Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02942/07
Secção:Contencioso Administrativo - 2º Juízo
Data do Acordão:10/25/2007
Relator:Rogério Martins
Descritores:ARTIGO 128.º N.º1 DO CPTA
SUSPENSÃO DA EFICÁCIA
PONDERAÇÃO DE INTERESSES
MINISTÉRIO DAS FINANÇAS
REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA
Sumário:I – A segunda parte do n.º 1 do artigo 128º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, dispõe sobre uma situação por natureza excepcional que permite a imediata execução do acto: quando o diferimento da execução, motivado pela demora do processo cautelar e pela suspensão automática imposta por lei, acarreta um grave prejuízo para o interesse público, independentemente de qualquer juízo de legalidade sobre o acto.
II - Só a manifesta improcedência da pretensão deduzida ou a deduzir no processo principal impõe o indeferimento do pedido de suspensão. Se não for manifesta a falta de fundamento da pretensão deduzida ou a deduzir, a previsibilidade de inêxito do processo principal cabe ainda no comando normativo da alínea b), do n.º 1 do art.º 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que permite deferir o pedido de suspensão, uma providência tipicamente conservatória.
III - Afirmar que não é manifesta a falta de fundamento da pretensão do processo principal constituiu um comprometimento menor daquilo que se decide no processo cautelar em relação ao que se decidirá a final no processo principal, do que decidir logo no processo cautelar que é manifesta a falta de fundamento, pelo que, sendo absolutamente discutível qual a solução que deverá ser adoptada pelo tribunal no processo principal, não existe razão para assumir um compromisso maior do que a simples afirmação de que não é manifesta a falta de fundamento da pretensão deduzida ou a deduzir nesse processo.
IV - Existindo, por parte da Requerente Região Autónoma da Madeira, prejuízos irreparáveis se não for suspensa a execução dos actos em apreço (a impor a retenção da transferência de verbas para aquela Região Autónoma), em concreto, a necessidade de reescalonar obras públicas para datas posteriores, tais como infantários, centros de saúde, escolas básicas e secundárias, lares de terceira idade, centros de dia, mercados, obras essas já incluídas em plano e com prazos de conclusão fixados, e não existindo – porque não foram demonstrados – prejuízos para o Estado Português, impõe-se deferir o pedido de suspensão.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes do Tribunal Central Administrativo:

O Ministério das Finanças e da Administração Pública interpôs recurso jurisdicional do despacho de 29.5.2007, a fls. 651-653, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, pelo qual foi declarada ineficaz a resolução proferida ao abrigo do disposto no art.º 128º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, na pendência do pedido de suspensão da eficácia deduzido pela Região Autónoma da Madeira.

Invoca para tanto que o despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação.

A Região Autónoma da Madeira contra-alegou defendendo a validade e acerto do despacho recorrido.

O Ministério das Finanças e da Administração interpôs igualmente recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, de 1.6.2007, a fls. 656-696, pela qual foi deferido o pedido de suspensão dos despachos do Ministro das Finanças, de 4.10.2006 e 27.10.2006, que determinaram a retenção de transferência financeira do Estado para a Região Autónoma da Madeira.

Invocou a nulidade da sentença por falta de fundamentos de facto e de direito; por contradição entre os fundamentos e a decisão e por excesso de pronúncia.

A Região Autónoma da Madeira contra-alegou também neste recurso, mais uma vez a defender a validade e acerto da decisão recorrida.

O M.mo Juiz a quo proferiu despacho de sustentação.

O Ministério Público neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência de ambos os recursos.

Notificadas as partes deste parecer, veio o Ministério das Finanças e da Administração Pública pronunciar-se, mantendo no essencial a posição assumida nos requerimentos de interposição de recurso; aproveitou o ensejo para juntar cópia do parecer sobre a conta da Região Autónoma da Madeira de 2005, aprovado pelo Tribunal de Contas em sessão de 20.6.2007.
*
Nada obsta ao conhecimento de mérito. Cumpre decidir.
*

1º RECURSO (despacho de 29.5.2007, a fls. 651-653).

É o seguinte o teor do despacho recorrido, na parte relevante:

“ (…)
1. No presente processo, a Região Autónoma da Madeira pede contra o Ministério das Finanças a suspensão da eficácia do Despacho do Sr. MF de 27. 30. 2006 que:
Aplicou, em 27.10.2006, à RAM, a consequência financeira prevista no cit. art. 9°-3, artigo que invoca expressamente, quanto a 119.6 milhões de euros, faseadamente entre o 4º trimestre de 2006 e 2011 (14.6 milhões em 2006 e 22 milhões por ano desde 2007 até 2011), por alegada violação do cit. art. 70"-l da Lei do Orçamento do Estado (ZOE) para 2005, por ter sido detectado em 2006 que a RAM não comunicara à DGO dívidas de 2005 a fornecedores naquele montante (despesa não paga), considerando haver um aumento de endividamento líquido naquele montante calculado pelo INE de acordo com o SEC95, endividamento líquido proibido e não relevado em 2005;
O Sr. MF refere ali expressamente a consolidação orçamental do país como contexto, um apuramento do endividamento líquido da RAM de 2005 calculado pelo INE (despesa não paga, detectada na sequência de uma titularização de créditos) segundo as regras do SEC95, endividamento esse sem a autorização do MF exigida no art. 70°-2 LEOE e não reflectido nas contas entregues a DGO relativas à execução orçamental de 2005, concluindo que o dito desrespeito pelos limites de endividamento é clara violação das regras de boa execução orçamental;
E, para a aplicação faseada da consequência, invoca os princípios da adequação e da proporcionalidade.
2. A ER foi citada a 7.3.2007.
3. Em 20.3.2007, a ER tomou a "resolução fundamentada" a que se alude no art. 128° CPTA, que juntou aos autos a 21.3.2007, conforme DOC. a fls. 522 ss, que dou aqui por reproduzido.
4. O MF, entretanto, em Abril de 2007, fez já a dedução nas verbas normalmente transferidas para a Região Autónoma da Madeira do montante referido no citado Despacho (na rubrica "08.04.02-AO-00 - transferência de solidariedade" ) - doc. 1 ora junto.
É o que resulta da conduta articulada das partes e dos docs. juntos.
DIREITO
Quando seja requerida a suspensão da eficácia de um acto administrativo, a autoridade administrativa, recebido o duplicado do requerimento, não pode iniciar ou prosseguir a execução, salvo se, mediante resolução fundamentada, reconhecer, no prazo de 15 dias, que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.
Já vimos o teor do art. 128-1-2 CPTA (sobre esta norma, v., por todos, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA..., Comentário ao CPTA, 2a ed.; Paulo H. Pereira Gouveia, in Cadernos de Justiça Administrativa n° 55). Muito claro.
Como pretende a Requerente, para aferirmos no caso da correcção da conduta da ER, teremos de analisar a dita "resolução".
Ora, lida e relida tal "resolução", o tribunal conclui sem dúvidas que a mesma é vaga e insuficiente. Isto é: a ER limita-se a historiar sumariamente o ocorrido até ao seu Despacho de 27.10.2006 e a remeter para a legislação que considera aplicável, referida no cit. Despacho suspendendo.
Mas, a verdade é que não há a mínima demonstração/invocação concreta de que a não execução provisória do Despacho (durante este processo cautelar, até à decisão cautelar) seria aqui gravemente prejudicial para o interesse público (o interesse geral de uma comunidade, ligado à satisfação das necessidades colectivas desta, o bem comum).
Feio que as razões constantes da "resolução" improcedem.
Donde resulta que o acto suspendendo não podia nem pode ainda ser executado.
Cfr. assim:
- Ac. do TCAS de 13.10.2005, P. n° 1052/05;
- Ac. do TCAN de 1.3.2007, P. n° 244/06.IBEMDL-A;
- MÁRIO AROSO DE ALMEIDA..., Comentário ao CPTA, 2a ed., notas ao art. 128°.
III
Pelo exposto, declaro juridicamente ineficaz o acto de retenção/dedução acima descrito, devendo o MF entregar de imediato à Região Autónoma da Madeira o cit. montante de 5.250.000,00 EUROS.
(…)”

São as seguintes as conclusões das alegações e que definem o objecto do 1º recurso (ver fls. 708-709):

a) A decisão recorrida não contém qualquer fundamentação de facto ou de direito, que permita ao recorrente ajuizar de forma séria a razão de ser do Despacho recorrido;
b) A mesma decisão nem sequer remete para qualquer fundamentação inteligível que permita uma alegação de recurso minimamente fundamentada;
c) O Despacho recorrido é, na verdade, vazio e ausente de qualquer fundamento ou justificação, (basta proceder à sua leitura, necessariamente breve e rápida).
d) Tal Despacho viola, pois, frontalmente artigo 668° n°1 alínea b) do CPC.

1. A nulidade do despacho por falta de fundamentação:

Uma decisão judicial apenas é nula quando lhe falta em absoluto qualquer fundamentação; a simples deficiência, mediocridade ou erro de fundamentação afecta o valor doutrinal da decisão que, por isso, poderá ser revogada ou alterada, mas não produz nulidade (art.ºs 666º, n.º 3, e 668º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil; Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), p. 140; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11.9.2007, recurso 059/07).

No caso dos autos o despacho ora atacado refere a resolução fundamentada, remetendo para o respectivo texto, e reproduz o teor do preceito ao abrigo do qual a mesma foi emitida, o art.º 128º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Conclui depois que a resolução não demonstra quais os motivos pelos quais a imediata execução dos despachos cuja suspensão foi requerida se impunha. Dito de outro modo, quais as razões, de grave interesse público, para não se aguardar pela decisão cautelar.

Estão indicados, de forma suficiente, os fundamentos da decisão: a “resolução fundamentada” não está devidamente fundamentada.

Improcede, pois, a arguição de nulidade do despacho de fls. 651-653.

2. O mérito do despacho recorrido:

O Recorrente apenas menciona a nulidade do despacho recorrido, nulidade esta que, como acabou de se decidir, não existe. O que bastaria para a improcedência deste recurso jurisdicional.

Admitindo, contudo, que está implícita, nas alegações de recurso, uma censura ao mérito do despacho, pronunciar-nos-emos sobre o mérito.

A resolução fundamentada, aqui em causa, tem este teor:
“ (…)
Ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 128º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos entendo que não devo suspender a execução do meu Despacho de 27 de Outubro de 2006 pelo qual se operou a redução das transferências para a Região Autónoma da Madeira (RAM), uma vez que o diferimento da respectiva execução será gravemente prejudicial para o interesse público pelos seguintes fundamentos:
O endividamento líquido da RAM, verificado e detectado pelo Instituto Nacional de Estatística com referência à execução orçamental de 2005, não se conteve dentro dos limites estabelecidos no artigo 70º, n.° 1, da Lei n.° 55-B/2004, de 30 de Dezembro, Lei do Orçamento do Estado de 2005 - variação nula - importando o referido endividamento da RAM em € 119,6 milhões (valor que inclui Governo Regional, Serviços e Fundos Autónomos);
Subsumindo-se a situação referida no ponto anterior às normas conjugadas dos Regulamentos do Conselho n.º 3605/93, de 22 de Novembro, n. ° 2223/96 de 25 de Junho (SEC 95), e n.° 475/2000, de 28 de Fevereiro, evidenciou-se o referido excesso de endividamento, não permitido por lei e com reflexo negativo no saldo global das contas das Administrações Públicas;
Consequentemente e em cumprimento do n.° 3 artigo 9º da Lei n.° 91/2001, de 20 de Agosto, republicada pela Lei 48/2004, de 24 de Agosto, determinei a redução das transferências devidas pela Lei do Orçamento do Estado de 2006 (ano subsequente ao do endividamento) para a RAM no exacto montante do excesso de endividamento apurado, isto é, €119,6 milhões;
O despacho em causa foi proferido exclusivamente no estrito cumprimento da legalidade o que implica a observância rigorosa de todas as normas legais de controlo e acompanhamento orçamental, nomeadamente as previstas na Lei de Novembro, n. ° 2223/96, de 25 de Junho (SEC 95), n.° 475/2000, de 28 de Fevereiro, na Resolução do Conselho Europeu relativa ao Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) de 17 de Junho de 1997, nas Conclusões do Conselho Europeu de 22/23 de Março de 2005, que aprovaram a revisão do PEC, no Regulamento do Conselho (EC) n.º 1466/97, de 7 de Julho, relativo ao reforço da supervisão das situações orçamentais e à supervisão e coordenação das políticas económicas, alterado pelo Regulamento n.°1055/2005 de 27 de Junho, e pelo Regulamento do Conselho (CE) n.º 1467/97, de 7 de Julho, relativo à aceleração e clarificação da aplicação do Procedimento dos Défices Excessivos, alterado pelo Regulamento do Conselho (CE) n.° 1056/2005, de 27 de Junho.
Em conclusão, impõe-se que se mantenha a execução do meu despacho de 27 de Outubro de 2006, sob pena de se verificar uma situação de extrema e grave lesão do interesse público por incumprimento da legalidade financeira, exigida, nomeadamente, pelos dispositivos legais mencionados na presente Resolução.
(…)”

Na realidade, como concluiu a decisão recorrida, lendo e relendo a resolução em apreço, nada se encontra que preencha a previsão do art.º 128º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Mais uma vez importa trazer à colação este dispositivo legal:

Artigo 128º Proibição de executar o acto administrativo
1 - Quando seja requerida a suspensão da eficácia de um acto administrativo, a autoridade administrativa, recebido o duplicado do requerimento, não pode iniciar ou prosseguir a execução, salvo se, mediante resolução fundamentada, reconhecer, no prazo de 15 dias, que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público. (*)

Da resolução fundamentada resulta que a Entidade Requerida, ora Recorrente, está convencida da legalidade dos actos cuja suspensão foi pedida. O que é absolutamente normal.

Anormal seria a Entidade Requerida estar convencida da ilegalidade dos actos e mesmo assim persistir na respectiva execução.

Normal é também que a manutenção de uma situação contrária à prática de um acto legal traduza um prejuízo para o interesse público, pela situação de ilegalidade, em si mesma.

Mas o artigo 128º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos não permite a execução imediata de um acto administrativo cujo autor está convencido de ser um acto legal, depois de ter recebido o duplicado do pedido de suspensão. Essa é a situação de normalidade em que o acto deve ser suspenso, por decorrência directa da lei - primeira parte do preceito.

A segunda parte do preceito, invocado pela resolução fundamentada, não dispõe sobre esta situação comum quando é deduzido o pedido de suspensão; dispõe sobre uma situação por natureza excepcional: quando o diferimento da execução, motivado pela demora do processo cautelar e pela suspensão automática imposta por lei, acarreta um grave prejuízo para o interesse público.

Independentemente de qualquer juízo de legalidade sobre o acto.

Juízo que, feito pelo próprio autor do acto para afastar a suspensão determinada pelo legislador, seria uma curiosidade que este certamente não quis consagrar - art.º 9º, n.º 3, do Código Civil.

Ora da resolução fundamentada nada resulta que permita concluir que a suspensão da execução dos actos em apreço durante o período de normal demora do pedido de suspensão (alguns meses, incluindo as várias instâncias de recurso legalmente admissíveis) acarrete grave prejuízo para o interesse público.

Conclui-se, portanto, que o despacho recorrido fez uma apreciação criteriosa dos factos que resultam dos autos, enunciando-os de forma suficiente, e o adequado enquadramento jurídico dos mesmos, improcedendo todas as conclusões do Recorrente, as quais em nada permitem contrariar o decidido.

Face ao disposto no artigo 713º, n.ºs 5 e 6, do Código de Processo Civil, impõe-se manter na íntegra a decisão recorrida.

2º RECURSO (sentença de 1.6.2007, a fls. 656-696):

São as seguintes as conclusões das alegações e que definem o objecto deste segundo recurso:

A sentença recorrida é nula, uma vez que:
a) Não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
b) Por outro lado, contém fundamentos que estão em frontal oposição com a decisão;
c) Conhece sobre questões sobre as quais não se podia pronunciar, designadamente, quando se refere os efeitos (quais???) que podem ocorrer na sociedade madeirense.

1. A nulidade da sentença:

Mais uma vez se repete: só ocorre a nulidade da sentença por falta de fundamentação, quando esta falta é absoluta e não nos casos de fundamentação insuficiente, errada ou medíocre.

Por outro lado, a nulidade prevista na alínea c) do n° 1 do art. 668° do C.P.C. reporta-se ao plano interno da sentença, a um vício lógico na construção da decisão, que só existirá se entre esta e os seus motivos houver falta de congruência em termos tais que os fundamentos invocados pelo juiz devessem logicamente conduzir a resultado oposto ao expresso na decisão (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11.9.2007, recurso 059/07).

Ora, quando à alegada falta de fundamentação, ao contrário do que defende o Recorrente a sentença tem matéria de facto (extensa e não contestada) e matéria de direito suficiente para sustentar o dispositivo decisório.

Foi entendido que quanto ao primeiro acto havia pelo menos uma manifesta ilegalidade, a manifesta falta de fundamentação legal, o que fazia enquadrar o caso na previsão no n.º 1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, permitindo prescindir, em relação à suspensão desse acto, da ponderação de interesses em causa.

Se este entendimento é correcto ou não, se vai contra o disposto na Constituição ou não, são questões que não interessam para a análise da excepção de nulidade da sentença.

Quanto ao segundo acto entendeu-se não haver qualquer evidente ilegalidade mas em relação a alguns fundamentos ser provável o êxito da acção principal ou, em relação aos restantes, pelo menos não ser manifesta a falta de fundamento. Daí enquadrar-se o pedido de suspensão deste segundo acto, medida cautelar tipicamente conservatória, na alínea b) do mesmo preceito, procedendo-se em consequência à ponderação dos interesses em presença, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, norma expressamente invocada.

Não se vislumbra aqui qualquer omissão ou sequer insuficiência no alinhamento de factos relevantes ou de normas jurídicas aplicáveis ao caso.

Assim como não há qualquer incongruência.

As premissas são as previstas na lei: evidência de bom direito em relação ao ataque ao primeiro acto; inexistência de manifesta improcedência em relação aos vícios imputados ao segundo acto; ponderação de interesses a favor do requerente.

A conclusão é aquela que estas premissas impõem: a suspensão da execução dos actos.

Entendemos, como melhor se passará a explicar, ter existido erro, embora não decisivo para o desfecho do pedido de suspensão, ao considerar-se ser evidente a falta de fundamentação legal do primeiro acto. Mas trata-se apenas de um erro de julgamento, não de uma nulidade.

Finalmente a sentença recorrida não se pronuncia sobre questões que não devesse conhecer.

Pronunciou-se sobre a aparência do bom direito, declarando ser evidente a procedência do processo principal em relação ao primeiro acto e não ser, pelo menos, manifesta a falta de fundamento em relação ao segundo, efectuando depois a ponderação dos interesses em presença. Tudo de acordo com o previsto no art.º 120º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e sem extravasar minimamente o âmbito do pedido.

Em concreto os prejuízos para a sociedade madeirense, aqui legitimamente defendidos pela Região Autónoma da Madeira, são prejuízos a ter em conta nessa ponderação dos “interesses em presença”.

Não se verifica, em suma, qualquer das nulidades imputadas à sentença recorrida.

2. O mérito da sentença:

O Recorrente apenas menciona a nulidade da sentença recorrida, nulidade esta que, como acabou de se decidir, não existe. O que bastaria para a improcedência também deste segundo recurso.

Admitindo, contudo, que está implícita, nas alegações de recurso, uma censura ao mérito do despacho, pronunciar-nos-emos sobre o mérito.

2.1. Foram dados como sumariamente provados os seguintes factos (não conclusões), sem reparos das partes:

. A Entidade Administrativa Ministério das Finanças (através do Ministro) praticou dois actos administrativos, visando a Entidade Administrativa Região Autónoma da Madeira, a saber:

1º (documento 11 do requerimento inicial)
Suspendeu, em 4.10.2006, a prevista transferência financeira para a Região Autónoma da Madeira relativa ao 4º trimestre de 2006, invocando o art. 70°- l da Lei do Orçamento do Estado para 2005 e o art. 9°- 3 da Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado, e referindo que: o Instituto Nacional de Estatística apurou uma anómala "despesa não paga" de 2005 da Região Autónoma da Madeira; que solicitou ao Presidente do Governo Regional da Madeira a informação conveniente; e que havia que salvaguardar no ano corrente de 2006 a eventual execução do disposto no cit. art. 9°-3 da Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado;

2o) (documento 10 do requerimento inicial)
Aplicou, em 27.10.2006, à RAM, a consequência prevista no cit. art. 9°- 3, artigo que invoca expressamente, quanto a 119.6 milhões de euros, faseadamente entre o 4º trimestre de 2006 e 2011 (14.6 milhões em 2006 e 21 milhões por ano desde 2007 até 2011), por alegada violação do cit. art. 70°- l da Lei do Orçamento do Estado para 2005, por ter sido detectado em 2006 que a Região Autónoma da Madeira não comunicara à Direcção-Geral do Orçamento dívidas de 2005 a fornecedores naquele montante (despesa não paga), considerando haver um aumento de endividamento líquido naquele montante calculado pelo Instituto Nacional de Estatística de acordo com o SEC95 (sistema europeu de contas nacionais e regionais na Comunidade), endividamento líquido proibido e não relevado em 2005;

. O Ministro das Finanças refere ali expressamente a consolidação orçamental do país como contexto, um apuramento do endividamento líquido da Região Autónoma da Madeira de 2005 calculado pelo Instituto Nacional de Estatística (despesa não paga, detectada na sequência de uma titularização de créditos) segundo as regras do SEC95, endividamento esse sem a autorização do Ministro das Finanças exigida no art. 70°-2 Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado e não reflectido nas contas entregues à Direcção-Geral do Orçamento relativas à execução orçamental de 2005, concluindo que o dito desrespeito pelos limites de endividamento é clara violação das regras de boa execução orçamental;

. E, para a aplicação faseada da redução, invoca os princípios da adequação e da proporcionalidade.

. Por comunicação de 4.10.2006, o Ministro das Finanças invocou os art°s 26° da Lei de Finanças das Regiões Autónomas/84, 70° da Lei do Orçamento do Estado/2005 e a «sanção» prevista no art. 9o da Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado cit., afirmando que a Região Autónoma da Madeira ultrapassou o seu limite legal de endividamento em cerca de 140 milhões de euros, «em resultado de uma operação de titularização de créditos» no montante de 150 milhões de euros (documento 6 do requerimento inicial).

. O sítio da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários tornou pública a operação em causa da TAGUS, SA, pela primeira vez em 19 de Julho de 2006, no seguimento do envio pela TAGUS das suas contas aprovadas e auditadas de 2005 (documento 2 do requerimento inicial).

. Em 18/09/2006, o Director Geral do Orçamento solicita, pela primeira vez, ao Director Regional do Orçamento, por e-mail, informações sobre uma operação de titularização de dívidas da Requerente a fornecedores, no valor de 150 milhões de euros, que teria sido realizada em 13/12/2005, por uma entidade financeira - a TAGUS, SA (documento 1 do requerimento inicial).

. Segundo o Director-Geral do Orçamento, este teria tido conhecimento dos factos imputados apenas nessa altura e por via do site da Comissão de Mercados de Valores Mobiliários (CMVM).

. O Director-Geral do Orçamento pede urgência nos esclarecimentos, pois haveria necessidade de notificar a União Europeia no âmbito do Procedimento por Défices Excessivos.

. Igualmente por correio electrónico, o Director Regional do Orçamento responde ao Director-Geral do Orçamento em 21/09/2006, esclarecendo que, por considerar não alterar a natureza dos créditos cedidos, como dívidas a fornecedores da Região, não deveriam ser considerados para efeito da notificação à Comissão Europeia no âmbito do Procedimento por Défices Excessivos (documento 3).

. No dia 29/09/2006, o Requerido anunciou à comunicação social, em comunicado de imprensa (de que a comunicação social fez eco), que a Requerente teria aumentado o seu endividamento líquido, situação que se encontrava em estudo sobre as implicações em termos da Lei de Enquadramento Orçamental (Lei 91/2001, de 20/8) - (documento 4).

. O PUBLICO, na sua edição electrónica de 30/09/2006, dizia que sabia que esta análise a efectuar pelo Requerido ia no sentido de aplicar uma sanção à Requerente (documento 5).

. No dia 4/10/2006, o Ministro das Finanças e da Administração Pública enviou ao Presidente do Governo Regional da Madeira um ofício no qual referia que estava indiciada a ultrapassagem dos limites de endividamento do exercício orçamental de 2005 pela Requerente, em cerca de 140 milhões de euros, em virtude de uma operação de titularização realizada em Dezembro de 2005, no valor de 150 milhões de euros (documento 6).

. Tais limites de endividamento decorreriam, segundo o Ministro das Finanças, do art. 26°, n°. 1., da Lei de Finanças das Regiões Autónomas (Lei 13/98, de 24/2) e do artigo 9o, n°. 2., da Lei do Orçamento do Estado e ainda do art. 70° da Lei n°. 55-B/2004, de 30/12 (OE2005 - Lei do Orçamento do Estado para 2005).

. Haveria, no entender do MF, lugar à aplicação da sanção prevista no art. 9º, n°. 3., da Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado, correspondente a uma redução das transferências do Orçamento do Estado para a REQUERENTE em valor igual ao excesso de endividamento.

. Solicitava o Ministro das Finanças que a Requerente prestasse as informações sobre o assunto que entendesse.

. Com a mesma data, 4.10.2006. o Ministro das Finanças determinou a suspensão das transferências do Orçamento do Estado para a Requerente até novas indicações do Ministro das Finanças (1º ACTO).

. O Director-Geral do Orçamento dirigiu ao Director Regional do Orçamento, em 09/10/2006, um outro ofício referindo que, "de acordo com instruções superiores, esta Direcção-Geral procedeu a retenção do PLC referente à transferência do IV trimestre para a RAM" (documento 7), mais referindo o Direcção-Geral do Orçamento que a libertação do referido PLC dependeria da resposta que se viesse a obter da Requerente à carta enviada pelo Ministro das Finanças ao Presidente do Governo Regional em 04/10/2006, acima referida.

. Um parecer do Gabinete do DGO, apenas relativo a uma análise jurídica sobre competências do Ministro das Finanças e prazos sobre sanções de défice excessivo das Regiões Autónomas, é datado de 04/10/2006 e tem despacho do Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento de 09/10/2006 a remeter ao Ministro das Finanças.

. O Secretário Regional do Plano e Finanças, por delegação do Presidente do Governo Regional, no exercício do direito de audição, respondeu à referida carta do Ministro das Finanças, em 1/10/2006 (documento 8).

. Aí se refere que
"Concretamente e no que concerne à operação de titularização cabe esclarecer Vossa Excelência do seguinte:
A operação de titularização em questão não foi realizada pela Região, mas sim por um conjunto de fornecedores da Região que possuíam créditos sobre esta.
Enquanto devedora dos créditos, a Região foi notificada da cessão desses créditos pelos fornecedores, não se podendo opor à mesma uma vez que se tratou de um negócio entre entidades terceiras.
A presente transacção não deverá ser assim entendida como uma antecipação de receita por parte da Região, nem com a contratação pela Região de um financiamento adicional.
Natureza dos créditos:
Os créditos resultam efectivamente de despesas legalmente contraídas com respeito pelas normas de contratação pública.
A despesa com a contratação das obras públicas foi assumida pela Administração Regional de acordo com as regras de contabilidade pública, com a devida cabimentação em sede do Orçamento Regional de 2005, e com a devida previsão de receita para a sua liquidação.
Os créditos são representados por facturas por liquidar no âmbito de investimentos públicos em infra-estruturas e obras de carácter social levadas a cabo pela Região.
As obras realizadas foram objecto de fiscalização na fase de execução dos trabalhos, assim como realizados os respectivos autos de medição que confirmam os valores a pagar pela Região, originando dessa forma as obrigações de pagamento que estão na base dos créditos.
A facturação que se seguiu, na sequência dos autos de medição teve enquadramento orçamental.
Nesse sentido os créditos que foram objecto da operação de titularização de créditos, concretizada em Dezembro de 2005, eram créditos válidos, existentes e devidamente comprovados, consistindo em dívidas da Região a um conjunto de fornecedores de obras públicas levadas a cabo pela Região.
Operação de Titularização:
A cedência dos créditos realizados pelos fornecedores no âmbito da operação de titularização de créditos concretizada em Dezembro de 2005, não criou novos créditos sobre a região, nem implicou qualquer agravamento do montante devido.
Qualquer interpretação no sentido de considerar que as responsabilidades da Região aumentaram em resultado da referida operação resulta assim um profundo equívoco, uma vez que as responsabilidades correspondentes aos créditos objecto da operação já existiam, estavam devidamente cabimentadas em sede do Orçamento Regional, tendo sido constituídas na mais estrita observância das normas legais.
As dívidas da RAM aos fornecedores foram originadas no decurso da realização dos trabalhos de construção obras, e não no momento em que os fornecedores antecipam os seus recebimentos pela cedência dos seus créditos através de uma operação de titularização. De resto operações com características semelhantes à operação concretizada pelos fornecedores da RAM em Dezembro de 2005, são concretizadas usualmente em forma de factoring ou de desconto de créditos, tão frequentes na prática nacional, e em relação a dívidas de vários sectores da administração pública portuguesa, designadamente para diversas entidades públicas.
Cabe sublinhar ainda que a referida operação foi realizada com informação pública, disponível desde a sua concretização em 2005, plenamente valida e legal com respeito pela lei.
É de salientar que nos termos do disposto no artigo 577° do Código Civil a cessão de qualquer crédito pode ser feita a terceiros independentemente do consentimento do devedor. De resto a cessão produz efeitos em relação a devedor bastando para tal que a mesma lhe seja notificada conforme estabelecido no artigo 583°, igualmente do Código Civil, e como tal a Região Autónoma da Madeira foi simplesmente notificada da realização dessa operação e da cessão ã sociedade de titularização de créditos.
(…)”

. Um memorando da Inspecção-Geral de Finanças, analisando os factos e o direito relativos à situação em causa, é datado de 10/10/2006 e tem despacho do Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento de 19/10/2006 a remeter ao MF. Ali refere-se:
- "Ora, a consequência do endividamento da RAM para além dos valores inscritos no Orçamento do estado, nos termos referidos, é a redução no mesmo montante das transferências do Orçamento de Estado devidas no ano seguinte, em conformidade com disposto, conjugadamente, nosnos2e3 do art. 9° da LEOE".
- o valor encontrado do aumento da dívida da Requerente é de "€ 114 M"....

. O despacho de 19.10.2006 refere que "Esta estimativa deve considerar, na despesa, toda a despesa comprometida independentemente do seu pagamento efectivo".

. Um despacho do Director-Geral do Orçamento de 25/10/2006 refere que o valor do défice da Requerente para 2005 foi encontrado por um Grupo de Trabalho conjunto entre o Instituto Nacional de Estatística, a Direcção-Geral do Orçamento e o Banco de Portugal, que chegou ao valor de 129,6 M €

. Este despacho foi alvo de despacho do Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento em 25/10/2006 para ser enviado ao Ministro das Finanças, tendo carimbo de entrada no gabinete do Ministro das Finanças datada de "25/11/2006".

. O Director Regional do Orçamento dirigiu ao Director-Geral do Orçamento, em 27/10/2006, nos termos do art. 60° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, requerimento pedindo a indicação dos fundamentos do despacho do Director-Geral do Orçamento de 09-10-2006, designadamente quais as instruções aí referidas (documento 9),

. Além de recordar que a transferência retida pelo Director-Geral do Orçamento, nos termos da sua comunicação de 9 de Outubro, já devia legalmente ter sido realizada até ao dia 5 de Outubro, nos termos do n.º 3 do artigo 30° da Lei de Finanças das Regiões Autónomas.

. Na mesma data, em 27/10/2006, o Ministro das Finanças comunicou à Requerente o seu despacho que aplicou à Requerente a redução nas transferências do Orçamento de Estado de uma verba de 119,6 milhões de euros (documento 10) (2º ACTO).

.Valor que considerou corresponder ao efectivo excesso de endividamento da Requerente no exercício orçamental de 2005.

. O despacho em causa resolveu que a redução das transferências seria efectuada trimestralmente, com início no 4o trimestre de 2006, até ao final do ano de 2011.

. Sendo 14,6 milhões de euros em 2006 e 21 milhões de euros em cada um dos anos subsequentes (distribuídos por tranches trimestrais de 5,25 milhões de euros), como vimos.

. Em execução deste despacho do Ministro das Finanças, foram já até ao presente reduzidas as seguintes importâncias nas transferências do Orçamento do Estado: (i) 14,6 milhões de euros em 2006; (ii) 5,25 milhões de euros em Janeiro de 2007.

. Entretanto, o Director-Geral do Orçamento, respondendo ao requerido pelo Director Regional do Orçamento, nos termos do art. 60° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, enviou em 31/10/2006 os esclarecimentos solicitados em 27/10/2006 (documento 11).

. Refere ali um concreto despacho do Ministro das Finanças, datado de 4-10-2006 (a mesma data do ofício de audição da Requerente dirigido ao Presidente do Governo Regional - cfr. documento 6) (1º ACTO).

. Neste outro despacho, o Ministro das Finanças determina a citada suspensão das transferências do Orçamento do Estado para a Requerente até novas indicações do Ministro das Finanças.

. Despacho esse do Ministro das Finanças que, apesar de datado de 04/10/2006, e visando directamente a Requerente, apenas vem a ser-lhe notificado em 31/10/2006, portanto.

. Por requerimento de 07-11-2006, nos termos do art. 60° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Presidente do Governo Regional requereu ao Ministro das Finanças lhe fossem entregues vários elementos que teriam determinado o Despacho de 27-10-2006, segundo ele próprio (documento 12).

. Em satisfação do anteriormente requerido, foram enviados apenas em 20/11/2006 pelo Ministro das Finanças um conjunto de documentos (documento 13), a saber, os seguintes 6 documentos, acompanhados de dois despachos avulsos do Director-Geral do Orçamento:
"- Cópia do Quadro 1, da 2ª notificação de 2006 no âmbito do Procedimento dos Défices Excessivos que consta do seguinte sítio na Internet: http://iuww.ine.pt;
- Cópia do News Release do Eurostat, de 23 de Outubro de 2006, relativa aos dados submetidos pelos Estados-Membros da UE no âmbito do Procedimento dos Défices Excessivos, que consta do seguinte sítio na Internet:
http://epp.eurostat.ec.europa.eu;
- Cópia do Parecer Jurídico da Direcção-Geral do Orçamento, de 4 de Outubro de
2006;
- Cópia do Parecer da Inspecção-Geral de Finanças, de 10 de Outubro de 2006;
- Cópia da Informação do Gabinete de Estudos de Finanças Públicas da Direcção-Geral do Orçamento, de 22 de Outubro de 2006, sobre o qual recaíram despachos do Senhor Director-Geral e de S.E. o Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento:
- Cópia do Parecer jurídico da Direcção-Geral do Orçamento, de 20 de Outubro de 2006."

. Do quadro 1 da 2a notificação de Portugal no âmbito do PDE, a Administração Central aumenta o seu endividamento líquido em cerca de 1.000 milhões de euros.

. E a Administração Local em cerca de 400 milhões de euros.

. Por requerimento do Director Regional do Orçamento enviado ao Director-Geral do Orçamento, em 15/12/2006, foi requerida a fundamentação e explicitação do valor encontrado para o défice considerado excessivo pelo despacho do Ministro das Finanças de 27/10/2006 (documento 14),

. Tendo o Director-Geral do Orçamento remetido esse pedido para o Instituto Nacional de Estatística (documento 15), "atendendo à forma como se processou a partilha interinstitudonal de responsabilidades na compilação das contas das administrações públicas na óptica de contabilidade nacional, nomeadamente para o ano de 2005".

. O Instituto Nacional de Estatística respondeu em 04/01/2007 como consta do documento 16 do requerimento inicial, referindo um défice da Região Autónoma da Madeira de 125.882 M de Euros.

. Em 02/08/2006 é enviada à Requerente, para parecer, um primeiro projecto de diploma visando a aprovação de uma nova lei das finanças regionais (documento 17).

. Seguido de novo pedido de parecer, já formal, em 21/09/2006 (documento 18).

. E de um último pedido de parecer, já no âmbito da Assembleia da República, em 17/10/2006 (documento 19).

. A nova Lei de Finanças das Regiões Autónomas é discutida na generalidade na Assembleia da República em 15/11/2006 e aprovada em Dezembro.

. Nesse projecto constam os novos critérios de transferência de verbas do Orçamento do Estado para as Regiões, com reduções para a Requerente em relação à lei em vigor.

. Nas declarações públicas do Ministro das Finanças sobre este novo projecto, vai-se falando já da necessidade de reduzir as verbas transferidas para a Requerente por esta se apresentar como uma incumpridora dos limites de endividamento fixados (documento 20).

. E o Ministro António Costa, em declarações prestadas na Madeira (em Agosto 2006), avança o mesmo discurso (documento 21).

. Seguido, uns tempos depois (9 Outubro 2006), pelo próprio Primeiro – Ministro (documento 22).

. A Requerente solicitou uma autorização ao Ministro das Finanças em Janeiro de 2005, ao abrigo do artigo 70°/2 do Orçamento do Estado 2005, para contrair um empréstimo junto do Banco Europeu de Investimento, para fazer face a investimentos com apoio de fundos comunitários já em curso (documento 23).

. Empréstimo esse que seria celebrado ao abrigo de uma linha especial de crédito do Banco Europeu de Investimento aberto em 2002 para a Requerente até ao montante de 200 milhões de euros, com condições especiais de prazo e de taxa de juro, que caducava em Outubro de 2006.

. Apesar de insistências quase mensais (documento 24 a 31), a Região Autónoma da Madeira só se obteve resposta - e negativa - do Ministro das Finanças em 26 de Outubro de 2005 ... (documento 32).

. O mesmo se voltando a passar em 2006, agora ao abrigo do artigo 89°/2. OE 2006, com resposta finalmente negativa em Dez.-06 (documentos 33 a 39 do requerimento inicial).

.Para as autarquias locais o Ministro das Finanças autoriza a contracção de novas dívidas, em termos genéricos, incluindo norma para o efeito nos sucessivos OE (Desp. Conj. n.º 177/2004, de 22/03; art. 19° OE 2005; art. 33° OE 2006; art. 33° OE 2007).

. A pedida da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, em 12/12/2005, a Requerente envia a essa entidade uma declaração contendo a descrição dos créditos objecto da operação (documento 40).

. Aí se pode ver que estavam em causa os créditos sobre a Requerente detidos por 11 empresas de obras públicas derivados de empreitadas lançadas pela Requerente em anos anteriores e a elas adjudicadas (documentos 41 a 51).

. As concretas facturas que suportam os concretos montantes em causa derivam (DL 59/99, de 2-3, arts. 202° e ss.) dos autos de medição mensais.

. Para efeitos da operação de titularização, foi solicitado por aquelas 11 credoras da Requerente a celebração de contratos de regularização da dívida, com o intuito de uniformizar o regime da dívida e os seus prazos de pagamento com o previsto para a operação de titularização em causa, contratos que a Requerente celebrou com as 11 credoras em 12/12/2005 e cujos créditos foram cedidos pelas credoras à TAGUS, para efeitos da citada titularização (documentos 52 a 62).

. A Requerente enviou as informações e todas as informações solicitadas pela DGO (documento 63 a 66) em relação à execução de 2005.

. A dívida do Estado para com a Requerente é, até ao momento, mais de 61 milhões de euros, repartidos da seguinte forma (documento 67):

22,91 M - incorrecta aplicação da fórmula de transferência do OE;
26 M - atraso na comparticipação nacional dos projectos co-financiados por fundos comunitários no sector da agricultura;
12,158 M - atraso no âmbito da convergência tarifária da energia eléctrica.

. Tudo isto poderá ter consequências em termos de rating da Requerente nos mercados financeiros.

. O que a acontecer, implicaria taxas de juro muito mais elevadas no recurso ao crédito por parte da Requerente.

. Esta redução de verbas, acompanhada da impossibilidade de recurso ao crédito, torna necessário reescalonar obras públicas para datas posteriores, tais como infantários, centros de saúde, escolas básicas e secundárias, lares de terceira idade, centros de dia, mercados, etc. (documento 69).

. Obras essas já incluídas em plano e com prazos de conclusão fixados.

2.2. O enquadramento jurídico:

Em síntese, no que diz respeito à legalidade dos actos, a Requerente, ora Recorrida, invoca o seguinte, como de resto, foi bem sintetizado no relatório da sentença recorrida:

- O primeiro despacho não tem base legal, nem está fundamentado de direito.
- Ambos os Despachos são ilegais porque há erro sobre os pressupostos, não houve aumento de endividamento líquido da Região Autónoma da Madeira (v. arts. 9° Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado, 26° Lei de Finanças das Regiões Autónomas/98, 87° Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado, 70° LOE/2005).
- Violam o princípio constitucional da autonomia das regiões autónomas (v. arts. 225° ss, 164°-t, 166°-2,112°-2, 229°-3 Constituição da República Portuguesa; nova Lei de Finanças das Regiões Autónomas: art.ºs 6o, 27°, 30° e 31°; 9º e 87° ss Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado; 48°-A Lei de Finanças das Regiões Autónomas/98).
- O art. 9°-3 da Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado viola o princípio constitucional da igualdade, face às restantes entidades do SPA (art.ºs 9o e 87° ss Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado).
- Violam o princípio constitucional da reserva de parlamento (arts. 9º e 92° da Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado, 230°, 234°, 226º e 229º da Constituição da República Portuguesa).
- Violam a Lei de Finanças das Regiões Autónomas/98 (art. 30°).
- Violam o art. 118° EPA da Região Autónoma da Madeira.
- Há usurpação de funções, falta de atribuições do Ministro das Finanças (v. arts. 13° DL 79/2005, 9º, 43º e 92°-4 Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado, 227° CRP, 229°-3, 242° e, 226° Constituição da República Portuguesa; Lei 27/96; 9o Código Civil; nulidade (art. 133°-2-a-b CPA).
- Há violação do próprio art. 9°-3 Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado (v. art. 26° e 30° Lei de Finanças das Regiões Autónomas/98).
- Há desvio de poder (v. art. 19° LOSTA): pretendeu-se criar as condições próprias para fazer alterações à Lei de Finanças das Regiões Autónomas; a decisão já estava previamente tomada.
- Há desvio de poder (v. art. 19° LOSTA): pretendeu-se aplicar o art. 92° LEOE (cumprimento do PEC; atenção ao PDE da UE), mas, para evitar ser o parlamento a decidir, invocou-se o art. 9o Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado (v. arts. 9o e 84° ss Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado; equilíbrio orçamental - art. 9o Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado e Lei de Finanças das Regiões Autónomas vs. estabilidade orçamental - art. 87° LEOE e 48°-A Lei de Finanças das Regiões Autónomas).
- Há violação dos princípios da segurança, certeza, confiança e boa-fé.
- Há desrespeito pelo princípio da igualdade (v. arts. 13° e 266°-2 CRP e 5°- 1 CPA), pois houve outras entidades que contribuíram para o défice público de 6%; o art. 92°-4 Lei de Finanças das Regiões Autónomas não foi aplicado a ninguém.
- Há desrespeito pelo princípio da proporcionalidade (v. arts. 266°-2 CRP e 5°-2 CPA, 272°-2 CRP); não havia necessidade de reduzir as verbas; o défice de Portugal foi 6% e não 3,1%; Portugal não foi sancionado pela U E; a redução põe em causa o cumprimento de vários investimentos públicos em curso e imperativos.
- Há falta da audiência prévia legalmente devida (arts. 100° ss CPA); o projecto de decisão é diferente da decisão em elementos essenciais; os documentos sobre que assentou a decisão são posteriores à audiência prévia ocorrida (v. art. 32°-10 CRP).
- Há falta de fundamentação (art. 125° CPA); há valores diferentes para a dívida líquida apontada à Região Autónoma da Madeira; não demonstra a forma de apuramento do valor obtido; não se percebe por que não se recorre ao art. 92º, -4 Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado.

Determina a alínea a) do n.º 1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que uma providência cautelar é decretada quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal.

Algo evidente é algo que não oferece dúvida, incontestável, certo (ver dicionário no sítio http://www.priberam.pt/ .

O que é evidente não precisa de ser explicado, para um destinatário mediano, bem entendido. O que precisa de explicação já não é evidente.

Aqui falamos, claro está, de uma evidência não meramente lógica mas jurídica, a evidência de que a pretensão é procedente.

Mas para não se descolar os conceitos jurídicos do conceito comum, de forma a que os destinatários das decisões as possam compreender o melhor possível, só poderemos dar por preenchida esta previsão legal quando a procedência se imponha claramente, seja incontestável, certa para quem tem o mínimo de formação jurídica.

Só nos casos em que procedência da pretensão se mostre indiscutível, patente e, por isso, a decisão final do processo principal, salvo circunstâncias anormais e imprevisíveis, se mostre como algo certo, inexorável, se pode dizer que a procedência é evidente (neste sentido ver os acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19.1.2006, recurso 01295/05, e de 28-06-2007, recurso02225/07, no sítio www.dgsi.pt ).

Pois apenas nestes casos se justifica a desnecessidade de demonstrar os requisitos exigidos por lei para o decretamento das providências cautelares, em concreto os que são exigidos nas restantes alíneas do mesmo n.1, e no n.2, do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

São, portanto, raros os casos em que esta previsão se pode dar por preenchida.

Como se dizem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, no Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ed. 2005, p. 120, “Os próprios exemplos que o legislador indica no preceito sugerem, porém, que este preceito deve ser objecto de uma aplicação restritiva: a evidência a que o preceito se refere deve ser palmar, sem necessidade de quaisquer indagações”.

Fora das situações em que a solução jurídica se imponha sem necessidade de qualquer indagação ou explicação para além da simples indicação da evidência, impõe-se demonstrar os requisitos para o deferimento da providência, mencionados nas aludidas alíneas b) e c).

Ao contrário do que se defendeu na sentença recorrida, entendemos não ser evidente nem a procedência nem a improcedência de qualquer dos vícios imputados aos actos suspendendos.

As posições assumidas pelas partes mostram ser plausível a defesa de ambas as teses, em relação a qualquer dos vícios invocados.

Em particular o vício de falta de fundamentação imputado ao primeiro dos actos, de 4.10.12006, não se nos afigura ser evidente, incontestável.

O acto faz referência a normas legais: o art. 70°- l da Lei do Orçamento do Estado para 2005 e o art. 9°, n.º 3, da Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado.

Menciona ainda um facto: o Instituto Nacional de Estatística apurou uma anómala "despesa não paga" de 2005 da Região Autónoma da Madeira.

Saber se isto é ou não fundamentação suficiente, ou se os demais antecedentes deste acto, designadamente a referência a uma operação de titularização de créditos» no montante de 150 milhões de euros, realizada com a TAGUS, S.A., constituem ou não fundamentação suficiente ou se os antecedentes do acto introduzem ou não a confusão no que se refere ao concreto conteúdo do acto, são questões que implicam alguma indagação de facto e de direito.

O mesmo vale dizer exactamente para os demais vícios invocados.

Não sendo manifesta a procedência (nem a improcedência) dos fundamentos invocados para atacar os actos suspendendos, vejamos qual o grau de probabilidade do êxito do processo principal.

Estamos aqui perante uma típica providência cautelar conservatória pelo que, em termos de previsibilidade do êxito da acção principal basta ao requerente demonstrar que não é manifesta a falta de fundamento.

Refere a Entidade Recorrente que na sentença se optou, sistematicamente, pela tese favorável à Entidade Requerente, ora Recorrida.

Vejamos.

No caso de providência conservatórias, o grau de previsibilidade de êxito do processo principal que o legislador exigiu foi o mínimo: apenas se exige que não seja manifesta a falta de fundamento.

Depois da inexistência de manifesta falta de fundamento, em termos progressivamente desfavoráveis ao requerente, apenas encontramos a manifesta falta de fundamento. Dito de outro modo: entre a manifesta falta de fundamento e a inexistência de manifesta falta de fundamento da acção principal, não existe outro “patamar” legal de previsibilidade do resultado desse processo.

Existe uma diferença semântica relevante entre afirmar que é manifesta a falta de fundamento da acção e afirmar que é provável o inêxito da acção. Podendo afirmar-se que é provável o inêxito da acção não significa isto que é manifesta a falta de fundamento da acção.

Mas se não for manifesta a falta de fundamento da pretensão deduzida ou a deduzir, a previsibilidade de inêxito do processo principal, cabe ainda no comando normativo da alínea b), do n.º 1 do art.º 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que permite deferir o pedido de suspensão. Só a manifesta improcedência da pretensão deduzida ou a deduzir no processo principal impõe o indeferimento do pedido de suspensão.

Em resumo, se for provável mas não for manifesto que o processo principal está condenado ao fracasso, ainda assim o requerente pode ver deferido o pedido de suspensão, uma providência cautelar tipicamente conservatória.

É evidente também que afirmar não ser manifesta a falta de fundamento da pretensão do processo principal constituiu um comprometimento menor daquilo que se decide no processo cautelar em relação ao que se decidirá a final no processo principal, do que decidir logo no processo cautelar que é manifesta a falta de fundamento.

Reportando-nos de novo ao caso concreto, e tendo em conta a complexidade dos fundamentos invocados, é absolutamente discutível qual a solução que deverá ser adoptada pelo tribunal. Tão discutível que não se vê razão para assumir um compromisso maior em relação ao provável resultado da acção principal do que a simples afirmação de que não é manifesta a falta de fundamento.

O parecer do Tribunal de Contas, junto pela Entidade ora Recorrente, em nada altera esta conclusão.

Em primeiro lugar porque se trata de um parecer não vinculativo para os Tribunais Administrativos.

E, em segundo lugar, porque apenas aborda uma das questões a apreciar no processo principal: a existência ou não de excesso de endividamento da Região Autónoma da Madeira.

Este parecer não trata, nem podia tratar, de outros fundamentos do processo principal a decidir nos tribunais administrativos, que, cada um per si, podem revelar-se decisivos: a falta (por insuficiência ou contradição) de fundamentação dos actos em causa, designadamente quanto ao exacto valor do excesso de endividamento. Isto sendo certo que, como é lógico, os elementos posteriores aos actos não podem servir para os fundamentar.

Assim como não trata da questão de saber se houve ou não audiência prévia; nem aborda - ainda ao título de exemplo - a questão de saber se houve ou não violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade.

Vejamos agora se existe ou não a haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que a Requerente visa assegurar no processo principal - art.º 120º, n.o1, al. b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Neste ponto importa também não perder de vista os factos dados como sumariamente provados e que não foram postos em causa no presente recurso jurisdicional pela ora Recorrente.

Ficou, com efeito, sumariamente provado, sem vermos razões para alterar tal decisão, que a redução das transferências inicialmente previstas para a Região Autónoma da Madeira, determinada pelos actos suspendendos, poderá ter consequências em termos de rating da Requerente nos mercados financeiros, o que a acontecer, implicaria taxas de juro muito mais elevadas no recurso ao crédito por parte da Requerente.

Ficou ainda sumariamente provado que esta redução de verbas, acompanhada da impossibilidade de recurso ao crédito, torna necessário reescalonar obras públicas para datas posteriores, tais como infantários, centros de saúde, escolas básicas e secundárias, lares de terceira idade, centros de dia, mercados, obras essas já incluídas em plano e com prazos de conclusão fixados.

Não se vislumbra qual a necessidade de concretizar o rating da Região Autónoma da Madeira nos mercados financeiros; o que importa reter é que para obter crédito a Região Autónoma da Madeira iria pagar taxas de juros mais elevadas. O que constituiu uma situação irreversível no plano dos factos, uma vez que depois de pedido e concedido o crédito com determinados juros, mais elevados, entretanto pagos, não é possível reverter a situação.

Também não se vislumbra razão para a necessidade de concretizar mais as obras que serão retardadas com a retenção de verbas.

São obras como infantários, centros de saúde, escolas, lares de terceira idade etc. ... ; enfim obras destinadas a satisfazer necessidades essenciais da sociedade madeirense como a educação e o apoio à infância e terceira idade. Saber se o infantário cuja obra foi retardada é o infantário B ou C ou no sítio X ou Y é pouco relevante. Em todo o caso trata-se de uma obra de valor social relevante que é preterida durante algum tempo. Também é indiferente saber quais os prazos de cada uma das obras. O retardamento dessas obras constitui, por si mesmo e independentemente do prazo de cada obra, uma situação de facto consumado. Ultrapassado o prazo previsto para a execução de cada uma dessas obras, está criada uma situação de facto consumado, uma situação impossível de reverter no plano dos factos.

Quanto à ponderação de interesses a sentença fez, nessa parte uma análise suficiente e criteriosa.

Do lado da Região Autónoma da Madeira existe o interesse na realização, de acordo com o cronograma inicialmente estabelecido, de obras de relevante interesse social e que ficarão comprometidas com a retenção de verbas aqui em causa.

Do lado do Estado Português nenhum prejuízo se contabiliza.

Refere a Entidade Requerida, ora Recorrente, que existe o prejuízo resultante do incumprimento da legalidade, designadamente a das contas públicas.

A ponderação dos “interesses em presença” é uma ponderação que se faz independentemente de qualquer juízo de legalidade sobre os actos suspendendos ou sobre a situação que os mesmos visam obstar, melhor, depois de resolvida, a favor do requerente, a questão da legalidade, em termos de ser provável o êxito da acção principal ou, pelo menos, não ser manifesta a falta de fundamento do ataque à legalidade do acto – n.º 2 do art.º 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Só nos casos de evidência, da procedência ou improcedência, dos fundamentos da acção principal, o juízo sobre a prevalência de um ou alguns dos interesses em presença é substituído pelo juízo de legalidade – art.º 120º, n.º 1, al. a), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

No caso concreto a legalidade dos actos em apreço e, em consequência, a ilegalidade da situação que os mesmos pretenderam sancionar, é uma discussão em aberto para o processo principal. Está longe de se dar por assente que o Estado Português obtenha ganho de causa no processo principal, fazendo vingar a tese de que os actos suspendendos são rigorosamente válidos (assim como não damos por evidente ou manifesto o bem fundando da tese contrária).

Existindo, da parte da Região Autónoma da Madeira, ora Recorrida, prejuízos irreparáveis se não for suspensa a execução dos actos em apreço e não existindo – porque não foram demonstrados – prejuízos para o Estado Português, impõe-se deferir o pedido de suspensão, embora por fundamentos não completamente coincidentes com os da sentença recorrida.

Refere o Requerido, ora Recorrente, que o prejuízo para a Região Autónoma da Madeira será maior se for determinada a suspensão da execução dos actos, uma vez que terá depois de devolver as verbas em causa, acrescidas de juros.

Anota-se a originalidade de o Ministro das Finanças pretender defender os interesses da Região Autónoma da Madeira num recurso jurisdicional que opõe uma entidade a outra. Para, afinal, obter ganho de causa.

Em todo o caso sempre se dirá que não se vislumbra a norma legal (nem a cláusula contratual), da qual deriva a obrigação de a Região Autónoma da Madeira pagar juros, na hipótese de vir a perder a acção principal.

Não está aqui em causa qualquer dívida da Região Autónoma da Madeira em relação ao Estado Português nem a mora no pagamento por facto imputável àquela Região. Trata-se de suspender uma retenção de verbas por decisão do Tribunal.
****

Pelo exposto, os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul acordam em:

A) Negar provimento ao primeiro recurso, mantendo na íntegra o despacho recorrido, de 29.5.2007, a fls. 651-653.

B) Negar provimento ao segundo recurso, mantendo a sentença recorrida, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, de 1.6.2007, a fls. 656-696, embora com fundamentos diversos.

Custas em ambos os recursos pelo Ministério das Finanças e da Administração Pública, fixando-se a taxa de justiça em 12 U.C. (doze unidades de conta), reduzida a metade, e a procuradoria em 1/5, para o primeiro recurso, e em 18 U.C. (dezoito unidades de conta), reduzida a metade, e a procuradoria em 1/4, para o segundo recurso.
*

Lisboa, 25 de Outubro de 2007


(Rogério Martins)

(Coelho da Cunha)

(Cristina Santos) - Voto de vencido: Salvo o devido respeito pela tese que obteve vencimento no sentido confirmatório do despacho incidental e sentença cautelar recorridos, segue sucinta fundamentação dos motivos de discordância.

***
O Ministério das Finanças e da Administração Pública inconformado com o decidido pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, vem interpor dois recursos, a saber:
a) do despacho incidental de 29.05.07 ex vi artº 128º nº 6 CPTA a fls. 651/653 dos autos, pelo qual se declarou juridicamente ineficaz a resolução fundamentada de 20.03.07 do Sr. Ministro das Finanças (=MF), ex vi do artº 128º nº 1 CPTA e ordenou a entrega imediata à RAM de 5.250.000,00 €;
b) da sentença cautelar de 1.06.07 a fls. 656/696 dos autos, que decretou a suspensão de eficácia dos despachos ministeriais datados de 4.10.06 [suspensão da transferência financeira referente ao 4º trimestre do Orçamento do Estado/2006 para a Região Autónoma da Madeira (= RAM)] e de 27.10.06 [redução de transferências financeiras no valor de 119.6 milhões de € em aplicação faseada pelo período que vai do 4º trimestre/2006 até 2011, ex vi do artº 9º nº 3 da Lei de Enquadramento do Orçamento de Estado (LEOE)].
O sentido do decidido em sede da sentença cautelar do Tribunal a quo, de 1.06.07 ora confirmado, significa que o efeito jurídico de suspensão de eficácia dos actos administrativos de 4.10.06 e 27.10.06 consome a ineficácia da resolução fundamentada de 20.03.07, decretada em via incidental por despacho judicial de 29.05.07, pelo que a sentença cautelar sob recurso tem preferência de apreciação sobre aquela decisão incidental.

a) fumus boni iuris – juízo jurídico de probabilidade;

Do ponto de vista do objecto da presente providência – causa de pedir e pedido - os despachos ministeriais de 4.10.06 e 27.10.06 cuja suspensão de eficácia vem requerida pela RAM constituem um todo em ordem à apreciação do requisito do fumus boni iuris ou “aparência de realidade do direito invocado”, um dos três requisitos enunciados no artº 120º CPTA, a par do periculum in mora e da ponderação dos interesses em presença nos autos.
No tocante a este requisito do fumus boni iuris, o deferimento da medida cautelar apenas exige a produção de prova sumária, isto é, meramente justificativa ou suficientemente motivada de que no tocante à situação jurídica alegada pelo Requerente é provável ou verosímil que esse direito, realidade aparente em sede de providência, venha a ser confirmado no processo principal de que o cautelar é dependente.
Como dos diz a doutrina, “(..) Em harmonia com o tipo de cognição sumária cautelar, a outra condição de procedência cautelar é a aparência do direito acautelado. E, igualmente, esta condição vai de encontro à característica da instrumentalidade da tutela cautelar, visto que não seria compatível com a sua função a exigência de certeza quanto à existência do direito alegado, nem a existência de uma sua prova stricto sensu.
Para além da ameaça de dano, como dissemos já, é condição de procedência da decisão cautelar a provável existência do direito alegado, já que a plena cognicio, relativamente à existência do direito, se torna incompatível tanto com a celeridade do processo cautelar, como com a função do processo, uma vez que o objectivo deste é assegurar o direito provável e não declará-lo como existente. Como esse direito será objecto de uma cognição profunda no processo de cognição principal, faz apenas sentido que, aos olhos do juiz cautelar, ele pareça como existente, apenas hipoteticamente. (..)
Quando se comprova que existe ou pode existir o periculum in mora para o direito de quem o solicita, desde que seja provável que esse direito venha a ser confirmado no processo principal, não se coaduna com a natureza e a função da tutela cautelar que ao juiz seja atribuída qualquer margem de discricionaridade quanto a decretar ou não decretar a medida. (..)” (1)
Pelo que vem dito, a valoração do requisito cautelar do fumus boni iuris, ou “aparência de realidade do direito invocado”, traduz-se num juízo jurídico de probabilidade, com fundamento na matéria de facto apurada em via de produção sumária de prova – cfr. artºs. 114º nº 3 g) in fine, CPTA e 384º nº 1 CPC.

b) princípios e critérios de execução orçamental – controlo financeiro interno e externo;

Os despachos ministeriais de 4.10.06 e 27.10.06, cuja suspensão de eficácia declarada em 1ª Instância se mostra ora confirmada, constituem um todo impositivo de análise conjunta das condições da “aparência de realidade do direito invocado” e demais requisitos cautelares.
Efectivamente, os despachos em causa inserem-se no domínio procedimental da constituição financeira e demais legislação ordinária que importa ao regime jurídico da actividade financeira pública concretizada pelas operações de obtenção, disponibilidade e afectação dos dinheiros públicos, relevando para o efeito dois aspectos essenciais:
· primeiro – controlo financeiro interno da execução orçamental na circunstância particular das transferências da Administração Central para as Administrações Regionais, no caso, do Governo Central para a Região Autónoma da Madeira,
· segundo – controlo financeiro externo da execução orçamental, no domínio técnico da competência do Tribunal de Contas, expresso in casu no Relatório e Parecer sobre a Conta da RAM/2005 - artºs. 5º nº 1 b) , 9º nº 2 b), 41º, 42º nºs. 1 e 3 e 65º nº 1 b) todos da Lei 98/97 de 26.08 (Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas).
Em ordem à apreciação dos objectos mediato, pressupostos de facto e de direito e objecto imediato de ambos os despachos - isto é, para efeitos de valoração jurídica da situação concreta de gestão e controlo de dinheiros públicos referida nesses despachos em ordem a concluir pela subsunção ou afastamento da previsão normativa aplicável em sede de execução e o controlo interno com reporte ao Orçamento/2005 da RAM -, avulta a disciplina jurídica estabelecida em diversas leis, v.g., as LOE/2005/Lei 55-B/2004 de 30.12, LEOE/Lei 91/2001 de 20.08 - diploma continente de regras e princípios básicos de carácter duradouro sobre o processamento orçamental a ser anualmente respeitados e tidos em conta -, LFRS/1998//Lei 13/98 de 24.02, além das regras de controlo financeiro em sede de Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais (SEC95) – Regulamento (CE) nº 2223/96, do Conselho, de 25.06.1996.
Tal como evidenciado ao longo da fundamentação de direito da sentença cautelar.

*
Toda a problemática presente nos autos cautelares parte de uma operação de titularização de dívida no valor de 150 milhões €, levada a cabo pela RAM e julgada irregular quer pelos despachos do MF quer no Relatório e Parecer sobre a Conta da RAM/2005 do Tribunal de Contas.
Àcerca desta operação de renegociação de dívida e cessão de créditos, diz-se no despacho de 4.10.2006 que se mostra indiciada, por decorrer desta operação de titularização no valor de 150 milhões €, que a RAM ultrapassou os limites do seu endividamento do exercício orçamental de 2005 em cerca de 140 milhões €, assumindo um aumento do seu endividamento, endividamento esse que no despacho de 27.10.2006 é calculado em 119,6 milhões de € - vd. pontos 2 a 24, 52 a 55 do probatório e documentos fundamentadores ali referidos.
Em termos contabilísticos de gestão privada a titulação, ou titularização, de uma dívida traduz-se na substituição de uma dívida respeitante a uma ou várias facturas a pagar, ou documentos equivalentes, por uma dívida representada por um título de crédito, que entre sociedades comerciais normalmente assume a forma de uma letra.
O que significa que por meio desta operação o devedor deixa de ter uma factura a pagar para passar a ter uma responsabilidade representada por um título, em regra uma letra sacada ou aceite por si.
Consequentemente, a operação de titulação de dívidas não configura nenhuma variação na posição financeira do sujeito devedor, era sujeito passivo por uma via e continua a sê-lo por outra.
O que significa, ainda, que de acordo com o princípio contabilístico da especialização dos exercícios, ou princípio do acréscimo, os proveitos e os custos são acrescidos, isto é, são reconhecidos quando obtidos ou incorridos, independentemente da data do seu recebimento ou do pagamento, devendo incluir-se nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeitam.
Princípio seguido na contabilidade geral – e com reflexos no artº 18º do CIRC – e também em sede de gestão financeira pública.
No caso em apreço, a titularização da dívida assumiu a forma jurídica de cessão dos créditos detidos por 11 fornecedores (empreiteiros) sobre a RAM no montante global de 150 Mh € por contrato de 12.12.2005 a favor da sociedade denominada TAGUS – Sociedade de Titularização de Créditos, SA.
Por este meio esta sociedade TAGUS adquiriu todos os direitos inerentes aos créditos pecuniários e respectivas garantias resultantes do Acordo de Regularização de Dívida que a Região Autónoma da Madeira celebrou, também em 12.12.2005, com cada uma das mencionadas 11 sociedades empreiteiras.
Com a particularidade de estes 11 Acordos de Regularização de Dívida terem como condições de pagamento a obrigação de a RAM proceder ao reembolso total dos créditos até Dezembro de 2012 com o pagamento adicional semestral, nas datas de 15 de Junho e 15 de Dezembro, de juros a cada um dos 11 fornecedores em função da dilação do pagamento, ou seja, de juros de mora, à taxa variável correspondente à EURIBOR, acrescida da margem de 0,5% (spread) - vd. ponto 53 do probatório, docs. 41 a 51 e 52 a 62, nomeadamente fls. 282 e ss. e fls. 326 a 332.

c) valoração da situação concreta - juízos técnicos de existência e juízos técnicos valorativos;

No caso concreto, a RAM peticiona a suspensão de eficácia dos despachos ministeriais de 4.10.06 e 27.10.06, em vista a acautelar o direito de não sofrer redução no montante de transferências orçamentais da Administração Central, OE/2006, em execução da redução sancionatória de transferências orçamentadas prevista no artº 9º nºs. 2 e 3 da LEOE, que o MF ordenou pelos citados despachos com fundamento na violação de regras de gestão financeira pública evidenciada, entre outras, pela ultrapassagem dos limites de endividamento no exercício orçamental de 2005, v.g. do disposto no artº 70º nº 1 da LOE/2005.
Em ordem à valoração positiva do fumus boni iuris e como vem sendo dito, basta que, em juízo perfunctório, seja provável ou verosímil a confirmação no processo principal do direito a acautelar invocado pela RAM.

*

Todavia, no caso concreto do presente processo cautelar suscita-se o problema, que cumpre enfrentar, de o juízo jurídico de probabilidade em sede de fumus boni iuris envolver obrigatoriamente, sem margem para dúvida alguma, a valoração de factos e circunstâncias de carácter técnico que extravasa o domínio da ciência jurídica, valoração própria da ciência das finanças públicas, por isso exigindo o recurso a juízos técnicos de existência e juízos técnicos valorativos sobre esses mesmos factos e circunstâncias objecto de instrução e levados ao probatório na sentença da 1ª Instância.
Para que o Tribunal conclua em juízo perfunctório a favor da pretensão da RAM no sentido da suspensão do efeito jurídico declarado nos despachos ministeriais de 4.10 e 27.10.06 e, assim, decrete a suspensão do efeito jurídico desses actos materializado na redução sancionatória ordenada de transferências no OE/2006 a favor da RAM por alegada violação das regras de gestão de dinheiros públicos, é evidente que a prova a produzir tem que ter por objecto toda a factualidade de natureza técnico-financeira alegada no requerimento inicial.
Probatório que do ponto de vista de relevância processual, desde a natureza dos factos em si mesmo considerados, interpretação do respectivo conteúdo significativo e operação de subsunção nos normativos aplicáveis, se desenvolve numa componente técnica própria da actividade de gestão financeira pública, no domínio quer das receitas quer das despesas orçamentais.
As questões resultantes da utilização de conceitos técnicos pela lei são resolvidas através de critérios exclusivamente técnicos, nomeadamente e para o caso que ora interessa, critérios de perícia contabilística em sede de gestão de dinheiros públicos sobre as operações documentadas imputadas à RAM e trazidas ao processo, independentemente de sob o ponto de vista jurídico se tratar de meio de prova susceptível de livre apreciação pela autoridade competente, seja a administração sejam os Tribunais – cfr. artºs. 388º e 389º C. Civil.
Mas esta valoração ou qualificação jurídica de factualidade que reporta directamente a conceitos e noções próprias de outros ramos da ciência e da técnica, que não a ciência jurídica, extravasa o âmbito de aplicação do juízo jurídico de probabilidade, apenas aplicável na valoração jurídica do fumus boni iuris, da “aparência de realidade do direito invocado”.
*

Uma coisa é valorar a aparência de juridicidade do direito invocado pelo Requerente cautelar.
Questão diferente é valorar a aparência de observância dos critérios técnicos próprios da lex artis presente no caso concreto.
O que se valora em juízo de probabilidade mediante critérios próprios do ramo do direito é a aparência do direito concretamente invocado, não se valora a probabilidade de aparência de gestão de dinheiros públicos.
Efectivamente, se o Tribunal conclui pela “aparência de gestão de dinheiros públicos” (?) a conclusão jurídica ineludível é de que houve um comportamento indevido pela administração regional o que, certamente, não é o escopo da presente providência cautelar.
*

Face ao exposto entende-se que a apreciação sumária através do processo simplificado e rápido da prova sumária, próprio dos procedimentos cautelares conforme disposto nos artºs. 114º nº 3 g) in fine, CPTA e 384º nº 1 CPC, não é adequada às hipóteses em que a aplicação da lei passa por juízos técnicos de existência e juízos técnicos de valoração, isto é, passa pela qualificação técnica de situações da vida real que constituem pressupostos da hipótese ou previsão normativas aplicáveis ao caso concreto, e em que, por isso mesmo, não é possível cindir os dois juízos, o juízo técnico próprio da lex artis e o juízo técnico-jurídico.
Nestas hipóteses a situação jurídica do caso concreto apenas é compatível com o processo de cognição profunda próprio do regime adjectivo de cognição em processo principal, instaurado pela parte e dirigido ao julgamento em que a instância tem por escopo uma decisão de existência do direito e não de mera probabilidade.
Pelo que vem dito, daria procedência ao recurso interposto da sentença cautelar, bem como ao recurso do despacho incidental atenta a solução adoptada quanto ao requisito do fumus boni iuris.

Lisboa, 25.OUT.2007,

(1) Isabel Celeste M. Fonseca, Introdução ao estudo sistemático da tutela cautelar no processo administrativo, Almedina/2002, págs.118/119