Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02610/08
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:04/28/2009
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRS
AUDIÇÃO PRÉVIA
JUROS COMPENSATÓRIOS.
Sumário:1. Não pode ser dispensada a audição prévia do contribuinte quando a liquidação se não faça, integralmente, com base nos dados e elementos por si fornecidos nas respectivas declarações de rendimentos;

2. Tal falta de audição prévia pode degradar-se em formalidade não essencial quando, em juízo de prognose póstuma, se conclua que a actuação do contribuinte em nada poderia contribuir para o resultado a alcançar na decisão, quando a AT actue no estrito cumprimento de deveres vinculados;

3. Não são devidos juros compensatórios quando nenhum imposto seja devido, já que estes incidem sobre o seu montante e a este acrescem.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2. a Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:

A. O Relatório.
1. O Exmo Representante da Fazenda Pública, (RFP), dizendo-se inconformado com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa - 2.a Unidade Orgânica - que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por C............., veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:
I - A impugnante de nome C.............., foi notificada pelos serviços da Administração Tributária para apresentar declarações das autoridades fiscais dos países ou país onde foram obtidos os rendimentos declarados e bem; assim o imposto aí efectivamente pago.
II - Porém, até à data em que se verificou a liquidação não logrou provar através de documentos que lhe foram solicitados pela Administração Tributária, na esteira do princípio da igualdade dos contribuintes em situação semelhante, perante o procedimento tributário nacional.
III - Os documentos entregues, além de nome próprio diverso da impugnante, não correspondiam aos requisitos exigidos pela Administração Tributária.
IV - Não tendo cumprido o disposto no ofício de 28 de Janeiro de 2003, nos termos do n.° l art.° 128 do CIRS, foi efectuada a liquidação da declaração apresentada pela impugnante com os elementos nela inscritos.
V - E, por ser assim, o n.° 2 do art.° 60 da LGT, previa (redacção ao tempo) que é dispensada a audição prévia no caso da liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte, e por outro lado, com o devido respeito não se nos afigura ter sido violado o principio da participação dos cidadãos previsto no n.° 5 do art.° 267 da CRP.
VI - A Administração Tributária agiu com racionalidade e utilizou os meios que estavam ao seu alcance para que a ora impugnante pudesse provar, por documentos inequívocos, os rendimentos e o imposto já pago no país ou países onde os mesmos foram obtidos.
VII - As declarações de IRS possuem no quadro 9 uma linha em branco para se fazerem acompanhar de outros elementos comprovativos e idóneos para situações desta natureza, o que revela ser uma expectativa da Administração fiscal.
VIII - O prazo para efectuar as liquidações de IRS está previsto na lei fiscal art.° 79 do CIRS conjugado com o art.° 89 do mesmo diploma legal (redacções ao tempo) refere que "Sempre que, por facto imputado ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido. ..."
IX - No caso em apreço, foi efectuada a liquidação em finais de 2003 para rendimentos referentes ao ano de 1999.
X - Situação diversa seria obviamente, se a impugnante tivesse apresentado os documentos exigidos pela Administração Tributária, caso em que o atraso pela liquidação seria sem qualquer dúvida atribuído aos serviços fiscais, logo não seriam exigidos quaisquer juros.
XI - A liquidação informatizada calcula automaticamente os juros compensatórios a atribuir ao sujeito passivo e os juros compensatórios a atribuir ao Estado.
XII - Nestes termos, é convicção assente que a sentença ora recorrida não observou correctamente normas aplicáveis ao caso em concreto, dando-lhe outra interpretação devendo por esse facto ser revogada e substituída por outra, anulando assim a decisão ora proferida para todos os efeitos legais.

Nestes termos e nos demais de direito, pelos fundamentos expostos e com o sempre mui douto suprimento de V.a Exas, deve ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se a douta sentença recorrida assim se fazendo, a costumada Justiça.

Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.

Também a recorrida veio a apresentar as suas alegações e nestas as respectivas conclusões, as quais igualmente na íntegra se reproduzem:

A) Na sentença ora recorrida, o douto Tribunal a quo defendeu a anulação da liquidação de IRS de 1999 objecto dos presentes autos, por vício de forma consubstanciado na preterição do direito de audição prévia da ora Recorrida, conforme preceituado no artigo 60° da LGT;
B) Na óptica da Recorrente, o Tribunal a quo efectuou uma errónea aplicação do artigo 60° da LGT, uma vez que a desconsideração do crédito de imposto por dupla tributação internacional terá decorrido da circunstância da ora Recorrida não ter apresentado em tempo os documentos solicitados pela Administração Tributária, em consonância com o oficio circulado n.° 20022 de 19 de Maio de 2000;
C) A posição sustentada pela Recorrente, salvo o devido respeito, carece, em absoluto de qualquer base legal, redundando numa posição contra legem em claro desrespeito das garantias dos contribuintes e do quadro legal e constitucional em vigor;
C) A Recorrente, à data da emissão do acto tributário sindicado (i.e. ano de 2003) violou de forma ostensiva o disposto no oficio circulado n.° 20045 de 4 de Abril de 2001;
E) Gozando as declarações dos contribuintes de presunção de veracidade (vide artigo 75° da LGT), a Administração Tributária estava adstrita a (i) aceitar as declarações sem qualquer documento de suporte e (ii) a liquidar o imposto com o crédito de imposto declarado no Anexo J (iii) cabendo de seguida à DSBF proceder à verificação da legitimidade do crédito de imposto por dupla tributação internacional;
F) Perante esta orientação administrativa que a Recorrente certamente não ignorava, impõe-se concluir que a posição sustentada nos presentes autos, para além de violar ostensivamente o artigo 60° da LGT, contaria o disposto no artigo 68°, n.°4 do mesmo diploma, redundando em litigância de má-fé por força do disposto no n.° l do artigo 104° daquele mesmo diploma legal;
G) O direito de audição prévia previsto no artigo 60.° da LGT constitui uma consagração expressa no Direito Tributário do principio constitucional da participação constante no número 5 do artigo 267º do texto constitucional, o qual corresponde a um dos princípios fundamentais da actividade administrativa num Estado de Direito;
H) No caso sub judice e conforme resulta da factualidade assente e reconhecida pela própria Recorrente, a Administração Tributária desconsiderou no acto tributário os elementos declarados no Anexo J da Declaração Modelo 3 entregue pela Recorrida, pelo que não estamos perante uma liquidação efectuada de acordo com os elementos declarados pelo sujeito passivo;
I) Na óptica da ora Recorrida a consideração parcial dos elementos declarados pelo contribuinte não preenche a norma de dispensa do direito de audição (artigo 60,°/2 da LGT), a qual em virtude da sua natureza excepcional apenas abrange as situações em que a liquidação corresponda de forma integral à declaração do Contribuinte, o que não é manifestamente o caso em apreço;
J) Face aos princípios inerentes aos instituto do direito de audição prévia, bem como a natureza de garantia constitucionalmente prevista, impõe-se uma interpretação restritiva dos casos em que é admitida a sua dispensa, sendo inequívoco que o fundamento invocado pela Recorrente não cabe na letra e no espírito da fattiespécie da norma invocada;
K) Acresce ao supra exposto - e daí a relevância da sua participação procedimental - quanto não foi concedida qualquer possibilidade à ora Recorrida de se pronunciar sobre a projectada liquidação ou sobre a insuficiência dos elementos por si apresentados, o que teria sempre de ser efectuado em sede de direito de audição previamente à prolação do acto tributário;
L) Termos em que se conclui pela manifesta ilegalidade do entendimento propugnado pela Recorrente, não merecendo, assim, censura a sentença proferida pelo Tribunal a quo, o que determinará a invalidade do acto tributário objecto dos presentes autos, in casu, a liquidação de IRS do ano de 1999, o que se invoca para ao devidos efeitos legais, mormente para efeitos de improcedência do presente recurso;
M) A liquidação de juros compensatórios foi notificada à ora Recorrida sem qualquer menção quanto aos elementos de fundamentação de facto e de direito;
N) Da simples leitura do acto de liquidação resulta que a Administração Tributária se limitou a apresentar um resultado final no que respeita aos juros compensatórios, sendo impossível à ora Recorrente aferir da legalidade da respectiva liquidação, não podendo por isso retirar-se outra conclusão que não seja a da absoluta falta de fundamentação do acto tributário de liquidação de juros compensatórios objecto dos presentes autos;
O) O acto tributário é totalmente omisso quanto à taxa de juro aplicável, período a que se aplica e operações de cálculo dos juros compensatórios devidos, violando de forma ostensiva o disposto no n.° 9 do artigo 35° da LGT.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que os mui Ilustres Juízes DESEMBARGADORES deste Venerando Tribunal assim o julgarem no seu MUI douto juízo, deve o recurso interposto pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a Douta Sentença recorrida e determinando-se a consequente anulação do acto tributário sindicado, melhor identificado nos presentes autos, referente a IRS do ano de 1999, tudo com as demais consequências legais,
Assim fazendo, VOSSAS EXCELÊNCIAS, a costumada Justiça!

O Exmo Representante do Ministério Público (RMF), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por no caso não haver lugar à dispensa do direito de audição da ora recorrida antes da liquidação e não se mostrar fundamentada a liquidação dos juros compensatórios.

Foram colhidos os vistos dos Exmos Juízes Adjuntas.

B. A fundamentação.

2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se na liquidação impugnada ocorreu o vicio formal de falta de audição prévia da contribuinte conducente à anulação da mesma; E se por mor da anulação do imposto também os juros compensatórios são de anular.

3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal "a quo" fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1) A impugnante entregou, para efeitos de IRS, a declaração de rendimentos mod. 3 referente ao ano de 1999, em 2001/04/16, indicando, no anexo J, rendimentos obtidos no estrangeiro. - Doc. Fls. 73 do PAT.
2) A impugnante juntou à sua declaração mod 3, documentos para efeitos de comprovar os rendimentos obtidos no estrangeiro, no Reino Unido e Irlanda. - Doc. Fls, 102 a 108 do PAT.
3) Por comunicação interna, datada de 15/04/2002, a Direcção de Serviços de IRS, por ter dúvidas quanto à aceitação dos documentos, solicitou à Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais, a sua análise, tradução e ainda que informasse "Se os documentos satisfazem as condições erigidas pelo ofício-circulado 20022, de 19.05.2000" e "Qual a natureza, o montante dos rendimentos a englobar bem como o imposto pago a considerar no cálculo do crédito de imposto" -Doc. Fls. 102 do PAT.
4) Os serviços da Administração Tributária consideraram que os documentos apresentados não reuniam os requisitos exigidos pelo ofício circulado 20022 de 19.05.2000- Doc. fIs. 99 a 101 do PAT.
5) Consideraram ainda que o impugnante deveria apresentar uma declaração passada pelas autoridades riscais do Reino Unido, relativa ao ano fiscal de 1999, discriminativa da natureza e montante dos rendimentos obtidos e do imposto que recaiu sobre cada um - Doc. Fls. 99 a 101 do PAT.
6) A 18/06/2002, a AT, notificou a impugnante para, no prazo de 10 dias, apresentar uma declaração passada pelas autoridades Fiscais do Reino Unido, relativa ao ano fiscal de 1999, discriminativa da natureza e montante dos rendimentos obtidos e do imposto que incidiu sobre cada um. - Doc. Fls. 53
7) A impugnante respondeu a este ofício em 19/12/2002, informando que tinha obtido no Reino Unido "uma menos-valia imobiliária, pelo que, face ao ordenamento tributário inglês, não gera qualquer obrigação declarativa nem, obviamente, qualquer imposto devido" - Doc. Fls. 54.
8) Administração Tributária notificou a impugnante, por ofício datado de 28/01/2003, nos termos do art. 128° n.° l do CIRS, para remeter à Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais, no prazo de 30 dias, o documento original ou a cópia autenticada da: "Declaração emitida ou autenticada pelas autoridades fiscais irlandesas, contendo a discriminação da natureza e montante dos rendimentos auferidos na Irlanda durante o período de tributação de 1999, bem como do montante de imposto que recaiu sobre cada natureza de rendimento", sob pena de não lhe ser concedido o crédito de imposto por dupla tributação internacional. - Doc. Fls. 97 do PAT.
9) A impugnante, em resposta a esta notificação, remeteu cópias autenticadas de documentos referentes a rendimentos dos anos de 1999 e 2000, emitidas em nome de C............ -Doc. Fls. 93 a 96 do PAT.
10) A Administração Tributária considerou que na liquidação de IRS, correspondente a estes rendimentos, não deveria ser considerado o crédito de imposto, por a impugnante nunca ter enviado os documentos exigíveis constantes do ofício circulado n.° 20.022 de 19/05/2000 da DSBF - Doc. Fls. 92 do PAT.
11) Na liquidação de IRS n.° .................., correspondente aos rendimentos do ano de 1999, não foi considerado qualquer crédito de imposto relativo aos rendimentos obtidos no estrangeiro - Doc. Fls. 63.
12) Nesta liquidação foram apurados juros compensatórios a favor do estado no montante de € 20.737,57 -doc. fls. 63.

A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos, em especial os mencionados.
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa. Nomeadamente, não se provou que a impugnante tenha pago qualquer quantia na Irlanda ou no Reino Unido a título de impostos, pois nenhuma prova documental neste sentido foi junta quer no PAT quer neste processo de impugnação, já que os documentos juntos não se referem à impugnante, mas a uma terceira pessoa com um nome similar mas diferente (Ca...........), ao que acresce que os documentos juntos não só não estão traduzidos como ainda, apesar de não traduzidos, da sua leitura em Inglês não resulta o comprovativo de qualquer pagamento concreto.

4. Para julgar procedente a impugnação judicial deduzida considerou o M. Juiz do Tribunal "a quo", em síntese, que no caso havia lugar à audição prévia da ora recorrida e antes da liquidação, por esta se não ter efectuado, integralmente, com base nos elementos fornecidos pela mesma na respectiva declaração de rendimentos relativa ao IRS do ano de 1999, fundamento pelo qual anulou a liquidação, tendo também conhecido dos dois outros fundamentos da impugnação - falta de fundamentação (formal) da própria liquidação e se a mesma tinha o direito à dedução na liquidação efectuada do imposto já pago na Irlanda e em Inglaterra - os quais julgou improcedente, para além de, não obstante ter anulado o imposto pelo citado vício formal, ainda ter conhecido da falta de fundamentação dos juros compensatórios, pela qual também julgou os mesmos e os anulou.

Para o recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam, o seu objecto, contra estas duas questões pelas quais o imposto e os juros compensatórios foram anulados, se vem insurgir, continuando a defender que no caso não havia lugar à audição da contribuinte antes da liquidação e que a liquidação dos juros compensatórios sai do sistema informatizado nos termos em que foi remetida à ora recorrida.

Vejamos então.
Nos termos do disposto no art.° 60.° da Lei Geral Tributária (LGT), a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;
......
Tal artigo visa dar concretização à norma constitucional do art.º 267º n °5 da CRP, que delega para norma infra-constitucional a forma de participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito, no âmbito tributário , e que no âmbito administrativo, em geral, já tinha expressa consagração norma do art. ° 100.° do CPA.
O n.°2 do citado art.° 60.° veio estabelecer a dispensa de tal audição prévia, no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte (integralmente) ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável, o que bem se compreende, naquele caso, por a liquidação consistir na mera aplicação de uma taxa ao rendimento tributável declarado pelo contribuinte na sua declaração de rendimentos, actuando a AT no estrito cumprimento de deveres vinculados, onde a audição do contribuinte nada poderia influenciar a liquidação a efectuar, sabido que tal audição prévia constitui um meio instrumental em ordem à obtenção de uma correcta liquidação que não um fim em si mesmo, e que as declarações do contribuinte vazadas em tais documentos se presumem verdadeiras e prestadas de boa fé, nos termos do disposto art.° 75.° n.°l da LGT e 59.° n.°2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

No caso, invoca o recorrente que a liquidação foi efectuada com base na declaração apresentada pela contribuinte, já que a mesma não apresentou os documentos solicitados para provar o imposto já pago em Inglaterra e na Irlanda - suas conclusões II a V - porém não é isso que resulta dos autos, designadamente da prova constante dos mesmos de fls 102 e segs do PAT, e vertida na matéria fixada no probatório da sentença recorrida, nos seus pontos l e 2 do probatório, que o mesmo não veio colocar em causa de forma válida (art.° 690.°-A do CPC), pelo que não corresponde à realidade a afirmação do recorrente que tal liquidação tenha sido efectuada integralmente com base na declaração da contribuinte, como também flui das suas conclusões I e II das alegações do recurso, que tal liquidação teve lugar porque a mesma não juntou os documentos tidos por necessários pela AT para provar os rendimentos auferidos pela contribuinte na Irlanda e na Inglaterra e declarados em Portugal no anexo J, junto pela mesma à sua declaração de rendimentos oportunamente entregue, pelo que a liquidação foi efectuada sem ter em conta esses elementos de tal anexo, por falta da entrega pela contribuinte dos documentos tidos por necessários pela AT.

Assim, a liquidação em causa, não foi integralmente efectuada com base nos elementos declarados pela ora recorrida na sua declaração de rendimentos, designadamente do seu anexo J. , pelo que inexistia lugar à dispensa da audição da contribuinte antes da liquidação, desta forma se tendo preterido tal formalidade e que leva à anulação da liquidação subsequente, como bem se decidiu na sentença recorrida e pugna, quer a recorrida nas suas contra-alegações, quer o Exmo RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer.

Por outro lado não é, também, de ponderar a degradação desta falta em formalidade não essencial por, num juízo de prognose póstuma, sempre se poder aventar que a ora recorrida pudesse ter vindo entregar à AT os documentos por esta tidos por aptos a comprovar os rendimentos auferidos no estrangeiro e os impostos suportados, ou por qualquer outra forma vindo a convencer a mesma AT que tais elementos declarados nas suas declarações de rendimentos correspondiam à realidade, pelo que não se pode concluir que, a decisão sempre seria a mesma se tal direito de audição tivesse sido efectivamente exercido e tal falta nenhum efeito poderia ter na liquidação em causa (1), requisitos indispensáveis para que tal degradação em formalidade não essencial pudesse ter lugar.

Quanto aos juros compensatórios, tendo sido o anulado o imposto sobre que os mesmos iriam incidir, nenhuns poderiam ser devidos nos termos do disposto no art.° 83.° do CIRS e 35.° da LGT, já que estes incidem sobre o imposto liquidado (com retardamento por facto imputável ao contribuinte) e ao imposto acrescem, pelo que não sendo devido o imposto também estes não poderiam ser devidos.

Sempre se dirá contudo, que a fundamentação da sentença recorrida corresponde a jurisprudência firmada, designadamente neste Tribunal, que a liquidação de tais juros têm de conter um mínimo de fundamentação, como seja o montante do imposto sobre que os mesmos vão incidir, a taxa aplicada e o período de tempo sobre que incidem, só desta forma permitindo ao contribuinte aquilatar por que teve lugar tal liquidação e não uma outra e com ela se conformar ou vir impugná-la, quando entender que a mesma se encontra eivada de qualquer um vício que a afecte na sua legalidade.

Como se decidiu no acórdão deste Tribunal no recurso 1.166/06 (2). . .
Como se decidiu no acórdão deste Tribunal de 8.4.2003, recurso n.° 7101/02 (3) e que traduz jurisprudência corrente, também a liquidarão dos juros compensatórios, mesmo nos casos de actos produzidos em grande quantidade, a chamada produção de actos em massa, e em que o contribuinte tenha entregue a sua declaração de rendimentos fora do respectivo prazo legal, haverá um mínimo de fundamentação que é exigível, tendo em vista permitir ao contribuinte aquilatar da respectiva legalidade e com ela se conformar ou impugná-la, como seja o período sobre que os mesmos incidiram, sobre que montante e qual a respectiva taxa aplicada.
No caso, quer no documento de cobrança de IRS, cuja cópia consta a fls 6 destes autos, quer no processo administrativo apenso, nenhuma fundamentação contemporânea dessa liquidação se encontra para tal efeito, tendo tal liquidação se limitado a indicar o respectivo montante global de tais juros, tendo-se assim, pura e simplesmente omitido qualquer fundamentação a tal respeito, sendo de todo irrelevante que, a posteriori, na informação de fls 37 e segs do mesmo PA, se tenha vindo indicar tais elementos em falta, como seja o número de dias, a taxa aplicada e sobre que montante do imposto, e que por tal demonstração se conclua que a respectiva liquidação dos juros, substantivamente, era daquele mesmo montante, por nos encontrarmos apenas no âmbito do vicio formal de falta de fundamentação, que conduz à anulação do acto, sabido que a fundamentação produzida em data posterior à prática do acto irreleva para aferir da sua legalidade, como bem se decidiu na sentença recorrida.

Não se deu assim a conhecer aos contribuintes qual o periodo sobre que incidiram os juros, sobre que montante e nem qual a taxa aplicada, não permitindo aos mesmos conhecerem as razões dessa liquidação de molde a com ela conformarem-se ou a impugná-la (substantivamente).

Tendo em conta os requisitos que as normas dos art.°s 83.° do CIRS e 35.° da LGT, esta então já vigente, prevêm para poder haver lugar à liquidação de juros compensatórios, a sua liquidação passa sempre por no caso se verificarem ou não tais requisitos vinculados, o que a AF tem de indagar e externar, de molde a permitir ao contribuinte atingir aquele desiderato visado pela fundamentação, obrigatória, ainda que possa ser sucinta, nos termos do disposto no art. ° 77.° da mesma LGT. Não o tendo feito no caso, nada tendo aduzido para tal fundamentação, há falta de fundamentação dessa liquidação de juros, sendo a mesma de anular, como bem se decidiu na sentença recorrida.
.....
Quanto à questão da litigância de má fé invocada pela ora recorrida - cfr. matéria da sua alínea f) - ainda que também possa ser aplicável aos entes públicos(4), dos autos e das concretas questões conhecidas com relevo no presente recurso, não resultam alterados factos pelo recorrente ou omitidos factos de seu conhecimento pessoal, com base nos quais tal má fé se possa revelar, pelo que a mesma improcede - art.°s 104.° n.°l da LGT, 122.° n.°2 do CPPT e 456.° do CPC.

Improcedem assim todas as conclusões do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.

C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 28 de Abril de 2009
EUGÉNIO SEQUEIRA
ASCENSÃO LOPES
LUCAS MARTINS
(1)Cfr. neste sentido os acórdãos do STA de 24.10.2007 e de 7.11.2007, recursos n.°s 429/07 e 615/07, respectivamente, entre muitos outros.
(2) Tendo por Relator o do presente.
(3)Tendo como Relator o do presente e que aqui seguimos de perto. No mesmo sentido, entre outros, o recurso n.° 3994/00, de 19.2.2002, igualmente com o mesmo Relator.
(4) Cfr. no mesmo sentido o acórdão do STA de 31.l.2008, recurso n.° 1442/03.