Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02961/09
Secção:CT-2ºJUÍZO
Data do Acordão:05/12/2009
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IVA -ALTERAÇÃO DO REGIME DE RECURSO -DESERÇÃO -OMISSÃO DE
PRONÚNCIA - IMPOSTO DE OBRIGAÇÃO ÚNICA – CADUCIDADE DO
DIREITO À LIQUIDAÇÃO NO CASO DA CONCLUSÃO DA INSPECÇÃO PARA ALÉM DO PRAZO LEGAL DE SEIS MESES-PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, IMPARCIALIDADE E PROPORCIONALIDADE.
Sumário:I) -O despacho que admitiu o recurso não vincula o Tribunal superior, pelo que nada obsta que se aprecie e decida agora se o recorrente goza de legitimidade para interpor o presente recurso.
II) - Só há obrigação de conhecer das questões cuja apreciação não tenha ficado prejudicada pela resposta dada a outras (cfr. art. 660.º, n.º 2, do CPC).
III) -Se o sr. Juiz «a quo» justificou a falta de decisão mostrando que não lhe passou despercebida a possibilidade de a apreciar, não silenciando a questão em referência, não há omissão de pronúncia.
IV) -Revestindo o IVA natureza de imposto de obrigação única, o respectivo dies a quo inicia-se a partir da data em que o facto tributário ocorreu e não no final do ano a que o imposto respeita.
V) -Determina o art.° 36/2 do RCPIT que o procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início. Este prazo pode ser prorrogado nos casos enunciados no n.° 3 do artigo 36 e a continuidade da inspecção pode ser suspensa, sem que isso suspenda os prazos legais da sua conclusão (Art.° 53/2 RCPIT).
VI) -A “ratio” do instituto da caducidade assenta em razões objectivas de segurança jurídica, sem ter em atenção a negligência ou inércia do titular do direito e atendendo unicamente à necessidade de definir com brevidade a situação jurídica, funciona como garantia e limite de reapreciação da obrigação abstracta resultante da prática do acto tributário, por contraposição à situação tributária substancial de que aquele (acto tributário) é ou foi reflexo.
VII) -De acordo com o princípio da legalidade, só podem ser cobrados os impostos quando se verificam os pressupostos aos quais a lei condiciona a existência de uma obrigação fiscal, observadas as garantias dos contribuintes na lei estabelecidas como modo de reacção, não sendo lícito e legal proceder a derrogações de tais garantias como direitos adquiridos na vigência de certa lei pois isso quebra a unidade sistemática do direito fiscal.
VIII) -Instaurado o procedimento de inspecção tributária, o direito de liquidar os impostos caducava no prazo de seis meses após o termo do prazo fixado para a sua conclusão, sendo que o n° 2 do artigo 36° do RCPIT estabelecia que o procedimento inspectivo devia ser concluído no prazo de seis meses a contar da notificação do seu início.
IX) -Havendo a acção de fiscalização sido iniciada em 05/11/2003 e concluída em 18/08/2004, tendo sido objecto de duas prorrogações, nos termos do art. 36° do RCPIT e visto que a acção de inspecção externa se prolongou por um período superior a seis meses, inexistiu qualquer causa de suspensão desse prazo tendo em conta o que dispõe o n° 1 do art. 46° da Lei Geral Tributária.
X) -A inobservância dos prazos legalmente fixados para a inspecção apenas relevam directamente em sede de caducidade da liquidação, não ofendendo essa interpretação os princípios constitucionais da legalidade, proporcionalidade e imparcialidade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acorda-se, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo:

I. - RELATÓRIO

1.1. T............- C............, Ldª, devidamente identificada nos autos, e o REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, vieram interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Almada que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial por aquela deduzida contra a liquidação de IVA relativa ao exercício do ano de 2000.
1.2 Em alegação, a recorrente formula conclusões que se apresentam do seguinte modo:
a) A recorrente foi alvo de uma inspecção tributária externa, levado a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária afectos à Direcção de Finanças de ............ em sede de IVA 2000.
b) A acção de inspecção referente ao ano de 2000 foi iniciada em 05-11-2003 e concluída em 18-08-2004.
c) A notificação para início do procedimento de inspecção definia o âmbito do procedimento, como parcial.
d) A referida ordem de serviço foi objecto de duas prorrogações de prazo.
e) A douta sentença recorrida não tomou posição sobre questões de que devia conhecer suscitadas pela parte, nem decidiu explicitamente que não podia delas tomar conhecimento, pelo que é nula por omissão de pronúncia (al. d) do n.° 1 do artigo 668.°do CPC).
f) De facto, na causa de pedir arguiu-se a violação das disposições articuladas dos artigos 77.° n.° 6 da LGT e 36.° n.° 1 do CPPT e o inerente vício de violação de lei daí derivado, mas a sentença omitiu o dever de pronúncia sobre essas questões, (arts. 660.° n.° 2, 713.° n.° 2 do CPC e 125.° do CPPT).
g) O procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar do seu início (art. 36.°, n.° 2 do RCPIT).
h) Nos termos do n.° 3 da mesma disposição legal, antes da alteração imposta pela Lei 50/2005, de 30 de Agosto, o prazo de inspecção podia ser prorrogado no caso de procedimento geral ou polivalente.
i) O procedimento inspectivo que originou a liquidação na base da douta sentença ora em crise, versou apenas sobre alguns tributos, IRC e IVA e foi expressamente qualificado como parcial, pelo que não restam dúvidas de que a lei não admitia a sua prorrogação.
j) Entendimento este preconizado por MARTINS ALFARO, in Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, Comentado e Anotado, 2003, Áreas Editora.
k) Nos termos do princípio da legalidade, o acto administrativo tem que ser em tudo conforme com a lei, sob pena de ilegalidade A necessidade de rigorosa subordinação à lei é a primeira das características essenciais do acto administrativo (vide, entre outros art. 266.°, n.° 2 da CRP, art. 3.° do CPA, art. 8.°, n.° 2, al.) a) da LGT).
l) A ordem de serviço emitida para o ano de 2001 foi objecto de duas prorrogações de prazo, nos termos do artigo 36.° do RCPIT, o que a lei não permitia, pelo que as prorrogações traduziram a prática de actos ilegais.
m) A liquidação na base da sentença ora em crise, foi efectuada na sequência de uma acção inspectiva prorrogada de forma ilegal.
n)Apenas agindo de forma ilegal, a Administração Fiscal finalizou o procedimento inspectivo, motivo pelo qual, estando a actuação daquela sujeita ao princípio da legalidade estrita, desde logo, não pode prevalecer a liquidação por resultar de uma inspecção ilegalmente efectuada, padecendo aquela de vício de violação de lei.
o) Assim, todo o procedimento inspectivo deve ser anulado e em consequência, declarado nulo o acto de liquidação, nos termos da al. i) do n° 2 do art. 133°, al. i) do CPA.
p) O DL n.° 413/98, de 13 de Dezembro, diploma que aprovou o RCPIT, visa a consagração de garantias de proporcionalidade.
q) O que faz no cumprimento do princípio constitucional da proporcionalidade, consagrado entre outras normas legais, no art. 266. °, n.° 2 da CRP, art. 15.° do CPA, 55.° da LGTe46.°doCPPT. r) O Princípio da necessidade, manifestação do princípio da proporcionalidade, obriga a que de entre os meios adequados à prossecução do interesse público, deva ser escolhido aquele que menos sacrifício represente para os particulares, porquanto só esta via é necessária.
s) A realização de acções demasiado prolongadas viola o princípio da necessidade.
As exigências desmesuradas ao contribuinte violam o princípio da proporcionalidade.
t) A Administração Fiscal encontra-se vinculada ao princípio da imparcialidade, consagrado no art. 266.° da CRP, art. 6 ° do CPA e 55.° da LGT, princípio que se manifesta desde logo, no sentido de imparcialidade na aplicação do princípio da proporcionalidade.
u) Quando da colisão entre o interesse público e o interesse particular, a Administração Fiscal não pode impor aos particulares mais do que o mínimo de sacrifício.
v) O prazo de inspecção constitui uma garantia dos contribuintes.
w) Considerar que o prazo de inspecção se pode prolongar indefinidamente, até à data de caducidade do direito à liquidação, viola uma garantia dos contribuintes, atentando frontalmente contra os princípios da proporcionalidade, necessidade e imparcialidade.
x) Para além de que, torna totalmente inúteis os prazos de inspecção, bem como as condições em que podiam os mesmos serem prorrogados, o que equivale a presumir que o legislador foi distraído e atenta frontalmente com o disposto no art Q°, n.° 3 do v_-
CC.
y) Mais, tal entendimento atenta contra o disposto no n.° 3 do art. 63.° da LGT, preceito que no cumprimento do imperativo da proporcionalidade, definiu os casos restritos em que pode ser efectuado mais do que um procedimento inspectivo, relativo ao mesmo período.
z) O legislador da LGT pretendeu impedir que fossem efectuadas, em regra, várias fiscalizações ao mesmo sujeito passivo relativas ao mesmo período.
aã) Seguindo o entendimento proferido na douta sentença em crise, não poderia a AF efectuar mais do que uma acção inspectiva, porém, poderia realizar, uma inspecção com a duração do prazo de caducidade do seu direito à liquidação, tal seria deixar entrar pela janela aquilo a que o legislador fechou a porta.
bb) Não restam dúvidas de que a ultrapassagem do prazo de inspecção, conduz a que para efeitos de contagem do prazo de caducidade, tudo se passe como se não tivesse sido efectuada inspecção, correndo o respectivo prazo de forma contínua e sem qualquer suspensão.
cc) Mas da prevalência da LGT em face do RCPIT, resulta também o respeito pelo preceituado no referido art. 63.° da LGT, onde se definem os casos restritos em que pode ser efectuado mais do que um procedimento inspectivo relativo ao mesmo período.
dd) A natureza essencialmente reguiamentadora do RCPIT decorre da necessidade de respeito pelas garantias dos contribuintes, consagradas na LGT, mormente com o respeito pelos princípios da legalidade, proporcionalidade, necessidade e imparcialidade, bem como, pelas garantias consagradas no art. 63.° da LGT.
ee) Assim, a interpretação conjugada dos arts. 14.° e 36.°, n.°s 1, 2, e 3, do RCPIT, na redacção anterior à Lei 50/2005, de 30 de Agosto e art. 46.°, n.° 1 da LGT, segundo a qual, a simples ultrapassagem do prazo de seis meses previsto no n.° 2 do artigo 36° do RCPIT para o procedimento de inspecção, não tem efeitos na validade dos actos tributários que sejam praticados com base nas conclusões do relatório de inspecção, é ilegal e inconstitucional por violação do princípio da legalidade consagrado no art. 266.°, n.° 1, e por violação dos princípios da proporcionalidade e da imparcialidade consagrados no n.° 2 da mesma disposição legal da CRP.
ff) Os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes (art. 63°, n.° 1 da LGT).
gg) Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição, (art. 298°, n.° 2 do CC).
hh) O art. 36.°, n.° 2 do RCPIT estabelece um prazo para a conclusão da inspecção, prazo este que é de caducidade, e não se suspende (art. 53.°, n.° 2 do RCPIT).
ii) A "ratio" do instituto da caducidade assenta em razões objectivas de segurança jurídica, (neste sentido, vide, o Acórdão do STA. de 06-02-07 proferido no Recurso n.° 1456).
jj) O prazo para a conclusão da inspecção foi ultrapassado, pelo que a mesma já caducara, por terem decorrido mais de seis meses após o início do procedimento inspectivo, não havendo possibilidade de prorrogação de prazo.
kk) Em matéria de incidência e garantias vigora o princípio constitucional da legalidade e os respectivos corolários da tipicidade fechada e do exclusivismo.
II) A criação de impostos está disciplinada na Lei Fundamental nos normativos da CRP contidos na al. i) do n.° 1 do artigo 168.° na sua conformidade com o artigo 106,°. n°s. 2 e 3.
mm) Enquanto garantia, a caducidade do direito à liquidação terá de subordinar-se a limites temporais precisos quer quanto à preclusão interna quer quanto à preclusão externa.
nn) Daí a relevância do decurso do tempo decorrido depois da prática do acto tributário em que a caducidade se fundamenta em razões de segurança jurídica e de paz social, de certeza dos direitos e das relações jurídicas, de paz familiar e interesse da brevidade das relações jurídicas.
oo) Tendo caducado o prazo para a conclusão da inspecção, todos os actos resultantes da referida acção inspectiva são ilegais, por vício de violação de lei, e em consequência, sempre deve ser anulada a liquidação na base da sentença ora recorrida.
pp) Cabe frisar, que caso a AF pretendesse alterar o âmbito do procedimento
inspectivo, o poderia ter feito com base no art. 15.°, n.° 1 do RCPIT.
qq)Porém, a alteração do âmbito do procedimento inspectivo teria de ser notificada ao sujeito passivo, sob pena de preterição de formalidade essencial, neste sentido, (vide, Acórdão desse Tribunal Central Administrativo de 16-11-2004, proferido no Recurso n.° 01078/03).
rr) Os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados (art. 36.°, n.° 1 do CPPT).
ss) Qualquer decisão procedimental, só produz efeitos com a notificação (n.° 6 do art.77.°da LGT).
tt)A exigência de notificação encontra fundamento no respeito pelo princípio do contraditório, consagrado no art. 45.° do CPPT.
uu)Para que a prorrogação da acção inspectiva pudesse ter sido validamente efectuada, o seu âmbito teria de ser alterado, e tal decisão notificada à ora recorrente, o que não aconteceu.
w) Assim, foi preterida formalidade essencial conducente à ilegalidade da liquidação, pelo que, também pelo ora explanado, não deve a liquidação em causa nos presentes autos permanecer na ordem jurídica.
Termos em que, atentos os factos e fundamentos expedidos, nos melhores de direito e com o douto suprimento V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogada a douta sentença do Tribunal "a quo", na parte em que julgou improcedente a impugnação judicial e, em consequência, anuladas as liquidações efectuadas pelos serviços em sede de IVA do ano de 2000 (meses de Outubro a Dezembro) e respectivos juros compensatórios, com todas as consequências legais daí advindas.
A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública não apresentou alegações.
Não foram apresentadas contra -alegações.
O EPGA pronunciou-se no sentido de que, não se demonstrando as censuras alegadas ou outras à sentença recorrida, deverá ser confirmada e improceder o recurso.
Satisfeitos os vistos legais, cumpre decidir.

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2.-FUNDAMENTAÇÃO

2.1.- DOS FACTOS

O Tribunal « a quo» fixou o seguinte probatório:

“Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:
A)A impugnante foi objecto de uma acção de fiscalização em sede de IVA do ano de 2000, iniciada em 05/11/2003 e concluída em 18/08/2004.
B)A acção de inspecção mencionada na alínea anterior foi objecto de duas prorrogações, nos termos do art. 36° do RCPIT.
C)Aquando da realização da acção de inspecção, a impugnante não tinha entregue a declaração de início de actividade, nos termos do art. 30° do CIVA, e por conseguinte, os serviços de inspecção enquadraram-na, em sede de IVA, no regime normal mensal (atento o disposto na alínea a) do n°l do art.40º do CIVA).
D)Os serviços de inspecção efectuaram correcções de natureza meramente aritmética à impugnante em sede de IVA do ano de 2000 no montante global de €190.939,48, assim discriminado por mês:
Jan Fev Mar Abr Mai Jun
0 8.696,99 34.063,21 22.065,46 23.916,72 23.588,17
Jul Ago Set Out Nov Dez
11.958,36 8.334,61 4.796,16 2.899,00 15.219,73 35.401,07
E) A impugnante exerceu o direito de audição prévia relativamente às conclusões do relatório de inspecção.
F) Com base nesses elementos em 27/09/2004 a administração tributária emitiu a liquidação adicional de IVA n° 0........... no valor de €190.939,48 euros, e respectivas liquidações de juros compensatórios no montante total de €45.820,30.
G) A liquidação de IVA supra identificada foi notificada à impugnante em 08/10/2004.
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Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo em apenso.
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Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.
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2.2. – DA APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS

Prioritariamente, coloca-se nos autos a questão prévia da deserção do recurso da recorrente FP.
As razões em que se funda a deserção do recurso, são as seguintes:
Nos termos do disposto no artº 280º, nº 1, do CPPT, das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância e/ou do TCA cabe recurso, no prazo de 10 dias.
E, as decisões judiciais (sentença, despachos) têm de ser notificados no prazo de 10 dias, sem necessidade de ordem expressa, designadamente ao impugnante, ao assistente, ao Representante da Fazenda Pública, e ao Ministério Público (cfr. art° 126° e 129° do CPPT e 229° n° 2 do Código Processo Civil).
Assim, o prazo para a interposição do recurso é de 10 dias contados da notificação da sentença.
Os recursos são interpostos, processados e julgados como os agravos em processo civil (cfr. o artº 281º do CPPT) e, por força dos n0s 3 e 4 art. 282° «O prazo para alegações a efectuar no Tribunal recorrido é de 15 dias contados, para o recorrente, a partir da notificação referida no número anterior...” e na falta de alegações nos termos do nº 3, o recurso será logo julgado deserto no tribunal recorrido...».
A sentença foi notificada, às partes e ao Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público cfr. fls. 83 a 85 e 87.
Em 21-10-2008, a FP interpôs recurso da sentença por meio do requerimento que se encontra a fls. 89.
Em 27-10-2008, a fls.92, foi proferido despacho de admissão dos recursos.
O dito despacho foi notificado aos ora recorrentes e ao MP.- cfr. fls.93, 94 e 95.
A Fazenda Pública não apresentou as suas alegações.
É, pois, manifesto que o representante da Fazenda Pública não entregou as suas alegações de recurso, pelo que, deve o presente recurso ser Julgado deserto e sem qualquer efeito.
Não obstante, a Mª Juíza ordenou a subida dos autos ao TCAS por despacho exarado a fls. 114.
Todavia, como decorre do artº 687º do CPC, o despacho que admitiu o recurso não vincula o Tribunal superior, pelo que nada obsta que se aprecie e decida agora a deserção do recurso interposto pela FP.
O despacho do juiz recorrido e do próprio relator que admita e declare nada obstar ao conhecimento do recurso, é provisório e não vincula este Tribunal.
E constitui jurisprudência pacífica a de que a decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie, ou determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior (cfr. artº 687º, nº 4 do CPC), ao passo que o despacho do relator no tribunal superior é também provisório por ser modificável pela conferência por iniciativa do próprio relator, dos seus adjuntos e até das próprias partes (vd. B.M.J., 263º-218; 180º-244; 174º-182, 156º-307; 124º-647; 93º-286 e 46º-347).
Procede, assim, a questão prévia ora suscitada determinante da deserção do recurso, o que se julga, condenando-se a recorrente nas custas do incidente a que deu causa com o mínimo de taxa de justiça.
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Atenta a factualidade apurada e aquelas conclusões que delimitam o objecto do recurso, as questões a apreciar e decidir são as de saber se:
a) -Ocorre a nulidade da sentença por omissão de pronúncia e se
b) -Incorre a sentença em erro de julgamento sobre a caducidade do direito à liquidação.
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Sintetizando o conteúdo das pertinentes conclusões:
Afirma a recorrente que na causa de pedir arguiu a violação das disposições articuladas dos artigos 77° n° 6 da LGT e 36° n° 1 do CPPT e o inerente vício de violação de lei daí derivado, mas a sentença omitiu o dever de pronúncia sobre essas questões, (arts. 660° n° 2, 713° n° 2 do CPC e 125° do CPPT).
Não tendo a sentença recorrida tomado posição sobre tais questões de que devia conhecer suscitadas pela parte, nem decidido explicitamente que não podia delas tomar conhecimento, pelo que é nula por omissão de pronúncia (al. d) do n° 1 do artigo 668°do CPC).
No despacho de sustentação exarado a fls. 114 considera o juiz recorrido que foram conhecidos todos os fundamentos invocados pela impugnante, ponto de vista também defendido pelo EPGA.
Concorda-se com o sentido despacho de sustentação e do aprecer do MP.
Com efeito, na sentença identificaram-se como questões a decidir as de saber se a ultrapassagem do prazo previsto no disposto no art.° 36° do RCPIT para o procedimento de inspecção, eventuais ilegalidades das prorrogações da acção inspectiva, bem como o desconhecimento da impugnante dos critérios que presidiram à sua selecção para a acção inspectiva, afectam a validade da liquidação impugnada, e ainda se há caducidade do direito de liquidação.
Sendo certo que o juiz deve conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido ao seu veredicto e cuja apreciação não tenha ficado prejudicada, bem como que só pode conhecer das questões que lhe tenham sido colocadas, com excepção das que sejam do conhecimento oficioso, sob pena, num como noutro caso, de a sentença ficar ferida de nulidade (cfr., para além do já referido art. 125.º do CPPT, os arts. 660.º, n.º 2, e 668, n.º 1, alínea d), do CPC).
A omissão de pronúncia, verifica-se apenas em relação a questões e não em relação a argumentos ou razões invocadas: - as “questões” não se confundem com os “argumentos” ou “razões” pois o tribunal, devendo embora «resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação» e não podendo «ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras» (art. 660.º, n.º 2, do CPC), não está vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes, do mesmo modo que não está impedido de, na decisão, usar considerandos por elas não produzidos.
Regressando ao caso sub judice, é inquestionável que na sentença recorrida o Juiz se pronunciou sobre as questões suscitadas nos autos, e que enunciou no intróito do bloco fundamentador.
É certo que na sentença, ao apreciar essa questão, não são referidos os argumentos jurídicos aduzidos pela entidade impugnada e em favor da sua tese, antes se tendo feito apelo a um diferente enquadramento jurídico da situação fáctica. No entanto, essa opção não constitui nulidade.
A nosso ver, essa opção pode, isso sim, assentar num erro de julgamento de direito, mas este situa-se já no âmbito da validade substancial da sentença. Ora, como é sabido, as nulidades da sentença, previstas no já referido art. 125.º do CPPT, bem como no art. 668.º do CPC, são vícios que se reportam à validade formal da sentença e não à sua validade substancial, motivo por que no rol das causas de nulidade da sentença não se inclui o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário.
Acresce que só há obrigação de conhecer das questões cuja apreciação não tenha ficado prejudicada pela resposta dada a outras (cfr. art. 660.º, n.º 2, do CPC) e como a Srª Juiz «a quo» justificou a falta de decisão mostrando que não lhe passou despercebida a possibilidade de a apreciar, não silenciando a questão em referência, não há omissão de pronúncia.
Por outro lado, face à fundamentação da sentença, ainda que possa afirmar-se, como o faz a recorrente, que a Meritíssima Juíza "a quo" não se pronunciou sobre as questões que elenca nas supra citadas conclusões, é por demais evidente que o conhecimento de tais questões ficou prejudicado pela solução adoptada na sentença dado que nesta se analisou a questão da prorrogação do prazo inspectivo, sustentando-se precisamente na Jurisprudência pacífica e uniforme e no Ac. do STA de 29.11.06, R. 0695/06, como bem refere o EPGA.
É que, só havendo a obrigação de conhecer das questões cuja apreciação não tenha ficado prejudicada pela resposta dada a outras (cfr. art. 660.º, n.º 2, do CPC), vê-se do discurso jurídico da sentença que a Srª. Juiz «a quo» justificou a falta de decisão mostrando que não lhe passou despercebida a possibilidade de a apreciar, não silenciando a questão em referência, pelo que não há omissão de pronúncia.
Termos em que por estes motivos o provimento do recurso somente poderá determinar a revogação da sentença e a anulação do acto da liquidação impugnada e não a anulação daquela.
Donde se conclui que a sentença não está afectada na sua validade jurídica por omissão de pronúncia, não se verificando a arguida nulidade.
Improcedem, pois, as conclusões sob análise.
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Vejamos, então, se a sentença incorreu em erro de julgamento sobre a caducidade do direito à liquidação.
Começou a sentença por questionar em que medida o decurso dos prazos definidos na lei para a acção de fiscalização se repercutem na validade dos actos levados a cabo pelos serviços de inspecção ao ponto de deixarem de fundamentar o acto posterior de liquidação por preterição de formalidade legal.
No ponto, a sentença recorrida fez apelo à doutrina fixada no Acórdão do STA de 29/11/2006, tirado no processo n° 695/061, e disponível no site da dgsi, fazendo a seguinte transcrição:
"....A questão a decidir é esta: a violação do prazo de inspecção constitui ilegalidade autónoma cuja consequência é a ilegalidade das liquidações impugnadas?
(...) Dispõe o art° 46°, 1, da Lei Geral Tributária (LGT):"O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no inicio da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo do seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação.
Dispõe, por sua vez, o art° 36° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT):"1. O procedimento de inspecção tributária pode iniciar-se até ao termo do prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos ou do procedimento sancionatório..."2.O procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início."3. O prazo referido no número anterior poderá, no caso de procedimento geral ou polivalente, ser ampliado por mais dois períodos de três meses nas seguintes circunstâncias...".
Daqui é de concluir que o prazo de inspecção é contínuo, devendo esta ser concluída no prazo de 6 meses, com as excepções previstas no n° 3 deste artigo. E que consequência para a violação de tal prazo?
O citado artigo 46°, n° l da LGT diz-nos qual a consequência: o prazo de caducidade, que estava suspenso, cessa esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início. E esta a consequência. E mais nenhuma.
O legislador pretende que o prazo de inspecção não seja ultrapassado. E, se for ultrapassado, há uma consequência para a administração fiscal. Tudo se passa como se não tivesse sido feita a inspecção correndo o prazo de caducidade continuamente e sem qualquer suspensão. É esta para nós a interpretação dos textos legais e não outra. Demais que o diploma que aprova o RCPIT (DL n° 413/98, de 31/12) vem dizer-nos que a natureza de tal diploma "é essencialmente regulamentadora", o que naturalmente concede primazia à LGT, que é uma lei de valor reforçado. É pois a esta luz que se há-de interpretar o citado art° 36° do RCPIT, compaginado com o já referido art° 46°, l, da LGT.
Resolvida esta questão, perde autonomia e interesse saber se foi ou não ultrapassado o prazo do procedimento de inspecção, isto porque não vem alegado que, na hipótese de tal prazo ter sido excedido, e face ao já citado artº 46º, l, da LGT, tenha havido caducidade do direito de liquidação. Ou seja: não importa extrair quais as consequências, a nível de caducidade, na perspectiva deste normativo (art° 46°, l, da LGT) da eventual violação do prazo de inspecção. Isto porque, como vimos, a recorrente erige a violação do prazo de inspecção como uma ilegalidade autónoma, que tem como consequência necessária a ilegalidade da liquidação.
E é só isto que pretende ver apreciado. Ora, como vimos, não é exacto que a violação do prazo do procedimento tenha a consequência pretendida pela recorrente. É certo que o n° 5 do art° 45º da LGT, na redacção da Lei n° 15/2001, de 5/6, podia conduzir a uma solução eventualmente diferente, exigindo ao menos que se olhasse a questão numa outra perspectiva. Dispunha o citado normativo: "Instaurado o procedimento de inspecção tributária, o direito de liquidar os tributos incluídos no âmbito da inspecção caduca no prazo de seis meses após o termo do prazo fixado para a sua conclusão, sem prejuízo das prorrogações previstas na lei reguladora daquele procedimento, a não ser que antes dessa ocorra a caducidade prevista no prazo geral fixado no n° l". Porém, esta norma foi eliminada pela Lei n° 32-B/2002, de 30/22, pelo que não tem aplicação à hipótese dos autos. A pretensão da recorrente não logra pois êxito." (Sublinhados nossos).
Arrimando-se à transcrita fundamentação do citado aresto, a Mª Juíza veio a concluir que a ultrapassagem do prazo previsto no disposto no art.° 36° do RCPIT para o procedimento de inspecção, eventuais ilegalidades das prorrogações da acção inspectiva, bem como o desconhecimento da impugnante dos critérios que presidiram à sua selecção para a acção inspectiva, não afectam a validade da liquidação impugnada.
Aditou ainda que a ineficácia da notificação do relatório da acção inspectiva também não afecta a validade da liquidação impugnada, a menos que impedisse o exercício do direito de audição da impugnante, que conforme resulta do probatório foi exercido.
Porque se concorda integralmente com esta solução, confirma-se a sentença relativamente a tal questão.
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Enfrentando, seguidamente, a questão da invocada caducidade do direito de liquidação, a sentença partiu do princípio, aceite pela impugnante refere e defendido na jurisprudência dominante, de que o IVA é um imposto de obrigação única por incidir sobre cada transmissão e no momento em que esta ocorre, independentemente do seu apuramento e pagamento assumirem certa periodicidade, evocando, por todos, o Acórdão do STA de 7/5/2003, no Recurso n° 26806 (Pleno da Secção do CT), disponível no site da dgsi.
Revestindo o IVA natureza de imposto de obrigação única, o respectivo dies a quo inicia-se a partir da data em que o facto tributário ocorreu e não no final do ano a que o imposto respeita.
Consoante o disposto no n° 1 do art. 45° da L.G.T., "o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro."
Estatuía, por sua vez, o nº 4 do referido inciso legal, na redacção ao tempo da ocorrência dos factos tributários em discussão nos autos, que «o prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.»
Sobreveio depois a Lei n° 32-B/2002, de 30 de Dezembro – Lei do Orçamento do Estado para 2003- que introduziu nova redacção ao dito preceito legal segundo a qual «O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado, caso em que aquele prazo se conta a partir do inicio ao ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto», (sublinhados nossos).
Como bem assinala a Mª Juíza «a quo», em face do segmento introduzido pela citada Lei n° 32-B/2002, coloca-se a questão de saber se a mesma é de aplicação imediata, designadamente às situações em que o prazo de caducidade ainda estava a decorrer.
Concorda-se com o tratamento dado pela Srª Juíza recorrida, no sentido de que deve convocar-se o n°2 do art. 12° do Código Civil, que estabelece que «quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos», sendo certo que não é de aplicar o segundo segmento da mesma norma, uma vez que no caso concreto a norma não abstrai dos factos que deram origem à relação jurídica constituída.
Pontifica, a propósito, a doutrina que dimana do acórdão do S.T.A. (Pleno da secção do CT) de 07/05/2003, recurso n° 26806, citado na sentença, de acordo com a qual «com a recente alteração ao art° 45° 4 da LGT, por força da Lei n° 32-B/2002, de 30-22, que aprovou o Orçamento do Estado para 2003, o legislador, sem integrar o IVA numa ou noutra qualificação doutrinal pretendeu, apenas, que o prazo de caducidade deste imposto se iniciasse a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto. IV -Tendo esta alteração normativa carácter inovador é, por isso, de aplicação apenas para o futuro.».
Na verdade, a Lei n° 32-B/2002, de 30.12 – Lei do Orçamento para 2003- é aplicável somente aos procedimentos iniciados e aos processos instaurados a partir de 01.01.2003.
E o novo regime não é aplicável ao caso vertente porquanto o artº 45º, nº 4, da LGT ao regular a caducidade do direito à liquidação nos moldes já analisados, instituiu um direito subjectivo em favor do contribuinte sendo, por isso, uma norma material destinada a regular as relações intersubjectivas das pessoas.
Ora, havendo a Lei n.° 32-B/2002, de 30.12 – Lei do Orçamento para 2003, iniciado a sua vigência em 01.01.2003 quando estava a correr o prazo de caducidade contado segundo a regra estabelecida no nº 4 do artº 45º da LGT, que é norma de direito substantivo que, não havendo norma expressa a estatuir a sua aplicação retroactiva, a nova redacção, que se traduziu na supressão do referido nº 4, só rege para o futuro, nos termos do n° l do artigo 12º do Código Civil, sendo por isso aplicável o regime de caducidade consagrado no artº 45º 4º 5 da LGT na redacção introduzida pela Lei nº 15/01.
Vê-se, então, que se trata de um prazo peremptório (cujo decurso sem que o direito seja exercido acarreta a sua extinção), de caducidade (quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, a ausência desse exercício determina a caducidade do direito, segundo o que estatui o n.° 2 do artigo 298.° do Código Civil) e até de conhecimento oficioso, por versar direitos indisponíveis para a Fazenda Pública (artigo 333.°, n.° l deste mesmo Código), contando-se de acordo com as regras estabelecidas no artigo 279.° também do Código Civil (vide o artigo 20.°, n.° l do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
Por isso, a favor da tese da sentença, cabe declarar a caducidade do direito à liquidação nos termos sustentados na sentença, ou seja, no caso concreto dos autos o direito de liquidar o IVA por parte da administração tributária caducava no prazo de quatro anos a contar da data da ocorrência do facto tributário, ou seja, da data da prestação do serviço ou transmissão de bem sujeitas ao imposto (n° 1 do art. 45° da L.G.T.).
Concretizando: -havendo a acção de fiscalização sido iniciada em 05/11/2003 e concluída em 18/08/2004, tendo sido objecto de duas prorrogações, nos termos do art. 36° do RCPIT e visto que a acção de inspecção externa se prolongou por um período superior a seis meses, inexistiu qualquer causa de suspensão desse prazo tendo em conta o que dispõe o n° 1 do art. 46° da Lei Geral Tributária.
Neste particular são válidas as considerações do Cons. Joaquim Gonçalves, vertidas no estudo "A Caducidade face ao direito tributário", Problemas Fundamentais do Direito Tributário, VISLIS, pág. 247-248, citado na sentença recorrida: «quer no caso em que a AF faça uso da faculdade de prorrogação do prazo de procedimento de inspecção, quer no caso em que haja lugar à suspensão do procedimento nos termos do n°4 do art. 57° da LGT, a AF apenas poderá proceder à liquidação dentro do prazo normal de caducidade, visto que a ultrapassagem do prazo de seis meses determina a inutilização, para efeitos de caducidade, do prazo de suspensão e a contagem do prazo de caducidade desde o seu início.»
Ora, patenteando o probatório que:
1º -aquando da realização da acção de inspecção, a impugnante não tinha entregue a declaração de início de actividade, nos termos do art. 30° do CIVA, tendo sido enquadrada, em sede de IVA, no regime normal mensal (atento o disposto na alínea a) do n° 1 do art. 40° do CIVA).
2º -ao longo do ano de 2000 a impugnante liquidou IVA no montante global de €190.939,48.
3º -com base nesses elementos em 27/09/2004 a administração tributária emitiu liquidação de IVA no valor de €190.939,48 euros, acrescida de €45.820,30 euros de juros compensatórios, cujo prazo de cobrança voluntária terminava em 30/11/2004.
4º -esta liquidação foi notificada à impugnante em 08/10/2004,
impõe-se a conclusão, extraída na sentença, de que, aquando da notificação da liquidação já havia decorrido o prazo de quatro anos em relação aos factos geradores do IVA dos meses de Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto e Setembro, cujas liquidações deviam ter sido notificadas à impugnante até 28/02/2004, 31/03/2004, 30/04/2004, 31/05/2004, 30/06/2004, 31/07/2004, 31/08/2004 e 30/09/2004, respectivamente.
E porque, quer a liquidação, como a notificação desta, têm de efectuar-se no prazo de 4 anos seguintes ao da ocorrência do facto gerador do imposto e visto que a liquidação foi efectuada dentro do prazo de caducidade não tendo sido a notificação realizada dentro do mesmo prazo, ocorre a caducidade do direito de liquidar, nos termos do art. 45°, n°1, da LGT.
Constatando-se que as referidas notificações não foram realizadas no prazo de caducidade do direito de liquidação tal inquina o acto de liquidação e constitui vício gerador de anulabilidade de tais actos e constitui fundamento da impugnação (art. 99° do CPPT).
Assim sendo, não merece qualquer censura a consequência extraída na sentença quanto à procedência da impugnação no que respeita ao IVA dos meses de Fevereiro a Setembro de 2000, inclusive, e de que o acto de liquidação adicional referente ao ano de 2000 deve ser anulado parcialmente, e nessa medida, bem como as correspondentes liquidações de juros compensatórios.
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Do que ficou dito e na senda do parecer do EPGA quanto aos alegados e supostamente violados direitos e garantias e os princípios constitucionais da legalidade, proporcionalidade e imparcialidade, resulta que, por adesão à doutrina do Ac. do STA de 10.12.08, R. 080/08, "I - O procedimento de inspecção parcial ou univalente não pode ser prorrogado -artigos 14°, n°1, e 36° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária. II -Tal prorrogação determina a caducidade da inspecção. III -Esta não sequência necessariamente, a se, a ilegalidade da liquidação mas apenas a cessação do efeito suspensivo da própria inspecção, pelo que corre, então, desde o início, o prazo de caducidade da liquidação - artigo 46,°, n° l, da Lei Geral Tributária. IV -Tal interpretação, nos termos da qual e em síntese, a inobservância dos prazos legalmente definidos para a inspecção apenas relevam directamente em sede de caducidade da liquidação, não ofende os princípios constitucionais da legalidade, proporcionalidade e imparcialidade."
Nesse sentido, também o Tribunal Constitucional já decidiu "Não julgar inconstitucional a norma do artigo 36°, n° 2, do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária, (aprovado pelo Decreto-Lei n° 413/98, de 31 de Dezembro, com as alterações posteriores), quando interpretada no sentido de que a ultrapassagem do prazo aí fixado não determina a caducidade do procedimento de inspecção tributária nem a invalidade dos actos de liquidação fundados em procedimento cuja duração excedeu a legalmente fixada", cfr. Ac. de 25.11.08, R. 1171/07.
Improcedem por isso e «in totum» as conclusões do recurso.
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3. - DECISÃO:
Termos em que acordam os Juízes deste TCA em:
a) -Julgar deserto o recurso interposto pela Fazenda Pública que se condena em custas do incidente com um mínimo de taxa de justiça;
b) -negar provimento ao recurso interposto da impugnante, confirmando a sentença recorrida, condenando a recorrente nas custas processuais.
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Lisboa, 12/05/2009
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Manuel Malheiros)