Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02476/08
Secção:
Data do Acordão:01/27/2009
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IRS.
ADIANTAMENTO POR CONTA DE LUCROS.
INSPECÇÃO INTERNA/EXTERNA.
Sumário:1.Os proveitos recebidos pelo gerente da sociedade por mor da execução de um contrato de empreitada entre a mesma sociedade e um terceiro, constitui um proveito desta e do exercício, que deve ser relevado na sua contabilidade e englobado na determinação do lucro tributável apurado;
2. Tendo tal montante de proveito sido directamente depositado na conta bancária pessoal desse gerente, que o não fez relevar na sociedade, tem de se entender que o foi a título de adiantamento por conta de lucros, e constitui o mesmo um rendimento deste, a tributar em sede de IRS, categoria E, como rendimento de capitais, de englobamento obrigatório no rendimento colectável;
3. É de classificar de ordem interna a inspecção realizada pela AT ao gerente, ainda que com base em inspecção externa levada a efeito na sociedade de que o mesmo é gerente, quando quanto a este tal inspecção apenas teve lugar nos serviços da AT sem a visita a instalações ou dependências do sujeito passivo ou demais obrigados tributários ou a terceiros com quem mantenha relações económicas.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:

A. O Relatório.
1. L……………., identificado nos autos, dizendo-se inconformado com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada - 2.ª Unidade Orgânica - que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


a. A douta sentença é completamente omissa quanto às conclusões da matéria de facto que se reproduziram na Reclamação Graciosa (ponto 16 da impugnação)
b. Apesar disso o Tribunal deu como provados os factos referidos nos pontos 19 a 23 de “OS FACTOS” da sentença, que corroboram as conclusões da Reclamação Graciosa;
c. O que a lei pretende tributar é o rendimento real, pelo que:
d. Para que os lucros fossem tributados na pessoa do sócio era necessário que a sociedade C…………. L………, Lda os tivesse obtido, e mais, que tivesse deliberado a sua distribuição
e. As declarações anuais e as do DM22 da C....... L........Lda, demonstram que não só a sociedade não obteve resultados que lhe permitisse proceder à distribuição de tais lucros, como não deliberou nesse sentido,
f. A douta sentença presumiu, em manifesta violação do art.º 5.º, n.ºs 1 e 2 h) do CIRS, que os valores entregues para aquisição de materiais constituíram distribuição de lucros.
g. No artigo 6.º do CIRS a lei prevê expressamente quais as situações em que se podem verificar presunções legais, não se enquadrando a questão sub judice em quaisquer dessas presunções;
h. Não se tratou, também, duma acção de fiscalização interna, uma vez que não se efectuou exclusivamente nos serviços da AT nem constou duma mera análise formal e de coerência dos documentos, pelo que a douta sentença violou os art.ºs 49.º e 50.°do RCPIT
i. Não havia que registar na contabilidade da C....... L........Lda os erradamente designados “proveitos relativos a serviços prestados ao sr. A……………….”,
j. Não se verificou, por parte da sociedade C....... L........Lda, as prestações de serviços que motivaram a ficcionada antecipação de distribuição de lucros, sendo os cheques passados pelo sr. A…………….. ao sr. L…………… destinados ao pagamento dos fornecimentos de materiais da obra do sr. A………………;
k. Não existindo distribuição de lucros jamais se poderá considerar como rendimentos englobados na categoria E do IRS os valores que deram origem às liquidações n.ºs 0…………….. e 0…………., de 2004, do Serviço do Imposto s/o Rendimento, em como lhe foi liquidado em 2000 IRS no valor de 72.254,70 € e respectivos Juros Compensatórios, e em 2001 IRS no valor de 57.434,47 € e respectivos Juros Compensatórios.
I. Para alem das disposições legais já citadas a douta sentença fez uma incorrecta aplicação das normas jurídicas aos factos provados violando o n.º 2 do art. 659.º do CPC.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e em sua substituição ser proferida decisão que anule na totalidade as liquidações de IRS de 2000 e 2001, no valor de, respectivamente 72.264,70 € e 57.434,47 € e respectivos Juros Compensatórios.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por os argumentos apresentados pelo recorrente não passarem de uma reedição dos apresentados na sua petição inicial e que já foram apreciados na sentença recorrida com os quais a impugnação judicial foi julgada improcedente.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Juízes Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a sentença recorrida padece do vício formal de omissão de pronúncia conducente à declaração da sua nulidade; E não padecendo, se os montantes pagos por A…………… ao gerente da sociedade construtora, em execução do contrato de empreitada celebrado entre si e a sociedade C....... L........Lda, constituem proveitos desta, e recebidos que foram pelo seu gerente, são tributáveis em sede de IRS deste gerente como adiantamentos por conta de lucros; E se a acção de fiscalização da AT quanto ao mesmo gerente foi de natureza interna.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1- Em 13/07/2004 foi elaborado o relatório de análise interna com referência a L........ na sequência de acção de inspecção efectuada à sociedade "C....... L........Lda" e da qual é sócio gerente, tendo sido verificado que a referida sociedade celebrou em 17/06/2000 um contrato de prestação de serviços com A........nos termos do qual a sociedade iria construir duas moradias situadas em V………, C…………., uma na Rua ………………., Lt ……. e ……. e outra na Rua …………, Lt …… e ….. pelo preço de 45.000.000$00 cada (€ 224.459,05), incluindo este valor o total de mão-de-obra, materiais (até determinado valor) máquinas e ferramentas para a construção da obra, tendo sido efectuadas duas adendas referentes a trabalhos extra contrato no valor de 7.907.030$00 (€ 39.440,10) (cfr. relatório de fls. 21/90 do processo administrativo em apenso).
2- Foi ainda contratada aquela sociedade por A........para a realização de alterações e modificações numa residência sita na Rua ……………., n° ..-C, ………. - ……….., pelo valor de 12.925.500$00 (€ 64.472,12) (cfr. fls. 23 do processo administrativo).
3- Os serviços de inspecção após a análise aos documentos de suporte dos custos contabilizados pela sociedade, verificaram que existiam registos de custos na contabilidade da sociedade com referência às obras mencionadas nos pontos anteriores, mas que não existia contabilização dos proveitos dado que não foram contabilizadas as prestações de serviços, não tendo sido emitidas facturas, tendo ainda verificado que foram emitidos cheques por A........no montante global de 114.060.030$00 (cfr. fls. 23 do processo administrativo).
4- Os cheques foram emitidos à ordem de L........ e foram quase todos depositados na conta bancária n° …………. de que L........ era titular (cfr. fls. 24 do processo administrativo).
5- Os serviços de inspecção analisaram as contas de disponibilidades da sociedade (conta 11- Caixa e conta 12- Depósitos à Ordem) não existindo nessas contas qualquer registo dos montantes pagos por A........(cfr. fls. 24).
6- E fizeram constar do relatório de análise interna que a "C....... L........Lda., prestou os serviços de construção de duas moradias e de remodelação de outra e não contabilizou essas prestações de serviços nem os recebimentos relativos a essas prestações de serviços, no entanto os cheques (referentes a esses recebimentos} foram emitidos à ordem de L........ e que quase todos foram depositados numa conta bancária titulada por L........ (conta n° …………..). A apropriação por parte do sócio gerente de verbas da empresa configura adiantamentos por conta de lucros, situação fiscalmente enquadrável no art. 5°, n° 1 e n° 2, alínea h) do Código do IRS" tendo sido apurados rendimentos da categoria E nos anos de 2000 e 2001 nos montantes de € 380.582,80 e € 348.985,02 respectivamente (cfr. fls. 24/26 do processo administrativo).
7- Em 07/07/2004 foi exercido por escrito o direito de audição prévia relativamente ao projecto de conclusões do relatório como consta de fls. 91/94 do processo administrativo.
8- No ponto 4 do relatório de inspecção consta a apreciação dos argumentos apresentados pelo contribuinte em sede de direito de audição (cfr. teor de fls. 27/29 do processo administrativo).
9- No relatório de inspecção foi exarado despacho em 23/07/2004 pelo Director de Finanças Adjunto, por delegação do Director de Finanças, com o seguinte teor "Concordo com as conclusões e propostas que constam do parecer do sr. coordenador, face aos fundamentos vertidos no relatório anexo" (cfr. fls. 21 do processo administrativo).
10- Em 22/0912004 foi efectuada a liquidação de IRS do ano de 2001 com o n° 5…………. de que resultou imposto a pagar no montante de € 55.964,23, cujo prazo de pagamento voluntário terminou a 15/11/2004 (cfr. fls. 17/18 do apenso).
11- Em 26/11/2004 foi efectuada a liquidação de IRS do ano de 2000 com o n° 5………….. de que resultou imposto a pagar no montante de € 72.254,70, cujo prazo de pagamento voluntário terminou a 17/01/2005 (cfr. fls. 13/15 do apenso).
12- Em 09/02/2005 foi apresentada reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IRS de 2000 e 2001 (cfr. fls. 2/12 do processo de reclamação graciosa em apenso).
13- Foi elaborado o projecto de decisão da reclamação graciosa no sentido do indeferimento (cfr. fls. 107/116 do apenso).
14- Em 22/08/2005 o ora impugnante foi notificado do projecto de decisão (cfr. fls.165/166 do apenso).
15- Em 30/08/2005 foi exercido por escrito o direito de audição como consta de fls.167/168 do apenso.
16- Em 09/05/2005 foi proferida informação complementar sobre o exercício do direito de audição, tendo sido exarado em 07/09/2005 despacho de indeferimento da reclamação graciosa, proferido pelo Chefe de Divisão, por delegação de competências (cfr. fls. 170/172).
17- Em 16/09/2005 foi efectuada a notificação da decisão de indeferimento como consta de fls. 174/175 do apenso.
18- A petição de impugnação foi apresentada em 03/10/2005 (cfr. fls. 2).
19- O Sr. L……, o Sr. A……… e a esposa foram à loja Lad….. para escolher materiais (azulejos, pavimentos, loiças sanitárias) para 3 moradias (cfr. depoimento da 1.ª testemunha).
20- A escolha dos materiais foi feita pela D. A….. (esposa do Sr. A……..) e pelos filhos (cfr. depoimento da 1ª testemunha).
21- A factura de fls. 149 dos autos emitida pela E……….. é referente a material fornecido para as vivendas novas (cfr. depoimento da 2ª testemunha).
22- A………………… & F………, Lda., recebeu indicações do Sr. L………. para a emissão das facturas em nome de A…………., como consta de fls. 55/56, 58/59 e fls. 113/114 (cfr. depoimento da 3ª testemunha).
23- A Real ……….. forneceu recuperadores de calor e churrasqueiras para as vivendas novas e 1 lareira para a casa a remodelar, negócio tratado directamente com o Sr. A………….. e a D. A….(cfr. depoimento da 4ª testemunha).
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A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos juntos ao processo bem como dos depoimentos prestados pelas testemunhas melhor identificadas na acta de inquirição de fls. 193/195, e acima expressamente referidos em cada um dos pontos do probatório.
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Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.
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4. Tendo sido imputada à sentença recorrida o vício de omissão de pronúncia, a existir, conducente à declaração da sua nulidade - cfr. matéria da sua conclusão a) das alegações do recurso, embora a final se “tenha esquecido” de formular o respectivo pedido de nulidade da sentença recorrida, já que apenas peticiona que deve ser dado provimento ao presente recurso - porque a mesma a ocorrer gerar, na realidade, a nulidade desta, nos termos do disposto nos art.ºs 668.º n.º1 alíneas b) e d), 660.º n.º2 e 713.º n.º2 do Código de Processo Civil (CPC), 143.º e 144.º do Código de Processo Tributário (CPT), e hoje dos art.ºs 124.º e 125.º do CPT, importa por isso conhecer em primeiro lugar desta invocada nulidade.

Tal nulidade só ocorre, nos termos daquelas normas citadas em primeiro lugar, quando o Juiz deixe de pronunciar-se em absoluto de questão que deva conhecer, que por isso tenha sido submetida à sua apreciação e da qual não conheça, nem o seu conhecimento tenha sido considerado prejudicado pela solução dada a outra(s), como constitui jurisprudência abundante (1).

Como sabiamente invocava o Professor Alberto dos Reis - Código de Processo Civil Anotado, volume V, (Reimpressão), pág. 142 e segs - «Esta nulidade está em correspondência directa com o 1.º período da 2.ª alínea do art.º 660.º. Impõe-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras....
São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão».

Consubstancia, no caso, o recorrente, tal omissão de pronúncia, por a M. Juiz do Tribunal "a quo", ter deixado de se pronunciar e de conhecer sobre as conclusões da matéria de facto que se reproduziram na reclamação graciosa, conforme sua transcrição no final do art.º 16.º da sua petição inicial de impugnação judicial, matéria que consta na mesma petição a fls 14 dos autos, em quatro pontos, como razões com que pretendia que, nessa reclamação graciosa, fossem anuladas as liquidações objecto agora da presente impugnação e que se resumem, a não haver lugar à contabilização da sociedade das invocadas prestações de serviços relativos ao sr. A………., por não terem tido lugar, pelo que não se pode presumir a invocada distribuição de lucros ao mesmo ora recorrente, donde a ilegalidade das liquidações de IRS em que tais montantes de distribuição de lucros se fundaram.

Lendo e analisando a sentença recorrida, dela se vê que tais questões não foram esquecidas na mesma sentença, dizendo-se mesmo, que dificilmente o poderiam ser, já que elas traduzem o cerne, as questões fulcrais, por que houve lugar a tais liquidações e que o ora recorrente não aceita, invocando factos que têm em vista contrariar os elementos recorridos pela fiscalização tributária e onde se fundaram tais liquidações, como sejam que os serviços foram prestados pela sociedade que não pelo respectivo gerente, enquanto entidade autónoma e distinta da sociedade, na construção das duas moradias e remodelação de uma outra, ao referido A………….., pelo que os pagamentos ocorridos por este ao ora recorrente se presumiram como distribuição de lucros da mesma sociedade ao seu gerente.

Que não aconteceu a apontada omissão de pronúncia resulta inequivocamente das conclusões seguintes das alegações do recurso, em que o ora recorrente se vem insurgir contra a sentença recorrida por ter entendido que tais montantes se reportam às prestações de serviços nas referidas moradias por conta da sociedade no seguimento do contrato para construção de duas moradias entre ambos celebrado (sociedade C....... L........Lda e o referido A…………) – conclusões d), e), i), j) e k) – que deveriam ser proveitos da sociedade e como tal contabilizados e que, uma vez recebidos pelo gerente, sem retorno à sociedade, se têm de presumir como adiantamentos por conta de lucros nos termos do disposto no art.º 5.º, n.º1 e n.º2, alínea h) do CIRS, ou seja, tanto houve pronúncia sobre tais questões que sobre as mesmas o ora recorrente se vem insurgir naquelas matérias.

Assim, não pode a sentença recorrida ter incorrido no invocado vício formal de omissão de pronúncia conducente à declaração da sua nulidade (art.º 125.º n.º1 do mesmo CPPT), como também se pronuncia o Exmo RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer, por a sentença recorrida não ter deixado de emitir pronúncia sobre as alegadas questões discutidas nos autos.


Improcede assim da matéria da citada conclusão das alegações do recurso, não sendo de declarar nula a sentença recorrida.


4.1. Para julgar improcedente a impugnação judicial deduzida considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que os serviços de inspecção em análise interna às declarações fiscais da sociedade em causa retiraram factos objectivos donde se veio a fundar as liquidações em causa não tendo ocorrido qualquer vício nesse procedimento, que o contribuinte foi notificado do projecto de relatório e exerceu o direito de audição prévia, que os invocados elementos que aponta como não lhe tendo sido remetidos pela AT os poderia ter obtido ao abrigo do disposto no art.º 37.º n.º1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que igualmente foi exercido o direito de audição no indeferimento da reclamação graciosa e que os elementos recolhidos pela AT e não contrariados por qualquer prova nos autos permitem concluir, nos encontrarmos perante uma distribuição por conta de lucros, como tal sujeitos a tributação no beneficiário nos termos do disposto no art.º 5.º, n.º1 e n.º2, alínea h) do CIRS.

Para o recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, apenas contra parte destas questões vem o ora recorrente reagir, já que apenas quanto a parte delas vem invocar argumentos ou razões tendentes a demonstrar o desacerto da sentença recorrida e a permitir a este Tribunal exercer um juízo de censura sobre a mesma, tendente à sua alteração ou revogação.
E as questões sobre que o ora recorrente se vem insurgir apresentando argumentos tendentes à reapreciação da sentença recorrida são os seguintes, se bem se interpreta a matéria de tais conclusões:
1.ª Não obtenção de tais lucros pela sociedade pelo que não havia que os contabilizar – conclusões d), e), i) e j);
2.ª Não se enquadrar a situação dos autos em nenhuma norma que permita a presunção de rendimentos (art.º 6.º do CIRS) – conclusão g);
3.ª Não se ter tratado de nenhuma acção de fiscalização interna pelo que foram postergados direitos de defesa do ora recorrente – conclusão h).

Vejamos então.
Como consta da matéria provada dos pontos 1 a 3 da sentença recorrida e melhor se colhe dos autos, matéria, aliás, que não foi validamente colocada em causa pelo ora recorrente no presente recurso nos termos do disposto no art.º 690.º-A do Código de Processo Civil (redacção de então), a sociedade de que o ora recorrente era gerente contratou com A........a construção de duas moradias e obras de remodelação numa outra, pelo preço total de cerca de 110.000.000$00 (montante este que incluía a totalidade da mão de obra e os materiais até certo montante previamente fixado), tendo a mesma sociedade vindo a contabilizar custos atinentes às mesmas obras (certamente em execução de tais contratos), mas não contabilizou quaisquer facturas e nem os correspondentes proveitos.
Provou-se por outro lado – ponto 4. da matéria provada - que foram emitidos cheques pelo A........à ordem do gerente da referida sociedade e ora recorrente, num montante total de cerca de 114.000.000$00 e que foram depositados “quase todos” na conta de que o mesmo ora recorrente era titular, sem que exista qualquer prova de que tal valor tenha vindo a reverter para a referida sociedade, como proveitos, não tendo sido inscritos nas respectivas contas da sociedade – matéria do ponto 5. do probatório – antes tendo ingressado como rendimento na esfera jurídica do ora recorrente.

A conclusão ou ilação natural a alcançar parece-nos clara: este montante pago ao ora recorrente pelo referido A........foi em execução dos referidos contratos celebrados com a sociedade C....... L........Lda, de que o ora recorrente era gerente, e para pagamento das obras e materiais acordados entre ambos, constituindo pois o correspondente proveito e tinha como tal de ser inscrito na sua contabilidade nos respectivos exercícios e não podem deixar de entrar na determinação do lucro tributável da sociedade, nos termos do disposto nos art.ºs 20.º n.º1, alínea g) e 17.º do CIRC, tendo-o assim omitido nas declarações de rendimentos dos referidos exercícios de 2000 e 2001.

Pertencendo tal montante à sociedade, como proveito, como antes se explicitou, e dele se tendo apropriado o respectivo gerente – o ora recorrente – em termos fiscais não pode deixar tal montante de lhe ser imputado como um seu rendimento, obtido em cada um destes exercícios, subsumível na alínea h) do art.º 6.º do CIRS (2)[redacção de então, correspondente ao mesmo art.º 6.º, n.ºs 1 e 2 alínea h), na redacção introduzida pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro e com entrada em vigor em 1.1.2001], como rendimento da categoria E, como adiantamento por conta de lucros, já que também não se prova que tal montante proviesse de mútuo, prestação de trabalho ou do exercício de cargo social (art.º 7.º n.º4 do mesmo CIRS), norma que tinha a seguinte redacção:
Consideram-se rendimentos de capitais:
...
h) Os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros...
...

É irrelevante que a sociedade em causa não tenha, formalmente, deliberado discutir quaisquer lucros como invoca o recorrente na matéria das suas alíneas d. e e., já que realmente tal montante, certamente, ingressou no património do mesmo recorrente, já que o mesmo lhe foi depositado em conta bancária de que era titular e nenhuma prova foi efectuada e nem o mesmo sequer invoca, que o tenha devolvido à mesma sociedade, onde não consta escriturado nas respectivas contas sociais, como consta na matéria provada do ponto 5. do probatório, não advindo no caso, tal conclusão ou inferência factual, da respectiva escrituração nesse sentido na contabilidade da sociedade (que não existe), como parece invocar o recorrente na matéria da sua g., mas sim da prova recolhida em sede de exame à escrita da mesma sociedade e não afastada por qualquer uma outra, sendo que no direito fiscal por força do “realismo” que o enforma se deve atender à substância económica dos factos ou actos com relevância jurídica tributária(3).

Também se os montantes passados nos cheques emitidos por A........à ordem do ora recorrente o tivessem sido apenas pagar materiais da obra daquele, como o mesmo invoca na matéria da sua conclusão j., mas que não se prova nos autos, então por que foi que o seu elevado montante se cifra nos cerca de 114.000 contos quando para construir duas moradias e remodelar uma outra, com materiais incluídos, até certo montante, a referida sociedade e aquele A…………… acordaram num custo total próximo desse valor (cerca de 110.000 contos)? E em todo o caso, mesmo a ser assim, sempre ficaria sem explicação por que a referida sociedade contabilizou custos relativos a essas obras e não contabilizou quaisquer proveitos, como consta na matéria do ponto 3. do probatório fixado na sentença recorrida.


Quanto à natureza da acção de fiscalização ao ora recorrente – conclusão h), 3.ª questão decidenda – entendeu a sentença recorrida que a mesma foi de ordem interna, por ter sido baseada na análise de documentos recolhidos e em posse da administração tributária decorrentes da acção de inspecção à sociedade C....... L........Lda, o que o recorrente não aceita, por se não efectuado exclusivamente nos serviços da AT e nem constou duma mera análise formal e de coerência dos documentos – sua conclusão h..

Nos termos do disposto no art.º 13.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT) aprovado pelo art.º 1.º do Dec-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro, quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em:
a) Interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos;
b) Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou qualquer outro local a que a administração tenha acesso.
...,
sendo que o procedimento de natureza externa, nos termos do disposto nos art.ºs 49.º e 50.º do mesmo RCPIT, se encontra sujeito a formalidades legais que o de natureza interna se não encontra.

No caso, como se pode verificar do respectivo processo administrativo apenso, a respectiva inspecção foi ali classificada de interna, com se vê de fls 20 e segs, e ocorreu em resultado de um acção inspectiva à firma “C....... L........Lda”, em que apuraram a factualidade sobre que foram liquidados os tributos de IRS em causa, dos anos de 2000 e de 2001, não se vislumbrando do respectivo relatório que tenha havido lugar a qualquer acto de inspecção fora dos serviços da administração tributária relativamente aos mesmos factos apurados sobre o ora recorrente, donde resultaram as liquidações em causa, pelo que tal procedimento de inspecção só pode classificar-se de interno, como foi classificado pela AT e bem se pronunciou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, na sentença recorrida.

De origem externa terá sido sim, mas a inspecção efectuada à sociedade em causa, como nos parece de concluir pelos dizeres daquela inspecção, cujos tributos daí resultantes aqui se não encontram em causa e nem relevam quanto ao ora recorrente, ou seja, a AT não abriu nenhum procedimento novo, de natureza externa, depois de apurar a factualidade descrita donde resultaram as liquidações efectuadas ao ora recorrente, tendo-se limitado a extrair daquele outro procedimento à referida sociedade - nos seus serviços e sem ter praticado no âmbito desta inspecção qualquer visita ao mesmo sujeito passivo ou outros obrigados - os elementos com que procedeu à alteração das declarações de rendimentos apresentadas pelo ora recorrente nos dois anos, sendo por isso, nos termos do disposto no citado art.º 13.º, tal inspecção de classificar como interna, que não como externa, como também se decidiu na sentença recorrida.


Improcedem assim, todas as conclusões do recurso sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Custas pelo recorrente.


Lisboa, 27.1.2009
EUGÉNIO SEQUEIRA
ASCENÇÃO LOPES
LUCAS MARTINS

(1) Cfr. entre outros, os acórdãos do STA de 2.10.1996 (ambos), recursos n.ºs 20472 e 20491.
(2) Que não art.º 5.º, n.º1 e n.º2, alínea h), como certamente por lapso se refere na sentença recorrida.
(3)Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 4.4.2001, recurso n.º 25469.