Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11862/02
Secção:Contencioso Administrativo - 1º Juízo liquidatário
Data do Acordão:07/14/2004
Relator:Xavier Forte
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PENA DE SUSPENSÃO , POR 120 DIAS
NULIDADE INSUPRÍVEL
OFENSAS CORPORAIS E VERBAIS
CONTRADITA
PROCESSO DISCIPLINAR/PROCESSO PENAL
Sumário:I)- Em processo disciplinar vigora o princípio da livre apreciação da prova , pelo que o Instrutor do processo , após efectuar a valoração dos depoimentos , que nem sempre são coincidentes , enunciou e identificou , claramente , aqueles que considerou decisivos para a matéria fáctica provada .
II)- No C.P.Penal não se prevê a contradita , mas a acareação (artº 146º ) , em termos semelhantes aos previstos , no artº 642º, do CPC .
III)- Assim sendo , não é admissível a contradita , no âmbito do processo penal e do processo disciplinar , pois à produção da prova testemunhal tem de se aplicar , subsidiariamente , as disposições do CPP , sobre tal meio de prova .
IV)- Por outro lado o artº 640º , do CPC , está em desarmonia com o artº 126º , do CPP , que preceitua não serem válidas as provas obtidas com ofensa da integridade física ou moral das pessoas .
V)- Por isso , na medida em que a contradita não é um ataque ao depoimento , em si , ao seu conteúdo , mas um ataque à própria pessoa da testemunha e suas qualidades , não pode ser utilizada em processo penal .
VI)- Independentemente , do referido instituto poder ou não ser utilizado em processo disciplinar , a verdade é que não foi deduzida , no momento próprio , qualquer « contradita » - nem sequer foi referido na defesa - , pelo que não é possível defender a sua aplicabilidade ao caso dos autos .
VII)- Não se verifica qualquer nulidade insuprível , quando o arguído teve todas as possibilidades de organizar uma defesa eficaz , não resultando em nada afectadas as garantias constitucionais da sua audiência e defesa , como foi , manifestamente , o caso dos autos .
VII)- Quanto aos factos imputados à recorrente/arguída - ofensas corporais e verbais - , na reunião , de 09-04-2002 , demonstrou-se pelos depoimentos da ofendida , da arguída e , designadamente , da testemunha presencial , que os mesmos são convincentes e não contraditórios .
VIII)- Quando a recorrente/arguída diz à única testemunha presencial dos factos ocorridos , na referida reunião , « sente-se aqui e escreva , num folha A4 , em como eu ( arguída ) não agrdi a ofendida » , ao que este respondeu « desculpe-me , mas isso não posso fazer » , tal comportamento indica uma atitude premeditada de « ajuste de contas » , bem como um estado de exaltação e descontrole , que faz pressupor , com toda a probabilidade , a agressão , tentativa de agressão e ofensas verbais que lhe são imputadas e pelas quais vem acusada .
IX)- Com estas atitudes sempre haveria desrespeito grave par com a ofendida , na presença de um inferior hierárquico de ambas , o que justifica , plenamente , a pena de suspensão que lhe foi aplicada .
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:A recorrente veio interpor recurso contencioso de anulação do despacho , de 20-09-2002, da entidade recorrida .

Alega , designadamente , que se verifica um caso clamoroso de nulidade do procedimento disciplinar , decorrente de se ter ignorado o resultado de diligências essenciais para a descoberta da verdade , conforme decorre da Segunda parte do nº 1 , do artº 42º , do ED .

O mesmo vício , com a mesma consequência de determinar uma nulidade insuprível , se verifica quanto ao segundo conjunto de factos .

São eles os relativos ao apuramento das exactas circunstâncias em que decorreu a reunião com a empresa TDE , que antecedeu o momento em que se teria verificado a suposta agressão à participante por parte da ora recorrente .

É assim inevitável a conclusão de que , por força das graves deficiências dessa peça processual , o acto recorrido que nela assentou incorreu num múltiplo erro sobre os pressupostos de facto – no caso com a amplitude de ter aceite como verificada uma agressão que não ocorreu .

Na sua resposta , de fls. 52 e ss , a entidade recorrida entendeu que deverá ser mantido o acto recorrido , negando-se provimento ao presente recurso .

A fls. 117 e ss , a recorrida particular , Maria Fernanda Borges Rodrigues Alves , veio apresentar a sua contestação , pugnando pela manutenção da douta decisão disciplinar , com todos os devidos e legais efeitos .

A fls. 140 e ss , a recorrente veio apresentar as suas alegações , com as respectivas conclusões de fls. 156 a 158 , que de seguida se juntam por fotocópia extraída dos autos .

A fls. 159 e ss , a entidade recorrida veio apresentar as suas contra-alegações , com as respectivas conclusões de fls. 162 a 164 , que de seguida se juntam por fotocópia extraída dos autos .

A fls. 172 e ss , a recorrida particular , Maria Fernanda , veio apresentar as suas contra-alegações , com as respectivas conclusões de fls. 178 a 179 , que de seguida se juntam por fotocópia extraída dos autos .


No seu douto e fundamentado parecer , de fls. 186 e ss , a Srª Procuradora-Geral Adjunta entendeu que o presente recurso contencioso deve improceder , mantendo-se o acto impugnado .

MATÉRIA de FACTO :

Com interesse para a decisão considero provados e relevantes os seguíntes factos :

1)- A arguída/recorrente exerce funções de Subdirectora da Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Terriório de Lisboa e Vale do tejo ( doravante DRAOT ) . ( cfr. acusação , de fls. 70 e ss , do PI ) .

2)- No dia 09 de Abril , de 2002 , cerca das 16 horas , decorreu no gabinete da Directora da DRAOT , sita na rua Antero de Quental , nº 44 , Lisboa , uma reunião com a TDE – Teixeira Duarte Empreendimentos – convocada pela ora arguída e que tinha como assunto a regularização de uma linha de água , num empreendimento da TDE , em Palmela .

3)- Nessa reunião estiveram presentes a ora arguída , a Engª Fernanda Alves , Chefe de Divisão da DRAOT – Divisão Sub-Regional de Setúbal , o Engº Miguel Santos –avençado da DRAOT , Divisão Sub-Regional de Setúbal , a Engª Ivone Gonçalves da DRAOT e três representantes da TDE ( dois deles eram os Engenheiros João Torrado e Lobo Soares ) .

4)- Durante o decurso desta reunião , o Engº Miguel Santos – na ocasião em que a Engª Fernanda Alves se tinha ausentado da sala para atender o telemóvel – efectuou uma intervenção acerca do assunto em discussão , tendo concluído , afirmando que era necessário existir coerência na análise dos procesos para não se verificar o sucedido com a Maçã e Augi .

5)- Em face do afirmado pelo Engº Miguel Santos , a arguída – estando já presente a Engª Fernanda Alves – dirigiu-se aos presentes , explicando que a Maçã e a Augi são situações diferentes da situação objecto desta reunião .

6)- A Engª Fernanda Alves , antes do final da reunião , pediu a palavra , para entre outros assuntos , falar sobre o trabalho de campo da Divisão de Setúbal , no acompanhamento de processos .

7)- No final dessa reunião , a arguída solicitou à Engª Fernanda Alves e ao Engº Miguel Santos , para permanecerem na sala , acabando estes por ficarem , no mesmo lugar que ocuparam durante a reunião .

8)- Após a saída dos outros intervenientes , a arguída fechou a porta e quando se dirigiu para a sua cadeira , diz em tom de voz exaltado « eu quero que vossês me expliquem o que é que fiz de mal na Maçã e na Augi».

9)- Quando a arguída se senta diz ainda « afinal vossês prejudicam os meus amigos » .

10)- A Engª Fernanda Alves disse , então , à arguída que só falava com ela sobre questões profissionais , fazendo um gesto, no sentido de se levantar da cadeira .

11)- Nessa altura , a arguída , com um grito , disse à Engª Fernanda Alves «tu não te levantas daí , não sais , porque eu sou tua Subdirectora , tu és apenas uma Chefe de Divisão e eu quero saber quias os meus rabos de palha , tu nunca me engoliste , mas eu sou tua Subdirectora » .

12)- Quando a arguída acabou de proferir as afirmações descritas , no artigo anterior , , tocou o telemóvel da Engª Fernanda Alves , que estava na mala que se encontrava no chão.

13)- A engª Fernanda Alves debruçou-se para apanhar o telemóvel , altura em que a arguída , bruscamente , se levantou da cadeira e se dirigiu à Engª Fernanda Alves , passando por detrás do local onde o Engº Miguel Santos estava sentado , dizendo a este « Miguel saia da sala » .

14)- Quando já estava junto à Engª Fernanda Alves – que acabou por não atender o telemóvel – a arguída com a mão , agarrou , violentamente , o braço esquerdo daquela , abanando-
-o da mesma forma e cravando-lhe as unhas e , em acto imediato , levantou o outro braço fazendo gesto para lhe bater , tendo a Engª Fernanda Alves gritado para a arguída «não me toques, larga-me o braço » .

15)- Foi , então , que de imediato , o Engº Miguel Santos , que já se encontrava junto a ambas , agarrou o braço da arguída que estava levantado e disse a esta « não faça isso Engª Mabel » , tendo a arguída , nessa altura , largado o braço da Engª Fernanda Alves e se deslocado para a sua cadeira .

16)- Em consequência directa e necessária da arguída ter apertado , violentamente , o braço esquerdo da Engº Fernanda Alves e lhe ter cravado as unhas , esta última ficou com arranhões e um grande vermelhão no mesmo .

17)- Já depois de se sentar , a arguída virou-se para a Engª fernanda Alves e disse-lhe « tu és ignorante , incompetente e não percebes nada disto , eu despacho com os técnicos e não despacho contigo , ficaste lixada porque não te chamo a despacho » .

18)- Depois disto , a Engª Fernanda Alves pediu licença para sair à arguída e esta disse-lhe « tu sais , mas o Miguel fica porque ainda tenho que falar com ele » .

19)- Quando a Engª Fernanda Alves saiu e se encontrava na porta virou-se para a arguída e disse-lhe « tu agrediste-me Mabel e eu vou fazer queixa de ti » , tendo a arguída fechado a porta e virando-se para o Engº Miguel Santos disse « ouviu isto Engº Miguel , agora diz que a agredi » .

20)- Seguidamente , encontrando-se , a sós , com o Engº Miguel Santos , a arguída disse a este » vossê senta-se aqui e vai escrever numa folha A4 em como eu , hoje , não agredi a Engª Fernanda » , tendo o Engº Miguel Santos em resposta dito « Srª Engª Mabel , desculpe-me,mas isso não posso fazer».

21)- A arguída agarrou , então , o braço do Engº Miguel Santos e disse-lhe « eu sou a tua subdirectora faz o que te mando » , tendo este respondido , novamente , que « desculpe-me mas isso não posso fazer » .

22)- A arguída voltou a insistir , dizendo «Miguel escreva esse papel senão...» , tendo o Engº se recusado , motivo pelo qual a arguída lhe disse «vá para a rua » .

23)- Os factos supramencionados constituem infracção disciplina , nos termos das disposições combinadas do artº 3º , nº 4 , al. f) – violação do dever de correcção – e nº 10 , do DL nº 24/84 , de 16-01 ( Estatuto Disciplinar ) .

24)- Ao actuar da forma descrita agiu a arguída , voluntaria e conscientemente , com a intenção de ofender corporalmente a Engª Fernanda Alves , o que consegui , só não a tendo ofendido, corporalmente, de forma mais violenta devido à pronta intervenção do Engº Miguel Santos.

25)- Ainda , voluntaria e conscientemente , ao apelidar a Engª Fernanda Alves de « ignorante » , « incompetente » e que « não percebia nada disto», a arguída agiu com intenção de ofender a honra e consideração devida à sua inferior hierárquica .

26)- Ao actuar da forma descrita , tinha a arguída perfeita consciência de que estava a desrespeitar , gravemente , a Engª Fernanda Alves , na presença de outro funcionário , inferior hierárquico de ambos e no local de serviço .

27)- Contra a arguída não milita qualquer circunstância agravante prevista , no artº 31º , do ED , e não beneficia de atenuantes .

28)- Informação , de 17-09-2002 , do Gabinete do Sr. Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente , subscrito por Maria Ascensão Isabel , onde se propõe a pena de de suspensão de 120 dias , conforme o previsto na alínea c) , do nº 1 , do artº 11º , e no artº 24º , graduada nos termos do artº 28º , do ED , devendo ainda , nos termos do artº 20º , nº 2 , alínea b) , da Lei nº 49/99 , de 22-06 , ser proferido despacho no sentido de ser dada por finda a comissão de serviço da arguída . ( Doc. de fls. 20 e s , dos autos ) .

29)- O despacho do Sr. Ministro das Cidades , Ordenamento do Território e Ambiente ( Isaltino Morais ) , de 20-09-2002 , é do seguínte teor :

- « Concordo com a informação do meu gabinete , bem como com o relatório do Sr. Instrutor , constante de fls. 507 e ss , do presente processo disciplinar , cujos conteúdos , aqui dou por inteiramente reproduzidos .
- Assim , nos termos e com os fundamentos de facto e de direito neles invocados e tendo em conta as considerações expostas , na presente informação , no que concerne à graduação da pena , puno a Srª Engª Mabel Maria de Oliveira Tavares da Silva , com a pena de suspensão por 120 dias .
- Finalmente , e com base nos fundamentos de facto e de direito supra referidos , dou por finda a comissão de serviço da arguída Engª Mabel Maria Tavares da Silva como subdirectora regional do ambiente e Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo .

Notifique a arguída e dê conhecimento à prticipante .

Lisboa , 20-09-2002 .

O Ministro das Cidades , ordenamento do Território e Ambiente

Ass. Isaltino Morais » .


O DIREITO :

A recorrente , nas conclusões das suas alegações , refere que o acto recorrido não considerou , de todo em todo , a prova testemunhal decorrente de cinco depoimentos prestados , nos autos , depois de admitida a sua produção , com o argumento , invocado no relatório final , de que isso equivaleria a uma contradita , que esta é proibida em processo penal e que o processo disciplinar só admite a aplicação subsidiária do processo penal .

Difícil seria conseguir reunir tantas afirmações completamente erróneas num mesmo raciocínio : já deixando de lado a questão de saber se a contradita é ou não admitida em processo penal , é inquestionável a abertura do ED quanto à liberdade de utilização dos meios processuais adequados à descoberta da verdade , é evidente que tem de poder ser questionada a credibilidade de depoentes em processo disciplinar e é notório que a prova produzida não foi obtida com « ofensa da integridade física ou moral » de ninguém .

Foi assim violada a invocada norma do artº 35º , 4 , do ED , e em consequência , tendo-se ignorado o resultado de diligências essenciais para a descoberta da verdade , incorreu o acto sob censura na nulidade prevista , no artº 42º , 1 , do mesmo Estatuto .

Quanto á análise dos factos directamente relacionados com a reunião em que teria ocorrido a suposta agressão , que deu origem aos autos , o relatório final quedou-se por um exame macadamente parcial .

Porém , entendemos que a recorrente não tem razão .

Começaremos por dizer que no processo disciplinar vigora o princípio da livre apreciação da prova , pelo que o Instrutor do processo , após efectuar a valoração dos depoimentos , que como é sabido nem sempre são coincidentes , enunciou e identificou , claramente , aqueles que considerou decisivos para a matéria fáctica dada como provada , fazendo uso de uma certa margem de discricionaridade inerente às suas funções . ( artºs 35º , 4 , do ED e 127º , do CPP ) .

Porém , a arguída utiliza os depoimentos das testemunhas arroladas por si , na parte em que estas respondem aos artigos 82º a 116º , da defesa , para pôr em causa a credibilidade da ofendida /participante e da testemunha presencial , Engº Miguel Marques .

Como se refere no Relatório Final , o ED não contempla qualquer impedimento para a produção da prova testemunhal , razão pela qual tem de se aplicar , subsidiariamente , as disposições do CP Penal .

Ora , a arguída está a usar a contradita , prevista no artº 640º , do CPC , onde se diz que « a parte contra a qual foi produzida a testemunha pode contraditá-la , alegando qualquer circunstância capaz de abalar a credibilidade do depoimento , quer por afectar a razão de ciência invocada pela testemunha , quer por diminuir a fé que ela possa merecer »

Por sua vez o nº 1 , do artº 641º , do CPC , dispõe que « a contradita é deduzida quando o depoimento termina » e o nº 2 prevê que « quando a matéria alegada não seja confessada , a parte pode comprová-la por documentos ou testemunhas , não podendo produzir mais de três testemunhas a cada facto » .

No CPP , não se prevê a contradita , mas a acareação(artº146º), em termos semelhantes aos previstos no artº 642º , do CPC .

Assim sendo , não é admissível a contradita , no âmbito do CPP , pois se fosse essa a intenção do legislador , ele tê-la-ía previsto , expressamente , no CPP , como o fez em ralação à acareação .

Mas , por outro lado , o artº 640º , do CPC , está em desarmonia , com o artº 126º , do CPP , que preceitua não serem válidas as provas obtidas com ofensa da integridade física ou moral das pessoas .

Por isso , na medida em que a contradita não é um ataque ao depoimento em si , ao seu conteúdo , mas um ataque à própria pessoa da testemunha e suas qualidades , não pode ser utilizada em processo penal ( Cfr. Ac. do STJ , de 28-02-1996 , no Recurso nº 48 589 ) .

Como bem sintetiza a Digna Magistrada do MºPº , independentemente , do referido instituto poder ou não ser utilizado em processo disciplinar , a verdade é que não foi deduzida , no momento próprio , qualquer «contradita » - nem sequer foi referido na defesa - , pelo que não é possível defender a sua aplicabilidade ao caso dos autos .

Porém , o que importa é que seja tida na devida conta toda a prova carreada, quer pelo instrutor do processo,quer pela arguída , na sua defesa , conquanto apenas quanto aos factos que importa apurar .

E neste particular , dir-se-á que o que importa é que o efeito pretendido pelo legislador , ou seja , no caso em apreço , que o arguído tenha tido possibilidades de organizar uma defesa eficaz , não resultando em nada afectadas as garantias constitucionais da sua audiência e defesa , o que é manifestamente , o caso dos autos .

Daí , ao contrário do que alega a recorrente , não ter sido defeituosa a apreciação da prova , designadamente quando alegadamente se valorou o depoimento do Engº João Vasco Franco dos Santos Torrado da Silva , funcionário da TDE , de fls. 125 e ss , do PI , testemunha da arguída , e que até lhe poderia ser prejudial , referindo que o Engº Miguel Santos não foi incorrecto com a recorrente , antes a abordagem que este fez foi no sentido de defender o seu parecer anterior .

Mais esclarece que a Engª Fernanda Alves , no final da reunião , pediu a palavra , tendo elogiado o comportamento da TDE , na tentativa de resolver o problema , ao que a a recorrente disse que não percebia porque é que se estava a elogiar os promotores numa reunião técnica .

A recorrente alega ainda que terá sido desvalorizado o depoimento da testemunha , Maria Ivone Rodrigues Gonçalves, a fls. 140 a 142 , do PI , mas , na verdade não justifica tal asserção , sendo certo , como refere aquela Magistrado , que ambos os depoimentos pouco esclarecem acerca dos factos constitutivos da infracção por cuja prática a recorrente vem acusada , uma vez que nenhum dos depoentes as presenciou .

Também as declarações de fls. 17, de Maria Fernanda Borges Rodrigues Alves , do Engº Fernando Miguel dos Santos Nascimento , de fls. 26 , e da recorrente , de fls. 37 a 43 , e o depoimento das das testemunhas por esta arroladas , de fls. 44 a 51 , do PI , bem como o Relatório Final , de fls. 28 e ss , dos autos , são suficientemente esclarecedores sobre as circunstãncias em que decorreu a reunião , em 09-04-2002 , com a TDE-Teixeira Duarte Emprendimentos - , acerca de regularização de uma linha de água num emprendimento em Palmela , e que precedeu os acontecimentos que conduziram ao processo disciplinar , mas que não justificam , de todo , o que se passou a seguir , não podendo atenuar a culpa da recorrente .

Também de pouco ou nenhum valor , e pelos mesmos motivos, nos parecem os documentos , de fls. 375 e ss ( Documentos arquivados por ordem de entrada nos Serviços Centrais , donde constam várias licenças de construções em domínio hídrico e alguns cróquis sobre linhas de água cartografadas e seu actual trajecto – cfr. , entre outras , fls 397 e 452,do PI).

Do mesmo modo os documentos de fls. 489 a 506 , do PI , que se referem aos TDE – Empreendimentos imobiliários , S.A. – e, finalmente os documentos de fls. 157 a 384 , do PI , respeitantes , entre outros assuntos , a licenças de construção em domínio hídrico e a estudos hidrológicos da bacia hidrográfica .

Quanto aos factos , com real interesse , e concretamente relacionados com a agressão corporal e verbal , que ocorreu após a reunião de 09-04-2002 , os mesmos estão descritos nos artºs 14) a 17) , da matéria fáctica provada .

Aí se provou que arguída , quando já estava junto à Engª Fernanda Alves , agarrou , violentamente , com uma mão o braço esquerdo desta , abanando-a da mesma forma e cravando-lhe as unhas e em acto imediato , levantou o outro braço fazendo gesto para lhe bater , tendo a Engª Fernanda Alves gritado para a arguída « não me toques , larga-me o braço » .

Foi então que de imediato o Engº Miguel Santos , que já se encontrava junto a ambas , agarrou o braço da arguída que estava levantado e disse a esta « não faça isso Engª Mabel » , tendo a arguída nessa altura largado o braço da Engª Fernanda Alves e se deslocado para a cadeira .

Em consequência directa e necessária da arguída ter apertado , violentamente , o braço esquerdo da ofendida , Engª Fernanda Alves , e lhe ter cravado as unhas , esta última ficou com arranhões e um grande vermelhão no mesmo .

Já depois de se sentar , a arguída virou-se para a Engª Fernanda Alves e disse-lhe : « tu és ignorante , incompetente e não percebes nada disto , eu despacho com técnicos e não despacho contigo , ficaste lixada porque não te chamo a despacho » .

Porém , a recorrente nega ter tido tal comportamento , havendo, assim , que aferir se o mesmo se pode considerar provado , de acordo com a prova produzida , no processo disciplinar , sendo em caso afirmativo , sendo em caso afirmativo , de manter a pena disciplinar aplicada , dado que esta não foi posta em causa pela recorrente/arguída .

Efectivamente os depoimentos da ofendida , de fls. 17 a 24 , do PI , os da arguída/recorrente , de fls. 37 a 43 , do PI , e finalmente o da testemunha presencial , Engº Fernando Miguel dos Santos , de fls. 26 a 31 , do mesmo PI , são convincentes e não contraditórios , não oferecendo dúvidas de que os mesmos ocorreram .

Aliás , a própria recorrente , nas declarações de fls. 37 a 43 , confessa que a intervenção , na reunião , do Engº Miguel e da Engª Fernanda foi ofensiva para si e que lhes pediu , no final da reunião , para ficarem na sala , e que, no decorrer da discussão, o Engº Miguel se levantou , quando a arguída se dirigiu à Engª Fernanda Alves , e afastou a depoente/arguída , dado que se encontrava no meio das duas .

Também , no seu depoimento de fls. 26 e ss , do PI , a única testemunha presencial dos factos ocorridos e provados , Engº Miguel dos Santos , disse que a arguída lhe disse : « vossê senta-se aqui e vai escrever numa folha A4 em como eu não agredi a Engª Fernanda » , ao que o depoente , nessa altura, disse à arguída que « Srª Engª Mabel , desculpe-me , mas isso não posso fazer » .

Como refere aquela Magistrada , tal comportamento tomado pela arguída , perante o depoente , indicía uma atitude premeditada de«ajuste de contas», bem como o estado de exaltação e descontrole por parte da arguída/recorrente , que faz pressupor , com toda a probabilidade , a agressão , tentativa de agressão e ofensas verbais que lhe são imputadas e pelas quais vem acusada .


Assim , com estas atitudes ( ou apenas com uma delas ) , sempre haveria desrespeito grave para com a ofendida , na presença de um inferior hierárquico de ambas , o que justifica , plenamente , a pena de suspensão por 120 dias que lhe foi aplicada , após ter sido acusada de factos integrantes duma pena de aposentação compulsiva e de lhe ter sido proposta no Relatório Final a pena de inactividade , pena esta que a recorrente não põe em causa .

Tais factos acima discriminados constituem desrespeito grave da ofendida , pela superiora hierárquica , e integram a infração disciplinar , nos termos das disposições combinadas do artº 3º , nº 4 , al. f) e nº 10 , do ED .

Pelo exposto , o recurso terá de improceder .

DECISAO :

Acordam os Juízes do TCA , em conformidade , em negar provimento ao recurso contencioso .

Custas pela recorrente , fixando-se a taxa de justiça , em € 150 e a procuradoria em € 75 .

Lisboa , 14-07-04 .