Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:01588/06
Secção:Contencioso Administrativo - 2º Juízo
Data do Acordão:07/19/2006
Relator:António Coelho da Cunha
Descritores:APOSENTAÇÃO ANTECIPADA
REPRISTINAÇÃO DA VIGÊNCIA DO DEC. LEI 116/85, DE 19 DE ABRIL .INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO PARA O SERVIÇO
DESPACHO 867/03/MEF DO MINISTRO DO ESTADO E DAS FINANÇAS
SUA NATUREZA JURÍDICA
Sumário:I- O Acórdão do Tribunal Constitucional nº 360/2003, proferido no Proc. 13/2003, declarou inconstitucionais, com força obrigatória geral, as normas constantes dos números 1 a 8 do artigo 9º da Lei nº 32-B/2003, de 30 de Dezembro, sendo assim reposta, por repristinação, a vigência do Dec. Lei nº 116/85, de 19 de Abril.
II - O Dec. Lei nº 116/85 apenas condiciona o direito à aposentação antecipada à prova da inexistência de prejuízo para o serviço, independentemente da idade, desde que o funcionário possua, pelo menos, 36 anos de serviço.
III - A integração do conceito de inexistência de prejuízo para o serviço deve ser efectuada pelo órgão competente do serviço onde o funcionário exercia a sua actividade.
IV -O Despacho 867/03/MEF, de 5 de Agosto, emitido pela Ministra de Estado e das Finanças contém, tão somente, orientações internas relativas à actividade da C.G.A., não possuindo eficácia para restringir o conteúdo do direito à aposentação, tal como o mesmo é reconhecido no Dec. Lei 116/85.
V -Com efeito, em tal Despacho não se invoca qualquer norma habilitante que permita à C.G.A. densificar o conceito de inexistência de prejuízo para o serviço, designadamente através do controle do recrutamento do pessoal na área funcional do funcionário ou da contratação a termo certo nos últimos dois anos.
VI - Nos termos do artigo 3º nº 3 do Dec. Lei 116/85 de 19 de Abril, em matéria de aposentação antecipada, a Caixa Geral de Aposentações actua no exercício de poderes vinculados, estando obrigada a despachar favoravelmente os processos instruídos com certidões confirmativas do tempo mínimo de 36 anos de serviço e declaração de inexistência de prejuízo para o serviço, emitida pelo órgão com competência para o efeito.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:Acordam no 2º Juíz do TCA Sul

1. Relatório.
A Caixa Geral de Aposentações veio interpor recurso jurisdicional do Acordão proferido em 4.01.06, que anulou o acto da CGA que recusou apreciar o pedido de aposentação da A. Maria ....e condenou a recorrente a apreciar tal pedido, tendo em conta o Dec. Lei nº 116/85, de 19 de Abril.
Nas suas alegações enunciou as conclusões de fls. 104 e 104, cujo teor se dá por reproduzido, e nas quais, em síntese, entende que o Acordão recorrido não interpretou nem aplicou correctamente o disposto nos artigos 1º nº 1 e 3º nos. 2 e 3 do Dec. Lei nº 116/85, e que não há, por parte do Despacho nº 867/03/MEF, qualquer violação do princípio da hierarquia normativa ou da tipicidade dos actos legislativos consignado no art. 112º da C.R.P., nem o mesmo consubstancia um mero acto interno.
A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado.
A Digna Magistrada do MºPº emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. Matéria de Facto
A decisão recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto:
a) A Autora, Maria Noémia Simões Cardoso Oliveira, é funcionária do Hospital D. Estefânia, em Lisboa, com a categoria de assistente Administrativo especialista;
b) Em 5 de Agosto de 2003, pela Ministra de Estado e das Finanças, foi proferido o despacho nº 867/07/MEF, destacando-se o seguinte:
“Competindo a Caixa Geral de Aposentações verificar os requisitos legais para a determinação da aposentação e estando a possibilidade de aposentação condicionada à previa verificação de inexistência de prejuízo para o serviço, determino:
1 - A Caixa Geral de Aposentações só poderá proceder à apreciação dos pedidos apresentados ao abrigo do disposto no D.L. 116/85, desde que o deferimento venha fundamentado pelos serviços de origem com base nos seguintes elementos:
a) Declaração do dirigente máximo de não ter havido qualquer aumento de pessoal na área funcional do funcionário, nomeadamente descongelamento de vagas, contratação a termo certo, avenças ou tarefas nos dois últimos anos;
b) Mapa comparativo do número de aposentações e de novas admissões, caso tenha havido nos últimos dois anos;
c) Clara identificação dos motivos funcionais que permitem assegurar que, com base em critérios gestionários, o serviço pode garantir a actividade com menos pessoal, tendo em conta o plano de actividade e o balanço social
d) Informação, relativamente aos funcionários em processos de aposentação, do número de anos de serviço no organismo e fundamento legal para a sua admissão
f) Quaisquer outros elementos relevantes, de natureza funcional, que permitam confirmar a inexistência de prejuízo para o serviço.
(...)
6. Para efeitos do disposto nos números anteriores, a Caixa Geral de Aposentações comunicará ao Ministro das Finanças todos os casos que lhe foram remetidos devidamente informados, devendo devolver os que revelem deficiente fundamentação”;
c) Em 15 de Setembro de 2003, a Autora apresentou no Hospital D. Estefânia, o requerimento em que solicitou “aposentação ao abrigo do nº 1 do art. 1º do Dec. Lei 116/85, de 19 de Abril;
d) Em 20.10.2003, pela Directora do Serviço do Hospital D. Estefânia e pelo Administrador Hospitalar foi declarado: “da satisfação do requerido não resulta prejuízo para o serviço, por se encontrar garantido o normal funcionamento do serviço, nem diminuição da actividade do Laboratório de Análises Clínicas”;
e) Em 19.12.2003, o Conselho de Administração do Hospital D. Estefânia emitiu declaração onde consta: “Nos termos e para os efeitos da alínea a) do nº 1 do Despacho nº “867/03/MEF, da Ministra de Estado e das Finanças, declara-se que houve aumento de pessoal nos últimos dois anos na carreira administrativa, a que pertence a funcionária Maria Noémia Simões Cardoso Oliveira, com a categoria de Assistente Administrativa Especialista, como se comprova no Mapa Anexo, que vem solicitar a sua aposentação antecipada ao abrigo do D.L. nº 116/85, de 19.04. Mais se acrescenta que, no mesmo período ocorreram 15 aposentações”;
f) Em 21.01.2004, a Caixa Geral de Aposentações, pelo ofício com a referência SAC332PC-493591, dirigido à Repartição de Pessoal do Hospital D. Estefânia, devolveu o processo de aposentação da A., donde se destaca:
“Nos termos da alínea a) do nº 1 do Despacho da Sra. Ministra das Finanças, nº 867/03/MEF, de 5.08.2003, a Caixa Geral de Aposentações só poderá proceder à apreciação dos pedidos de aposentação apresentados ao abrigo do disposto no Dec. Lei 116/85, de 19.04, desde que o dirigente máximo declare não ter havido qualquer aumento de pessoal na área funcional do funcionário, nomeadamente, descongelamento de vagas, contratação a termo certo e avenças nos últimos dois anos;
Verificando-se, pelos elementos juntos ao processo, que tal requisito não se encontra preenchido, uma vez que se declara que houve aumento de pessoal na área funcional do requerente da aposentação, o deferimento do pedido não se encontra devidamente fundamentado, em conformidade com o referido Despacho Ministerial, pelo que se devolve o respectivo processo”;
g) Em 29 de Janeiro de 2004, foi a Autora notificada da decisão de não aprovação do pedido de aposentação;
h) Em 29 de Abril de 2004 deu entrada a presente acção administrativa especial
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3. Direito Aplicável
Nas conclusões das suas alegações, a Caixa Geral de Aposentações imputa à decisão recorrida a violação do disposto nos artigos 1º nº 1 e 3º, números 2 e 3, do Dec. Lei nº 116/85, de 19 de Abril, bem como do artigo 112º da C.R.P.
Entende a recorrente que o Despacho nº 867/03/MEF de 5 de Agosto, veio estabelecer apenas, uniformemente, para toda a Administração Pública, em termos gerais e abstractos, a forma da fundamentação do despacho de inexistência de prejuízo para o serviço, obrigando os autores da declaração a abandonar a prática então corrente, mas inadmissível de não fundamentar os actos que na matéria praticavam (conclusões 1 a 3).
Alega ainda a recorrente que as directivas constantes do Despacho nº 867/03/MEF (...) não operam qualquer interpretação autêntica do conteudo do Dec. Lei nº 116/85, nem tão pouco determinam o esvaziamento da discricionariedade administrativa imposto pelo Dec. Lei nº 116/85 aos serviços do activo, já que se confinam dentro dos parâmetros estabelecidos pelo Dec. Lei nº 116/85.
Tal despacho não é, na tese da C.G.A., inovador em relação ao regime previsto no Dec. Lei nº 116/85, nem procede à derrogação do disposto no artigo 3º do Dec. Lei 116/85 (conclusões 4ª, 5ª e 6ª).
Não há, pois, conclui a recorrente, por parte do Despacho nº 867/03/MEF, qualquer violação do princípio da hierarquia normativa ou da tipicidade dos actos legislativos consignado no artigo 112º da C.R.P., nem o mesmo consubstancia um mero acto interno (conclusão 8ª).
Salvo o devido respeito, entendemos que a recorrente não tem razão.
Como é sabido, o Ac. do Tribunal Constitucional nº 360/2003, proferido no Proc. 13/2003, declarou inconstitucionais, com força obrigatória geral, as normas constantes do números 1 a 8 do artigo 9º da Lei nº 328/2003, de 30 de Dezembro, sendo assim reposta, por repristinação, a vigência do Dec. Lei nº 116/85, de 19 de Abril.
Neste contexto, a Sra. Ministra das Finanças emitiu o Despacho nº 867/03/MEF que, pelo seu conteúdo, se nos afigura claramente inovador em relação ao Dec. Lei nº 116/85.
Com efeito, é visível que tal despacho acrescenta novas condições, relativamente às constantes no Dec. Lei nº 116/85, para que possa ser deferido o pedido de aposentação.
Senão vejamos:
O Dec. Lei nº 116/85 apenas exigia a prova da inexistência de prejuízo para o serviço, independentemente da idade, desde que o funcionário reunisse 36 anos de serviço.
Ora, a inovação que julgamos existente no Despacho 867/03/MEF,conforme resulta do seu ponto 1, estende-se ao controle, pela C.G.A., do recrutamento do pessoal na área funcional do funcionário, designadamente descongelamento de vagas, contratação a termo certo e avenças ou tarefas nos últimos dois anos, bem como exige mapa comparativo do número de aposentações e de novas admissões, caso as tenha havido nos últimos dois anos. O aludido Despacho exige, finalmente, a clara identificação dos motivos funcionais que permitem assegurar que, com base em critérios gestionários, o serviço pode garantir a actividade com menos pessoal, tendo em conta o plano de actividade e o balanço social (cfr. alíneas a), b) e c) do ponto 1).
Dificultou-se, pois, a concessão da aposentação, relativamente ao regime do De. Lei 116/85.
E entende a C.G.A. que o citado Despacho nº 867/03/MEF faz depender a apreciação dos pedidos de aposentação formulados ao abrigo do Dec. Lei 116/85, de fundamentação do deferimento pelos serviços do activo, mediante especificação dos critérios referidos, cabendo à C.G.A. a respectiva valoração, visto que o Despacho 867/03/MEF obriga a Caixa Geral de Aposentações ao controle da observância dos requisitos por ele impostos. Isto em virtude de o Ministro das Finanças deter poderes de tutela e superintendência sobre a C.G.A., por via do disposto no artigo 10º do Dec. Lei nº 158/96, de 3 de Setembro, na redacção dada pelo Dec. Lei nº 21/99, de 28 de Janeiro.
Embora se compreendam as razões subjacentes ao Despacho 867/03/MEF, relativas à frequentemente exígua fundamentação da inexistência de prejuízo para o serviço, não é aceitável a tese defendida pela Caixa Geral de Aposentações.
Em primeiro lugar, o Despacho nº 867/03/MEF, que não foi publicado no Diário da República, pode ser considerado juridicamente inexistente ou, pelo menos, ineficaz (cfr. artigo 119 nº 3 da C.R.P. e art. 1º da Lei 6/83).
Tal despacho contém, tão somente, orientações para os serviços a quem se dirige, constituindo um acto interno.
Com efeito, não se descortina qual a norma habilitante que, no âmbito da avaliação e determinação da inexistência de prejuízo para o serviço, permite à Caixa Geral de Aposentações sobrepor o seu critério do serviço de origem do aposentando, que detém conhecimento directo dos factores legalmente exigidos.
Em segundo lugar, e não havendo quaisquer dúvidas sobre a repristinação do Dec. Lei nº 116/85, as suas normas prevalecem sobre as do Despacho 867/03/MEF, que como se disse possui eficácia meramente interna.
É de concluir, pois, que o Despacho em questão se configura como ilegal, porquanto a margem de discricionariedade que visa preencher foi originariamente conferida aos departamentos onde os funcionários e agentes requerentes prestam serviço (cfr. art. 3º nº 2 do Dec. Lei 116/85), e não à C.G.A, que, na matéria, dispõe de poderes vinculados (cfr. art. 3º nº 3 do mesmo diploma legal”.
Melhor especificando, recordemos que o artigo 1º nº 1 do diploma em causa prescreve o seguinte:
«Os funcionários e agentes da administração central, regional e local, institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos e organismos de coordenação económica, seja qual for a carreira ou categoria em que se integram, poderão aposentar-se com direito a pensão completa, independentemente de apresentação à Junta Médica e desde que não haja prejuízo para o serviço, qualquer que seja a sua idade, quando reúnam os 36 anos de serviço”.
E dispõe ainda o artigo 3º números 1 e 2, no tocante à tramitação do processo, que, após o requerimento do funcionário aposentando dar entrada no departamento onde presta serviço, deverá ser prestada informação pelo respectivo departamento no prazo de 30 dias, no tocante à inexistência de prejuízo para o serviço, após o que se segue a submissão a despacho do membro do Governo competente, o qual, concordando, determinará o envio do processo para a Caixa Geral de Aposentações.
Uma vez recebidos na C.G.A., “os processos deverão ser submetidos a despacho para efeitos de desligação para aposentação e desligação provisória (artº 9º nº 3).
Resulta, pois, da lei a atribuição de poderes vinculados para a C.G.A., quanto à submissão a despacho para efeitos de desligação para aposentação e fixação da pensão provisória, uma vez, instruídos que estejam os processos com certidão que comprove o tempo mínimo de 36 anos de serviço, e com o despacho do órgão competente para a informação da inexistência de prejuízo para o serviço respectivo, resultante da aposentação, pelo que se impõe concluir que “não foi concluir que “não foi intenção do legislador, no caso do Dec. Lei 116/85, de 19 de Abril, atribuir competência à C.G.A. para averiguar dos fundamentos da inexistência de prejuízo para o serviço, decidindo o pedido de aposentação em conformidade com a apreciação das circunstâncias em concreto, para além das condições estabelecidas na norma”.
Conclui-se, pois, que só a lei pode fixar a competência, em termos que não podem ser revogados ou alterados por mero despacho de orientação para os serviços, como é o caso do Despacho 867/03/MEF.
É esta, alias, a orientação seguida neste TCA em vário arestos (cfr. por todos o Ac. TCA de 9.03.06, Proc. 01275) e que a decisão recorrida mostra ter igualmente seguido.
Quanto aos poderes de tutela e superintendência do Ministério das Finanças, invocados pela C.G.A (art. 10º do Dec. Lei nº 158/96, os mesmos consistem no poder de direcção e orientação da respectiva actividade, mediante directivas e recomendações, e consistindo numa tutela de legalidade, ficando excluída a tutela de mérito, ou seja, o controle da conveniência administrativa, técnica, financeira e da oportunidade das decisões.
Isto posto, e não constando do Despacho 867/03/MEF qualquer norma habilitante que permite à C.G.A. proceder à densificação do conceito indeterminado de inexistência de prejuízo para o serviço, é de concluir que a C.G.A., no exercício de poderes vinculados, deve despachar favoravelmente os processos instruídos com as certidões e a declaração emitidas pelos serviços de origem.
Isto posto, é de concluir que o Acordão recorrido decidiu correctamente, ao anular o despacho proferido pelo chefe de serviço da Caixa Geral de Aposentações, de 21.01.04, que recusou a apreciação e procedeu à devolução do pedido de aposentação formulado pela A. ao abrigo do Dec. Lei 116/85, e ao condenar a mesma C.G.A. a apreciar tal pedido, decidindo de acordo com o disposto no Dec. Lei 116/85.
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4. Decisão
Em face do exposto, acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar o Acordão recorrido.
Custas pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 8 Uc, com o mínimo de procuradoria (art. 73º D nº 3 do Cód. Custas Judiciais.
Lisboa, 19.07.06
as.) António de Almeida Coelho da Cunha (Relator)
Maria Cristina Gallego dos Santos
Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa