Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02243/08
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:01/20/2009
Relator:LUCAS MARTINS
Descritores:PEDIDO DE REVISÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL
CONDIÇÃO DE IMPUGNABILIDADE
Sumário:A impugnação judicial, com fundamento em erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável, está dependente de prévio pedido de revisão, como resulta de forma cristalina, dos n.ºs 2 e 5, do artigo 86º, da LGT, na redacção que lhe veio a ser dada, pela Lei n.º100/99, de 26.07, e no n.º14, do artigo 91º, do mesmo diploma legal.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:- J.............., com os sinais dos autos, por se não conformar com a decisão proferida pelo Mm.º juiz do TAF de Beja e que lhe julgou improcedente esta impugnação judicial que deduzira contra liquidações adicionais de IRS relativas aos anos de 1999 e 2000, dela veio interpor o presente recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões;

1- O impugnante é cidadão espanhol, dedica-se ao comércio a retalho e iniciou a sua actividade em Portugal em Março de 1999.

2- Este facto foi provado documentalmente e por via testemunhal apesar de não constar, na sentença recorrida, do elenco dos factos provados.

3- A sua contabilidade foi objecto de acção inspectiva e que teve por objecto os anos de 1999 e 2000.

4- No decurso da referida inspecção, que teve como base informações fornecidas pelo sistema VIES, foram detectadas as irregularidades constantes referidas em 3) dos factos dados como provados a fls. 1 e 2 da douta sentença.

5- O ora recorrente logrou provar, quer documentalmente – designadamente, Declaração Modelo C do IVA- quer através do depoimento das testemunhas A.................... e E.............. que corrigiu todas as irregularidades apontadas pela Administração Fiscal.

6- Pelo que deveria ter-se dado como provado que “tais faltas foram prontamente corrigidas perante os serviços fiscais ...”

7- Todos os elementos e documentos de que a Administração Fiscal se serviu para determinar, através dos métodos indirectos, o imposto de cuja liquidação se impugnou foram fornecidos pelo contribuinte, ora recorrente, conforme se provou pelo depoimento das referidas testemunhas.

8- Por isso, não pode a Administração sustentar a falta de credibilidade da contabilidade, já que validou todos estes elementos/documentos.

9- Assim, estando a Administração Fiscal na posse de todos estes elementos e documentos, era-lhe possível a determinação da matéria colectável, sem recurso aos métodos indirectos, método para o qual não se encontrava legitimada.

10- Não se verificando os pressupostos de facto para a aplicação dos métodos indirectos, ou duvidando-se da sua verificação, deveria a douta sentença recorrida determinar a anulação da liquidação adicional, objecto da impugnação.

11- Na aplicação dos métodos indirectos e, para a determinação do imposto apurado, a Administração Fiscal não obedeceu aos princípios contabilísticos praticados, aos critérios de razoabilidade aceites, nem às margens de lucro praticadas no geral para o sector e em particular pelo contribuinte acabado de entrar no mercado.

12- Na verdade, o TOC do contribuinte foi peremptório em referir que para apuramento rigoroso do imposto, depois de lançadas na contabilidade as facturas e notas de devolução que o contribuinte apurou existirem, a Administração Fiscal deveria ter corrigido o inventário do ano de 1999, apresentado antes de detectadas as referidas falhas.

13- Ficou provado – aliás porque a própria testemunha da Fazenda Pública assim o assumiu – a Administração Fiscal não o fez.

14- Resulta do senso comum, das regras da contabilidade e do depoimento testemunhal prestado pelo TOC que, não corrigido o inventário o resultado apurado não é rigoroso, está errado.

15- Ficou então provado ao alegado pelo contribuinte: “para efeitos de correcção da matéria colectável foi pelos serviços fiscais utilizado o montante das existências finais fornecido pelo ora impugnante antes das alterações da contabilização das facturas e notas de devolução em falta”.

16- Ao contrário do que entendeu o tribunal a quo, não conseguiu a Administração Fiscal, demonstrar nem justificar as correcções efectuadas, nem as margens de comercialização fixadas.

17- Também ao contrário do que é afirmado na douta sentença a folhas 3, nesta parte não foi levada em linha de conta os elementos corrigidos e apresentados pelo contribuinte aquando do exercício do direito de audição, porquanto não consideraram a afirmação de que o Inventário estava errado, nem tão pouco as margens de comercialização aí declaradas e demonstradas pelos documentos que se juntaram nessa ocasião.

18- A testemunha da Fazenda Pública referiu que, a única informação externa utilizada na determinação da matéria colectável foi a que utilizou para determinação do “valor padrão”, mas não esclarece de onde é oriunda tal informação nem como chegou àquele valor.

19- O valor fixado como margem de comercialização: 50% para transacções internas e 30% para transacções comerciais com a empresa sediada em Espanha é exagerado, segundo o depoimento das testemunhas A..................... e J............... os documentos juntos aos autos já atrás referidos.

20- A Administração Fiscal utilizou pois, critérios errados na determinação da matéria colectável, extravasou os limites da razoabilidade impostos e exagerou na sua quantificação.

- Conclui que, pela procedência do recurso, seja revogada a decisão recorrida e determinada a procedência da impugnação com a inerente anulação das liquidações sindicadas.

- O EMMP, junto deste Tribunal, emitiu o douto parecer de fls. 114 v.º pronunciando-se, a final, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

- A fls. 128 dos autos foi determinada a notificação da AF juntar aos autos o procedimento de revisão, tendo em linha de conta a metodologia utilizada na correcção operada à matéria tributável do impugnante no ano em questão (1999), tendo-se limitado a juntar os documentos constantes de fls. 131 a 141, inclusive, dos autos.

- Na sequência do mencionado no § que antecede foi determinada a notificação do recorrente quer da junção dos referidos documentos de fls. 131 e segs., quer para no prazo cominado de dez dias “documentar nos autos ter feito instaurar o procedimento de revisão à matéria tributável por métodos indirectos (...)”. – cfr. fls. 142.

- Notificado o recorrente, na pessoa da sua ilustre mandatária – cfr. fls. 11, 38 e 143 dos autos – nada veio juntar ou dizer.

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- Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

- A sentença recorrida, segundo alíneas da nossa iniciativa e com suporte na prova, quer de natureza documental, quer de natureza testemunhal, carreada para os autos, deu, por provada, a seguinte;

- MATÉRIA DE FACTO -


A). A liquidação ora em causa teve a sua origem no resultado de uma acção de inspecção realizada pelos serviços distritais de IT aos elementos contabilísticos do ora impugnante e referente aos exercícios de 1999 e 2000.

B). Tratou-se de uma inspecção especial feita a sujeitos passivos do sector automóvel com anomalias verificadas nas aquisições intracomunitárias de bens e detectadas no sistema VIES (Vat Information Exchange System).

C). No decurso da supra referida inspecção, foram detectadas várias irregularidades na contabilidade, as quais constam do relatório de inspecção (vd. fls. 12 e ss. do PAT apenso aos autos): a) registo de facturas em período diferente daquele em que o imposto é exigível; b) facturas em que não foi liquidado qualquer imposto; c) falta de registo de várias notas de crédito emitidas por diversos fornecedores sedeados em Espanha; d) trocas comerciais com empresa espanhola que revelam a existência de relações especiais susceptíveis de correcção nos termos do art. 57.º do CIRC.

D). O ora impugnante deduziu a presente impugnação em 13/4/2005.

E). Foi realizada inquirição de testemunhas em 5/6/2006, como se pode verificar pela respectiva acta, constante dos presentes autos.

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- Mais se deram, como não provados, quaisquer outros factos, distintos dos referidos nas alíneas que antecedem, enquanto relevantes à decisão de mérito a proferir.

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- Por se encontrar demonstrada, designadamente na sequência das diligências desenvolvidas por este Tribunal e iniciadas com o despacho documentado a fls. 128, e se mostrar relevante á decisão a proferir, adita-se ao probatório, a coberto do disposto no art.º 712.º/1 do CPC, por força do art.º 2.º/e, do CPPT, a seguinte factualidade;

F). A matéria colectável do recorrente, relativa ao ano de 1999 e em que se ancora a liquidação impugnada nestes autos, foi operada por recurso a métodos indirectos – cfr. para além da posição das partes assumida nos autos [cfr. art.º 12.º e 16.º a 18.º da p.i., a fls. 4 e V da resposta, a fls. 19], o teor do relatório da acção inspectiva, «máxime» o o mapa resumo das correcções constante de fls. 10 do PAT apenso-.

G). O recorrente deixou por solicitar procedimento de revisão da matéria tributável fixada pela AT nos termos do referido na precedente alínea – cfr. os elementos constantes destes autos e do PAT apenso, particularmente os documentados de fls. 128 e segs. do processo principal.

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- ENQUADRAMENTO JURÍDICO -


- O recorrente acusa a decisão recorrida de erro de julgamento na medida em que manteve os actos tributários impugnados, dando, assim, cobertura quer à metodologia indirecta de que a AF lançou mão, quando, em seu entender, tal não se verifica, já que seria possível à AT ter apurado o imposto efectivamente em falta por meras correcções técnicas, quer à quantificação operada através da referida metodologia.

- Ora, antes de mais, importa referir que não só está em causa o exercício de 1999, como que o procedimento inspectivo (que ao abrangeu, assim como ao de 2000) se iniciou no ano de 2001.

- É, por isso e por consequência, aplicável ao caso vertente, o regime jurídico plasmado na LGT.

- Ora, como resulta deste compêndio legal, no caso em que tenha havido liquidações de imposto em resultado de correcções operadas pela AF, através de métodos indirectos, - âmbito no qual radica a discordância do recorrente -, como sucedeu no caso vertente, é pressuposto inultrapassável ao exercício do direito de impugnação de tal acto tributário o esgotamento dos meios administrativos previstos para a respectiva revisão, quer no que toca á verificação dos necessários pressupostos legais à utilização da referida metodologia, quer no que concerne à fixação do “quantum” tributável, como resulta de forma cristalina, do disposto nos n.ºs 2 e 5 do art.º 86.º da LGT, na redacção que lhe veio a ser dada pela Lei n.º 100/99JUL26 e no n.º 14 do art.º 91.º do mesmo compêndio legal.

- Ora, no caso vertente, não se dá conta que o recorrente tenha lançado mão do procedimento de revisão da matéria tributável fixada por métodos indiciários e que está na origem do acto tributário de liquidação impugnado, sendo certo que o PAT apenso nada contém a tal propósito e, nem o impugnante, nem a FP, não só se lhe não referem como, notificados para o documentarem, não o fizeram o que, implica que se conclua que o recorrente não lançou mão de tal procedimento no caso que aqui nos ocupa; e, assim sendo, tal constitui obstáculo inultrapassável à apreciação jurisdicional da legalidade do acto final de liquidação.
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- D E C I S Ã O -

- Nestes termos acordam, os juízes da secção de contencioso tributário do TCASul em julgar improcedente o presente recurso por ilegal interposição da presente impugnação, mantendo-se, por isso e com esta fundamentação, na ordem jurídica, o acto tributário impugnado.
- Custas pelo recorrente apenas em 1.ª instância.
2009JAN20
LUCAS MARTINS
PEREIRA GAMEIRO
JOSÉ CORREIA