Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02531/08
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/20/2009
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IRC- REVISÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL - ACORDO DOS PERITOS.
Sumário:I) O acordo em que intervenha um perito designado pelo contribuinte, para o procedimento de revisão da matéria tributável, só não vincula o contribuinte, nos casos em que o perito, seu representante, actuar para além dos poderes que lhe foram conferidos.
II) Esse acordo não impede o contribuinte de invocar vícios ocorridos no procedimento de avaliação indirecta e de revisão, excluídos do âmbito do que foi objecto do acordo.
III) Constituindo o cerne da discussão submetida à apreciação do tribunal recorrido, não a ocorrência de um vício no procedimento de revisão, mas a caducidade do direito à liquidação e havendo pronúncia expressa dos peritos sobre tal questão, que, assim, se encontra englobada nas questões que foram objecto de análise, ponderação e decisão, por acordo, dos peritos, o contribuinte não tinha o direito de impugnar judicialmente a liquidação em causa, com fundamento na invocação da caducidade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central
1. –L............. -...................., Ldª., com os sinais identificadores dos autos, veio recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação que deduziu contra a liquidação de IRC do exercício de 2000, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
“1 -Na impugnação foi requerido que a mesma fosse declarada extinta a presente lide por inutilidade superveniente da mesma, por força da ocorrência da caducidade do direito de liquidação, em virtude de se terem excedido os prazos consagrados no artigo 45°, n° 2, 4 e 5 da LGT.
2 -A inspecção da Administração Fiscal, para fixar o IRC para o ano 2000, recorreu à rentabilidade fiscal de 1,64% e à margem bruta das vendas de 26,13%, conforme se retira da matéria de facto dado como provada;
3 -Tendo sido utilizados pela inspecção, indicadores objectivos da actividade, para fixar o IRC para o ano 2000, conforme também, confissão expressa da Administração Fiscal nos artigos 6° e 16° da douta contestação.
4 -O prazo de caducidade do direito de liquidação do IRC do ano 2000, iniciou-se em 1-1-2001 e terminou em 31-12-2003.
Sendo que,
5 - A própria Acção Inspectiva, que teve o seu início em 22 de Junho de 2004, já decorreu após o decurso do respectivo prazo de caducidade.
Dado que,
6 - A liquidação adicional de IRC do ano de 2000, foi notificada em 30.12.2004 e a liquidação de juros referentes a IRC do ano 2000, foi notificada em 19.01.2005, tem de se concluir que as mesmas não foram tempestivamente efectuadas e notificadas
7 - A douta sentença encontra-se ferida de nulidade, violando por deficiente interpretação e aplicação dos artigos 55° e 56° do CIRC, 45° e 77°, 87°, 88° e 90º todos da L.G.T
Termos em que, e nos melhores de direito e com o mui sempre Douto suprimento de Vossas Excelências, deve a decisão contida na sentença ora recorrida do Tribunal Tributário de 1a Instância ser revogada no que concerne à deficiente apreciação da excepção da caducidade.
Com o que se fará sã, serena e objectiva justiça.”
Não foram apresentadas contra -alegações.
Os autos vêm à conferência depois de recolhidos os vistos dos Exmºs Adjuntos.
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2. São os seguintes os factos dados como provados em 1a Instância:
1°- Em resultado da ordem de serviço n° 92.169, procedeu-se a uma acção inspectiva à impugnante -doc. fls. 157 do PAT apenso.
2°- A impugnante é um sujeito passivo em IRC, com contabilidade organizada no ano de 2000 -doc. fls. 157 do PAT apenso.
3°- Está enquadrada para efeitos de IVA, no regime normal -doc. fls. 157 do PAT apenso.
4°- Exerce a sua actividade em T................, mas tem a sua sede em Lisboa, na mesma morada do seu TOC responsável pela sua contabilidade doc. fls. 157 do PAT apenso.
5°- A impugnante não apresentou os documentos originais de suporte às operações contabilísticas -doc. fls. 158 do PAT apenso.
6°- A impugnante não apresentou declarações modelo 22 para os anos de 1994 a 1999 -doc. fls. 158 do PAT apenso.
7°- A impugnante apresentou as declarações modelo 22 para os anos de 2000 a 2003 após o início da inspecção, apresentando apenas os anexos A, não apresentando os anexos J e L -doc. fls. 158 do PAT apenso.
8°-Em face da falta de apresentação dos documentos a inspecção aplicou métodos indirectos para a determinação do IRC - doc. fls. 160 do PAT apenso.
9°- A inspecção considerou para a aplicação dos métodos indirectos as vendas declaradas pelo contribuinte na declaração modelo 22 e aplicou o rácio de rentabilidade fiscal de 1,64%, que é o da média dos contribuintes do CAE da impugnante (CAE 51700) -doc. fls. 160 e 161 do PAT apenso.
10º-O total das correcções em sede de IRC foi de €191.467,23-doc. fls. 161 do PAT apenso.
11º- A impugnante formulou pedido de revisão nos termos do art° 91 da LGT -doc. fls. 166 do PAT apenso.
12º- Na reunião que teve lugar neste procedimento o perito da impugnante concordou que a matéria tributável para o exercício de 2000 fosse fixada em €191.467,23, por aplicação de métodos indirectos -doc. fls. 167 do PAT apenso.
13º- Em 23/12/2004 foi feita a liquidação n° 8310027858, que calculou o imposto a pagar no montante de €67.396,46 -doc. fls. 186 do PAT apenso.
14º- Esta liquidação foi notificada à impugnante em 30/12/2004 - acordo das partes expresso nos articulados.
15º- A ordem de serviço para a inspecção foi dada a conhecer à impugnante em 22/06/2004 - doc. fls. 184 do PAT apenso.
16º- A impugnante foi notificada das conclusões resultantes da acção inspectiva em 26/10/2004 -doc. fls. 148 151 do PAT apenso.
17º- A impugnante foi notificada para efeitos de audição prévia em 25/08/2004 -doc. fls. 153 a 165 do PAT apenso.
18º- A acção inspectiva terminou em 14/09/2004 e os juros compensatórios foram contabilizados até essa data -doc. fls. 143 e 192 do PAT apenso.
Ao abrigo do disposto no artº 712º do CPC adita-se ao probatório a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão:
19º- Na acta do Procedimento de Revisão referido nos pontos 11º e 12º, exarou-se o seguinte:
“…
A) Em resultado do acordo obtido entre os Peritos foi deliberado, relativamente à Matéria Tributável que foi fixada por métodos indirectos e objecto de revisão, pela forma seguinte:
IRC –exercício de 2000- Fixado em €191.467,23, seja mantido.
Tendo em conta que a reclamação não se debruçou sobre quaisquer aspectos de ordem quantitativa e analisado o seu conteúdo, verificou-se que:
-O projecto de conclusões do relatório foi efectivamente notificado;
-Não houve caducidade nos termos do artº 45º da LGT, por não terem sido aplicados os indicadores objectivos da actividade;
Decidiu-se concordar com a tributação por métodos indirectos, aceitando-se o valor apurado pelos Serviços de Inspecção, sendo que, e não obstante o conhecimento de que os documentos, por parte do perito do contribuinte, efectivamente foram consumidos pelo incêndio, não pode, nesta sede, e em tempo útil, apresentar provas mais credíveis”.-cfr. fls. 167 e 168 do PAT apenso.
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A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos referidos juntos aos autos e no acordo das partes expresso nos articulados.
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Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.
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3. - O Mmº juiz recorrido decidiu-se pela improcedência a presente impugnação, em que tinha sido submetida à sua apreciação a questão de saber se se verificava a caducidade do direito á liquidação, por considerar que a mesma não se verificava.
Inconformada, vem a recorrente sustentar que a sentença incorreu em deficiente interpretação e aplicação dos artigos 55° e 56° do CIRC, 45° e 77°, 87°, 88° e 90º todos da L.G.T..
E isso porque a inspecção da Administração Fiscal, para fixar o IRC para o ano 2000, recorreu à rentabilidade fiscal de 1,64% e à margem bruta das vendas de 26,13%, tendo sido utilizados pela inspecção, indicadores objectivos da actividade, para fixar o IRC para o ano 2000, situação em que o prazo de caducidade do direito de liquidação do IRC do ano 2000, se iniciou em 1-1-2001 e terminou em 31-12-2003.
Sendo assim, a própria Acção Inspectiva, que teve o seu início em 22 de Junho de 2004, já decorreu após o decurso do respectivo prazo de caducidade, sendo que a liquidação adicional de IRC do ano de 2000, foi notificada em 30.12.2004 e a liquidação de juros referentes a IRC do ano 2000, foi notificada em 19.01.2005, tem de se concluir que as mesmas não foram tempestivamente efectuadas e notificadas.
Ora, salvo o devido respeito, acompanha-se o entendimento sufragado pelo Mmº juiz recorrido.
E isso tendo em conta o que ele também expendeu na sentença recorrida sobre as consequências da celebração do acordo, pelos peritos, no Procedimento de Revisão em cuja acta se verteu:
“…
A) Em resultado do acordo obtido entre os Peritos foi deliberado, relativamente à Matéria Tributável que foi fixada por métodos indirectos e objecto de revisão, pela forma seguinte:
IRC –exercício de 2000- Fixado em €191.467,23, seja mantido.
Tendo em conta que a reclamação não se debruçou sobre quaisquer aspectos de ordem quantitativa e analisado o seu conteúdo, verificou-se que:
-O projecto de conclusões do relatório foi efectivamente notificado;
-Não houve caducidade nos termos do artº 45º da LGT, por não terem sido aplicados os indicadores objectivos da actividade;
Decidiu-se concordar com a tributação por métodos indirectos, aceitando-se o valor apurado pelos Serviços de Inspecção, sendo que, e não obstante o conhecimento de que os documentos, por parte do perito do contribuinte, efectivamente foram consumidos pelo incêndio, não pode, nesta sede, e em tempo útil, apresentar provas mais credíveis”.
O Mº Juiz conheceu previamente à caducidade do direito á liquidação, da questão prévia das consequências da obtenção de acordo no Procedimento de Revisão nos seguintes termos:
“4.2. Diz o art° 86 da LGT:
"1- A avaliação directa é susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa.
2 A impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão.
3 - A avaliação indirecta não é susceptível de impugnação contenciosa directa, salvo quando não dê origem a qualquer liquidação.
4 - Na impugnação do acto tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável regulado no presente capítulo.
5- Em caso de erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável, a impugnação judicial da liquidação ou, se esta não tiver lugar, da avaliação indirecta depende da prévia reclamação nos termos da presente lei."
Uma vez que na comissão de revisão houve acordo com o perito da impugnante, não pode agora esta vir por em causa tal fixação (vide neste sentido, entre outros, o Ac. do STA de 23/11/2004, proc. n° 0657/04, consultável in www.dgsi.pt onde se pode ler:
"I- O art° 86°, n° 4 da LGT ao não permitir que, quando a liquidação tiver por fundamento o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável, na impugnação do acto tributário de liquidação, em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, possa ser invocada qualquer ilegalidade desta , não viola o princípio constitucional contido no art° 268°, n° 4 da CRP, já que não pode considerar-se o sujeito passivo vinculado pelo acordo que seja obtido, sempre que não se demonstre que o representante agiu dentro dos limites dos seus poderes de representação e não agiu em sentido contrário a estes poderes.
II - Não é nula a sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão se o juiz, fazendo aplicação do disposto no art° 86°, n° 4 da LGT, que na sua parte final não permite que na impugnação do acto tributário de liquidação seja invocada qualquer ilegalidade desta, na medida em que houve acordo prévio entre o perito do contribuinte e o da Fazenda Pública no processo de revisão da matéria tributável, se decidiu pela ilegalidade da interposição da impugnação judicial com fundamento em errónea quantificação e qualificação da matéria tributável, ilegalidade de recurso a métodos indiciários e inexistência de facto tributário.
III -Entendendo o Tribunal que, nos termos do disposto na parte final do art° 86°, n° 4 das LGT, não é possível invocar na impugnação judicial do acto tributário de liquidação qualquer ilegalidade desta, na medida em que houve acordo entre os peritos da Comissão de Revisão, fica prejudicado o conhecimento de qualquer outra questão que com ela esteja ligada, pois é corolário desta decisão que não é possível conhecer da pretensão formulada."
Assim sendo, não é possível conhecer dos demais vícios invocados pela impugnante.
Para o caso de assim se não entender, vejamos se algum deles teria fundamento.”
E conheceu da caducidade do direito à liquidação.
A nosso ver, nem sequer dessa questão deveria conhecer porque prejudicada pela decisão sobre a inimpugnabilidade em virtude do acordo alcançado no Procedimento de Revisão.
Na verdade, o art.º 86.º/4 da LGT, determina(va) que “Na impugnação do acto tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta , pode ser invocada qualquer ilegalidade desta , salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável regulado no presente capítulo”.
Acresce que, no caso em análise, a AT recorreu a presunções, como método alternativo na fixação da matéria tributável e que os peritos (do Fisco e da Recorrente) chegaram, em sede do procedimento de revisão desencadeado, a acordo quer quanto à ocorrência dos pressupostos legais legitimadores do lançar mão da referida metodologia, quer quanto à fixação do «quantum» da matéria colectável no que concerne ao exercício de 2000.
Assim, à luz do aludido comando legal, é forçoso concluir que a impugnante não seja admitida a impugnar a liquidação em causa, quer enquanto possa dissentir da verificação dos pressupostos legais necessários ao recurso à avaliação indirecta, quer enquanto possa discordar do «quantum» fixado, designadamente por divergência dos critérios em que se possa ter suportado.
Claro que isso não significa que, em caso de avaliação indirecta em que os peritos tenham chegado a acordo em sede de procedimento de revisão, o contribuinte se veja de todo em todo manietado na possibilidade legal de impugnar judicialmente a impugnação da liquidação, desde logo por violação da nossa Lei Fundamental.
O que está é inibido de a impugnar, na medida em que tal impugnação vise (re)apreciar, qualquer que seja o ângulo por que possam ser colocadas , questões que tenham sido objecto de ponderação e decisão no aludido acordo dos peritos , precisamente como consagração da proibição de “venire contra factum proprium” , atenta a qualidade de representante do perito do contribuinte , pois tal significaria o “desdizer” daquilo a que se tinha , ao fim e ao cabo , vinculado em sede do procedimento de revisão.
Neste sentido aponta o Ac. do STA de 2004-11-23 ao afirmar que «a fixação da matéria tributável, sendo assunto da competência da Administração Tributária, foi objecto de um pedido de revisão formulado pela ora recorrente, nos termos do artigo 91º da LGT, e a liquidação tomou por base o acordo a que chegaram os peritos da Administração e da agora recorrente, tudo como consta da matéria de facto fixada.
Ora, sendo, hoje, o perito designado pelo contribuinte para o procedimento de revisão um seu representante, o acordo em que ele intervenha vincula o contribuinte, projectando-se na sua esfera jurídica. Agindo o seu perito em representação do contribuinte, não pode este queixar-se senão de si – a não ser que o seu perito actue para além dos poderes que lhe conferiu, que é questão que, no caso, se não levanta.
Deste modo, estamos perante algo que não é um puro acto de autoridade, cujo resultado se imponha ao contribuinte independentemente da sua vontade, mas perante um acordo entre um seu representante e o da Administração, vinculativo, aliás, para esta, e insusceptível, com a já apontada ressalva, de afectar os seus direitos ou interesses – o acordo consubstancia, antes, a realização desses direitos ou interesses.
Não vemos, pelas razões expostas, que haja impedimento constitucional a que a lei não admita que se invoque, na impugnação judicial do acto de liquidação, a errónea determinação da matéria tributável com base em avaliação indirecta, nos casos em que aquela matéria tenha sido encontrada mediante acordo obtido no processo de revisão.
3.6. Já não será constitucionalmente admissível que, na mesma impugnação, o contribuinte fique proibido de invocar vícios ocorridos no procedimento de avaliação indirecta e de revisão, excluídos do âmbito do que foi objecto do acordo.»
Ora, o que aqui constitui o cerne da discussão submetida à apreciação do tribunal recorrido é, não é a ocorrência de um vício no procedimento de revisão, mas a caducidade do direito á liquidação.
Todavia, patenteia a matéria de facto apurada que, dos termos da acta da reunião de peritos que tal questão se encontra englobada nas questões que foram objecto de análise, ponderação e decisão, por acordo, dos peritos.
Destarte, o contribuinte não tinha a possibilidade de impugnar judicialmente a liquidação em causa, com suporte no cometimento do aludido vício.
Daí que a sentença se deva manter na ordem jurídica mas com a presente fundamentação, improcedendo o recurso.
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4. - Nos termos expostos, acordam os Juízes deste Tribunal em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida com a antecedente fundamentação.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs.
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Lisboa, 20/01/2009
(Gomes Correia)
(Eugénio Sequeira)
(Manuel Malheiros)