Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:01504/06
Secção:Contencioso Administrativo - 2º Juízo
Data do Acordão:06/01/2006
Relator:António Coelho da Cunha
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DAS AUTARQUIAS LOCAIS
PRESUNÇÃO DE CULPA
NEXO DE CAUSALIDADE
Sumário:I- A conduta omissiva de um Município, traduzida na manutenção de uma ponte sobre um rio, não sinalizada e com visibilidade muito reduzida pela presença de um canavial viola o art. 2º da Lei nº 2110, de 19.08.61 (Regulamento das Estradas e Caminhos Municipais).
II - Se, em virtude de tal omissão, ali ocorre um acidente por via do qual um automóvel e seu condutor caem no rio, funciona a presunção de culpa prevista no art. 493º do Cód. Civil, sendo o R. Município responsável pelos danos.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:Acórdão no 2º Juízo do TCA Sul

1. Relatório.
Arnaldo ...e Jorge ..., intentaram contra o Município de Alcobaça acção destinada à efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, pedindo o pagamento da quantia de 5.633.70 Euros a título de danos sofridos
0 Mmo. Juiz do TAF de Leiria julgou a acção parcialmente provada e procedente, condenando o R. Município de Alcobaça a pagar ao primeiro A. a quantia de € 4.000.00, e ao segundo a quantia de € 100, valores a que acrescem juros moratórios, calculados à taxa legal, desde a citação até ao pagamento integral
Inconformado, o R. Município de Alcobaça interpôs recurso jurisdicional para este T.C.A, em cujas alegações enunciou as conclusões de fls. 141 e seguintes, cujo teor se dá por reproduzido.
Não houve contra alegações.
O Digno Magistrado do Mº Pº emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso
2. Matéria de facto.
A matéria de facto é a fixada na decisão de 1ª instância, para cujos termos se remete na integra (art. 713 nº 5 do Cod. Proc. Civil).
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3. Direito Aplicável
Nas conclusões das suas alegações, o recorrente alega que não foram apurados factos relevantes, relativos às circunstâncias do evento, atinentes à limitação auditativa do Autor e ao auto de notícia policial que nunca foi exibido (conclusão 1ª), devendo neste caso isentar-se o Município de Alcobaça não obstante ter eventualmente agido com culpa por omissão (conclusão 2ª), dado que o evento teria igualmente ocorrido mesmo que o facto culposo imputado à Ré não se tivesse verificado.
Segundo o Ré a presunção de culpa não é aplicável, uma vez que a viatura era conduzida por alguém que possuía limitações físicas e agia com falta de cuidado. Numa situação deste tipo, conclui o R. não se verifica “nexo de causalidade adequada entre a presunção de culpa e o facto danoso salvo o devido respeito, parece-nos claro que o R. não tem razão.
No tocante à pretensão de determinar a capacidade auditiva do A. Jorge Machado e determinar a eventual existência de auto de notícia pela autoridade policial, verificando-se a inobservância do prazo fixado no art. 512º do Cód. Proc. Civil, é manifesta a extemporaneidade do requerimento de fls. 42, como justamente se decidiu no despacho de fls. 43, visto que tal requerimento foi recebido no Tribunal em 18.05.05 e o despacho saneador havia sido notificado às partes em 20 de Abril de 2005.
Quanto ao requerimento de fls. 85 (ofício emitido pela Associação de Beneficiários de Cela), é nítido que o mesmo visava juntar aos autos o depoimento escrito de uma testemunha que já nessa qualidade havia intervido. Tratando-se de documento cuja conteúdo não passa de depoimento testemunhal escrito, impunha-se a sua não admissão (cfr. o Ac. Rel. Coimbra, in “B.M.J.”, 310º461º, citado no douto parecer do Ministério Público.
Isto posto, cumpre analisar a questão de fundo.
Da matéria de facto provado resulta que o Município R. mantinha uma estreita ponte sobre o Rio Circular, desprovida de protecções laterais e sem a adequada sinalização, além de visibilidade muito reduzida pela presença de um canavial e frondosos arbustos ao lado da estrada, que não dispõe sequer de bermas (cfr. alíneas B) a J) da matéria de facto assente.
Acresce que o local não é iluminado e já ali haviam ocorrido dois acidentes.
É, pois, nítida a conduta omissiva do R. Município, que não poderia deixar de conhecer tais factos, pelo que não pode deixar de funcionar a presunção de culpa prevista no art. 493º do Cód. (cfr., além da jurisprudência citado no parecer do Ministério Público, o Ac. STA de 15.11.05, Rec. 134/0512, in “Antologia de Acordãos do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Central Administrativo”, Ano IX, nº 1, p. 163 e seguintes).
Não pode deixar de se estabeler um nexo de causalidade entre tal conduta omissiva e o acidente ocorrido, que consistiu na queda do veículo do A (Peugeot 306, XRD, 42-99-DQ) no rio), ali ficando submerso na quase totalidade e arrastando o A. no seu interior.
Conclui-se, pois, que em face do disposto no artigo 22º da C.R.P., 18º nº 1, alínea a) da Lei nº 159/99, de 14 de Setembro, e art. 2º da Lei nº 2110, de 19.08.61, o R. Município é civilmente responsável pelos danos apurados, em virtude da sua conduta omissiva e culposa no tocante à manutenção, conservação e sinalização da ponte referenciada nos autos.
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4. Decisão.
Em face do exposto, acordam os juizes do 2º Juízo do TCA Sul em negar provimento ao recurso e confirmar na integra a decisão recorrida.
Custas pelo R.
Lisboa, 1.06.06
as.) António de Almeida Coelho da Cunha (Relator)
Maria Cristina Gallego dos Santos
Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa