Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02674/08
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:02/10/2009
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE IRC.
CONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO DA DÍVIDA NO PROCESSO DE IMPUGNAÇÃO.
VIOLAÇÃO DO DIREITO DE AUDIÇÃO CONSAGRADO NO ARTº 60º DA LGT.
FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE.
Sumário:I) -Nos termos do artigo 175° do CPPT deverá o tribunal ad quem conhecer oficiosamente da prescrição da obrigação tributária, assim como dos factos materialmente relevantes para a sua contagem.

II) -Constituindo a prescrição uma excepção peremptória, em que o facto relevante (decurso de determinado prazo) dá origem à extinção do efeito jurídico inicialmente pretendido (cumprimento da obrigação tributária), nada obsta a que possa ser suscitada em impugnação, desde que existam nos autos que o permitam, visando não o acto formal de liquidação mas a obrigação tributária, independentemente de esta ter dado azo ou não a uma liquidação.

III) -E a AF não está obrigada, por força da existência do direito de audição, a atender aos argumentos vertidos pelo impugnante, caso não se demonstre sem margem para dúvidas, que efectivamente os pressupostos de base das correcções não existiam, não se podendo afirmar que o princípio da participação não foi respeitado.

IV) -O direito do interessado na participação da formação do acto de que é destinatário só será verdadeiramente violado se através dessa participação houver a possibilidade, ainda que ténue, de o interessado vir a exercer influência, quer pelos esclarecimentos prestados, quer pelo chamamento da atenção de certos aspectos de facto e de direito, na decisão a proferir, no termo da instrução.

V) -A formalidade da audição degrada-se em não essencial, não sendo, por isso, invalidante da decisão, nos casos em que não tem a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, o que impõe o aproveitamento do acto – utile per inutile non viciatur – visto que a audiência dos interessados não é um mero rito procedimental.

VI)- O art.° 77º, n.° 1 da LGT permite que a fundamentação consista em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

VII) -Suficientes têm de ser os fundamentos no sentido de aptos a dar a perceber o processo lógico e jurídico que levou à decisão consubstanciada no acto concretamente praticado. Daí que se deve ter como insuficiente a fundamentação só de facto ou só de direito, ou meramente conclusiva ou vagamente qualificativa de factos não expressamente indicados.

VIII) -Congruentes, ou não contraditórios, na terminologia da lei (cfr. nº 3 do artigo 124º do CPA), significa que, relacionados com a concreta decisão tomada, a deduzir deles, os elementos fundamentadores se mostram logicamente aptos a que a decisão deles se extraia.

IX) - Perante o que se conclui que a decisão motivada nos termos descritos em I) não indica, com clareza e congruência, os elementos de facto e de direito que determinaram a liquidação.

X) -A fundamentação tinha de conter um esclarecimento concreto suficientemente apto para sustentar a decisão, não podendo assentar em meros juízos conclusivos ou em factos que os não suportam, sob pena de ficar prejudicada a compreensão da sua motivação e, consequentemente, qualquer das suas funções que são as de acautelar, por banda da Administração, a adequada reflexão na decisão a proferir e, por parte do administrado, uma opção esclarecida entre a aceitação e a eventual impugnação de uma tal decisão
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:34
Recurso nº 2674/08
Acordam nesta Secção do Contencioso do Tribunal Central Administrativo Sul:

I-RELATÓRIO

I – N.............., LDª, com os sinais identificadores dos autos, impugnou judicialmente a liquidação do IRC relativo aos anos de 1994 a 1997.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria julgou a impugnação improcedente.
Inconformada com tal decisão, a impugnante interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
1) Vem o presente recurso da douta decisão, que julgou improcedente a impugnação judicial.
2) Entende a recorrente que face às diversas causas de pedir e à matéria de facto dada como assente e aquela cuja ampliação se torna imperativo, deveria a impugnação ter sido julgada procedente.
3) Quanto ao vício de preterição de formalidades legais: a recorrente centrou a sua alegação no facto da Administração Fiscal não ter enviado um projecto de conclusões de relatório donde constassem os factos sobre os quais era suposto o exercício do direito de audição.
4) A Administração Fiscal, no projecto remetido, apenas afirma "no âmbito do processo de averiguações efectuado à firma T............. –T........./ Lda., foram apurados factos que indiciam a utilização de facturas que não titulam verdadeiras prestações de serviços, tendo sido reunidas provas qualificativas de se se tratarem de operações simuladas ".
5) Sem identificar o que quer que fosse e assim impedindo a impugnante de exercer o seu direito legítimo de audição na posse de todos os elementos pertinentes para o efeito.
6) Ora, como a própria Administração Fiscal vem depois a afirmar que "apreciados os argumentos constantes do referido termo de declarações...não existem elementos ou factos determinantes para alterar os valores descritos, razão pela qual se deverão manter as propostas efectuadas no âmbito do IVA e do IRC ", facilmente que se concluiu que os elementos de facto aduzidos posteriormente nas conclusões do relatório já eram do conhecimento daquela que, deste modo, impediu a Impugnante de exercer cabalmente o direito constitucionalmente consagrado de participar na formação das decisões e deliberações que lhes disserem respeito.
7) A lei exige que o contribuinte conheça antecipadamente os argumentos e tenha a possibilidade de os refutar.
8) Se, porventura, aquela coincidência não se verificar ou porque o contribuinte invocou novos factos ou porque o órgão competente se fundou em argumentos não considerados no projecto de decisão, haverá sempre que proceder a nova audição do contribuinte a fim de este ter oportunidade de se pronunciar sobre o novo argumento em questão.
9) Está o acto assim inquinado do vício de preterição de formalidade legal: a) na medida em que, a notificação aos interessados deve fornecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o que no caso, não se verificou; b) porque a considerar-se o alegado no artigo anterior haveria que proceder-se a nova audição do contribuinte, o que no caso, também não ocorreu.
10) Subsidiariamente, a considerar-se que se está perante uma das situações ante referidas, então o acto tributário padece ainda de outra preterição de formalidade legal.
11) Segundo o art.° 60°, n° 6 da LGT, os elementos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.
12) " De harmonia com o preceituado no n.° 6 deste art. 60.°, se o titular do direito de audiência, no exercício deste direito, suscitar elementos novos, eles deverão ser considerados na fundamentação da decisão. A apresentação destes elementos novos, se se tratar de elementos atinentes à matéria de facto, poderá justificar a realização de novas diligências que deverão ser realizadas, oficiosamente ou a requerimento dos interessados, caso se devam considerar como convenientes para apuramento da matéria factual em que deve assentar a decisão (arts. 58.° da L.G.T. e 104.° do C.P.A.).
13) A obrigatoriedade de ter em conta estes elementos novos, na fundamentação da decisão, traduz-se em eles deverem ser mencionados e apreciados ", sendo que: " A falta de apreciação dos elementos factuais ou jurídicos novos invocados pelos interessados constituirá vício de forma, por deficiência de fundamentação, susceptível de levar à anulação da decisão do procedimento " (Cfr. art° 60° da LGT anotada e comentada pelos Senhores Juízes Conselheiros Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa e pelo Professor Diogo Leite de Campos).
14) Ou nos dizeres de António Lima Guerreiro in Lei Geral Tributária, anotada, no comentário ao art.° 60°: " Os elementos novos trazidos pelo contribuinte no exercício do direito de audição introduzem um novo momento da fundamentação - ou a obrigatoriedade de uma tripla fundamentação - do acto tributário ou em matéria tributária: a que se reporta ao projecto de decisão sobre que incidiu a audição, além da que se reporta aos novos elementos trazidos pelo contribuinte e da que se reporta à decisão final. Só assim se pode considerar integralmente cumprido o dever de fundamentação a que se refere o artigo 77° da presente lei ".
15) E mesmo para quem entenda, com quem, desde já, não concordamos, que a fundamentação não tem de responder a toda e qualquer alegação, de facto e/ou de direito, feita por um particular no âmbito da respectiva audiência, o certo é que, a Administração deverá, ao menos, tomar em consideração, justificando a sua rejeição, os pontos de vista apresentados que possam constituir alternativas defensáveis, da perspectiva do interesse público que caiba ao órgão administrativo competente para a decisão curar, à decisão concretamente tomada. " Com efeito, este parece-nos ser um corolário imediato do princípio da proporcionalidade e um factor importante de transparência administrativa - dois objectivos caros ao princípio da participação procedimental dos interessados. Além disso, e tendo presente que a valoração dos interesses adquiridos para o procedimento não consubstancia um juízo puramente cognoscitivo, antes está ordenada à ponderação, selecção e escolha dos interesses que devem prevalecer no caso concreto - sendo este o núcleo determinante da decisão -, deve o órgão competente para a decisão dar conta, na exteriorização das razões determinantes do acto que praticou, dos principais interesses que teve de considerar e dos motivos que o levaram, no caso concreto, a preferir uns em detrimento dos outros. Verifica-se, por, conseguinte, um alargamento da fronteira da suficiência formal: as razões determinantes do acto devem explicar a necessidade do sacrifício de interesses dos particulares que estes tenham querido preservar, desde que os mesmos sejam atendíveis no círculo de interesses delimitado pela norma da competência exercida. Só desse modo pode um destinatário normal, colocado na situação concretamente decidida pelo acto a fundamentar, compreender as respectivas razões.
16) De acordo com o Ac. do STA, Secção de Contencioso Tributário, de 7.12.2005, Processo n° 01245/03: "O artigo 60° n° 6 da LGT deve ser interpretado no sentido de que a Administração Fiscal está obrigada a pronunciar-se sobre os elementos novos, quer de facto, quer de direito, trazidos ao procedimento pelo contribuinte ou interessado em sede de direito de audição, sob pena de anulação daquela decisão administrativa, por vício de forma por deficiência de fundamentação".
17) E o certo é que, o contribuinte ora recorrente, em direito de audição exercido, suscitou elementos, face ao projecto de relatório que lhe foi remetido, que não foram tidos em conta na fundamentação da decisão, sendo certo que o exercício da audição prévia terá que ter um tratamento de facto e de direito por parte da AF, o que significa que, na fundamentação do despacho final, terão que estar invocadas as razões que justificam a improcedência da motivação invocada pelo contribuinte em sede de audição prévia, devendo dar-se como assente:
a) A impugnante exerceu o seu direito de audição, nos termos que melhor constam do auto de declarações, constante de fls.
b) Pela Administração Fiscal foi referido o seguinte: apreciados os argumentos constantes do referido termo de declarações/ é nossa convicção que não existem elementos ou factos determinantes para alterar os valores descritos, razão pela qual se deverão manter as propostas efectuadas no âmbito do IVA e do IRC.
18) E por se tratarem de elementos atinentes também à matéria de facto, impunha-se a realização de diligências promovidas oficiosamente, tanto mais que a Administração Fiscal não considerou o alegado como inconveniente ou como desnecessário para o apuramento da matéria do processo administrativo -tributário.
19) Quanto ao vício de falta de fundamentação: a fundamentação é consubstanciada pelo discurso verbalizado pela administração como suporte constituinte da decisão administrativa. Nesta perspectiva, estamos perante uma externação formal das razões de facto e de direito que hão-de ser contemporâneas ou coetâneas da decisão administrativa e constituintes da mesma, não podendo considerar-se como legítimas aquelas que, ainda que porventura, com um sentido integrador do sentido da sua anterior declaração, apenas sejam produzidas e invocadas posteriormente. Numa formulação que traduz apenas a síntese do que a doutrina mais autorizada escreveu sobre a matéria, poderemos repetir que a fundamentação se consubstancia num discurso funcional externado pela administração, expresso, formal, explícito, contextual, com capacidade para dar a um destinatário normal, colocado na situação concreta do destinatário do acto as razões "justificantes" e "justificativas" (sob o ponto de vista formal) da concreta decisão administrativa, o que no caso não se verifica de todo.
20) Pois não identifica concretamente a quem pertencem os números de identificação fiscal inválidos, nem tão pouco identifica os terceiros que requisitaram nas tipografias e bem assim qual a forma de contabilização dos pagamentos, como aferiu da falta de capacidade económica e técnica dos emitentes e da existência do mesmo tipo de letra nas facturas, o que entende por significativo número de emitentes em incumprimento fiscal, o que entende por inconsistente contabilização dos pagamentos das facturas e finalmente quais as facturas que não cumprem os requisitos legais.
21) O acto tributário padece, pois, da ilegalidade de vício de forma por falta de fundamentação, violando o disposto nos art°s 77° da LGT e 1°, n°s 1 e 2 do D.L. n° 256-A/77, de 17 de Junho, porquanto não permite a um destinatário normal, colocado na situação concreta do contribuinte, conhecer o íter cognoscitivo e valorativo prosseguido pelo autor do acto para o conformar nos termos em que o conformou.
22) A AF tem o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a levou a considerar determinada operação como simulada, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte (atento o princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito), só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente.
23) Não logrando a AT fazer a prova do bem fundado da formação do seu juízo, isso tem de ser valorado contra ela e é obstativo da análise sobre se a impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a existência dos factos tributários que subjazem à dedução de imposto que efectuou.
24) A AF, na óptica da recorrente não conseguiu assacar à impugnante um único erro que seja, socorrendo-se tão somente de alegações indemonstradas, que têm em si um significado mais do que duvidoso para em si mesmos permitirem efectuar uma tributação como a que está em causa.
25) Não pode o Fisco alegar contra a impugnante factos insusceptíveis de contraditório para a coberto deles a tributar, lesando-a, pois a impugnante desconhece integralmente a dimensão dos factos alegados, o que equivale a privá-la do exercício do direito de defesa, ao arrepio do disposto nos arts. 20° e 268° da CRP.
26) Os indícios identificados não são decisivos para concluir, de forma sustentada e convincente, pela "falsidade" das facturas quanto ao respectivo emitente, posto que, todos os indícios são estranhos à impugnante e escapam razoavelmente ao seu controlo, posto que se trata de uma empresa que contrata subempreiteiros e é sabido que estes por vezes trabalham em equipas, em situações que corporizam, frequentemente, verdadeiras sociedades irregulares não colectadas nem registadas em sede de IVA e que, quando confrontados com este facto, tentam livrar-se das suas responsabilidades fiscais.
27) Indiciação suficiente é a verificação suficiente de um conjunto de factos que, relacionados e conjugados, gerem a convicção de que, com a discussão ampla em audiência de julgamento se poderão vir a provar em juízo de certeza e não de mera probabilidade, os elementos constitutivos da infracção por que os agentes virão a responder" (Ac. do STJ de 92-12-10, Processo n° 427747).
28) Fácil se tornando concluir, no caso presente, pela não existência de verdadeiros indícios, mas apenas por uma amálgama de afirmações genéricas, inconsistentes e indemonstradas que o Tribunal recorrido erradamente acolheu.
29) O entendimento que foi seguido pelo tribunal é o de que a AF está dispensada de proceder a uma maior concretização do que a feita nos referidos termos, sem que tenham sido, sequer, invocados factos que permitissem uma apreciação em concreto das circunstâncias de "tempo, modo e lugar" em que aqueles ocorreram.
30) O juízo da AT não assenta, pois, em fundamentos sólidos que permitam com razoável certeza concluir que as facturas não foram emitidas por quem prestou o serviço.
31) Mas não obstante, o certo é que a impugnante logrou fazer a prova de que as facturas correspondem a fornecimentos e prestações de serviços efectivamente ocorridos, pelo que, os actos impugnados padecem de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, bastando para tal constatar-se no teor dos depoimentos das testemunhas Maria F................, Maria da .................., Carlos ......................., José ................. e G................., acima transcritos, e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.
32) Face ao regime legal aplicável encontram-se actualmente prescritas as dívidas de IRC de 1994 a 1997, assim ocorrendo a extinção do direito do Estado à sua cobrança por via executiva.
Termos em que e nos mais de direito, se requer a Vossas Excelências que se dignem revogar a douta sentença recorrida e, consequentemente determinar-se a procedência da impugnação, com todas as legais consequências.
Não foram produzidas contra – alegações.
O EPGA emitiu a fls. 318 parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Os autos vêm à conferência após recolha dos vistos legais.
*
2. -FUNDAMENTAÇÃO
2.1.- DOS FACTOS:
Em face dos elementos juntos aos autos, e com base no teor dos documentos identificados em cada uma das seguintes alíneas, bem como nas regras de experiência comum, consideraram-se provados e não provados os seguintes factos na sentença recorrida, com interesse para a decisão da causa que:
1. A impugnante dedica-se à actividade de "prestação de serviços de limpeza", com o CAE 74700, e o NIF ................ e encontra-se registada no Serviço de Finanças de .............. - cfr. fls. 16 e 96 dos autos.
2. No seguimento das ordens de serviço n° 31828 de 15/06/1998 os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de ............ procederam a uma acção inspectiva à escrita de Impugnante desencadeada na sequência da visita de fiscalização externa efectuada à firma "T............ – T............ Lda.," com sede no mesmo local e com sócios comuns - cfr fls. 99 dos autos e pág. 2 do respectivo relatório.
3. Do relatório elaborado no âmbito da acção inspectiva supra identificada consta a pág. 3 - fls. 100 dos autos - que e cito:
3.1."III - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável
(...)
Com efeito a análise casuística realizada aos documentos emitidos, aos livros de escrituração, às requisições de tipografias e ainda as consultas do sistema informático da DGCI, permitem concluir relativamente aos emitentes um significativo número de factos anómalos e indiciadores da não veracidade das facturas e transacções em causa. Assim, comprovamos (entre outras):
- A existência de vários números de identificação fiscal inválidos;
-Existirem requisições junto das tipografias efectuadas por terceiros não autorizados;
- Inconsistente contabilização dos pagamentos dessas facturas;
-A falta de capacidade "económica e técnica por parte de alguns fornecedores para prestarem os serviços descritos que não exerceram qualquer actividade no sector em causa;
-A emissão de facturas sem sequência cronológica e com modelos diversos por fornecedor, que não cumprem igualmente com a forma legal reclamada pelos artigos 19° e 35° do CIVA,
- A existência do mesmo tipo de letra em documentos de diferentes emitentes;
- Significativo número de emitentes com incumprimento das obrigações fiscais. "
3.2. "B. Imposto Sobre o Rendimento da Pessoas Colectivas - Exercício de 1994, 1995, 1996 e 1997-B.1. Exercício de 1 996 -Q17 -Linha 12- IRC
O contribuinte acresceu ao 077 a importância de 1.012. 193$00, referente a IRC, quando deveria ter acrescido a importância contabilizada ma conta 69-Custos e Perdas extraordinárias, no montante de 1.102.193$00, pelo que se deverá acrescer ao Lucro Tributável Declarado a diferença apurada de 90. 000$00, não aceites como custos nos termos do art. 41° n°1 do CIRC. B.2. Custos Não Aceites nos termos do art. 23° do CIRC
Relativamente às facturas mencionadas no ponto A. 1., da presente informação sobre as quais existem fortes indícios de se tratarem de operações simuladas, a firma contabilizou custos nos exercícios de 1994, 1995, 1996 e 1997 nos montantes respectivos de 1.418.000$00, 7.827.480$00, 18.699. 750$00 e 26.461.427$00 não aceites como custo face ao teor das anomalias descritas no ponto III -cfr. fls. 106 e 107 dos autos (pág. 9 e 10 do relatório de inspecção identificada em 2. deste probatório).
4. Em 30/03/1999, foi endereçada carta à aqui impugnante pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de ............, dando-lhe prazo para, querendo, exercer o direito de audição, tendo-lhe sido enviado cópia do projecto de relatório conforme documento 6, junto à petição inicial - cfr, fls. 75 dos autos.
5. Conforme consta do sistema de cobrança de IR - Consultas Gerias - Liquidação de IRC foi liquidado à aqui Impugnante os seguintes montantes:
5.1. Esc.: 908,722, para o ano de 1994, cuja data limite de pagamento ocorreu em 04.08.1999, remetido através do registo privativo n° 814684, com data de registo dos CTT de 24.06.1999;
5.2. Esc. 4.326,179, para o ano de 1995, cuja data limite de pagamento ocorreu em 04.08.1999, remetido através do registo privativo n° ......., com data de registo dos CTT de 24.06. 1999;
5.3. Esc.: 9,066,492 para o ano de 1996, cuja data limite de pagamento ocorreu em 04.08.1999, remetido através do registo privativo n° ........., com data de registo dos CTT de 24.06. 1999;
5.4. Esc. 10,872,673 para o ano de 1997, cuja data limite de pagamento ocorreu em 04.08.1999, remetido através do registo privativo n° ............, com data de registo dos CTT de 24. 06. 1999
Tudo conforme fls. 117 a 124 dos autos.
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No tocante aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se, em primeira linha, na prova documental junta aos autos, em concreto no teor dos documentos indicados em cada uma das alíneas supra.
Da prova testemunhal produzida resulta confirmado no essencial, os factos articulados na petição.
As testemunhas são empregadas por conta da Impugnante, responsáveis pela contabilidade desta e fornecedores dos serviços em causa nos autos, situações que lhes ministra ou é susceptível de ministrar interesse e que compromete a isenção dos depoimentos.
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Factos não provados
Não se provaram outros factos que, em face das possíveis soluções de direito, importe registar como não provados.
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2.2. – DA APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS
Atenta esta factualidade e aquelas conclusões que delimitam o objecto do recurso vejamos agora a sorte deste em que a questão decidenda se desdobra nas seguintes vertentes, cuja apreciação e decisão prejudica todas as demais que de forma directa ou meramente argumentativa sejam suscitadas
a) -Saber se está prescrita a dívida (conclusão 32ª).
b) -Saber se houve preterição de formalidades (conclusões 4ª a 9ª);
c) -Saber se foi violado o direito de audição consagrado no artº 60º da LGT (conclusões 11ª a 18ª);
d) -Saber se ocorre a falta de fundamentação do acto tributário impugnado (conclusões 19ª a 21ª);
e) -Saber se ocorre o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto (conclusões 22ª a 31ª);
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Assim: -

Da prescrição da dívida
Afirma a recorrente (conclusões 32ª) que neste momento já se mostra prescrita a dívida de IRC de 1994 a 1997 face ao disposto no art. 34 do CPT, importando, após fixação dos factos atinentes, declarar a prescrição da obrigação tributária, questão de conhecimento oficioso, como pressuposto da decisão sobre a não manutenção de utilidade no prosseguimento da lide, a implicar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide de harmonia com o disposto no artigo 287° alínea e) do CPC, assim se devendo dar provimento ao recurso jurisdicional, referente àquela dívida.
O Dec.-Lei n° 398/98 de 17 de Dezembro, que veio aprovar a nova Lei Geral Tributária, estipula no n° 2 do seu art° 5° que "Aos impostos já abolidos à data da entrada em vigor da lei geral tributária (1/1/1999) aplicam-se os novos prazos de prescrição, contando-se para o efeito todo o tempo decorrido, independentemente de suspensões ou interrupções de prazo".
Por sua vez o art.° 48° da citada Lei Geral Tributária, consagra que as dívidas tributárias prescrevem no prazo de oito anos contados, "nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu."
No caso em apreço, uma vez que o imposto em causa não foi abolido e a admitir que não se mostra paga a dívida a ele inerente, da conjugação dos dois preceitos com a data do facto tributário, prima facie, não estaremos face a uma obrigação tributária prescrita.
Porém, à partida, não poderá dizer-se que a prescrição não pode ser atendida em sede de impugnação, por aqui se discutirem as ilegalidades inerentes à liquidação e, no caso, o instituto da prescrição nada ter a ver com a liquidação, pois que se situa para além dela.
Com efeito, constituindo a prescrição uma excepção peremptória, em que o facto relevante (decurso de determinado prazo) dá origem à extinção do efeito jurídico inicialmente pretendido (cumprimento da obrigação tributária), nada obsta a que possa ser invocada em impugnação, atacando não o acto formal de liquidação mas a obrigação tributária, independentemente de esta ter dado azo ou não a uma liquidação.
Este é, aliás, o entendimento perfilhado no douto Ac. do S.T.A. de 22-10-97 (recurso n°21.813) onde expressamente se refere: "O facto da lei evidenciar a prescrição como fundamento de oposição falando de «prescrição da dívida exequenda», não quer dizer que a prescrição releve apenas em relação a uma obrigação tributária liquidada..."
(…)
"Mas isso não quer dizer que a causa de extinção por prescrição não possa situar-se em momento anterior ao do acto da liquidação... e, como tal, não possa ser invocada, em outros campos como em sede de impugnação judicial...como fundamento de ilegalidade da dívida cujo cumprimento então se exija e cuja legalidade se queira, então, controverter".
Ora, sendo efectivamente possível a apreciação da prescrição da obrigação tributária em sede de impugnação, vejamos como ela se concretiza no caso em apreço.
A ratio do instituto da prescrição liga-se a razões de certeza, de segurança e de paz jurídica, pela qual se extingue a obrigação tributária.
Nos autos estão em causa (atendendo ao objecto do recurso) obrigações proveniente de IRC dos anos de 1994 a 1997, pelo que se nos impõe determinar qual o regime legal aplicável, visto que desde essa data até hoje se sucederam dois regimes diversos e que se elencam:
· o do art. 34° do CPT, cuja vigência se manteve no período compreendido entre 1 de Julho de 1991 e l de Janeiro de 1999, data em que entrou em vigor a Lei Geral Tributária (LGT), cujo diploma de aprovação, o DL n.° 398/98, de 17 de Dezembro, revogou expressamente aquele preceito (cfr. arts. 2°, n°1, e 6° do referido DL);
· o dos arts. 48° e 49° da LGT, desde 1 de Janeiro de 1999 até à presente data.
No diploma legal que aprovou o CPT não encontramos norma correspondente à do art. 5°, n° 1, do referido DL n° 398/98, de 17 de Dezembro, e que preceitua que ao novo prazo de prescrição estabelecido na LGT se aplica o disposto no art. 297° do CC, mas a jurisprudência passou a perfilhar o entendimento uniforme de que era aplicável, quanto à sucessão de leis relativamente ao art. 34° do CPT, a solução que veio a ser consagrada naquela norma de direito transitório.
Dada a flagrante equiparação das obrigações fiscais às civis, impõe-se a observância das regras do art. 297º do CC na área do direito fiscal e, concretamente, na zona da prescrição das dívidas(1).
Na verdade, é forçoso concluir que o regime prescricional aplicável à situação sub judice é o do art. 34° do CPT, tanto mais que, por força do princípio geral de Direito em matéria de sucessão de leis, segundo o qual a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
Vale isto por dizer que, em atenção ao caso concreto, no regime do CPT, o prazo conta-se com início do ano seguinte ao do facto tributário.
Nesse sentido, os autos apenas permitem dar como assentes os seguintes factos:
a) A dívida impugnada reporta-se aos anos de 1994 a 1997.
b) Foi deduzida reclamação graciosa, a qual foi indeferida (cfr. informação oficial prestada a fls. 90.
c) Revelam os autos que a impugnante não efectuou o pagamento voluntário, por isso tendo em 15/10/1999 sido extraídas certidões de dívida (cfr. fls. 113 a 124);
d) Não revelam os autos a(s) data(s) de instauração do(s) processo(s) executivo(s) para cobrança das dívidas do IRC de 1994 a 1997, desconhecendo-se se a execução ficou suspensa dado que foi deduzida reclamação graciosa e, posteriormente, impugnação judicial.
Como se demonstrou, dado que as dívidas se reportam aos anos de 1994 a 1997, é aplicável em matéria de prescrição o disposto no artº 34º, nº 1 do CPT, que estabelece que o prazo de prescrição é de dez anos. Este prazo, de acordo com o artº 34º, nº 2 do mesmo diploma, conta-se a partir do termo daquele em que se verificar o facto tributário.
Há que ter ainda em atenção que a dedução de reclamação e de impugnação interrompe a prescrição cessando, porém, esse efeito se o processo estiver parado por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano, somando-se nesse caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
Vínhamos entendendo que "a lei não quer interrupções sucessivas da prescrição (...)" (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul - Secção de Contencioso Tributário, Processo nº6861/02, de 08 de Outubro de 2002). Assim, e ainda que se tenha verificado, em data posterior à instauração do presente processo de impugnação judicial, uma qualquer circunstância determinante da interrupção do prazo de prescrição, a mesma não terá qualquer repercussão sobre o presente processo, pois esse efeito - interrupção -verificou-se, e consumou-se, em termos definitivos, aquando da instauração do primeiro dos processos ( reclamação, execução ou impugnação judicial).
Sobreveio, entretanto, o Acórdão do Peno da Secção do CT do STA de 24/10/2007, tirado no Recurso nº 244/07 que resolveu a reconhecida oposição de acórdãos radicada, em, no domínio da mesma legislação, terem entendido, um, que havendo duas causas interruptivas da prescrição, é de considerar a primeira, e só a primeira; outro que, pelo contrário, se deve desprezar a primeira e atender à segunda.
Sobre essa matéria foi fixada a seguinte posição doutrinária:
I -Sucedendo-se no tempo vários dos factos elencados no artigo 34º nº 3 do Código de Processo Tributário como interruptivos da prescrição, não pode atender-se apenas ao segundo, ignorando o primeiro, como seria o caso de, deduzida reclamação graciosa após a instauração de execução fiscal, se considerar interrompido o prazo só a partir da dedução daquela.
II -Achando-se interrompido o prazo prescricional, pela ocorrência de algum daqueles factos, a posterior eclosão de outro, embora em abstracto capaz de interromper o prazo, é inócua, pela impossibilidade de interromper o que já está interrompido.
III -Porém, se, após a cessação do efeito interruptivo, ocorrer nova causa de interrupção da prescrição, não pode deixar de se lhe atribuir esse efeito.
À semelhança do que aconteceu no caso posto à apreciação daquele Venerando Tribunal Supremo, no caso dos presentes autos a instauração da execução fiscal tendo por objecto a cobrança coerciva da dívida proveniente de IVA de 1994 a 1997, e/ou a reclamação e a própria impugnação, seguindo o doutrinado naquela aresto do STA deveriam ser também consideradas na eficácia interruptiva que a lei lhe outorga.
Pelo que ficou dito, os autos não contêm elementos que, com base apenas na reclamação e/ou impugnação, facultem o seu conhecimento e, por isso, improcede a referida questão da prescrição, sem prejuízo de a mesma poder/dever ser suscitada junto da execução fiscal para ser apreciada pela AT com base em todos os pertinentes elementos de que disponha.
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Da preterição de formalidades (conclusões 4ª a 9ª);

Funda-a a recorrente em que a AF, no projecto remetido, apenas afirma "no âmbito do processo de averiguações efectuado à firma T................ –T............/ Lda., foram apurados factos que indiciam a utilização de facturas que não titulam verdadeiras prestações de serviços, tendo sido reunidas provas qualificativas de se se tratarem de operações simuladas", sem identificar o que quer que fosse e assim impedindo a impugnante de exercer o seu direito legítimo de audição na posse de todos os elementos pertinentes para o efeito.
Vindo a AF depois afirmar que "apreciados os argumentos constantes do referido termo de declarações...não existem elementos ou factos determinantes para alterar os valores descritos, razão pela qual se deverão manter as propostas efectuadas no âmbito do IVA e do IRC ", facilmente que se concluiu que os elementos de facto aduzidos posteriormente nas conclusões do relatório já eram do conhecimento daquela que, deste modo, impediu a Impugnante de exercer cabalmente o direito constitucionalmente consagrado de participar na formação das decisões e deliberações que lhes disserem respeito.
Ora, diz ainda a recorrente, a lei exige que o contribuinte conheça antecipadamente os argumentos e tenha a possibilidade de os refutar e, a não ocorrer aquela coincidência seja porque o contribuinte invocou novos factos, seja porque o órgão competente se fundou em argumentos não considerados no projecto de decisão, haverá sempre que proceder a nova audição do contribuinte a fim de este ter oportunidade de se pronunciar sobre o novo argumento em questão.
Sendo assim, conclui a recorrente que o acto impugnado está inquinado do vício de preterição de formalidade legal: a) na medida em que, a notificação aos interessados deve fornecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o que no caso, não se verificou; b) porque a considerar-se o alegado no artigo anterior haveria que proceder-se a nova audição do contribuinte, o que no caso, também não ocorreu.
Pronunciando-se sobre essa causa de pedir, a Mª Juíza salienta que a própria Impugnante afirma ter tido conhecimento "do projecto de relatório" onde consta como supra se deixou claro toda a fundamentação que está na base das correcções impugnadas.
Mais se refere na sentença que o Princípio da participação dos cidadãos na formação das decisões e deliberações que lhes dizem respeito encontra consagração expressa no art. 267° n° 5 da CRP, princípio este que encontra concretização no art. 8° do CPA, de harmonia com as regras fixadas nos art.° s 100° a 103° do mesmo diploma legal.
A Lei Geral Tributária aprovada por D. Lei n° 398/98 de 17/12, e em vigor no ordenamento jurídico tributário português desde 01/01/1999, veio a transpor expressamente para o ordenamento jurídico fiscal aquele mesmo princípio, acabando de vez com as dúvidas que subsistiam quanto à sua aplicação ao procedimento tributário.
A situação em apreço nos autos reporta-se a Março de 1999.
Donde se depreende que a observância deste princípio por parte da administração fiscal é obrigatória e resulta do ponto 4 do probatório que a mesma foi cumprida, pelo que mais uma vez nada há a censurar à sua actuação.
E, na verdade, do ponto 4 do probatório consta que, em 30/03/1999, foi endereçada carta à aqui impugnante pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de ........, dando-lhe prazo para, querendo, exercer o direito de audição, tendo-lhe sido enviado cópia do projecto de relatório.
Face a essa matéria de facto, não se vê que formalidade haja sido preterida, quando o que fica em causa, segundo a alegação da recorrente, é a deficiente notificação dos elementos que lhe permitiam uma completa contraditoriedade no âmbito do exercício do seu direito de audição, o que não se comprova, porquanto, a própria Impugnante afirma ter tido conhecimento "do projecto de relatório" onde consta como supra se deixou claro toda a fundamentação que está na base das correcções impugnadas.
Improcede, por isso, o fundamento de recurso em análise.
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Da violação do direito de audição consagrado no artº 60º da LGT:
Decorre a mesma, segundo a recorrente, do facto de o art.° 60°, n° 6 da LGT, exigir que os elementos suscitados na audição dos contribuintes deverem ser tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão, quando é certo que a contribuinte, ora recorrente, em direito de audição exercido, suscitou elementos, face ao projecto de relatório que lhe foi remetido, que não foram tidos em conta na fundamentação da decisão, sendo certo que o exercício da audição prévia terá que ter um tratamento de facto e de direito por parte da AF, o que significa que, na fundamentação do despacho final, terão que estar invocadas as razões que justificam a improcedência da motivação invocada pelo contribuinte em sede de audição prévia, devendo dar-se como assente:
a) A impugnante exerceu o seu direito de audição, nos termos que melhor constam do auto de declarações, constante de fls.
b) Pela Administração Fiscal foi referido o seguinte: apreciados os argumentos constantes do referido termo de declarações/ é nossa convicção que não existem elementos ou factos determinantes para alterar os valores descritos, razão pela qual se deverão manter as propostas efectuadas no âmbito do IVA e do IRC.
Afirma, por fim a recorrente que, por se tratarem de elementos atinentes também à matéria de facto, impunha-se a realização de diligências promovidas oficiosamente, tanto mais que a Administração Fiscal não considerou o alegado como inconveniente ou como desnecessário para o apuramento da matéria do processo administrativo -tributário.
Começa por dizer-se que a omissão do direito de audição antes da liquidação impugnada, não obstante constituir preterição de formalidade legal, não tem, no caso sub judice, qualquer efeito invalidante uma vez que se pode concluir, sem margem para dúvidas, que o acto tributário objecto da reclamação, não poderia ter outro conteúdo decisório.
Tratando-se, com se trata, de um vício de forma, o que está em questão não é a legalidade interna do acto, mas a sua legalidade externa, cujos vícios não obstam, ainda que procedentes, à prática de actos de conteúdo decisório igual ao anulado, uma vez expurgados do vicio gerador da decisão anulatória, onde não releva tanto o que se decidiu mas a forma como se veio a decidir: neste sentido PEDRO MACHETE in «O princípio da economia dos actos públicos».
É esta a situação dos autos pois a questão dos efeitos não invalidantes da preterição do principio da audiência prévia, designadamente, por apelo ao princípio do aproveitamento dos actos administrativos só é invocável quando seja possível afirmar que a decisão tomada é a única concretamente possível, o que passa, desde logo, pela possibilidade de se poder apreciar a legalidade do acto, não bastando que se trate de acto vinculado -cfr. neste sentido o Ac. do STA de 19-02-2003, proferido no Processo n°0123/03, disponível em www.DGSI.pt..
O princípio da audiência prescrito nos artigos 100.º e seguintes do C.P.A. assume-se como uma dimensão qualificada do princípio da participação consagrado no artigo 8.º do mesmo Código, surgindo na sequência e em cumprimento da directriz constitucional contida no n.º 4 do art. 267.º da C.R.P. obrigando o órgão administrativo competente a, de alguma forma, associar o administrador à preparação da decisão final, transformando tal princípio em direito constitucional concretizado.
Segundo Freitas do Amaral estamos aqui perante “a dinamização de preceitos constitucionais” (cfr. “O Novo Código do Procedimento Administrativo”, in ‘O Código do Procedimento Administrativo”, I.N.A., 1992, a pág. 311).
Hoje, a LGT, que veio adequar a disciplina do procedimento tributário ao Código do Procedimento Administrativo e à Constituição (vd. relatório do Decreto-Lei n.o 398/98, de 17 De Dezembro) consagra expressamente e regulamenta a audiência prévia no procedimento.
Porém, ao fazê-lo, visa mais a concretização do princípio democrático na sua dimensão participativa, e não tanto a ideia garantística inerente ao princípio do Estado de Direito, pois o que aí está em causa é fundamentalmente um princípio de organização e acção administrativa, sendo por isso que já anteriormente o CPA veio estabelecer como forma de participação no procedimento administrativo a audiência dos interessados regulada nos seus artigos 100.º e seguintes, que, no essencial, pressupõe o reconhecimento do direito de os interessados se pronunciarem sobre o objecto do procedimento antes da decisão final e assegurar que a Administração não tome nenhuma decisão sem ter dado ao interessado oportunidade de se pronunciar sobre as questões que importam a essa mesma decisão.
Na vigência quer do CPT previa-se como garantia dos contribuintes um “direito de audição” (artigo 19.º, alínea c)). No entanto, o artigo 23.º, alínea e), do mesmo diploma fazia restringir o “direito de audição e defesa” ao processo de contra - ordenação fiscal, sendo inaplicável ao processo de impugnação judicial tanto mais que a intervenção procedimental do contribuinte se justifica em razão da verdade material e da defesa antecipada dos seus interesses e, por isso, corresponde à ideia do contraditório e não ao conceito de participação funcional. Na verdade e conforme formulação feita por G. Berti Procedimento, procedura, partecipacione” in Scritti Guicciardi, 1975, pp, 801 e 802) “a participação diferencia-se do contraditório seja porque prescinde de toda a ideia de conflito entre interesses e as correspondentes posições subjectivas, seja porque não define uma forma de tutela ou de garantia mas uma modalidade de acção”.
Todavia, pode ser entendido, que a participação procedimental no âmbito do procedimento tributário era, e atento o carácter especial deste procedimento, regulada em termos gerais do Código do Procedimento Administrativo (cfr. os nºs 5 a 7 do seu artigo 2.º, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de31 de Janeiro).
Ora, como decorre do artº 45º do CPPT, “O procedimento tributário segue o princípio do contraditório, participando o contribuinte, nos termos da lei, na formação da decisão” e, no caso concreto, o respeito por aquele princípio implicava, consoante o disposto no artº 60º da LGT, a participação do contribuinte na formação da decisão que lhe dizia respeito, designadamente, com direito de audição antes da liquidação, a ser exercido no prazo a fixar pela AT em carta registada a enviar para tal efeito para o seu domicílio fiscal comunicando-lhe o projecto da decisão e sua fundamentação, sendo que os elementos novos suscitados na audição seriam obrigatoriamente tidos em conta na fundamentação da decisão, tudo como decorre do artº 60º da LGT, conjugado com o disposto no artº 36º nºs 1 e 2 do CPPT.
Com a entrada em vigor da Lei nº 16-A/2002, de 31 de Maio que introduziu nova redacção ao artº 60º, sob a epígrafe Direito de audição, o artº 13º da referida Lei veio alterar o citado artigo 60º da LGT, dispondo:
L -O n° 3 do artigo 60° da lei geral tributária, apro­vada pelo artigo 1° do Decreto-Lei n.° 398/98, de 17 de Dezembro, passa a ter a seguinte redacção:
«Artigo 60º
1.A participação dos contribuintes a formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) - Direito de audição antes da liquidação;
b) - Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c) - Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;
d) - Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos;
e) - Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.
2 - É dispensada a audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável.
3 -Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem a alínea b) a alínea g) do n° 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.
4 -O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.
5 -Em qualquer das circunstâncias referidas no n° 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação.
6 -O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição, não pode ser inferior a 8 nem superior a 15 dias.
7 -Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.
Assim, no âmbito da LGT, o princípio da participação confere ao contribuinte o direito de audição por qualquer uma das formas previstas nas alíneas a), b), c), d) e) do n° 1 do Art.° 60. Não prevê a lei que o direito de audição seja facultado em todas as formas mencionadas, mas sim por qualquer uma das formas previstas.
Se é por qualquer uma das formas, não é por todas.
Como refere Lima Guerreiro, "O direito de audição é exercido geralmente por uma única vez no procedimento: finda a instrução e antes da decisão. Não pode ser utilizado para introduzir dilações sucessivas no procedimento. O presente artigo recusa, pois, a ideia de qualquer dupla ou tripla audição no procedimento. Em caso de o objecto do direito de audição constituir um acto preparatório da liquidação, como são os previstos nas alíneas c), d) e e) do número 1 do presente artigo, o contribuinte não deve ser, de novo, ouvido antes de esta se realizar, a não ser quando a liquidação se fundamente em elementos distintos daqueles por que o direito de audição inicialmente se concretizou.
Assim tendo a Administração Tributária facultado ao contribuinte o direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária afigura-se-nos cumprida a obrigação legal prevista no Art.° 60 LGT.
E a AF não está obrigada, por força da existência do direito de audição, a atender aos argumentos vertidos pelo impugnante, caso não se demonstre sem margem para dúvidas, que efectivamente os pressupostos de base das correcções não existiam, não se podendo afirmar que o princípio da participação não foi respeitado.
O direito do interessado na participação da formação do acto de que é destinatário só será verdadeiramente violado se através dessa participação houver a possibilidade, ainda que ténue, de o interessado vir a exercer influência, quer pelos esclarecimentos prestados, quer pelo chamamento da atenção de certos aspectos de facto e de direito, na decisão a proferir, no termo da instrução.
A formalidade da audição degrada-se em não essencial, não sendo, por isso, invalidante da decisão, nos casos em que não tem a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, o que impõe o aproveitamento do acto – utile per inutile non viciatur – visto que a audiência dos interessados não é um mero rito procedimental.
Decorrendo dos autos que os argumentos invocados pelo sujeito passivo no âmbito do direito de audição que exerceu, foram tomados em consideração, e que, apesar do entendimento adverso da impugnante, foi entendido pela AT que não existem elementos ou factos determinantes para alterar os valores descritos, razão pela qual se deverão manter as propostas efectuadas no âmbito do IVA e do IRC, a sua não aceitação está fundamentada, ainda que de forma sucinta.
A impugnante conhecia as razões por que lhe foi liquidado aquele imposto e pode analisar os critérios de que a Administração Fiscal se socorreu para chegar àquele montante e a jurisprudência vai no sentido de que não é insuficiente a fundamentação que dê a conhecer ao seu destinatário a motivação funcional do acto, os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro, permitindo àquele optar conscientemente entre a aceitação da legalidade do acto ou a sua impugnação.
Logo, são espúrias as considerações da recorrente de que a AT não tomou posição fundamentada sobre os “novos” elementos trazidos no seu requerimento de audição, pois esta cumpriu o seu dever de decisão no procedimento concreto, decidiu, tendo descrito e fundamentado, clara e suficientemente, a aplicação de cada um daqueles pressupostos nela previstos.
Se é verdade que o acto sempre teria que ser praticado, essencialmente, no exercício de poderes vinculados, verifica-se, no caso, alguma margem de livre apreciação, pelo que ficou demonstrado que a audiência do interessado não era susceptível de alterar o respectivo conteúdo.
Termos em que improcedem as conclusões em apreço.
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Da falta de fundamentação do acto tributário impugnado:
Na p.i. a impugnante assacara aos actos tributários impugnados a ausência de fundamentação bastante, na consideração de que a fundamentação se consubstancia num discurso funcional externado pela administração, expresso, formal, explícito, contextual, com capacidade para dar a um destinatário normal, colocado na situação concreta do destinatário do acto as razões "justificantes" e "justificativas" (sob o ponto de vista formal) da concreta decisão administrativa, o que no caso não se verifica de todo pois não identifica concretamente a quem pertencem os números de identificação fiscal inválidos, nem tão pouco identifica os terceiros que requisitaram nas tipografias e bem assim qual a forma de contabilização dos pagamentos, como aferiu da falta de capacidade económica e técnica dos emitentes e da existência do mesmo tipo de letra nas facturas, o que entende por significativo número de emitentes em incumprimento fiscal, o que entende por inconsistente contabilização dos pagamentos das facturas e finalmente quais as facturas que não cumprem os requisitos legais.
Na sentença recorrida foi considerado que, conforme resulta do ponto 4 do probatório, a Impugnante teve conhecimento das conclusões do relatório da Inspecção na versão "projecto" que lhe foi enviado para, querendo exercer o direito de audição, o qual contém, a indicação dos motivos que estiveram na base das correcções oficiosas realizadas pela Administração Tributária, resultando, da respectiva leitura, perceptíveis os motivos genéricos subjacentes aos ajustamentos operados, independentemente de com eles se concordar.
Mais se aduz que, independentemente da emissão de um juízo valorativo acerca do teor dos motivos que ali se referem e que alicerçam as conclusões da Administração, não se pode ignorar, aliás como ressalta do probatório, que os actos tributários de liquidação em apreço têm na sua base o Relatório elaborado pelos Serviços de Inspecção da DGCI, no qual se encontram vertidas as razões, factuais e de direito, que estão na origem do apuramento oficioso efectuado. E a consulta do antedito Relatório, não nos oferece qualquer dificuldade em discernir aquelas razões.
Não obstante e caso, ainda assim, à Impugnante subsistisse qualquer dúvida sempre esta, se poderia socorrer do pedido de certidão ao abrigo do artigo 37° do CPPT.
Na verdade, diremos que, quanto à primeira vertente do problema, que a notificação da decisão constitui, ela própria, um outro acto (passível de outros tantos vícios, e até vícios autónomos, conducentes à sua nulidade ou anulação mas não mais do que isso) mas um acto que é exterior e posterior ao processo de formação do acto tributário. A existir um qualquer vício na notificação da liquidação (designadamente, o de não vir acompanhada de fundamentação bastante da decisão que se pretende levar ao conhecimento do contribuinte, ora impugnante), tal jamais acarretaria a anulação da liquidação notificada, já que existindo, como existe, fundamentação do acto em crise, e não tendo sido, como parece que não foi, pedida a sua notificação ou a passagem de uma certidão, não há vicio de falta de fundamentação e o acto de liquidação não é anulável, pois a simples irregularidade, ou falta, de notificação dos fundamentos não gera invalidade do acto, dado que aquela é posterior e exterior a este, e a ilegalidade da notificação é diferente da ilegalidade do acto notificado.
Como ensina Casalta Nabais, Direito Fiscal, Almedina, 2001, pp 252 e segs.:- “A liquidação “lato sensu” ou seja enquanto conjunto de todas as operações destinadas a apurar a apurar o montante do imposto, compreende:- 1) o lançamento subjectivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídica fiscal, 2) o lançamento objectivo através do qual se determina a matéria colectável ou tributável do imposto, 3) a liquidação "stricto sensu' traduzida na determinação da colecta através da aplicação da taxa à matéria colectável ou tributável, e 4) as (eventuais) deduções à colecta'.
Ora, resulta claro que se o impugnante analisar o conteúdo da liquidação em conjunto com o relatório da inspecção tributária, do qual também tem conhecimento, a fundamentação do acto tributário resulta cristalina, sem ambiguidades, obscuridades, ou qualquer contradição.
O imperativo da fundamentação do acto tributário, como acto administrativo, apresenta uma complexidade funcional que se não reduz apenas à vertente da garantia de protecção dos administrados, com vista ao efectivo direito ao recurso contencioso, antes exige também a satisfação de outros interesses, como o da racionalidade da própria decisão e o da transparência da actuação administrativa, de maneira a ficar claro porque não se decidiu num sentido e não noutro não se desprezando os critérios de vinculação elencados no regime legal em termos de não prejudicar a compreensão da sua motivação.
Assim, para que o acto cumprisse o dever de fundamentação formal, não bastava que contivesse qualquer declaração fundamentada, antes tal declaração devia consistir num discurso aparentemente capaz de fundar a decisão administrativa.
E para isso, a fundamentação tinha de conter um esclarecimento concreto suficientemente apto para sustentar a decisão, não podendo assentar em meros juízos conclusivos ou em factos que os não suportam, sob pena de ficar prejudicada a compreensão da sua motivação e, consequentemente, qualquer das suas funções.
É por demais evidente que da exposição de motivos aduzidos pela entidade decidente ficou a recorrente a saber o porquê de tal decisão já que se esclarecem as razões de facto e de direito que determinaram aquela.
A fundamentação do acto administrativo tem como escopo fundamental evitar tratamento discriminatório e a permissão do administrado do uso correcto de todos os meios processuais de defesa em relação à Administração, defesa essa que só é susceptível de ser bem sucedida se àquele for dada a conhecer a razão de ser do procedimento tomado e que ao caso se ajuste.
O recorrente não diz que não foram pela entidade decidente apontados os motivos que em base coerente e credível serviram de suporte do acto de que visam ser fundamento e que o seu destinatário não ficou em condições de entender porque razão a entidade decidente actuou daquela forma e não de outra, mas que “…não identifica concretamente a quem pertencem os números de identificação fiscal inválidos, nem tão pouco identifica os terceiros que requisitaram nas tipografias e bem assim qual a forma de contabilização dos pagamentos, como aferiu da falta de capacidade económica e técnica dos emitentes e da existência do mesmo tipo de letra nas facturas, o que entende por significativo número de emitentes em incumprimento fiscal, o que entende por inconsistente contabilização dos pagamentos das facturas e finalmente quais as facturas que não cumprem os requisitos legais”.
Os actos administrativos devem apresentar-se formalmente como disposições conclusivas lógicas de premissas correctamente desenvolvidas e permitir, através da exposição sucinta dos factos e das regras jurídicas em que se fundam, que os seus destinatários concretos, pressupostos cidadãos diligentes e cumpridores da lei, façam a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente.
Decorre do exposto que não está abrangido pelo dever legal de fundamentação a fundamentação substancial que é caracterizada pela exigência da existência dos pressupostos reais e dos motivos concretos aptos a suportarem uma decisão legítima de fundo (nesse sentido vide Prof. Vieira de Andrade, in O Dever da Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos», p. 231).
Neste contexto, o que se impõe, a nosso ver é a análise da prova recolhida nos autos sob o prisma da fundamentação formal, captando da decisão os elementos que comprovem ou infirmem que se trata de uma exposição sucinta dos factos e das regras jurídicas em que se fundam, que os seus destinatários concretos, pressupostos cidadãos diligentes e cumpridores da lei, ficam em condições de fazer a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente.
Como se disse, impende sobre a Administração a obrigação de fundamentar os seus actos que possam afectar os direitos e os interesses legalmente protegidos do contribuinte sob pena de tais actos serem susceptíveis de anulação.
É entendido na Doutrina e Jurisprudência Portuguesas que a fundamentação há-de ser «a indicação dos factos e das normas jurídicas que a justificam» (Prof. J. Alberto Reis,in vol. V-pag.24).
Ou ainda como diz Henri Capitant, no seu «Vocabulaire Juridique», a «exposição das razões de facto e /ou de direito que determinam... uma decisão».
Ou, também, como diz Prof. Marcelo Caetano, no seu Manual, pág. 477, «a fundamentação consiste em deduzir expressamente a resolução tomada das premissas em que assenta,ou em exprimir os motivos pôr que se resolve de certa maneira, e não de outra».
Constituindo um direito essencial dos administrados a defesa dos seus direitos a qual se traduz, duma banda, na participação activa na fase que conduz à produção do acto administrativo (v. art° 48°, n°s. l e 2 e 268° n° l da CRP ) e, doutra, pela possibilidade de recorrer contenciosamente contra quaisquer actos administrativos definitivos e executórios ( art°s- 20° e 268° n° 4 da CRP ) é inquestionável que a obrigação de enunciar expressamente os fundamentos de facto e de direito que determinaram o autor do acto é de extrema relevância porquanto, face à fundamentação do acto é que se podem verificar a legalidade da actuação e conhecer as razões que determinaram o órgão administrativo.
É que a fundamentação do acto constitui um meio importante para a realização do princípio da verdade material ao obrigar a Administração a aprofundar as razões da sua conduta, a buscar a conformidade completa entre o direito e a realidade na consideração de que a realização do interesse público exige o respeito pela legalidade e a obediência ao princípio da igualdade perante a lei.
As decisões administrativas, quando devidamente fundamentadas, constituirão para os contribuintes não um produto da mera intuição dos seus autores, mas o produto de um juízo lógico de ponderação, facilitando as relações entre os sujeitos da relação jurídica tributária.
A fundamentação é ainda relevante para a apreciação contenciosa da legalidade do acto pois é face aos motivos determinantes do acto que o interessado poderá decidir mais seguramente sobre a sua conformidade com a lei, facilitando, por essa via, o controle jurisdicional ao possibilitar a verificação da existência ou não de diversos vícios não só os respeitantes à forma, como também ao desvio de poder, a incompetência e a violação de lei, sem descurar a sua extrema utilidade como elemento interpretativo ao permitir o conhecimento da vontade manifestada e do poder que se procurou exercer.
Assim, quando é desconhecido o itinerário cognitivo e valorativo seguido pelo autor do acto deve concluir-se que houve preterição de formalidades legais.
Em consonância com o ponto de vista atrás afirmado e porque no n° 3 do art° 1° do Dec.-Lei n° 256-A/77, de 17 de Junho e agora no n° 1 do art° 79° da LGT, se faz equivaler à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto o que vai contra quer o art° 1°, n° 1 do próprio diploma, quer o art° 268° da Constituição da República, em termos de se considerar preterida uma formalidade essencial, teremos de concluir que o acto recorrido não se encontra claramente suportado pelos elementos de facto e de direito como o revela a materialidade que deflui dos autos.
É que, a fundamentação prossegue ainda o princípio da verdade material na medida em que como ensina Osvaldo Gomes in «Fundamentação do Acto Administrativo» pag 21 e segs.- obriga a administração a aprofundar as razões da sua conduta, a procurar a conformidade completa entre o direito e a vida.
Na verdade, a realização do interesse público postula o respeito pela legalidade e a obediência ao princípio da igualdade perante a lei acarreta a irrenunciabilidade aos poderes que esta atribui aos órgãos administrativos.
A fundamentação realiza uma espécie de «aveu préconstitué» das razões do acto pela administração funcionando coma um processo de autolimitação.
Por outro lado, sujeita-se indirectamente a certas regras de trabalho na medida em que a toma mais prudente, mais atenta e mais respeitadora do direito e lhe impõe a racionalização dos métodos de trabalho administrativo servindo de meio de reacção contra o comodismo a rotina e o arbítrio.
Na verdade, a fundamentação do acto recorrido está vazada em termos que não podem considerar-se claros, suficientes e congruentes sobre o motivo determinante do acto por remissão para o Relatório da inspecção tributária.
Na verdade, sobre a epígrafe 3.1."III - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável” é o seguinte o discurso fundamentador:
(...)
Com efeito a análise casuística realizada aos documentos emitidos, aos livros de escrituração, às requisições de tipografias e ainda as consultas do sistema informático da DGCI, permitem concluir relativamente aos emitentes um significativo número de factos anómalos e indiciadores da não veracidade das facturas e transacções em causa. Assim, comprovamos (entre outras):
- A existência de vários números de identificação fiscal inválidos;
-Existirem requisições junto das tipografias efectuadas por terceiros não autorizados;
- Inconsistente contabilização dos pagamentos dessas facturas;
-A falta de capacidade "económica e técnica por parte de alguns fornecedores para prestarem os serviços descritos que não exerceram qualquer actividade no sector em causa;
-A emissão de facturas sem sequência cronológica e com modelos diversos por fornecedor, que não cumprem igualmente com a forma legal reclamada pelos artigos 19° e 35° do CIVA,
- A existência do mesmo tipo de letra em documentos de diferentes emitentes;
- Significativo número de emitentes com incumprimento das obrigações fiscais. "
(…)
3.2. "B. Imposto Sobre o Rendimento da Pessoas Colectivas - Exercício de 1994, 1995, 1996 e 1997-B.1. Exercício de 1 996 -Q17 -Linha 12- IRC
O contribuinte acresceu ao 077 a importância de 1.012. 193$00, referente a IRC, quando deveria ter acrescido a importância contabilizada ma conta 69-Custos e Perdas extraordinárias, no montante de 1.102.193$00, pelo que se deverá acrescer ao Lucro Tributável Declarado a diferença apurada de 90. 000$00, não aceites como custos nos termos do art. 41° n°1 do CIRC. B.2. Custos Não Aceites nos termos do art. 23° do CIRC
Relativamente às facturas mencionadas no ponto A. 1., da presente informação sobre as quais existem fortes indícios de se tratarem de operações simuladas, a firma contabilizou custos nos exercícios de 1994, 1995, 1996 e 1997 nos montantes respectivos de 1.418.000$00, 7.827.480$00, 18.699. 750$00 e 26.461.427$00 não aceites como custo face ao teor das anomalias descritas no ponto III -cfr. fls. 106 e 107 dos autos (pág. 9 e 10 do relatório de inspecção identificada em 2. deste probatório).”
Estas, são afirmações de conteúdo tão vago e genérico que se fica sem saber quais foram, em concreto, as razões que conduziram à decisão, pelo que para a clareza da decisão, deveriam ter sido concretizadas as referidas situações como premissa do silogismo efectuado.
Impunha-se, para efeito de controlo pelo destinatário sobre a veracidade dos fundamentos, que, em relação a cada uma das apontadas situações, fossem concretizadas e quantificadas e se explicasse, através duma exposição, sucinta porque é que as mesmas justificavam as correcções. Doutro modo, não são explicados os fundamentos de facto e de direito da decisão que, assim, não é clara, não permitindo, através dos seus termos, que se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decidiu, nem suficiente, por não possibilitar ao administrado um conhecimento concreto da motivação do acto, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a actuar como actuou, e muito menos congruente, pois a decisão não constitui conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, não envolvendo entre eles um juízo de adequação.
Suficientes têm de ser os fundamentos no sentido de aptos a dar a perceber o processo lógico e jurídico que levou à decisão consubstanciada no acto concretamente praticado. Daí que se deve ter como insuficiente a fundamentação só de facto ou só de direito, ou meramente conclusiva ou vagamente qualificativa de factos não expressamente indicados.
Congruentes, ou não contraditórios, na terminologia da lei (cfr. nº 3 do artigo 124º do CPA), significa que, relacionados com a concreta decisão tomada, a deduzir deles, os elementos fundamentadores se mostram logicamente aptos a que a decisão deles se extraia.
Perante o que se conclui que a decisão motivada nos termos antecedentemente descritos não indica, com clareza e congruência, os elementos de facto e de direito que determinaram as liquidações incidentes sobre vários exercícios.
A fundamentação tinha de conter um esclarecimento concreto suficientemente apto para sustentar a decisão, não podendo assentar em meros juízos conclusivos ou em factos que os não suportam, sob pena de ficar prejudicada a compreensão da sua motivação e, consequentemente, qualquer das suas funções que são as de acautelar, por banda da Administração, a adequada reflexão na decisão a proferir e, por parte do administrado, uma opção esclarecida entre a aceitação e a eventual impugnação de uma tal decisão.
Termos em que procedem as conclusões que se analisam, o que prejudica o conhecimento dos demais fundamentos do recurso.
*
3. -DECISÃO
Termos em que acordam os Juízes deste TCA em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação determinando, em consequência, a anulação do acto tributário impugnado.
Sem custas por isenção legal da recorrida.
*
Lisboa, 10/02/2009
(Gomes Correia)
(Eugénio Sequeira)
(Manuel Malheiros)
(1) Como bem refere Oliveira Coutinho, na anotação a paginas 277 do Cód. Proc. das Contrib. e Impostos, editado por Jornal do Fundão, em 1969, a interrupção consagrada no n°. 1 do art. 34°. do Cód. Proc. Tributário já tinha o mesmo regime no CPCI, no art. 27°., onde era pacificamente entendido e interpretado como se de suspensão se tratasse.
Oliveira Coutinho, é claro ao afirmar que o legislador deveria ter usado o termo de "suspensão" e não interrupção, pois é de suspensão que se trata, com regime especial, e com o prazo máximo de um ano.
Chama-se ainda à colação o Conselheiro Dr. Alfredo José de Sousa, no Cód. Proc. das Contribuições e Impostos, Editado por Almedina, 2a. Edição, Coimbra, a pág, 147 em anotação ao art. 27°, dizendo que é peremptório em manter a interpretação de que a figura é de suspensão e não de interrupção.
Em termos jurisprudenciais parece ser esta também a jurisprudência do S.T.A., conforme Acórdão proferido no processo n° 15.804, publicado em Apêndice ao D. R. de 30-04-96, citado por Diogo Leite de Campos e Benjamim Rodrigues, Lei Geral Tributária, Vislis Editores, em anotação ao art. 49º da LGT.
Tudo isso para concluir que não pode haver dúvidas de interpretação de que o prazo da prescrição pode ser suspenso, pelo prazo máximo de um ano, traduzindo-se na prática o prazo de 10 em 11 anos, quando ocorra um dos factos suspensivos, que, no caso concreto, foi a instauração de processo de execução.
Na verdade, doutrinalmente, a interrupção da prescrição supõe uma causa que inutiliza o tempo decorrido anteriormente; produz-se quando dadas certas circunstâncias se inutiliza o tempo decorrido para a prescrição, tendo como efeito inutilizar todo o tempo anterior, podendo, todavia, iniciar-se uma nova prescrição – cfr. Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, 58 e M. Brito, CC Anot., 1º-410).
Já a suspensão da prescrição supõe que existe uma causa que obsta ao curso da prescrição. Havendo suspensão, a prescrição corre enquanto ela não cessar, mas, cessada a causa da suspensão, volta a correr, somando-se ao tempo ulterior o que decorrera antes da suspensão –idem.
E o regime dos citados normativos é claramente de suspensão:- a paragem dos processos aí referidos tem o efeito de suster a contagem do tempo da prescrição, não se incluindo no prazo desta o espaço de tempo durante o qual ocorreu a suspensão. O vencimento do prazo é, assim, prorrogado pelo tempo em que a prescrição esteve suspensa.