das Apresentações nºs 15 e 16 (vd. fls. 128) foi registada a alteração do pacto pela qual a gerência voltou a ser atribuída a todos os sócios, logo, também ao referido J....
Em segundo lugar, como se vê dos documentos juntos de fls. 64 a 82 dos autos, desde 1991 a 2000, foi sempre o gerente J... quem como tal assinou as declarações de IRC.
Assim, o sócio J..., quando o mesmo era gerente nomeado da sociedade impugnante, sendo necessária a sua assinatura para a obrigar quando desenvolvia a sua actividade de forma regular, no período temporal a que se reportam as quantias liquidas assinou documentos necessários à actividade da sociedade, tem-se por verificada a gerência de facto não obstante se admita que todos os demais actos típicos de gerência eram praticados por terceira pessoa.
Nesse sentido, entre muitos, os Acórdãos do TCAS de 19/06/2007, Recurso nº 1794/07 e de 07/02/2006, Recurso nº 784/05.
Destarte, a impugnante não logrou provar que o sócio J... não exerceu a gerência, como era seu ónus, e, em consequência e face ao regime legal analisado na sentença recorrida, não obstante não haja sido remunerado, é sujeito passivo das contribuições impugnadas uma vez que não provou que era pensionista ou que estava abrangido por regime obrigatório de outra actividade exercida em acumulação (artº 1º, nº 1, als. a) e b) do DL 103/94), situações em que nem sequer alegou que se encontrasse.
Termos em que improcedem «in totum» as conclusões recursivas.
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4.- Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente fixando-se em 4 UCs a taxa de justiça.
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Lisboa, 08/04/ 2008
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Manuel Malheiros)


(1) Cfr., ainda os Ac.s do TC de 10/11/ 99 e 5/7/00, in D. Rep, II Série, de, respectivamente 23Fev00 e 7Nov00, e 14Fev96 in BMJ. 454-286.
(2) Vejam-se, neste sentido, Diogo Leite Campos e Mónica Horta Neves Leite de Campos, in Direito Tributário, págs. 29 e segs. e o Acórdão do STA de 16/6/99, in rec. nº 23.889.