Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02312/08
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:04/23/2008
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE IVA. RELAÇÕES INTRA -COMUNITÁRIAS.
INSTRUÇÕES GENÉRICAS DA AT.
Sumário:I) - As TIBs – transacções intracomunitárias de bens- estão isentas de IVA quando, cumulativamente se verifiquem os seguintes requisitos:- seja efectuada por um sujeito passivo como tal previsto na alínea a) do n.° 1 do artigo 2° do CIVA; o adquirente esteja registado para efeitos de IVA em outro Estado membro; o adquirente tenha utilizado o seu número de identificação para efectuar a aquisição e o adquirente esteja abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens.
II) -Sempre que um sujeito passivo nacional, designadamente um revendedor, adquirir veículos usados a um sujeito passivo estabelecido noutro Estado membro da União Europeia, deverá proceder à liquidação do imposto devido pela aquisição intracomunitária efectuada, verificado o facto gerador do imposto e cumpridas as regras da exigibilidade.

III) -Só as aquisições efectuadas por sujeitos passivos do imposto no território nacional a particulares de outros Estados membros, é que não são tributadas em IVA uma vez que estão fora do campo do imposto, por não se verificarem os pressupostos de incidência subjectiva.

IV) -As circulares administrativas emanadas pela AT são vinculativas apenas para os respectivos serviços pois, face à lei, os procedimentos definidos, «maxime» o “direito circulado” da AF não podem derrogar o princípio da legalidade tributária
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam nesta Secção do Contencioso do Tribunal Central Administrativo Sul:
I – R..., LDª., com os sinais identificadores dos autos, impugnou judicialmente a liquidação do IVA e respectivos juros compensatórios, relativa aos anos fiscais de 1996 e 1997.
O TAF de Lisboa julgou a impugnação improcedente.
Inconformada com tal decisão, a impugnante interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
“I -O tratamento em sede de IVA que a recorrente utilizou nas transmissões que originaram a prática dos actos impugnados (regime de tributação da margem) era consentâneo com o tipo e natureza dos bens transaccionados, sendo consentâneo com o disposto no regime especial de tributação dos bens em segunda mão aprovado pelo Decreto-Lei n.° 199/96, de 18 de Outubro - art.° 3.°, n.° l, alíneas a) a d) - sendo errada a interpretação da Lei que foi efectuada na douta sentença recorrida.
II -O modo como o IVA foi calculado pela recorrente corresponde a quanto prescrito no Regime Especial, sendo a base tributável a diferença entre o preço de venda e o preço de compra, após subtracção do montante do próprio IVA.
III -A acção inspectiva que antecedeu os actos impugnados baseou-se, por seu turno, em interpretação do dito Decreto-Lei n° 199/96, de 18 de Outubro, efectuada no ofício circulado dos Serviços do IVA n° 30.012, de 6 de Janeiro de 2000, conforme é expressamente referido no Relatório da Inspecção, sendo ainda esta a interpretação perfilhada na douta sentença recorrida.
IV -A recorrente comunicou tempestivamente à Administração Fiscal, por meio de pedido de informações por escrito, o modo segundo o qual estava a liquidar o IVA relativamente às transacções de veículos em segunda mão, não tendo obtido qualquer resposta.
V -Permitir que a recorrente continuasse a liquidar a base tributável nos termos comunicados em IV, vindo mais tarde a considerar-se que a recorrente desrespeitava a lei ao fazê-lo, constituiu uma violação do princípio geral da protecção da confiança dos contribuintes.
VI -Mais, ao aceitar implicitamente a aplicabilidade ao caso concreto do Ofício Circulado n° 30012, de 6 de Janeiro de 2000, o que faz quando sufraga inteiramente o Relatório elaborado pelos Serviços de Inspecção, a douta sentença recorrida viola a proibição de aplicação retroactiva de instruções administrativas em matéria fiscal, o que é vedado pelo art.° 103° da Constituição, e põe em causa a certeza e segurança jurídica da recorrente, o que contraria os princípios da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos (art° 4° do CPA) e da boa-fé na actuação da Administração Pública (art° 6°-A do mesmo Código), disposições que são violadas pela douta sentença recorrida.
VII -Do mesmo modo e nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, o ofício circulado em causa nem pode ser considerado interpretação autêntica, sendo de todo irrelevante para os factos subjudice.
VII -A douta sentença violou também o princípio da legalidade tributária, consagrado nos art°s 5° e 55° da LGT e, anteriormente, 19° e 20° do Código de Processo Tributário.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, julgando-se procedente a impugnação oferecida pela recorrente e assim se fazendo a costumada Justiça!”
Não houve contra -alegações.
O EPGA pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece provimento.
Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos.
*
2.- Na sentença recorrida consignou-se, com base nos elementos constantes dos autos e com relevância para a apreciação da presente impugnação, que resulta provada a seguinte factualidade:
1.A impugnante foi sujeita a uma acção de inspecção, na sequência das Ordens de Serviço n.° 1666 e 1667, de 06.04.2000, relativa aos exercícios de 1996 e 1997, tendo sido efectuadas correcções técnicas ao IVA daqueles exercícios no valor de 3.196.771$00 (€ 15.945,43) e 6.100.128$00 (€ 30.427,31), respectivamente, conforme identificadas no parecer e nos pontos 3.1.1.1. e 3.1.1.2. do capitulo III do relatório de inspecção — cfr. cópia do relatório de inspecção junta a fls. 20 a 42 dos autos e respectivos anexos (fls. 43 a 127), o que se dá por integralmente reproduzido.
2.Conforme se verifica pelo teor do relatório de inspecção, as correcções técnicas efectuadas resultaram, além de erros praticados nas declarações periódicas do ano de 1996 no montante de 678.468$00, dos fundamentos que a seguir se descrevem:
"3.1.1.1.1.- Operações passivas
(...)
a) No ano de 1996 o sujeito passivo tinha no seu imobilizado uma mota com a matricula HD- 32-19 e uma viatura de turismo de marca MERCEDES com a matricula 80-49-HM, Estas viaturas sofreram algumas reparações tendo-se verificado que o montante de 14 460$00 de IVA, foi dedução indevidamente, por se tratarem de viaturas de turismo. A. presente dedução infringe o n.° 1 alínea a) do artigo 21°do CIVA.
3.1. 1.2. — Operações activas
No exercício em análise, verificou-se que o sujeito passivo só negociou com viaturas usadas e adquiridas quer no território nacional, quer provenientes de países da U.E. (Bélgica e Alemanha), tendo liquidado IVA pelo Regime da Margem conforme estipula o Decreto - Lei n.° 199/96 de 18 de Outubro (Bens em 2a mão. Objectos de Arte, de Colecção e Antiguidades),
(...)
Assim, conforme o disposto nos diplomas anteriormente citados temos as seguintes situações:
5 -Viaturas adquiridas a outro sujeito passivo registado noutro Estado Membro e que não esteja ai sujeito a um regime especial, caberá ao sujeito passivo nacional proceder à liquidação do IVA* incidindo o imposto sobre o valor de venda da viatura nos termos gerais do CIVA.
No ano de 1996 e conforme (Mapa 2) o sujeito passivo transaccionou 6 viaturas nas condições descritas no ponto 3, essa transacção originou IVA em falta no montante de 1 503 843$00.
3,1.1.1.3. — Divergências no RITI e no IA
Da análise efectuada às facturas de compras do sujeito passivo, verificaram-se no ano em análise as seguintes aquisições de viaturas:
a) Viaturas adquiridas em estado de uso a particulares no território nacional.
b) Viaturas adquiridas em estado de uso na U.E. a particulares.
c) Viaturas adquiridas em estado de uso na U. E. a sujeitos passivos que as transaccionaram segundo o Regime da Margem.
d) Viaturas adquiridas em estado de uso na U.E. a sujeitos passivos que as transaccionaram pelo regime normal, declarando-as no VIÉS.
Nas viaturas constantes na alínea d) não foi efectuado liquidação de IVA nas Aquisições Intracomunitárias, no montante de 6 173 809$00, conforme (Mapa 1).
Apesar de se encontrarem cumpridas todas as condições exigidas no artigo 8° do RITI, o sujeito passivo não liquidou o IVA supra referendado, não incluindo os respectivos montantes nos CAMPOS 10 e 11 das declarações periódicas.
No que se refere ao IA (Imposto Automóvel), verificou-se que o mesmo foi pago através da Alfândega, sem no entanto ter efectuado a respectiva liquidação de IVA nas viaturas constantes das alíneas b), c) e d) no montante de 2 210 397$00, conforme (MAPA 1).
Conforme estipulam os artigos 12°, 13° e n. ° 3 do artigo 17°, todos do R/77 o imposto torna-se exigível na data em que a factura é emitida, não tendo o sujeito passivo cumprido esses preceitos, conforme se descreveu anteriormente.
3.1.1.2.-1997
3.1.1.2.1. -Operações passivas
No decorrer da análise documental, detectaram-se no entanto as seguintes anomalias, que originaram IVA. deduzido indevidamente no montante de 18 105$00, conforme (MAPA 8).
a) — Deduziu ÍVA no montante de 5 391$00, constante numa factura emitida em nome de outro sujeito passivo, infringindo o n.° 2 do artigo 19° do CIVA.
b) — No ano em análise o sujeito passivo adquiriu para o seu imobilizado uma viatura de turismo de marca MERCEDES com a matrícula 51-83-KE, que sofreu algumas reparações, cujo IVA no montante de 12 714$00, foi deduzido indevidamente, por se tratarem de viaturas de turismo, dedução esta que infringe o n.° 1 alínea a) do artigo 21° do CIVA.
3. 1. 1.2.2. — Operações activas
(...)
Face ao exposto no ano em análise e conforme (MAPA 3) o sujeito passivo transaccionou 13 viaturas nas condições descritas no n.° 3 do ponto 3.1.1.1.2., essas transacções originaram uma falta de liquidação de IVA no montante de 6 082 023$00.
3.1.1.2.3. - Divergências no RITI e do IA
Da análise efectuada às facturas de compras do sujeito passivo, verificaram-se no ano em análise as seguintes aquisições de viaturas:
a) Viaturas adquiridas em estado de uso a particulares no território nacional.
b) Viaturas adquiridas em estado de uso a particulares no território nacional a sujeitos passivos que as venderam no Regime de Bens em 2a mão.
c) Viaturas adquiridas em estado de uso na U.E. a particulares.
c) Viaturas adquiridas em estado de uso na U.E. a sujeitos passivos que as transaccionaram segundo o Regime da Margem.
d) Viaturas adquiridas em estado de uso na U.E. a sujeitos passivos que as transaccionaram pelo regime normal, declarando-as no VIÉS.
Nas viaturas constantes na alínea e) não foi liquidado o IVA nas Aquisições Intracomunitárias, no montante de 4 128 687$00, conforme (Mapa 4).
Apesar de se encontrarem cumpridas todas as condições exigidas no artigo 8° do RITI, o sujeito passivo não liquidou o IVA supra referendado, não incluindo os respectivos montantes nos CAMPOS 10 e 11 das declarações periódicas.
No que se refere ao IA, verificou-se que o mesmo foi pago através da Alfândega, sem no entanto ter efectuado a respectiva liquidação de IVA nas viaturas constantes das alíneas c), d) e e) no montante de 2 088 901$00, conforme (MAPA 4).
Conforme estipulam os artigos 12°, 13° e n.° 3 do artigo 17°, todos do RITI, o imposto torna-se exigível na data em que a factura é emitida, não tendo o sujeito passivo cumprido esses preceitos, conforme se descreveu anteriormente."
3. Conforme a própria impugnante admite, nomeadamente nos artigos 8° a 13° da p.i., aquela adquiriu viaturas a um sujeito passivo registado noutro Estado Membro, o qual não estava ai sujeito a um regime especial, tendo nesses casos procedido à liquidação de IVA pelo regime da margem, consagrado no Decreto-Lei n.° 199/96, de 18 de Novembro.
4.Notificada (cfr. anexo 5 do relatório de inspecção) a ora impugnante para proceder à liquidação do IVA nas aquisições intracomunitárias e à regularização do IVA sobre o IA, enviando as declarações de substituição de IVA (modelo C), para os períodos em que existiram omissões, a mesma procedeu de acordo com a referida notificação, tendo enviado para a Direcção de Serviços do IVA, em 30.05.2001, as declarações periódicas de substituição, as quais constituem os anexos 6 e 7 do relatório de inspecção - cfr. fls. 63 a 78 dos autos.
5.Tendo regularizado IVA em falta no montante de 8.384.200$00 (€41.820,24), relativamente ao período de 1996, e no montante de 6.217.588$00 (€ 31.013,20), relativamente ao período, conforme descrito no Capitulo VI do relatório de inspecção, fls. 38 e 39 dos autos - Idem.
6.Em consequência das correcções supra identificadas e das regularizações referidas no ponto antecedente, foram emitidas as liquidações adicionais de IVA, relativas ao período de 1996, com os n.°s 01112184 e 01159221, e as liquidações dos correspondentes juros compensatórios, com os n.°s 01112183 e 01159220, bem como a liquidação de IVA do período de 1997, com o n.° 01159226, e as liquidações dos respectivos juros compensatórios, com os n.°s 01159222, 01159223, 01159224 e 01159225, no valor global de 13.939.779$00 (€69.531,32) (cfr. cópias da demonstração de liquidação, juntas a fls. 10 a 18 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
7.Em 29.01.2002, conforme carimbo aposto a fls. l, a impugnante deduziu a presente impugnação.
*
Inexistem factos não provados com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos.
*
3.- Atenta a ordem do julgamento estabelecida no artº 660º do CPC, aplicável ao recurso por força das disposições combinadas dos artºs. 713º nº 2 e 749º, ambos daquele Código, vemos que as questões sob recurso, suscitadas e delimitadas pelas conclusões da Recorrente, são as de saber se relativamente às operações de aquisição de viaturas a sujeitos passivos registados noutro Estado Membro e que aí não estejam sujeito a um regime especial, o sujeito passivo nacional deve proceder à liquidação do IVA nos termos gerais do CIVA, incidindo o imposto sobre o valor de venda da viatura, ou se, pelo contrário, deverá proceder à liquidação do IVA nos termos do Regime da Margem previsto no Decreto-Lei n° 199/96, de 18 de Outubro.
Na sentença recorrida concluiu-se pela legalidade das correcções efectuadas pela Administração Fiscal na consideração de que, não se questionando que a impugnante adquiriu viaturas a outro sujeito passivo registado noutro Estado Membro e que este sujeito passivo não estava aí sujeito a um regime especial, não ocorreu a aquisição das viaturas numa das condições elencadas no n° l do artigo 3° do Decreto-Lei n° 199/96, de 18 de Novembro, tem que se entender não ser possível, no caso concreto, aplicar o regime especial de tributação da margem na determinação do valor tributável, liquidando o imposto com base na diferença entre o preço de venda e o preço de compra das viaturas, procedimento utilizado pela impugnante no apuramento do IVA devido, mostrando-se obrigatória a determinação do valor tributável nos termos gerais do CIVA, liquidando o imposto com base no preço de venda dessas viaturas.
A esta fundamentação aderiu o EPGA.
Dissentindo deste entendimento, como decorre das conclusões recursórias, a impugnante sustenta que, tendo adquirido viaturas em segunda mão na União Europeia, procedeu à liquidação de IVA pelo regime da margem, consagrado no Decreto-Lei n° 199/96, de 18 de Novembro, aplicando de forma correcta este regime, e que as correcções em causa carecem de fundamento legal, já que, reportando-se aos anos de 1996 e 1997, foram efectuadas com base na aplicação retroactiva do entendimento constante no Ofício Circulado n° 30012, de 06.01.2000, do Serviço do IVA.
Na nossa óptica, a sentença não merece qualquer censura.
Como nela se refere, as correcções em causa derivam de, como se estabelece em 3 do probatório, a impugnante ter adquirido viaturas a outro sujeito passivo registado noutro Estado Membro o qual não estava aí sujeito a um regime especial, tendo nesses casos procedido à liquidação de IVA pelo regime da margem, consagrado no Decreto-Lei n° 199/96, de 18 de Novembro, entendendo a Administração Fiscal que deveria a impugnante proceder à liquidação do IVA nos termos gerais do CIVA, incidindo o imposto sobre o valor de venda da viatura.
No que tange às aquisições intracomunitárias de viaturas usadas, praticadas por sujeitos passivos do IVA em Portugal, rege o n° l do artigo 14° do supra referido Regime Especial, de acordo com o qual as TIBs – transacções intracomunitárias de bens -não estão sujeitas a tributação no mercado nacional, quando o vendedor for um sujeito passivo revendedor no Estado membro de expedição ou transporte dos bens e tiver aí aplicado o IVA de harmonia com o regime especial de tributação da margem vigente no respectivo pais.
Ao proceder posteriormente à venda das viaturas usadas no mercado nacional, visto que tais operações são incidentes de IVA nos termos da alínea a) do n° l do artigo 1° do CIVA, caberá ao transmitente, quando actue na qualidade de sujeito passivo, como é o caso da ora impugnante, proceder à liquidação do correspondente imposto.
E, em conformidade com o disposto no n° 1 do artigo 3° do Decreto-Lei n° 199/96, de 18 de Novembro, na determinação do valor tributável da transmissão efectuado no território nacional, só poderão aplicar o regime especial de tributação da margem os sujeitos passivos revendedores que tenham adquirido as viaturas usadas no interior da Comunidade, em qualquer uma das seguintes condições:
- A uma pessoa que não seja sujeito passivo;
- A outro sujeito passivo, desde que a transmissão feita por este tenha beneficiado de isenção de imposto, ao abrigo de disposição legal idêntica ao disposto no n° 33 do artigo 9° ou no artigo 53° do CIVA, vigente no Estado membro onde tiver sido efectuada a transmissão;
-A outro sujeito passivo revendedor, desde que a transmissão dos bens por esse outro sujeito passivo revendedor tenha sido efectuada ao abrigo do disposto neste diploma, ou de regulamentação idêntica vigente no Estado membro onde a transmissão dos bens tiver sido efectuada.
A ser assim, porque a impugnante adquiriu viaturas a outro sujeito passivo registado noutro Estado Membro o qual não estava aí sujeito a um regime especial, não foi a aquisição das viaturas realizada numa das condições elencadas no n° l do artigo 3° do Decreto-Lei n° 199/96, de 18 de Novembro.
Logo, não podia a impugnante beneficiar do regime especial de tributação da margem na determinação do valor tributável, liquidando o imposto com base na diferença entre o preço de venda e o preço de compra das viaturas, antes devendo proceder à determinação do valor tributável nos termos gerais do CIVA, liquidando o imposto com base no preço de venda dessas viaturas.
Na verdade, de acordo com o artº 3º do RITI, as aquisições de viaturas usadas a outros Estados Membros efectuadas por um sujeito passivo a outro sujeito passivo (do E.M.) consideram-se aquisições intracomunitárias de bens, tributáveis (AICB’s) nos termos da al. a) do nº 1 do artº 1º e nº 1 do artº 8º, ambos do RITI, pelo valor de aquisição das respectivas viaturas acrescido do respectivo imposto automóvel, de acordo com o nº 3 do artº 17º do RITI.
Por isso é de sufragar a fundamentação fáctica e jurídica adoptada pela AT.
Na verdade, o regime jurídico aplicável é o resultante da conjugação do art° 1.1.c) do CIVA que dispõe que: "Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado (...) as operações intracomunitárias efectuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias", com o art° l.a) do RITI que estabelece que: "Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado (...) as aquisições intracomunitárias de bens efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo dos referidos no n° l do art° 2, agindo como tal, quando o vendedor for um sujeito passivo, agindo como tal, registado para efeitos de IVA noutro Estado membro que não esteja aí abrangido por um qualquer regime particular de isenção de pequenas empresas, não efectue no território nacional a instalação ou montagem dos bens nos termos do n° 2 do art° 9 nem os transmita nas condições previstas nos ns° l e 2 do art° 11" e, por fim, com o art° 14.1. do Dec-lei 199/96 de 18/10 que determina que: "Não obstante o disposto nas alíneas a) e d) do art° l do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias, aprovado e publicado em anexo ao Dec-lei n° 290/92 de 28/12, não são sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado as aquisições intracomunitárias de bens em segunda mão (...) se o vendedor for um sujeito passivo revendedor ou um organizador de vendas em leilão e os bens tiverem sido sujeitos a imposto sobre o valor acrescentado no Estado membro de expedição ou transporte, de acordo com um regime especial de tributação idêntico ao previsto neste diploma".
Acresce que também não colhe o entendimento perfilhado pela impugnante no que concerne à impossibilidade de as correcções em causa serem efectuadas com base na doutrina vazada no Ofício Circulado n° 30012, de 06.01.2000, do Serviço do IVA, por este ser posterior ao período a que as mesmas respeitam.
É que, se é certo que os tribunais estão apenas sujeitos à lei, pelo que não os vincula qualquer orientação administrativa de que decorra uma certa interpretação da mesma, mas não é o caso das instruções dimanadas do referido ofício circular.
Como se doutrina no aresto do TCAS de 09-05-2006, Recurso nº.00436/05, as circulares administrativas não vinculam os contribuintes, mas apenas os respectivos serviços.
Na verdade, face à lei, os procedimentos definidos, «maxime» o “direito circulado” da AF não podem derrogar o princípio da legalidade tributária pelo que, a essa luz, é possível afirmar a conformidade do conteúdo do acto recorrido com as normas legais referidas e, deste modo, que os pressupostos realmente existentes impunham a decisão administrativa com aquele sinal, sendo certo que o Sr. Juiz recorrido não estava vinculada àquela decisão administrativa cuja aplicabilidade ao caso concreto afastou por reputar ilegal a tributação.
Assim, a Circular além de ser ilegal por falta de habilitação legal para interpretar extensivamente normas de incidência tributária, seria ilegal, por abusiva desvirtuação de norma comunitária e respectiva transposição ilegal.
Nesse sentido, também a referida Circular, ao limitar a norma de incidência seria inconstitucional por violação do disposto nos art.° 165.°, n.° l, alínea i) e no art.° 103.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa, ferindo o princípio da separação dos poderes, haveria a Administração Fiscal usurpado as funções do legislador.
É, pois, assertiva a afirmação do Mº Juiz de que “a Administração Fiscal não fez mais do que aplicar a lei vigente à data dos factos tributários, tendo para tal feito referência a doutrina administrativa, não havendo, portanto, aplicação retroactiva da lei.
Diferente seria se a impugnante tivesse liquidado o IVA, na situação em análise, com base em entendimento sufragado pela Administração Fiscal e depois esta tivesse procedido à sua correcção com base num seu posterior entendimento desfavorável ao contribuinte. Nesse caso, sim, poderia estar em causa a violação do princípio da protecção da confiança dos administrados.
Refira-se, ainda, quanto ao invocado pedido de esclarecimento efectuado pela impugnante à Administração Fiscal, que, conforme se verifica pelo seu teor (cfr. fls. 128 e 129), o que com o mesmo se pretendeu saber foi como aplicar o regime da margem consagrado no Decreto-Lei n° 199/96, de 18 de Novembro, nas aquisições de veículos, não questionando se na situação concreta ora em análise tal regime era aplicável. Até porque, este pedido só foi efectuado já depois de terem terminado os períodos tributários em causa e se ter procedido ao apuramento do respectivo imposto.”
Ao nível da eficácia probatória ou, melhor dizendo, da extensão e limites da informação prévia vinculativa em vista do caso concreto, há que proceder a várias precisões.
É que na origem da informação prévia vinculativa está, por um lado, a intenção de facilitar o cumprimento das obrigações fiscais por parte dos contribuintes, atenta a complexidade e diversidade da legislação fiscal e, por outro lado, alcançar uma maior transparência na relação fisco – contribuinte.
A obtenção da informação vinculativa, está condicionada a alguns formalismos que têm de ser cumpridos (art. 68° n.º s l, 2, e 3).
Assim, o contribuinte interessado poderá solicitar uma informação vinculativa à administração tributária. A lei refere expressamente o interessado ou o seu representante legal como sendo as pessoas que poderão efectuar essa solicitação, mas do n.° 3 do art. 68.° da LGT decorre que é permitida a prestação de informações vinculativas a advogados ou outras entidades legalmente habilitadas a exercer consultadoria fiscal, relativamente à concreta situação jurídico -tributária dos seus representados.
O pedido de informação vinculativa deverá ser dirigido, por escrito, ao dirigente máximo do serviço, o Director Geral dos Impostos, entidade hierarquicamente mais elevada da DGCI, o que bem se compreende, atentos os efeitos que lhe estão associados. Em regra, esses pedidos são objecto de parecer prévio da Direcção de Serviços que tem a seu cargo o imposto em causa (DSIRS, DSIRC, DSIVA, DSCA ou outro) e só posteriormente são submetidos à consideração do Director Geral dos Impostos ou da entidade a quem o mesmo delegou competência.
Acresce que além da correcta identificação do requerente (NBF/NIPC, nome completo/designação social e residência/sede) o pedido deve ser acompanhado da descrição dos factos cuja qualificação jurídico -tributária se pretenda.
Estes elementos são essenciais ao nível do instituto da informação vinculativa porquanto, para informar e decidir em casos concretos é necessário que a descrição dos factos seja o mais clara e completa possível, até para mais tarde poder associar esse mesmo caso concreto à informação vinculativa e assim mais facilmente beneficiar dos efeitos consignados na lei.
Destarte, a administração tributária é chamada a pronunciar-se sobre as situações tributárias dos contribuintes e sobre os pressupostos ainda não concretizados de quaisquer benefícios fiscais. De realçar que o art. 17.° do DL n.° 215/89 de l de Julho - Estatuto dos Benefícios Fiscais foi revogado pelo DL n.° 433/99 de 26 de Outubro que aprovou o CPPT).

A lei não restringe o âmbito quanto ao tipo de situações tributárias que podem ser objecto de informação vinculativa pelo que um contribuinte com dúvidas pertinentes ao nível do enquadramento jurídico -fiscal de uma certa realidade tributária, pode colocá-las à administração tributária, em vez de, ele próprio, assumir uma posição sobre a questão e conformar-se com as consequências que daí poderiam advir.
A informação prestada pela administração tributária tem carácter vinculativo, ou seja, não pode a mesma proceder de forma diversa em relação ao sentido da informação prestada (art. 68° n° 2 da LGT). Quis o legislador, ao fazer com que a administração tributária ficasse vinculada à resposta que prestou, garantir ao contribuinte que, naquele caso concreto, a mesma não procederia de forma diversa (estabilidade e segurança na relação fisco -contribuinte).
A essa luz, o contribuinte, ao actuar de acordo com a informação vinculativa (embora a informação não seja vinculativa para si) prestada pela administração tributária relativamente a uma concreta situação tributária, não pode ser responsabilizado por essa conduta. Significa que o contribuinte ao cumprir e seguir estritamente a informação vinculativa, não pode, por exemplo, vir a ser responsabilizado pela prática de uma infracção fiscal de tipo contra-ordenacional. E se, eventualmente, os Serviços de Inspecção Tributária ou outros da DGCI, por diferentes critérios que não os resultantes da informação vinculativa, alterarem o sentido desta última, o contribuinte pode defender-se, alegando ter cumprido o estabelecido nessa mesma informação, aliás vinculativa para todos os serviços da administração tributária. Porém, quando esses serviços constatam que a situação factual que esteve na origem da informação vinculativa, não corresponde inteiramente à realidade, a DGCI não tem que ficar vinculada à informação que havia prestado anteriormente visto que a mesma teve por base uma errónea descrição dos factos.
Saliente-se que a isenção de responsabilidade foi alargada para outras situações que não só as de informação vinculativa, concretamente as instruções escritas transmitidas pela administração tributária e as orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza emitidas sobre a interpretação das normas tributárias (art. 68° n° 4 da LGT).
Aqui chegados, importa referir, com relevo para a questão das consequências da informação, que o carácter vinculativo da informação apenas vale para aquele caso concreto que lhe deu origem isso porque os efeitos derivados da resposta da administração tributária, não se podem estender a outras situações, uma vez que a análise feita parte da ponderação de uma situação concreta e específica (doutrina para o caso concreto).
E, mais importante ainda, os Tribunais, como órgãos de soberania independentes não estão subordinados às decisões tomadas em matéria fiscal pela administração, ainda que vinculativas para esta, na medida em que aos Tribunais compete interpretar e aplicar a lei fiscal sem qualquer dependência dos critérios adoptados pela administração e daí que, sendo proferida decisão judicial em sentido diverso daquele que foi seguido na informação vinculativa, a administração tenha de a respeitar e fazer executar.
Na verdade, tal como as circulares administrativas não vinculam os contribuintes, mas apenas os respectivos serviços e, como tal, à data dos factos tributários, a ilegalidade do artº 61º do CIRC por afronta ao direito comunitário que depois veio a ser reconhecida pelo legislador e pela própria AT, não fazia precludir, a aplicação do direito comunitário que depois veio a ser acolhido.
É que, se é certo que os tribunais estão apenas sujeitos à lei, pelo que não os vincula qualquer orientação administrativa de que decorra uma certa interpretação da mesma, as circulares administrativas (bem como as informações prévias) não vinculam os contribuintes, mas apenas os respectivos serviços e, face à lei, os procedimentos definidos, «maxime» o “direito circulado” da AF não podem derrogar o princípio da legalidade tributária pelo que, a essa luz, será possível afirmar a desconformidade do conteúdo do acto recorrido com as normas legais referidas e, deste modo, que os pressupostos realmente existentes impunham a decisão administrativa de sinal contrário, sendo certo que o Juiz, mesmo que tivesse conhecimento da informação prévia vinculativa, não estava vinculada àquela decisão administrativa.
Já a emissão de orientações genéricas é um dos mecanismos de colaboração da AT com os contribuintes, prevendo o artº 68º, nº 4, al. b) da LGT a vinculação da administração tributária “às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza emitidas sobre a interpretação das normas tributárias que estiverem em vigor no momento do facto tributário”.
A AT só deixa de estar vinculada a essa orientações genéricas nos casos em que actue em cumprimento de decisão judicial – cfr. nº 7 do artº 68º da LGT.
E qual a consequência para o não acatamento da vinculação?
O artº 74º do CPT previa, expressamente, que “O cumprimento pelos contribuintes da instruções escritas transmitidas pela administração fiscal acerca dos seus deveres acessórios isenta-os de responsabilidade pelo respectivo acto”.
Dada a inexistência de norma equivalente no CPPT e na LGT, há que levar em conta o disposto no artº 59º, nº 2 da LGT que consagra o princípio da boa-fé na actuação dos contribuintes, em geral, pelo que, por maioria de razão, esse princípio deve valer no caso de essa actuação cumprir instruções escritas da AF no que tange ao cumprimento dos seus deveres fiscais acessórios, pois isso mesmo decorre do artº 68º, nº 6 da LGT.
É para sancionar o não acatamento da vinculação a essas instruções escritas que o nº 2 do artº 43º da LGT atribui juros indemnizatórios ao contribuinte pelo montante do tributo pago a mais, por via de declarações com base em orientações genéricas da AT.
Porém e como bem referiu o Mº Juiz «a quo» no caso concreto não é aplicável o regime da informação vinculativa desde logo porque, como se disse, a doutrina vazada no Ofício Circulado n° 30012, de 06.01.2000, do Serviço do IVA, ser posterior ao período a que as mesmas respeitam e, quanto às orientações genéricas, as mesmas não vinculam o tribunal que na decisão recorrida confirmou o bem fundado da actuação do Fisco que reputou ter cumprido o princípio da legalidade tributária.
Termos em que improcedem «in totum» as conclusões de recurso.
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4. - Nesta conformidade, acordam os Juízes da 2ª Secção deste tribunal em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se em 5 UCs a taxa de justiça.
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Lisboa, 23.04.2008
(Gomes Correia)
(Eugénio Sequeira)
(Manuel Malheiros)