Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05929/01
Secção:Contencioso Administrativo - 1º Juízo Liquidatário
Data do Acordão:04/20/2006
Relator:Gonçalves Pereira
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR
PRESCRIÇÃO
SANÇÃO DISCIPLINAR
Sumário:1) Não se encontra prescrito o procedimento disciplinar, por força do disposto no artigo 4º nº 2 do Estatuto Disciplinar, se ainda não decorreu o prazo de 3 meses entre a verificação da relevância jurídica da falta cometida e a instauração do procedimento.
2) A apresentação como seu, a uma prova final de Internato Complementar, de um currículo profissional parcialmente plagiado do currículo de uma colega, constitui falta grave denunciando deslealdade, dolosamente cometida e uma fraude à presunção da igualdade entre os candidatos.
3) Pelo que lhe corresponde a sanção de inactividade, prevista no artigo 25º nº 1 do citado Estatuto.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam os Juizes do 1º Juízo, 1ª Secção, do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. Pedro ...., casado, médico, residente na Rua..., concelho de Tomar, veio recorrer contenciosamente do despacho do Ministro da Saúde, proferido em 16/7/2001, que negou provimento ao recurso hierárquico que interpusera do acto, de 17/12/99, do Inspector Geral da Saúde, mantendo a pena disciplinar de inactividade graduada em um ano, aplicada ao recorrente.
Na óptica do impugnante, o despacho recorrido violou o disposto nos artigos 3º nºs 1, 4 b), e 6; 25º nº1; 28º; 29º a) e b); 30º e 33º, todos do DL nº 24/84, de 16/1, requerendo a final a extinção do procedimento disciplinar por prescrição e amnistia ou, em alternativa, a sua suspensão pelo prazo de um ano.
Juntou procuração forense (fls. 8).
Respondeu a autoridade recorrida, defendendo a legalidade do despacho que proferira e juntando o Processo Administrativo.
Em alegações, as partes mantiveram as respectivas posições.
O Exmº Procurador Geral Adjunto neste Tribunal pronuncia-se pelo improvimento do recurso.
Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência.

2. Os Factos.
Com base na documentação junta ao Processo Administrativo apenso e interesse para a decisão da causa, considera-se provada a seguinte factualidade:
a) O Dr. Pedro Cruz Pires, que se encontrava a frequentar o Internato Complementar no Hospital Distrital de Abrantes (HDA), solicitou em Maio de 1996 à sua colega Drª Fernanda Coutinho que lhe cedesse o respectivo curriculum vitae apresentado, no ano anterior, no exame da especialidade, para estudar a forma de elaborar o seu próprio currículo (fls. 55 e 56).
b) Em Dezembro de 1996, o mesmo Dr. Pedro Cruz Pires entregou para apreciação pelo júri do exame final do internato, como se tratasse de obra original, e como tal avaliado em 27/2/97, o seu currículo, que elaborara parcialmente decalcado do da sua citada colega (fls. 63).
c) Em 12/3/97, o Conselho de Administração do HDA deliberou comunicar o ocorrido ao Conselho Nacional dos Internatos Médicos (fls. 5).
d) Em 2/4/97, o CNIM comunicou ao Director do HDA concordar com a não homologação das actas de avaliação final do internato complementar, e a lista de classificação final (fls. 4).
e) Por ofício de 30/4/97, o Director do HDA comunicou o sucedido ao Inspector Geral da Saúde, acrescentando que o recorrente confessara ao Director Clínico ter plagiado alguns extractos do currículo (fls. 1).
f) Esse ofício foi acompanhado de uma declaração passada em 29/4/97 pela Comissão de Averiguações constituída por proposta da Comissão Nacional dos Internatos Médicos que, depois de analisar detalhadamente os 2 currículos, comparando-os, concluiu haver um decalque substancial no relato da formação realizada nos serviços comuns - Medicina Interna do HDA e Serviço de Hematologia do Hospital dos Capuchos (fls. 3).
g) Por despacho de 16/6/97, o Inspector Geral da Saúde ordenou a instauração de processo disciplinar contra o referido Dr. Pedro Cruz Pires (fls. 9).
h) Em 15/7/98, foi deduzida acusação contra o mencionado arguído, incurso na violação do dever geral de zelo, referido no artigo 3º nºs 1 e 4, alínea b), e 6 do Estatuto Disciplinar (ED) aprovado pelo DL nº 24/84, de 16/1, cometendo assim na infracção disciplinar prevista no seu artigo 25º nº 1, à qual corresponde a pena de inactividade (fls. 67 a 74).
i) Apresentada a defesa e produzidas as diligências complementares, foi elaborado o Relatório Final, onde se propôs a aplicação da pena de 1 ano de inactividade, uma vez que o arguído não possuía antecedentes disciplinares (fls. 151).
j) Por despacho de 17/7712/99 do Inspector Geral da Saúde, foi aplicada ao arguído a pena de inactividade graduada em um ano, por concordância com as conclusões e propostas contidas no Relatório Final citado (fls. 153).
k) Em 19/1/2000, o Dr. Pedro Cruz Pires interpôs recurso hierárquico desse despacho para a Ministra da Saúde, requerendo a extinção do procedimento disciplinar por prescrição e por amnistia ou, em alternativa, a suspensão da pena aplicada (fls. 166 a 170).
l) Em parecer de 6/7/2001, o Gabinete Jurídico e de Contencioso da Secretaria Geral do M. Saúde propôs o indeferimento do recurso (fls. 202 a 209).
m) Sobre ele foi proferido o seguinte despacho pelo Ministro da Saúde: “Concordo. Nego provimento ao recurso e mantenho a pena de inactividade por um ano, com base nos argumentos explanados no presente parecer. 16.07.01. António Correia de Campos (fls. 2002).

3. O Direito.
Inconformado com o indeferimento do recurso hierárquico que interpusera para a Ministra da Saúde, veio o interessado recorrer contenciosamente, renovando os mesmos argumentos.
Começa, assim, por invocar a prescrição do procedimento disciplinar, por a falta ter sido cometida em 26/2/97 (data do exame) e ter tido relevância disciplinar em 4/3/97, sendo o processo disciplinar instaurado apenas em 16/6/97, ou seja, já depois de decorrido o prazo de 3 meses, previsto no artigo 4º nº 2 do ED.
Vejamos se tem razão.
A norma deste nº 2 do artigo 4º prevê a prescrição de curto prazo se, conhecida a falta pelo dirigente máximo do serviço, não for instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 3 meses.
Ora mostra-se provado que, embora tivesse sido avaliado em 27/2/97 o currículo confessadamente plagiado, só em 12 de Março foi comunicado o ocorrido ao CNIM que, em 2 de Abril, concordou com a não homologação das actas de avaliação final do internato; e em 30 de Abril foi participada a falta ao Inspector Geral da Saúde, que mandou instaurar o processo em 16 de Junho.
No caso sub judicio, só efectuadas as averiguações a que se procedeu no HDA e cujo resultado foi participado ao Inspector Geral da Saúde em 30/4/97, era possível ao dirigente máximo do serviço tomar conhecimento da relevância jurídica da falta cometida.
Pelo que, no momento em que foi instaurado o processo disciplinar em 16/6/97, não estava decorrido o aludido prazo de 3 meses, pelo que não se encontra verificada a prescrição do procedimento disciplinar.

4. Seguidamente, pede o recorrente a extinção do procedimento por amnistia, face ao disposto no artigo 7º da Lei nº 29/99, de 12 de Maio, considerando que à conduta praticada se aplicaria a pena disciplinar de suspensão, prevista no artigo 24º nº 1, alínea a), do ED; e não a de inactividade, contida no artigo 25º nº 1 do mesmo diploma.
Na óptica do recorrente, portanto, o plágio parcial do currículo da colega apresentando como seu ao exame um trabalho de outra médica interna, seria uma falta menor, consequente de negligência ou desinteresse pelo cumprimento dos seus deveres profissionais, por fornecimento de informação errada ao júri de avaliação.
Não se pode concordar, porém , com tal ponto de vista.
A apresentação do currículo profissional a uma prova final de avaliação do Internato Complementar é um acto demasiado sério e importante, quer para o candidato, quer para os serviços hospitalares, para que seja admitido o se plágio por trabalho idêntico de uma colega.
A matéria encontrava-se ao tempo regulada na Portaria nº 695/95, de 30/6, em execução do DL nº 128/92, de 4/7, e previa no seu artigo 63º nº 3 a remessa dos currículos dos candidatos aos membros do júri, para competente apreciação.
Acrescentando-se no artigo 64º nº 1 que a prova curricular se destinava a avaliar a trajectória profissional do candidato ao longo do processo formativo, consistindo na apreciação e discussão do curriculum vitae.
Ora, ao fornecer ao júri para avaliação, como seu, um currículo parcialmente decalcado de trabalho elaborado no ano anterior por uma colega, o recorrente não só estava a cometer um acto de deslealdade para com esta, como também minimizou a sua capacidade de intervenção, substituindo a sua própria trajectória profissional ao longo do processo formativo pela daquela sua colega, nos pontos inquinados pelo plágio cofessadamente cometido.
Tratou-se, pois, de uma falta disciplinar grave, dolosamente cometida que, não obstante ser produto da leviandade do arguído, não deixa de constituir uma fraude à avaliação pública do processo formativo no internato médico, com violação da ética e da presunção de igualdade entre todos os candidatos.
Por isso, à falta cometida não corresponde, como pretende o recorrente, a mera pena disciplinar de suspensão, mas sim a de inactividade, por ter atentado gravemente contra a dignidade e prestígio do médico formando e, reflexamente, do corpo clínico e dos serviços do HDA.
Não há, assim, razão para considerar amnistiada a infracção praticada por força da aplicação do artigo 7º da Lei nº 29/99.
Nem se provou a circunstância atenuante especial de prestação de mais de 10 anos de serviço com exemplar comportamento e zelo porque, como consta do registo disciplinar do recorrente junto a fls. 16 do Proc. Adm., contava em 28/7/97, apenas 6 anos e 181 dias como tempo de serviço na função pública.
Por conseguinte, não se justifica a pretendida atenuação extraordinária, prevista nos artigos 29º e 30º do Estatuto Disciplinar.
Não padecendo, pois, de qualquer dos apontados vícios o acto recorrido, vê-se o presente recurso contencioso votado ao insucesso.

5. Pelo exposto, acordam no 1º Juízo, 1ª Secção, do TCAS em negar provimento ao recurso interposto pelo Dr. Pedro ...., mantendo o despacho recorrido.
Custas a cargo do recorrente, com taxa de justiça que vai graduada em 200 € e procuradoria em metade.

Lisboa, 20 de Abril de 2 006