Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02284/08
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/06/2008
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:RECURSO DO ARTº 89º A DA LGT E ARTº 146º B DO CPPT.
PRESSUPOSTOS DA AVALIAÇÃO INDIRECTA EM CASOS DE MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
Sumário:I) -Em termos gerais e como decorre do disposto no nº 2 do artº 87º da LGT, procede-se à avaliação indirecta nas situações em que não existem elementos fiáveis e suficientes para demonstrar exactamente o valor dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação e, por essa razão, a sua tributação é feita com base em indícios, presunções ou outros elementos de que a AT disponha, inclusivamente aqueles que poderiam ser utilizados na avaliação directa.

II) -A avaliação indirecta é, de resto, excepcional, a ela apenas se procedendo quando não seja viável a determinação da matéria tributável por meio da avaliação directa, seja por falta de elementos para se operar com esta, seja por existirem razões para suspeitar que o valor a que conduz a aplicação dos métodos de avaliação directa não é a matéria tributável real – cfr. artºs 87º, nº 1, al. c), e 89º da LGT).

III) -Estando em causa a avaliação indirecta da matéria colectável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna referidas na tabela constante do n.° 4, do artigo 89° A da Lei Geral Tributária, embora o nº 1 deste, ao referir a falta de declaração de rendimentos não indique expressamente qual o momento a ter em conta para apreciar essa falta, tem de entender-se que a declaração está em falta quando não seja apresentada no prazo legalmente estabelecido, e, «in casu» a declaração devia ser entregue até 30 de Abril de 2003.

IV) -Com o aditamento à LGT da alínea d) do art. 75.º da LGT e do art. 89.º-A, efectuado pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, o legislador criou um novo caso em que cessa a presunção de veracidade da declaração do contribuinte: o de existirem manifestações de fortuna em desproporção com os rendimentos declarados, tudo nos termos previstos na lei (designadamente, no caso de aquisição de imóveis de valor superior a 250.000 euros, quando o contribuinte declare rendimentos inferiores a 25.000 euros).

V) – Nas situações em que as manifestações de fortuna estejam em desproporção com os rendimentos declarados, a AT está legitimada a proceder à avaliação indirecta da matéria tributável (cfr. art. 87.º, alínea d), da LGT, alínea aditada pela referida Lei n.º 30-G/2000), salvo se o contribuinte provar que os rendimentos declarados correspondem à realidade (inversão do ónus da prova) e que a fonte dos rendimentos necessários para assegurar as manifestações de fortuna evidenciadas é outra (cfr. art. 89.º-A, n.º 3, da LGT).

VI) -Se o sujeito passivo não fizer a prova acima referida, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, categoria G (incrementos patrimoniais), o rendimento padrão apurado nos termos da tabela daquele preceito legal (para as aquisições de imóveis de valor superior a € 250.000, o rendimento padrão é de 20% do valor da aquisição), (cfr. o n.º 4 do art. 89.º-A, da LGT) a não ser que ocorram fundados indícios, de acordo com os critérios previstos no art. 90.º da LGT, que permitam à AT fixar rendimento superior.

VII) -A prova exigida ao contribuinte é apenas quanto à fonte das manifestações de fortuna evidenciadas, por forma a determinar se as mesmas foram omitidas à declaração para efeitos de IRS.

VIII) -Tendo o Contribuinte feito prova de que mobilizou, no ano a que respeita a aquisição, capital próprio e mutuado que aplicou na aquisição do imóvel em causa, tal prova é suficiente para ilidir a presunção de evasão fiscal relativamente aos rendimentos declarados naquele ano.

IX) –Não é exigível ao Contribuinte, para efeitos de ilidir a referida presunção, a demonstração da forma como adquiriu esses capitais (a menos que estivesse demonstrado que os mesmos foram gerados no próprio ano), pois o que está em causa é apenas averiguar se foram ou não omitidos rendimentos na declaração do próprio ano.

X) -Mas, tendo sido o recorrente que deu causa à acção por não ter cumprido as suas obrigações legais nem o ónus probatório que sobre ele impendia em devido tempo, não podendo vigorar aqui o princípio da justiça gratuita para o vencedor, deverá ser condenado nas custas processuais.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:Acorda-se, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:

I.- RELATÓRIO

V..., com os sinais identificadores dos autos, vem interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Lisboa, que julgou improcedente o recurso que interpusera ao agasalho dos artºs. 89º A, nºs 6, 7 e 8 da LGT e 146º B do CPPT, contra a fixação do rendimento tributável de IRS por métodos indirectos referente ao ano de 2003.
Em alegação, o recorrente formula conclusões que se apresentam do seguinte modo:
i. Nos termos do n.° 3 do art. 89-A da LGT, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou dos acréscimos de património ou de consumo evidenciados.
ii. Cabe assim demonstrar, que os bens adquiridos que evidenciam manifestações de fortuna, foram adquiridos com meios que não estavam sujeitos a declaração para efeitos de IRS no ano de 2003, em causa nos presentes autos (neste sentido, decidiu esse Tribunal Central Administrativo Sul, no Acórdão de 05-07-2005, proferido no Recurso n.° 00649/05).
iii. Resultou provado, que o recorrente era detentor em 21/10/2002, de um depósito no Banco Espírito Santo no montante de € 84.252,45, tendo sensivelmente um mês depois, em 25/11/2002, emitido cheque no montante de €50.000,00, sacado sobre a mesma conta, a favor da sociedade "F..., Lda.", sociedade vendedora do imóvel em causa por escritura pública celebrada em 14 de Julho de 2003.
iv. Sendo que os depósitos bancários não são sujeitos a declaração em sede de IRS, o recorrente, desde logo, provou que pelo menos € 50,000,00 foram aplicados na aquisição do imóvel em causa, não tendo sido omitidos à declaração em 2003.
v. Assim, o valor de €50.000,00 deve ser abatido no rendimento tributável calculado nos termos da al. d) do art. 87° e art. 89-A da LGT, razão pela qual, desde logo, a douta sentença em crise padece de erro de julgamento, não podendo em consequência, permanecer na ordem jurídica.
vi. Ao contrário do propugnado na douta sentença do Tribunal "a quo", o recorrente fez prova de que o montante obtido com o mútuo celebrado com a Caixa Geral de Depósitos, S. A., foi utilizado na compra do imóvel em causa.
vii. Foi expressamente referido na Cláusula 2ª do Documento Complementar elaborado nos termos do n° 2 do art. 64° do Código do Notariado, parte integrante da escritura pública celebrada, que o empréstimo concedido se destina à aquisição do imóvel hipotecado.
viii. O Mmo. Juiz "a quo" de factos conhecidos que considerou provados, destilou um facto desconhecido, que o recorrente ao contrário do que consta da escritura pública celebrada, havia destinado o crédito obtido a outras finalidades, ou seja presumiu.
ix. As presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art. 351° do CC).
x. Se a declaração negocial, por disposição da lei, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal (n° 1 do art. 393° do CC).
xi. O contrato de mútuo de valor superior a €20.000,00, só é valido se celebrado por escritura pública (art. 1143° do CC).
xii. Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior (n° 1 do art. 364° do CC).
xiii. Ora, não só a declaração em causa é sujeita a forma mais solene que a redução a escrito, escritura pública, como tem que ser provada por documento autêntico.
xiv. Assim, salvo melhor opinião, presumiu o Mmo. Juiz "a quo" o que não podia presumir, pelo que a douta sentença padece de erro de direito, devendo em consequência ser considerado provado que o recorrente e sua esposa afectaram o empréstimo concedido pela Caixa Geral de Depósitos S. A., à aquisição do imóvel em causa.
xv. Acresce que, a escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança celebrada, constitui documento autêntico, pelo que a sua força probatória só pode ser ilidida com base em falsidade, o que nem foi arguido pela Fazenda Pública, nem tão pouco conhecido oficiosamente pelo Tribunal de 1ª instância (n° 1 do art. 272°).
xvi. Assim, deveria ter sido considerado provado que o valor de €136.250,00 obtido com recurso ao mútuo celebrado com a Caixa Geral de Depósitos S.A. foi afecto pelo recorrente à compra do imóvel em causa, valor que não estava sujeito a declaração para efeitos de IRS.
xvii. Tal valor, bem como, o montante de €50.000,00 pago pelo recorrente à sociedade "F..., Lda." mediante o cheque n° ..., sacado sobre a sua conta constituída junto do "Banco Espírito Santo", salvo melhor opinião, deveriam ter sido tomados em conta na douta sentença recorrida.
xviii. Nestes termos, o montante de valor tributável fixado relativo a 2003, deve ser corrigido por esse Venerando Tribunal para €17.250,00 (20% de 272.500,00 -186.250,00 (136.250 + 50.000,00).
xix. A avaliação indirecta é subsidiária da avaliação directa, aplicando-se sempre que possível e a lei não prescrever em sentido diferente, as regras da avaliação directa (art. 85° n° s 1 e 2 da LGT).
xx. A lei só permite o recurso à avaliação indirecta, quando não for possível proceder à fixação da matéria tributável através da avaliação directa e, mesmo nestes casos, utilizar-se-ão na avaliação indirecta, na medida do possível as regras da avaliação directa.
xxi. A tal obriga o princípio da capacidade contributiva, (n° 1 do art. 4° da LGT), princípio de que resulta, directamente, a tributação pela riqueza, rendimento ou despesa reais.
xxii. A CRP aponta claramente no sentido da tributação da matéria colectável real e só desta, expressamente quanto à tributação das empresas que deve incidir fundamentalmente sobre o seu rendimento real,
xxiii. Implicitamente, quanto a tributação do rendimento pessoal, na medida em que se refere às necessidades e rendimentos do agregado familiar, necessariamente as necessidades e rendimentos concretos de cada agregado familiar, o que conduz ao rendimento real.
xxiv. Assim, no respeito pelo princípio da capacidade contributiva, atendendo ao carácter subsidiário da avaliação indirecta, deveria o montante dos rendimentos obtidos pelo recorrente não sujeitos a declaração em sede de IRS 2003, no valor de € 186.250,00, aplicados na aquisição do imóvel em causa, ter sido tomado em conta e, em consequência corrigido o valor tributário fixado, pelo que, salvo o devido respeito e melhor opinião, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento, não podendo permanecer na ordem jurídica.
Nestes termos, atentos os fundamentos expendidos, nos melhores de direito, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser julgado procedente, pelas razões expendidas, sendo revogada a douta sentença do Tribunal "a quo" e, em consequência, corrigido o valor tributário fixado nos termos acima expostos, com todas as consequências legais daí advindas.
Houve contra-alegações em que a FP conclui que, preenchido o pressuposto da avaliação indirecta da matéria colectável, e não tendo o recorrente, como lhe cumpria, comprovado integralmente que é outra a fonte da manifestação de fortuna, deve a sentença “a quo” ser mantida por ter feito correcta interpretação e aplicação do artº 89º-A da LGT, e, em consequência, o despacho recorrido, devendo assim negar-se provimento ao recurso.
O EPGA manifestou concordância com a argumentação da recorrida FP.
Os autos vêm à conferência depois de recolhidos os vistos legais.
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2.-FUNDAMENTAÇÃO
2.1.- DOS FACTOS
O Tribunal «a quo» deu como assentes as seguintes realidades e ocorrências:
Factos Provados
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a sua decisão:
1-Em 21/10/2002, o recorrente, Vítor Manuel Batista Gouveia, com o n.i.f. 204 056 675, mantinha depósitos à Ordem e a Prazo em contas bancárias abertas no "Banco Espírito Santo", com um saldo total de €84.252,45 (cfr. documento junto a fls.8 dos autos);
2-Em 25/11/2002, o recorrente preencheu o cheque nº..., sacado sobre conta existente no "Banco Espírito Santo" e titulando o montante de €50.000,00, endossado à ordem da sociedade "F..., L.da." (cfr. documento junto a fls.77 dos autos);
3-Em 14/7/2003, o recorrente e A..., com o n.i.f. ..., outorgando por si e na qualidade de procuradores das sociedades "F... - Construções e Investimentos, L.da." e "....- Sociedade de Edificações Urbanas, L.da.", pelo preço declarado de €272.500,00, em nome das sociedades suas representadas venderam a si próprios uma fracção autónoma destinada a habitação, designada pelas letras "AT", que corresponde ao edifício 7EB, Piso 5, habitação 5A, com a arrecadação nº.37 e os estacionamentos nfis.61, 62 e 63, do piso -2, do prédio sito na Zona de Intervenção da Expo 98, lote 4.28.02, da freguesia de Santa Maria dos Olivais, concelho de Lisboa, descrito na 8a.Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº3534, e com a aquisição registada a favor das sociedades vendedoras pela inscrição G, de 7/4/2000 (cfr. cópia da escritura pública junta a fls.9 a 16 dos presentes autos);
4-Na data da realização da escritura identificada no nº.3, a "Caixa Geral de Depósitos, S.A." concedeu um empréstimo ao recorrente e a A... no montante de € 136.250,00, tudo conforme consta da escritura pública e documento complementar juntos a fls.9 a 23 dos presentes autos;
5-Em 1/4/2004, o recorrente e outra, enviaram para os serviços competentes da A. Fiscal a declaração, modelo 3, de I.R.S, relativa ao ano fiscal de 2003, na mesma tendo declarado, além do mais e no que diz respeito aos rendimentos auferidos por ambos, rendimento de trabalho dependente no montante global de €13.331,63 (cfr. cópia da declaração de rendimentos de I.R.S. junta a fls. 106 a 110 dos autos);
6-A A. Fiscal levou a efeito acção de inspecção interna incidente sobre a situação tributária do recorrente, em sede de I.R.S. e relativamente ao ano de 2003, tendo elaborado o respectivo relatório onde propõe a fixação de matéria colectável ao sujeito passivo, através de métodos indirectos, no montante de €54.500,00 e a considerar como rendimento de categoria G, tudo ao abrigo dos artºs.87, al. d), e 89-A, da L. G. Tributária (cfr. cópia do relatório da A. Fiscal junto a fls.1 a 6 do processo administrativo apenso);
7-Para apuramento do montante de matéria colectável mencionado no nº.6, calculado ao abrigo do artº.89-A, nº.4, da L. G. Tributária, a Fazenda Pública considerou que o recorrente, no ano de 2003 adquiriu um imóvel pelo preço de €272.500,00, tendo declarado, em termos de rendimentos de I.R.S. o montante global de €13.331,63, assim se enquadrando a sua situação no âmbito de previsão do art-.89-A, nº.1, da L. G. Tributária, pelo que lhe foi fixada a matéria colectável no aludido montante de €54.500,00, o qual resulta da multiplicação da quantia de €272.500,00 por 20% (cfr. cópia do relatório da A. Fiscal junto a fls.1 a 6 do processo administrativo apenso);
8-Em 29/9/2006, o recorrente foi notificado pela A. Fiscal de todo o conteúdo do relatório identificado no nº.6, igualmente se fixando o prazo de dez dias para, além do mais, exercer o direito de audição prévia e prestar esclarecimentos relativos ao ano fiscal de 2003, nomeadamente no que diz respeito aos rendimentos declarados para efeitos de I.R.S. (cfr. documentos juntos a fls.13 a 16 do processo administrativo apenso);
9-O recorrente não exerceu o direito de audição prévia fixado no nº.8 (cfr. cópia do relatório da A. Fiscal junto a fls.1 a 6 do processo administrativo apenso);
10-Em 2/4/2007, concordando com informação e parecer prévios, o Sr. Director de Finanças de Lisboa procedeu à fixação de matéria colectável ao recorrente, através de métodos indirectos, no montante de €54.500,00 e a considerar como rendimento de categoria G, tudo ao abrigo dos artºs.87, al. d) e 89-A, da L. G. Tributária (cfr. despacho junto a fls.2 do processo administrativo apenso e que se dá aqui por integralmente reproduzido);
11-Em 23/5/2007, o recorrente foi notificado da decisão identificada no nº.10 (cfr. documentos juntos a fls.17 a 19 do processo administrativo apenso);
12-Em 1/6/2007, através de correio registado, Vítor Manuel Batista Gouveia enviou para o Tribunal o recurso que deu origem ao presente processo (cfr. documento junto a fls.29 destes autos).
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Factos não Provados
Dos factos constantes do recurso deduzido e da oposição formulada pela A. Fiscal, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
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Motivação da Decisão de Facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos e apenso constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
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2.2.- DO DIREITO:
Atenta a factualidade apurada e aquelas conclusões que delimitam o objecto do recurso, são as seguintes a questão a apreciar no presente recurso é, fundamentalmente, a de saber se foi legal a decisão de fixação de matéria colectável objecto do presente processo e se a prova do recurso ao crédito constitui facto suficiente para afas­tar a aplicação do regime do artigo 89° A da LGT.
Está em causa a avaliação indirecta da matéria colectável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna referidas na tabela constante do n.° 4, do artigo 89° A da Lei Geral Tributária.
Em termos gerais e como decorre do disposto no nº 2 do artº 87º da LGT, procede-se à avaliação indirecta nas situações em que não existem elementos fiáveis e suficientes para demonstrar exactamente o valor dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação e, por essa razão, a sua tributação é feita com base em indícios, presunções ou outros elementos de que a AT disponha, inclusivamente aqueles que poderiam ser utilizados na avaliação directa.
A avaliação indirecta é, de resto, excepcional, a ela apenas se procedendo quando não seja viável a determinação da matéria tributável por meio da avaliação directa, seja por falta de elementos para se operar com esta, seja por existirem razões para suspeitar que o valor a que conduz a aplicação dos métodos de avaliação directa não é a matéria tributável real – cfr. artºs 87º, nº 1, al. c), e 89º da LGT).
Na sentença recorrida considerou-se que:
-A Fazenda Pública começou por constatar que o recorrente, no ano de 2003, comprou um imóvel pelo preço de € 272.500,00, tendo declarado, em termos de rendimentos de I.R.S. o montante global de € 13.331,63, assim se enquadrando a sua situação no âmbito de previsão do art9.89-A, na.1, da L. G. Tributária (cfr.nº.5 a 7 da matéria de facto provada).
-O recorrente foi notificado, além do mais, para prestar esclarecimentos relativos ao ano fiscal de 2003, no que diz respeito aos rendimentos declarados para efeitos de IR.S., não tendo utilizado o direito que lhe foi concedido (cfr. n-s.8 e 9 da matéria de facto provada).
-Não tendo o recorrente colaborado com a A. Fiscal e verificando-se os pressupostos de aplicação, no caso concreto, do regime previsto no arte.89-A, da L. G. Tributária, o Director de Finanças de Lisboa procedeu à fixação de matéria colectável, através de métodos indirectos, no montante de € 54.500,00 e a considerar como rendimento de categoria G (cfr.nº.7 e 10 da matéria de facto provada).
-Em sede contenciosa, o recorrente fez prova documental de que teve acesso a outros rendimentos, que não os declarados em sede de I.R.S. no ano de 2003 (cfr.nº.1, 2 e 4 da matéria de facto provada).
-No entanto, a prova produzida não foi no sentido de que os rendimentos em causa (quer o montante de € 84.252,45 detido pelo recorrente em depósitos à Ordem e a Prazo de contas bancárias abertas no "Banco Espírito Santo"; quer o montante de € 136.250,00 a que teve acesso através de empréstimo concedido pela "Caixa Geral de Depósitos, S.A.") tenham sido directamente aplicados na aquisição do imóvel. Assim é, porquanto, o recorrente não fez prova concreta de que qualquer das quantias em causa foi entregue às sociedades vendedoras do imóvel, embora tenha sido expressamente notificado pelo Tribunal para demonstrar tal factualidade (cfr. despacho exarado a fls.70 dos presentes autos). Especificamente, em relação ao empréstimo concedido pela "Caixa Geral de Depósitos, S.A.", embora exista prova documental que afirme que tal mútuo foi celebrado em virtude da aquisição do imóvel, não consta dos autos prova de que tal quantia (€ 136.250,00) foi efectivamente mobilizada para esse efeito. A verdade é que as circunstâncias especiais do negócio em causa, venda de um imóvel realizada por duas sociedades a procuradores das mesmas, suscita fundadas dúvidas sobre o verdadeiro destino do montante pecuniário a que se alude. Concretizando, será que tal quantia se destinou a custear parcialmente a compra efectuada ou, por outro lado, não estaremos antes perante uma forma encoberta de obter capitais para qualquer outra finalidade, com uma taxa de juro muito favorável, correspondente à do crédito à habitação. Nestes termos, exigia-se que o recorrente apresentasse prova documental complementar de que o montante obtido com tal empréstimo foi efectivamente utilizado na compra do imóvel em apreço.
-Concluindo, salvo melhor opinião, o recorrente não conseguiu ilidir a presunção de evasão fiscal, relativamente aos rendimentos declarados em 2003, prevista no artº89-A, nº3, da L. G. Tributária.
A isto opõe o recorrente que resultou provado, que o recorrente era detentor em 21/10/2002, de um depósito no Banco Espírito Santo no montante de €84.252,45, tendo sensivelmente um mês depois, em 25/11/2002, emitido cheque no montante de €50.000,00, sacado sobre a mesma conta, a favor da sociedade "F..., Lda.", sociedade vendedora do imóvel em causa por escritura pública celebrada em 14 de Julho de 2003.
Sendo que os depósitos bancários não são sujeitos a declaração em sede de IRS, o recorrente, desde logo, provou que pelo menos €50,000,00 foram aplicados na aquisição do imóvel em causa, não tendo sido omitidos à declaração em 2003.
Assim, o valor de €50.000,00 deve ser abatido no rendimento tributável calculado nos termos da al. d) do art. 87° e art. 89-A da LGT, razão pela qual, desde logo, a douta sentença em crise padece de erro de julgamento, não podendo em consequência, permanecer na ordem jurídica.
Ao contrário do propugnado na douta sentença do Tribunal "a quo", o recorrente fez prova de que o montante obtido com o mútuo celebrado com a Caixa Geral de Depósitos, S. A., foi utilizado na compra do imóvel em causa.
E, sendo expressamente referido na Cláusula 2ª do Documento Complementar elaborado nos termos do n° 2 do art. 64° do Código do Notariado, parte integrante da escritura pública celebrada, que o empréstimo concedido se destina à aquisição do imóvel hipotecado, o Mmo. Juiz "a quo" de factos conhecidos que considerou provados, destilou um facto desconhecido, que o recorrente ao contrário do que consta da escritura pública celebrada, havia destinado o crédito obtido a outras finalidades, ou seja presumiu.
Assim, a questão central deste recurso é a de saber se a sentença recorrida fez ou não correcta interpretação do disposto no n.º 3 do art. 89.º-A da LGT.
Na senda do Acórdão do TCAS de 05-07-2005, tirado no Recurso nº 649/05 – Secção CT - 2º Juízo, a denominada Lei de Reforma da Tributação do Rendimento – Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro – veio, no capítulo relativo às medidas de combate à evasão e fraude fiscais, introduzir uma importante alteração nas regras relativas ao ónus da prova e à possibilidade de recurso a métodos indirectos na determinação da matéria tributável.
Aquela diploma veio excluir da presunção de veracidade das declarações do contribuinte os casos em que os rendimentos declarados para efeitos de IRS se revelem desproporcionados, para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento indiciados por determinadas manifestações de fortuna.
O aditamento à LGT da alínea d) do artº 75º da LGT e do art. 89º-A, efectuado pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, pretendeu o legislador fazer cessar a presunção de veracidade da declaração do contribuinte quando existam manifestações de fortuna em desproporção com os rendimentos declarados.
Em tal situação, passou a ser lícito à AT proceder à avaliação indirecta da matéria tributável (cfr. art. 87.º, alínea d), da LGT, alínea aditada pela referida Lei n.º 30-G/2000), a menos que o contribuinte prove que os rendimentos declarados correspondem à realidade (inversão do ónus da prova) e que a fonte dos rendimentos necessários para assegurar as manifestações de fortuna evidenciadas é outra (cfr. art. 89.º-A, n.º 3, da LGT).
De harmonia com o disposto no n.º 4 do art. 89.º-A, da LGT, se o sujeito passivo não fizer tal prova, considera-se como rendimento tributável em sede de IRS, categoria G (incrementos patrimoniais), o rendimento padrão apurado nos termos da tabela daquele preceito legal (para as aquisições de imóveis de valor superior a €250.000, o rendimento padrão é de 20% do valor da aquisição), a menos que existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no art. 90.º da LGT, que permitam à AT fixar rendimento superior.
«In Casu», tendo a AT verificado que o Contribuinte adquiriu no ano de 2003 um imóvel pelo preço de € €272.500,00 e que, para efeitos de IRS desse ano, declarou rendimentos de €13.331,63, entendeu que se enquadrava a sua situação no âmbito de previsão do art-.89-A, nº.1, da L. G. Tributária, pelo que lhe foi fixada a matéria colectável no aludido montante de €54.500,00, o qual resulta da multiplicação da quantia de €272.500,00 por 20%.
Em 29/9/2006, o recorrente foi notificado pela A. Fiscal de todo o conteúdo do relatório identificado no nº.6, igualmente se fixando o prazo de dez dias para, além do mais, exercer o direito de audição prévia e prestar esclarecimentos relativos ao ano fiscal de 2003, nomeadamente no que diz respeito aos rendimentos declarados para efeitos de I.R.S. (cfr. documentos juntos a fls.13 a 16 do processo administrativo apenso), sendo que o recorrente não exerceu o direito de audição prévia fixado no nº.8 (cfr. cópia do relatório da A. Fiscal junto a fls.1 a 6 do processo administrativo apenso). E foi por isso que, em 2/4/2007, concordando com informação e parecer prévios, o Sr. Director de Finanças de Lisboa procedeu à fixação de matéria colectável ao recorrente, através de métodos indirectos, no montante de €54.500,00 e a considerar como rendimento de categoria G, tudo ao abrigo dos artºs.87, al. d) e 89-A, da L. G. Tributária (cfr. despacho junto a fls.2 do processo administrativo apenso e que se dá aqui por integralmente reproduzido).
Ora, todo este proceder da AT originou a inversão do ónus da prova estabelecida pelo referido n.º 3 do art. 89.º-A da LGT.
Já em sede de recurso dessa decisão, o contribuinte logrou provar através de declaração bancária que, em 21/10/2002, tinha em depósito no Banco Espírito Santo o montante de €84.252,45, tendo em 25/11/2002, emitido cheque no montante de €50.000,00, sacado sobre a mesma conta, a favor da sociedade "F..., Lda.", sociedade vendedora do imóvel em causa por escritura pública celebrada em 14 de Julho de 2003.
Através da junção da respectiva escritura, provou ainda que o valor de €136.250,00 obtido com recurso ao mútuo celebrado com a Caixa Geral de Depósitos S.A. foi afecto pelo recorrente à compra do imóvel em causa, valor que, tal como o montante de €50.000,00 foi pago pelo recorrente à sociedade "F..., Lda." mediante o cheque n° ..., sacado sobre a sua conta constituída junto do "Banco Espírito Santo".
A ser assim, o contribuinte logrou, sem sede de recurso, provar que mobilizou capitais que detinha em conta de depósito a prazo e que recorre ao crédito por um valor que, somado com aquele, é de montante suficiente para efectuar a aquisição em causa.
Significa que com esses documentos o Contribuinte ilidiu a presunção de evasão fiscal relativamente aos rendimentos declarados naquele ano, que era o que estava em causa, pois demonstrou que o imóvel foi adquirido com meios que não estavam sujeitos a declaração para efeitos de IRS pois, os depósitos a prazo, rectius, os juros gerados pelos capitais depositados não estão sujeitos a declaração obrigatória.
Na esteira do douto aresto acima citado, “não carecia o Contribuinte, para efeitos de ilidir a referida presunção, de demonstrar a forma como adquiriu esses capitais, pois o que está em causa é apenas averiguar se estes foram ou não omitidos na declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2003 e não a outros. Só assim não seria se tivesse ficado demonstrado que os capitais mobilizados no ano de 2003 foram gerados no próprio ano. Nessa hipótese, sim, careceria o Contribuinte de demonstrar qual a origem desses capitais, por forma a poder sindicar-se se os mesmos haviam ou não sido omitidos à declaração de rendimentos desse ano.
Poderia o legislador ter estabelecido que compete aos contribuintes a prova da forma como adquiriram os meios que lhes permitem determinadas manifestações de fortuna, sob pena de avaliação indirecta do rendimento tributável. Nessa eventualidade, teriam razão a Entidade recorrida e o Juiz do Tribunal de 1.ª instância. Mas, a nosso ver, a lei não foi tão longe, ficando-se pela inversão do ónus da prova da veracidade dos rendimentos declarados no ano em causa, bastando ao contribuinte demonstrar que os meios que lhe permitiram as manifestações de fortuna em causa não estavam sujeitos a declaração nesse ano.
Não podemos nunca esquecer que está em causa apenas a determinação da matéria tributável para efeitos de IRS do ano de 2003 e que só relativamente a este ano funciona a inversão do ónus da prova, que faz recair sobre o contribuinte a prova da veracidade dos rendimentos declarados.
Afigura-se-nos, pois, que a sentença recorrida não fez a melhor interpretação do n.º 3 do art. 89.º-A, da LGT, motivo por que não podemos manter-se.
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Todavia, a Administração, em geral, e o contribuinte, em particular, gozam da presunção de boa - fé na sua actuação, o que implica que aquela deva poder confiar nas indicações constantes das notificações que fez ao contribuinte, sendo essa confiança digna de tutela em decorrência do princípio constitucional da protecção da confiança.
Destarte, não poderá afirmar-se que foi o contribuinte que deu causa às custas quando não cumpriu a sua obrigação declarativa atempadamente (prestar os esclareceimentos que lhe foram pedidos), dando causa legítima ao procedimento da avaliação indirecta, que estava legalmente imposto à AT.
É que em matéria de responsabilização pelo pagamento das custas, estas devem ser suportadas por quem a elas houver dado causa (artigo 446º do C.P.C.), isto é, por quem pleiteia sem fundamento, que carece de razão no pedido formulado, que, em suma, exerce no processo uma actividade injustificada.
A actuação da lei não deve traduzir-se num sacrifício patrimonial para a parte em benefício da qual essa actuação se realizou, pois é interesse do Estado que a utilização do processo não acarrete prejuízo ao litigante que tem razão.
Mas, dúvidas não sobram de que foi o recorrente que lhes deu causa por não ter cumprido as suas obrigações legais nem o ónus probatório que sobre ele impendia em devido tempo, não podendo vigorar aqui o princípio da justiça gratuita para o vencedor nos termos atrás consignados.
Termos em que, embora procedente o recurso, há lugar a tributação por ter sido o recorrente que deu causa á acção.
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3. - DECISÃO: -
Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, anulando, em consequência, o despacho do Exmº Director Geral dos Impostos de fixação de rendimentos nos termos do artº 89º A da LGT para o exercício de 2003.
Custas a cargo do Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC's.
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Lisboa, 06/05/08
(Gomes Correia)
(Eugénio Sequeira)
(Manuel Malheiros)