Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 02829/09 |
Secção: | CT- 2º JUÍZO |
Data do Acordão: | 04/28/2009 |
Relator: | JOSÉ CORREIA |
Descritores: | IVA MÉTODOS DE AVALIAÇÃO INDIRECTA |
Sumário: | I -O recurso a métodos de avaliação indirecta justifica-se sempre que não seja possível determinar a matéria colectável através da contabilidade do contribuinte, ainda que por recurso a meras correcções técnicas. II -O método de avaliação indirecta a utilizar será aquele que permita uma maior aproximação à realidade. |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:1. –C......................... –C................................., Ldª, com os sinais identificadores dos autos, veio recorrer da sentença do TAF de Loulé que julgou improcedente a impugnação que deduzira contra a liquidação de IVA dos anos de 2001 a 2003, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui: I) A fundamentação de facto da douta sentença (no seu ponto 2.l) é feita por mero translado do textos do Relatório de Inspecção e do procedimento de revisão, não especificando quais os factos que considera provados e tidos por assentes: II) A transposição daqueles textos, com o aporte dos inúmeros factos dos mesmos constantes, não permite sequer a percepção dos factos que efectivamente se consideram provados, nem permite descortinar os factos concretos que se devem considerar incorrectamente julgados: III) O que se traduz numa manifesta insuficiência ou deficiência na fundamentação da douta sentença recorrida que, por isso deve ser revogada. IV) Nos fundamentos do julgamento (ponto 2.2) encontra-se a consideração dos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela aqui recorrente, sendo que o depoimento aí transcrito das três primeiras testemunhas, assim como em larga medida o depoimento da quarta testemunha que é a autora do Relatório de Inspecção, é contraditório com a matéria de facto tida como assente no ponto 2. l da douta sentença recorrida: V) Acresce que há manifesta oposição entre os factos constantes dos depoimentos tidos como prova na fundamentação do julgamento e a decisão recorrida, quer no que respeita aos factos que validamente devem ser tidos em conta para a verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indirecta, quer do critério de quantificação utilizado, com a consequente nulidade da mesma nos termos do artigo 668° do CPC. VI) Por outro lado, do que se pode alcançar da fundamentação da douta sentença recorrida foram incorrectamente julgados como assentes, com interesse para questão a decidir, o facto de existirem, embora presumidamente, outras facturas processadas por computador para além daquelas conhecidas emitidas à empresa P................ e que, integrariam os números em falta na numeração destas facturas; VII) Na verdade, em lado algum do Relatório da Inspecção ou da douta sentença se encontra demonstrado, ou sequer indiciado, a existência de outras facturas deste tipo para além das emitidas aos P................; VIII) Por outro lado, é a própria Administração Tributária no seu Relatório e a inspectora no seu depoimento que confirmam que as facturas processadas por computador foram substituídas por facturas tipográficas, não havendo duplicação da contabilização dos dois tipos de facturas, nem na impugnante, nem na P................; IX) Substituição essa que decorre também de uma análise cuidada do Anexo 2 ao Relatório de Inspecção; X) E não havendo quaisquer indícios de emissão de outras facturas processadas por computador para além daquelas emitidas aos P................, não é legal a presunção da sua existência. XI) Os meios probatórios carreados para os autos, nomeadamente, o próprio Relatório e, em especial os depoimentos das testemunhas todos como fundamento do julgamento, impunham uma decisão diferente da aqui recorrida; XII) Já que tais depoimentos explicam suficientemente o facto porque eram emitidas as facturas processadas por computador c a sua natureza provisórias, demonstram que não houve emissão de facturas desta natureza que não fosse aos P................ (c quanto a esta empresa não foi registada qualquer anomalia) XIII) Para além de no depoimento da inspectora resultar claro que quanto aos P................ não existir qualquer duplicação de facturas ou irregularidades; XIV) E, salvo melhor opinião, essa falta de irregularidades (irregularidades que tinham que ser devidamente demonstradas) afasta a possibilidade de recurso a métodos indirectos. XV) Por outro lado, dos depoimentos das testemunhas também resulta que não se verifica qualquer impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, uma vez que é manifesta a inexistência da emissão de quaisquer outras facturas processadas por computador e, quaisquer deficiências encontradas relativas à facturação entre a impugnante e a P................ poderia ser corrigida com exclusivo recurso à avaliação directa, como, aliás, veio a acontecer simultaneamente com aquela avaliação indirecta. XVI) E não havendo outra facturação processada por computador para além daquela evidenciada à inspecção, não faz sentido invocar-se que a impugnante foi notificada para apresentar essa "outra" facturação e não o fez. XVII) Termos em que é forçoso concluir não se verificarem os pressupostos legalmente exigidos para o recurso à avaliação indirecta. XVIII) Quanto ao critério de quantificação utilizado, também mal andou a douta sentença recorrida ao ter considerado o mesmo como admissível e legal. XIX) Com efeito, a fixação do valor de cada uma das facturas cuja existência se presumiu com base no valor resultante da média aritmética das facturas emitidas aos P................ é manifestamente ilegal; XX) Desde logo, porque não tem cabimento na previsão da alínea d) do artigo 90° da LGT como se pretende no Relatório foi aceite na douta sentença recorrida; XXI) Por outro lado, tendo ficado demonstrado, como ficou, que a empreitada dos P................ correspondia a cerca de 80% da capacidade produtiva da impugnante, é manifesto que do critério a utilizar nunca poderia resultar uma quantificação daquelas facturas presumidas que excede em muito (chega a ser seis vezes superior) o valor da facturação declarado pela impugnante; XXII) Donde, salvo melhor opinião, fica sobejamente demonstrado, ao contrário do que se julgou na douta sentença recorrida, que o critério é ostensivamente inadmissível e/ou desacertado e que houve notório excesso na quantificação da matéria tributável por métodos indirectos. XXIII) Ora, a aplicação de métodos indirectos apenas é possível nos casos e com os fundamentos previstos na lei, que têm de ser concreta e objectivamente fundamentados, o que não acontece no caso sub judice; XXIV) E apenas se pode recorrer à avaliação indirecta para a fixação da matéria tributável quando não for possível proceder a tal determinação através da avaliação directa, já que aquela é subsidiária desta; XXV) E, no caso concreto, não existem factos que coloquem a impugnante na impossibilidade de comprovação c quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável dos anos em causa, não se encontrando devidamente fundamentada a decisão que conduziu à inexistência e insuficiência de elementos da contabilidade da impugnante que conduzam à impossibilidade daquela quantificação directa e exacta; XXVI) O critério utilizado para cálculo e determinação da matéria tributável (média aritmética das facturas conhecidas), é ilegal nos termos do artigo 90° da LGT e carece em absoluto de fundamentação. Nestes termos e nos melhores de direito que Vossas Excelências muito doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser declarada a nulidade da douta sentença recorrida ou, caso assim não se entenda, deverá ser esta revogada e substituída por outra que considere a ilegalidade do recurso aos métodos indirectos e a ilegalidade do critério de quantificação utilizado, como é de inteira JUSTIÇA. Não houve contra -alegações. A EPGA pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece provimento. Satisfeitos os vistos legais, cumpre decidir. * 2. - FUNDAMENTAÇÃO 2.1.- DOS FACTOS: As questões de facto e de direito debatidas no presente recurso foram já objecto de apreciação e decisão no Acórdão deste TCAS de 21/04/2009, no Recurso Jurisdicional nº 02830/09, do 2º Juízo -2ª secção, de que foi relator o Desembargador Rogério Martins, 2º adjunto desta formação, cuja fundamentação se acolhe inteiramente por corresponder à melhor interpretação e aplicação das normas jurídicas atinentes e, por isso, com a devida vénia, se passa a seguir adaptando-a ao caso concreto. Assim: “A Recorrente ataca a sentença recorrida desde logo por entender que a matéria de facto é insuficiente e houve erro na sua fixação. Determina o art.º 685.º-B, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no art.º 281º do Código de Procedimento e de Processo Tributário: “ (…) 1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição. 3 - Na hipótese prevista no número anterior, incumbe ao recorrido, sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, proceder, na contra-alegação que apresente, à indicação dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente, podendo, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição. No caso concreto a Recorrente não cumpriu este ónus processual, de indicar em concreto os factos que deveriam ter sido dados como não provados e foram dados como provados na sentença ou que deveriam ter sido julgados provados divergentes dos que constam da sentença. Assim como não indicou os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa sobre a matéria de facto e, em particular, no que diz respeito à prova testemunhal, quais as passagens da gravação em que funda a sua discordância. Limitou-se a referências vagas e genéricas à prova testemunhal. Em todo o caso, sempre se dirá que não se vislumbra erro – pelo menos evidente - no julgamento da matéria de facto. O Tribunal deu como provado o conteúdo do relatório da Inspecção bem como o parecer e o despacho de concordância que recaíram sobre esse relatório. O que, por si só, são factos relevantes e estão documentados: traduzem o conteúdo o acto impugnado. Que tais documentos tenham sido produzidos com o exacto conteúdo que consta da sentença não foi, de resto, posto em causa. Não é verdade, por outro lado, que o Recorrente estivesse impossibilitado de impugnar o teor do relatório, pela sua extensão: foi exactamente isso que fez quer em sede administrativa, no exercício do direito de audiência prévia, quer em sede judicial, na petição inicial e nas alegações da presente impugnação. E não se impunha dar como provado mais do que aquilo que se deu. O Tribunal afirmou sob a alínea “Factos não provados” que: “Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, não se provou positivamente a errada quantificação da matéria colectável.” Impunha-se à Recorrente, também nesta parte, não apenas fazer, como fez, uma referência genérica à prova produzida, designadamente testemunhal, mas mencionar os documentos em concreto e as passagens das gravações que impunham dar-se como provados determinados factos por si alegados e que traduziam a conclusão de ter sido feita errada quantificação da matéria colectável, o que não fez. Na verdade, quanto ao ónus da prova importa ter em conta também o disposto no n.° 2 do art. 74º da Lei Geral Tributária, citado na sentença recorrida: “Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação.» Por outro lado, “A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita” – art.º 516º do Código de Processo Civil. Não se mostra evidente que resultasse inequívoco ou fortemente plausível da prova testemunhal no seu todo nem a prova documental impunha dar-se como provado qualquer facto invocado pela Recorrente para demonstrar o excesso na fixação da matéria colectável. Pelo que, existindo dúvida, bem andou o Tribunal a quo em dar como não provada essa matéria, ou seja, resolver a dúvida contra a Recorrente, a quem interessava tal prova. Não existe, pois, erro na decisão sobre a matéria de facto que imponha qualquer alteração neste capítulo.” Deverão assim ter-se por assentes os seguintes factos: Quadro 8
Aplicando estas médias às facturas em falta chegamos aos valores estimados não declarados: Quadro 9
(Continua na página seguinte)
Nota: a) O IVA até Junho de 2000 já se encontra caduco, vide n.° 1 do artigo 88.° do CIVA e artigos 45.° e 46.° da LGT. Em suma propomos a fixação das seguintes matérias tributáveis: Quadro 10
(…) VI. Regularizações efectuadas pelo S.P. no decurso da acção de inspecção No decurso da inspecção o S.P. substituiu as declarações de rendimentos modelos 22 de IRC de 2000 e 2001 e algumas declarações periódicas de IVA, corrigindo as situações descritas nos quadros 2 e 3 do capítulo III deste relatório, donde resultou os seguintes acréscimos das matérias colectáveis: Quadro 12
Quanto ao ponto 2 do mesmo capítulo, entregou a mod. 22 de 2003 já corrigida e, quanto ao ponto 3, corrigiu somente o IVA. (…) VIII. Outros elementos relevantes No decurso do processo inspectivo, foram diluídas as seguintes dívidas do S.P.: Quadro 13
* 2.2. DO DIREITOComo se disse supra, também neste segmento adoptaremos a fundamentação vertida no Acórdão deste TCAS de 21/04/2009, no Recurso Jurisdicional nº 02830/09, em que as questões a decidir eram idênticas às suscitadas no presente recurso. Começaremos, então, por enfrentar a: 1 - A nulidade da sentença. Refere a recorrente a este propósito, em síntese, que: “Nos fundamentos do julgamento (ponto 2.2) encontra-se a consideração dos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela aqui recorrente, sendo que o depoimento aí transcrito das três primeiras testemunhas, assim como em larga medida o depoimento da quarta testemunha que é a autora do Relatório de Inspecção, é contraditório com a matéria de facto tida como assente no ponto 2.1 da douta sentença recorrida; acresce que há manifesta oposição entre os factos constantes dos depoimentos tidos como prova na fundamentação do julgamento e a decisão recorrida, quer no que respeita aos factos que validamente devem ser tidos em conta para a verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indirecta, quer do critério de quantificação utilizado, com a consequente nulidade da mesma nos termos do artigo 668° do CPC. Esclarece que a sentença veio a pronunciar-se no sentido de que se encontravam reunidos os pressupostos legais para a Administração Fiscal lançar mão dos métodos indirectos e por outro lado que a impugnante não logrou demonstrar que o critério utilizado pela Administração Fiscal é ostensivamente inadmissível ou desacertado. Ora da prova testemunhal, em concreto excertos reproduzidos na sentença resulta, inequivocamente, na sua perspectiva, que a haver correcções estas teriam de ser meramente aritméticas. Vejamos. Depois de alinhar os factos provados e não provados acima transcritos, consignou-se o seguinte, na sentença recorrida: “2.2 — Fundamentação do julgamento: Todos os factos têm por base probatória, os documentos referidos em cada ponto. De realçar ainda os depoimentos das testemunhas arroladas na formação da convicção do tribunal. As três primeiras testemunhas referiam em síntese que: A Impugnante é uma empresa de pequena dimensão de cariz eminentemente familiar. Fazia 3 ou 4 vivendas por ano. Por volta de 2002 iniciou uma obra de grande volume o Hotel P................, conjuntamente com mais três sociedades. Esta obra ocupava cerca de 90% da capacidade da Impugnante. Os P................ efectuavam a maioria dos pagamentos em letras. Por cada auto de medição que era efectuado fazia-se uma factura provisória que era substituída pela correspondente factura tipográfica. De específico relativamente a cada testemunha, em síntese, foi referido: 1.ª testemunha da Impugnante: O Hotel P................ a certa altura decidiu passar de três para cinco estrelas e foi necessário alterar a tipologia dos materiais, resultando na empreitada um acréscimo na ordem dos 5.000.000 de euros. Fizeram-se novos contratos e como já haviam sido emitidas algumas facturas definitivas (1, 2, 3 e 4) foram anuladas e substituídas por outras efectuadas por computador como adiantamentos, reflectindo o aumento de 2% para 6,3%. As primeiras 4 facturas correspondiam a adiantamentos. Tudo foi facturado, menos no final da obra pois alguns autos de medição não foram aprovados e entraram em litígio. A Impugnante facturava cerca de 4.000.000 euros por ano. Com a obra dos P................ foram facturados na totalidade cerca de 19.000.000 de Euros. A facturação provisória não era sequencial porque o Engenheiro previa mais ou menos onde é que estava a facturação actual e dava-lhe um número aleatório consoante segundo pensava iria corresponder ao da factura definitiva. Todas as facturas que estão na contabilidade dos P................ correspondem às que se encontram na contabilidade de Impugnante. Só relativamente aos P................ foram emitidas facturas provisórias. A pedido da Srª. Inspectora fizeram outras facturas provisórias. As facturas emitidas aos P................, à excepção das 3 primeiras e de algumas no final que foram pagas por cheque, todas as outras foram pagas em letras. 2.ª testemunha da Impugnante: Durante o mês eram executados os trabalhos. No final do mês era elaborado o auto de medição que era apresentado ao cliente. Era o depoente quem efectuada as facturas pró-forma, que não tinham qualquer carácter oficial, depois de discutir com os fiscais da obra o estado dos trabalhos. A factura pró-forma era entregue na contabilidade que emitia a factura definitiva. Só relativamente aos P................ foram emitidas facturas provisórias. 3.ª testemunha da Impugnante: Só relativamente aos P................ foram emitidas facturas provisórias. A pedido da Srª. Inspectora fizeram outras facturas provisórias. As facturas emitidas aos P................, há excepção das 3 primeiras e de algumas no final quer foram pagas por cheque, todas as outras foram pagas em letras. 4.ª testemunha - Inspectora Tributária: Visitou a Impugnante e um estaleiro. Procedeu a correcções técnicas e à aplicação de métodos indirectos. A Impugnante emitia dois tipos de facturas, umas impressas por computador e outras impressas tipograficamente. As tipográficas constavam da contabilidade à excepção de duas que originaram correcções técnicas. As passadas por computador preenchiam todos os requisitos do Artigo 35.º do CIVA à excepção da expressão processada por computador. Porém 4 ou 5 destas facturas constavam da contabilidade dos P................. Passados alguns dias surgiram as referidas facturas mas agora com a expressão processada por computador. Duas dessas facturas não estavam contabilizadas na Impugnante. As facturas 1114 e 1110, cumpriam os requisitos do artigo 35.º do CIVA, apresentavam-se pagas na contabilidade dos P................, mas que não foi possível verificar na contabilidade de Impugnante, pois a conta bancária não reflecte os pagamentos à data, não permitindo identificar a origem e os destino dos dinheiros entrados em banco, não permitindo testar os fluxos financeiros. Não tinha noção do valor das letras em circulação. Quanto à Conta corrente dos P................ face à C............ esclareceu que apenas lhe foi entregue uma ficha de fiscalização, — um relatório sucinto onde o técnico explica as divergências que encontrou e os problemas que levantou relativamente a outro sujeito passivo. Se lhe foi envido o extracto de conta-corrente dos P................ face à C............ não lhe deu relevância, mas viu o extracto de conta-corrente da C............ face aos P................. Das facturas tipográficas, à excepção de duas, todas estavam contabilizadas; das facturas pró-forma estavam duas contabilizadas nos P................, mas não se encontravam contabilizadas na C............. Quanto às facturas tipográficas 1, 2, 3 e 4 que foram substituídas por outras processadas por computador: eram emitidas as facturas por computador que eram pagas e mais tarde eram emitidas as facturas tipográficas que substituíam as primeiras. Comparou umas com as outras e levaram isso em consideração não efectuando correcções. Eram emitidas as facturas provisórias por computador, ocorria o pagamento e depois eram emitidas as tipográficas. Não achou justificação plausível para as falhas de numeração das facturas emitidas por computador. Através dos fluxos financeiros — entradas e saídas de dinheiro — não conseguiu verificar quem tinha pago e o quê, nomeadamente através da conta caixa. Perguntou ao contribuinte para justificar por escrito a que é que correspondiam aquelas entradas de dinheiro. Nalguns casos respondeu por escrito no talão respectivo esclarecendo a que facturas se referiam; porém verificadas as facturas não se conseguia comprovar o que é que aqueles talões pagavam. O próprio contribuinte assumiu que nalgumas das entradas não sabia fazer a correspondência. Ainda os saldos de caixa negativos. Existiam duas facturas na contabilidade dos P................ que não constavam da contabilidade da C....................... Poderia ter procurado outros elementos, colocou a questão superiormente e foram considerados suficientes os indícios para a aplicação de métodos indirectos. Relativamente a outros clientes da C............ verificou que eram maioritariamente off-Shores. Efectivamente os depoimentos das testemunhas apresentadas pela Impugnante, por um lado, e o depoimento da testemunha apresentada pela Fazenda Pública, por outro, apresentam diferenças significativas quer entre si quer por comparação com o que efectivamente se deu como provado. Mas a incoerência que determina a nulidade da sentença, nos termos do disposto no art.º 668º, n.º1, al. c), do Código de Processo Civil, é a incoerência interna da sentença e não a desconformidade desta com realidades distintas. Naturalmente os depoimentos das testemunhas e os documentos podem apresentar contradições entre si sem que por isso a sentença não se possa apoiar no respectivo conteúdo para dar determinados factos como provados. Seja porque esses factos constituem o mínimo denominador comum aos meios de prova apontados, credível, seja porque, entre todas as contradições, esses factos se revelem como uma versão verosímil, a mais verosímil que é possível estabelecer. Transcrever no entanto os depoimentos pode dar a ideia de que se entendeu merecerem os depoimentos credibilidade em tudo o que ficou dito. Teria sido preferível, ao invés de transcrever trechos dos depoimentos das testemunhas, fazer aquilo que é usual, e satisfaz a exigência de fundamentação a que aludem os art.ºs 158º, n.º1, e 659º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, e o art.º 123º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ou seja, indicar os meios de prova que serviram de base à decisão sobre a matéria de facto e, tendo-se o tribunal apoiado em prova testemunhal, indicar a razão de ciência, de credibilidade das testemunhas ouvidas. No caso concreto indicar que as testemunhas ouvidas tiveram contacto directo com a situação dos autos mercê do seu exercício profissional e fizeram um relato coerente e consistente na parte dada como provada. Nessa perspectiva, a crítica feita à sentença faz sentido. Percebe-se no entanto que a ideia foi a de referir os trechos mais importantes do depoimento das testemunhas, fazendo uma súmula do que ficou dito sem que com isso se entendesse aceitar tudo como provado. Apenas se deu como provado, deduz-se por imperativo lógico, aquilo que resulta consistente e coerente do conjunto dos depoimentos, compaginados com a prova documental. De resto, os factos dados como provados (fundamentação de facto) e o enquadramento jurídico (fundamentação de direito), apresentam uma estrutura lógica intocável e coerente. A crítica a fazer à sentença é de um pormenor formal, de metodologia, que em nada afecta o seu valor substantivo que não merece censura, em nosso entender. * 2. Do mérito da sentença:A sentença recorrida fez também o correcto enquadramento jurídico. Dispõe o n.º1 do artigo 75º da Lei Geral Tributária que: «Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.» Nos termos do n.º2 do mesmo preceito, porém, esta presunção não se verifica quando: “As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo.» Particularmente dispõe o artigo 82.º, n.º 1 a 4 do Código I.V.A. que: 1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 84.º, o chefe de repartição de finanças procederá à rectificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentadamente considere que nelas figure um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando-se adicionalmente a diferença. 2 - As inexactidões ou omissões praticadas nas declarações poderão resultar directamente do seu conteúdo, do confronto com declarações de substituição apresentadas para o mesmo período ou respeitantes a períodos de imposto anteriores, ou ainda com outros elementos de que se disponha, designadamente os relativos a IRS, IRC ou informações recebidas no âmbito da cooperação administrativa comunitária e da assistência mútua. 3 - As inexactidões ou omissões poderão igualmente ser constatadas em visita de fiscalização efectuada nas instalações do sujeito passivo, através de exame dos seus elementos de escrita, bem como da verificação das existências físicas do estabelecimento. 4 - Se for demonstrado, sem margem para dúvidas, que foram praticadas omissões ou inexactidões no registo e na declaração a que se referem, respectivamente, a alínea a) do n.º 2 do artigo 65.º e a alínea c) do n.º 1 do art. 67.º, proceder-se-á à tributação do ano em causa com base nas operações que o sujeito passivo presumivelmente efectuou, sem ter em conta o disposto no n.º 1 do artigo 60.º. Por seu turno o artigo 84.º deste mesmo diploma dispõe que: 1 - Sem prejuízo do disposto no presente Código, a liquidação do imposto com base em presunções ou métodos indirectos efectuar-se-á nos casos e condições previstos nos artigos 87.º e 89.º da lei geral tributária, seguindo os termos do artigo 90.º da referida lei. 2 - A aplicação de métodos indirectos nos termos do número anterior cabe ao director de finanças da área do domicílio, sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável do sujeito passivo ou ao funcionário em quem ele tiver delegado essa competência. Quando à realização da avaliação indirecta prescreve o artigo 87.º, alínea b) da Lei Geral Tributária: «A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de: (…) b) Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável». Os casos em que tal pode acontecer são, desde logo, os referidos em geral no art. 88.º da Lei Geral Tributária (com a redacção introduzida pela Lei n.° 30-G/2000, de 29 de Dezembro): «A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos da aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável. a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais; b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação; e) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal. d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada.» Finalmente importa ter em conta um último dispositivo legal, citado na sentença recorrida, o art.º 90º da Lei Geral Tributária: «1. Em caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, a determinação da matéria tributável por métodos indirectos poderá ter em conta os seguintes elementos: a) As margens médias do lucro líquido sobre as vendas e prestações de serviços ou compras e fornecimentos de serviços de terceiros; b) As taxas médias de rentabilidade de capital investido; c) O coeficiente técnico de consumos ou utilização de matérias-primas e outros custos directos; d) Os elementos e informações declaradas à administração tributária, incluindo os relativos a outros impostos e, bem assim, os relativos a empresas ou entidades que tenham relações económicas com o contribuinte; e) À localização e dimensão da actividade exercida, f) Os custos presumidos em função das condições concretas do exercício da actividade; g) A matéria tributável do ano ou anos mais próximos que se encontre determinada pela administração tributária. 2 - No caso de a matéria tributável se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, dos indicadores objectivos de actividade de base técnico-científica, a sua determinação efectua-se de acordo com esses indicadores.» Face a estes dispositivos concluímos que a Administração Fiscal procedeu devidamente quer à rectificação das declarações da ora Recorrentes que à aplicação dos métodos de avaliação indirecta. A Administração Fiscal detectou na contabilidade da ora Recorrente facturas impressas por computador e facturas impressas tipograficamente. Segundo a ora Recorrente as primeiras eram apenas facturas pró-forma destinadas a ser substituídas pelas segundas. Mas a Administração Fiscal, como consta do seu relatório, detectou – e a ora Recorrente não demonstrou o contrário – que: não existe exacta correspondência entre as facturas a substituir e as facturas tipográficas; existem facturas substituídas com data posterior às que se destinavam a substituir; existem facturas ditas pró-forma que correspondem a pagamentos efectuados; existem facturas repetidas; e existe uma falha na sequência das facturas tipográficas. Por outro lado, as entradas de dinheiro constam nas contas de depósitos mas a origem é uma conta caixa e não clientes ou outra conta que identifique quem paga, não sendo possível saber a que clientes obras ou facturas a que respeitam os depósitos; existem saldos de caixa negativos. Existem portanto elementos seguros, por um lado, de que a contabilidade da ora Recorrente não reflecte a realidade da empresa, e, por outro, não é possível reconstituir com exactidão o que foi facturado pela empresa. O que justifica o recurso e métodos de avaliação indirecta para cálculo do IVA a pagar. Também o método utilizado pela Administração Fiscal não traduz qualquer erro clamoroso ou ostensivo, bem pelo contrário: na impossibilidade de quantificação directa e exacta da matéria tributável, foram tidas em conta as facturas conhecidas impressas por computador e, pela média dos seus valores, estabeleceu-se o valor das facturas em falta, as que correspondem a uma quebra na sequência numérica. O recurso a métodos de avaliação indirecta justifica-se sempre que não seja possível determinar a matéria colectável através da contabilidade do contribuinte, ainda que por recurso a meras correcções técnicas. O método de avaliação indirecta a utilizar será aquele que permita uma maior aproximação à realidade. Neste sentido, pacífico, ver, por todos, os acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Sul de 17.02.2009, recurso 02484/08, e de 201.01.2009, recurso 01968/07. O que, pelo que ficou dito, foi respeitado no caso concreto. Finalmente nenhuma crítica há a fazer às liquidações adicionais do IVA com base em rectificações técnicas. Com se refere no relatório da inspecção e não foi factualmente contrariado na presente impugnação, a correcção do IVA do ano de 2002 funda-se na emissão da factura 1110 que foi efectivamente paga. A correcção do IVA de 2003 justifica-se face ao valor das facturas que constam do anexo 12 do relatório e cujo pagamento é reclamado em Tribunal pela ora Recorrente. Os juros compensatórios são devidos pelo facto do IVA ser exigível à data da emissão das facturas ditas pró-forma que foram comprovadamente substituídas pelas tipográficas – art.º 8.º, n.º1, al. c) e n.º 2, do Código IVA. Impõe-se face ao exposto manter na ordem jurídica o acto tributário impugnado e, assim, manter a sentença recorrida. * 3. – DECISÃO:Pelo exposto, os juízes da Secção Tributária do Tribunal Central Administrativo Sul acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo a sentença recorrida. Custas pela Recorrente. * Lisboa, 28 de Abril de 2009 (Gomes Correia) (Pereira Gameiro) (Rogério Martins) |