Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03369/09
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/25/2009
Relator:José Correia
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE IRC. CONCEITO DE INDISPENSABILIDADE DO CUSTO. DOCUMENTAÇÃO DE DESPESAS. TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA.
Sumário:I. -Nos termos do art. 23° do CIRC , só se consideram custos do exercício, os que comprovadamente foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora.
II. -O art° 17° n° l do CIRC estabelece que uma das componentes do lucro tributável é o resultado líquido do exercício expresso na contabilidade, sendo este resultado uma síntese de elementos positivos (proveitos ou ganhos) e elementos negativos (custos ou perdas).
III. -É para definir o grupo dos elementos negativos que o art° 23° do CIRC enuncia, a título exemplificativo, as situações que os podem integrar consagrando um critério geral definidor face ao qual se considerarão como custos ou perdas aqueles que devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da respectiva fonte produtora.
IV. -É no conceito de indispensabilidade ínsito no artº 23º do CIRC que radica a questão essencial da consideração fiscal dos custos empresariais e que assenta o a distinção fundamental entre o custo efectivamente incorrido no interesse colectivo da empresa e o que pode resultar apenas do interesse individual do sócio, de um grupo de sócios ou do seu conjunto e que não pode, por isso, ser considerado custo.
V. -Este, é uma despesa com um fim empresarial o que não quer dizer que tenha desde logo um fim imediata e directamente lucrativo, mas que tem, na sua origem e na sua causa, um fim empresarial, concedendo a lei à AT poderes bastantes para recusar a aceitação como custo fiscal de despesas que se não possam considerar compatíveis com as finalidades a prosseguir pela empresa.
VI. -Assim, a relevância fiscal de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é ou não empresarial.
VII. -À luz dos princípios expostos não constituem encargos dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os encargos não devidamente documentados (existem quando não se encontram apoiados em documentos externos, em termos de possibilitar conhecer fácil, clara e precisamente, a operação, evidenciando a causa, natureza e montante) e as despesas de carácter confidencial, (existem quando não são especificadas ou identificadas, quanto à natureza, origem e finalidade, sendo não documentadas por natureza).
VIII. -Por se provar por documento externo e idóneo meio de prova que os custos em causa estavam directamente relacionados com a actividade normal da impugnante, configura-se, em tal situação, o nexo causal de "indispensabilidade" que deve existir entre os custos e a obtenção dos proveitos ou ganhos. E, estando devidamente documentados, não podem ser tributados, autonomamente.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam nesta Secção do Contencioso do Tribunal Central Administrativo Sul:

I-RELATÓRIO

I – N ... - ..., S.A., com os sinais identificadores dos autos, inconformada com a sentença do TT de Lisboa que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial que deduziu contra a liquidação adicional de IRC relativo ao ano de 1994 interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
A) O presente recurso vem interposto da sentença proferida no dia 4 de Março de 2009 pela Meritíssima Juiz de Direito da 4.a Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, na parte em que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada pela impugnante, ora recorrente, relativamente ao acto tributário de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e juros compensatórios n° 1999 8310019535;
B) Em causa está, neste momento, o imposto e os juros compensatórios decorrentes da correcção promovida pela Administração tributária ao lucro tributável do exercício de 1994, no valor de PTE 209.042.620 (€ 1.024.700,19), relativa à não aceitação do custo com royalties.
C) A sentença ora recorrida enferma de erro de julgamento porquanto (i) considerou como argumentos para a manutenção da correcção em apreço fundamentos que não foram invocados pela Administração tributária e (ii) não valorou correctamente a prova produzida, não retirando, por isso, as consequências que se impunham.
D) O motivo principal da correcção efectuada pela Administração tributária relativamente ao lucro tributável apurado no exercício de 1994, foi o facto de o custo acima indicado não se encontrar suportado por facturas ou documentos equivalentes.
E) Pronunciando-se sobre a presente impugnação judicial, a douta sentença começa por indicar que, atento o disposto nos artigos 17° e 98° do Código do IRC, "[devem os lançamentos contabilísticos estar suportados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessários".
F) Porem, invoca, a douta sentença que "não se encontrando ab initio os requisitos documentais cabalmente observados, i.e., perante insuficiências patentes na documentação de suporte dos lançamentos contabilisticamente e fiscalmente consequentes, como no caso dos autos, cessa a presunção de veracidade das declarações do contribuinte, recaindo sobre este (...) o ónus da demonstração dos custos subjacentes".E, invocando diversos arestos do Tribunal Central Administrativo Sul, conclui a douta sentença que "[a inexistência de documento externo destinado a comprovar uma operação para a qual ele deva existir afecta necessariamente o valor probatório da contabilidade e essa falta não pode ser suprida por um documento interno. (...) Impende sobre o contribuinte, ora impugnante, o ónus da prova da materialidade da operação subjacente ao registo contabilístico, por se tratar de factos constitutivos do direito que pretende fazer valer. Ónus que a ora impugnante não logrou efectuar".
G) Sucede, no entanto que, ao contrário do que parece resultar da sentença ora recorrida, o custo em causa foi questionado, principalmente, por não ter sido contabilizados com base em documentos emitidos pelo beneficiário dos rendimentos. De facto, a Administração tributária indica que os lançamentos deverão ser considerados como adiantamento por conta de lucros essencialmente por falta de documento (factura ou documento equivalente) emitido pela entidade beneficiária do rendimento.
H) Significa isto, portanto, que a razão de ser da não aceitação do custo decorre de uma questão formal, subsumível, portanto, no nº 1 do artigo 41° do Código do IRC.
I) Cabia ao Tribunal analisar o acto sindicado atendendo ao seu conteúdo contextual e, não, ao seu conteúdo admissível, atendendo à situação de facto verificada, pelo que deveria ser, exclusivamente, em função dos fundamentos invocados pela Administração para proceder à correcção do custo em apreço que a sentença deveria ter sido proferida.
J) Com efeito, resulta dos autos que os restantes argumentos invocados pela Administração tributária não eram susceptíveis de colocar em causa a natureza dos movimentos contabilizados pela recorrente como royalties.
K) Relativamente ao argumento principal - a ausência de factura ou documento equivalente -, entende a recorrente que em face dos factos que foram dados como provados, deveria ter sido outra a conclusão do Tribunal a quo.
L) Na verdade, resulta provado que o montante em apreço foi pago pela recorrente à sociedade N ... - ..., INC através de transferência bancária efectuada junto do BANCO CHEMICAL (PORTUGAL) SÁ no indicado dia 27 de Dezembro de 1997. Os lançamentos mensais efectuados pela recorrente encontram-se suportados em documentos internos que indicam o tipo de despesa, a beneficiária e o respectivo valor.
M) Porém, subjacente a tais lançamentos existia, ainda, um contrato de prestação de serviços e o documento comprovativo da respectiva renovação.
N) A análise conjunta de todos estes documentos permitia, pois, quer à Administração tributária, quer ao próprio Tribunal: (i) aferir que se tratava da aquisição de serviços necessários ao desenvolvimento da actividade da recorrente (ii) confirmar que os lançamentos correspondiam aos serviços contratados com a sociedade N ... - ..., INC; (iii) identificar que o beneficiário do rendimento; (iv) quantificar os montantes devidos a título de royalties; e (v) aferir do período que correspondia a prestação de serviços.
O) Assim, sendo possível, através da análise conjunta da documentação comprovar todos os elementos essenciais da transacção, impunha-se concluir que se encontrava suprida tal insuficiência formal, devendo, consequentemente, ser anulada a correcção subjacente ao acto impugnado com as necessárias consequências.
P) Não o tendo feito, a sentença ora recorrida não só considerou tomou em consideração argumentos que não foram invocados pela Administração tributária para proceder à correcção como, para além disso, valorou erradamente a prova produzida nos Autos.
TERMOS EM QUE DEVE SER DADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA RECORRENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE LISBOA, NA PARTE ORA RECORRIDA, SENDO, CONSEQUENTEMENTE, ANULADO O ACTO TRIBUTÁRIO DE LIQUIDAÇÃO ADICIONAL DE IRC REFERENTE AO EXERCÍCIO DE 1999, TAL COMO ANTERIORMENTE PETICIONADO.
Não houve contra -alegações.
A EPGA pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece provimento.
Satisfeitos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. - FUNDAMENTAÇÃO
2.1.- DOS FACTOS:
Na sentença recorrida consideraram-se provados os seguintes factos com interesse para a decisão de mérito:
1) Em 31/05/95 a Impugnante apresentou a declaração de rendimentos Mod. 22 do exercício de 1994, onde declarou custos com royalties no valor de 314.104.000$00, €1.566.744,14 e acresceu no quadro 17 das mesmas, o valor de €524.829,30 como "royalties não aceites (fl. 53 a 58 do processo de reclamação graciosa apenso).
2) Ao abrigo das ordens de serviço 91649 e 91650 de 23/04/1999, e no âmbito de uma acção inspectiva que incidiu sobre as empresas que pagaram rendimentos a entidades não residente, a Impugnante foi objecto de uma inspecção, (fl. 30 e seguintes do apenso).
3) A Impugnante, no exercício de 1994, contabilizou custos que designou como royalties à N ... - ... Inc., com sede nos Estado Unidos da América (fl. 31 do apenso).
4) Os custos foram apurados mensalmente, aplicando à taxa de 7,5%, às prestações de serviços, (fl. 31 do processo administrativo).
5) Os custos referidos nos n°s anteriores totalizaram, no exercício de 1994, o valor de 314.104.000$00, €1.566.744,14, (fl. 31 do processo administrativo).
6) A taxa aplicada, na referida quantificação, foi reduzida para 5% e o valor excedente foi acrescido pela Impugnante no quadro 17 da Dec. Mod. 22 de 1994, (fl.31)
7) Os movimentos contabilísticos mensais nas contas 6224 royalties - N ... -... (sede), foram suportados em doc. internos, 30/11 OD 25, 31/12 OD 1, 31/13 OD (cf. anexo 2 do relatório da inspecção a f l. 99 do apenso).
8) A Impugnante não efectuou, mensalmente, a retenção na fonte de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, (fl. 70 do processo administrativo).
9) A Impugnante entregou, posteriormente o imposto retido na fonte, (fl. 71 do apenso).
10) Em 27/12/94, através do Banco Chemical (Portugal) foi efectuada uma transferência a favor da M... - ... Inc., no valor de 551.055.585$00, €2.748.653,66, que correspondeu ao saldo da conta 22.815 em 31/12/1993 de 262.483.000$00, €1.309.259,68, ao valor de 287.104.000$00, €1.432.068,71 referente a parte dos royalties que foram contabilizados neste exercício e ainda ao valor de 83.906.635$00, €418.524,53 que corresponde à diferença entre o valor devido e pago, (fl. 71 do apenso).
11) A administração tributária entendeu que apesar de estarem contabilizados como royalties os movimentos contabilísticos referidos nos n°s anteriores, estes correspondem a adiantamento por conta dos lucros, (fl. 71).
12) A Impugnante não possui documentos dos valores pagos, emitidos pela beneficiária dos rendimentos, (fl. 71).
13) O valor transferido para o beneficiário dos rendimentos não reflectiu os movimentos da conta 62224, e não considerou a retenção na fonte, por não ter sido efectuada, à data do movimento, nem considerou a redução da taxa de 7,5% para 5%, (fl. 71 do apenso).
14) Tendo em conta a factualidade descrita, nos n°s anteriores, a administração tributária acresceu ao lucro tributável do exercício de 1994 o valor de 209.042.620$00, €1.042.700,19 referente ao total dos royalties contabilizados no valor de 314.104.000$00, €1.566.744,14 e correspondente à diferença do valor de 105.061.380300, €524.073,88 já acrescido pela Impugnante, (fl. 72).
15) A administração tributária considerou a alteração da taxa devida de 15% para 25% e concluiu que ocorreu a falta de imposto a entregar no valor de 56.271.843$00, €280.682,77, (fl. 72 do apenso)
16) A administração tributária considerou que "dado o contribuinte não possuir documentos válidos de suporte para a contabilização dos custos na conta 62224, como já foi referido, ficam os mesmos sujeitos a tributação autónoma nos termos da alínea h) do n° 1 do art° 41° do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, sendo o valor devido no total de 31.410.400$00, €156.674,41, (314.104.000$00, €1.566.744,14 X 10%).
17) Na sequência dos factos referidos nos n°s anteriores foi efectuada a liquidação n° 1999 8310019535 com o imposto a pagar no valor de 201.040.727,00, €1.002.786,92, (fl. 31 dos autos).
18) A National ..., Inc., (N ...) e a Bio- ..., Inc., com sede em ...., Boston, Massachisetts, (Management Co.) e a Impugnante, (N ... Lda.) outorgaram um contrato que denominaram "contrato de prestações de serviços", segundo qual:
a) As primeiras "prestam habitualmente serviços de apoio técnico e de gestão às associadas do Grupo N ... que deles precisem, tendo desenvolvido vastos e aperfeiçoados conhecimentos nestas áreas"
b) Que as primeiras se obrigam a prestar, à Impugnante, os serviços técnicos e de gestão, mediante o pagamento pela Impugnante de uma remuneração correspondente a 7,5% do valor total de tratamentos de diálise facturados pela Impugnante, em cada ano de vigência do contrato; (79 a 82 do apenso).
19) Que no âmbito do contrato referido no n° anterior as primeiras se comprometem a prestar os seguintes serviços de gestão:
a) Estabelecer protocolos e outras normas de administração relativos à gestão da empresa;
b) Executar, rever, se necessário, e manter um sistema de controlo do inventário da empresa;
c) Executar, rever, se necessário, e manter um sistema de gestão dos bens da empresa, incluindo método para a reparação e manutenção da aparelhagem e equipamento;
d) Prestar serviços de recolha central de dados e contabilidade, utilizando equipamento de processamento electrónico de dados, desde que a MNC Lda. utilize nesse serviço o seu pessoal próprio e mantenha um serviço de auditores independentes em Lisboa;
e) Para tanto, a N ... Lda. aceita e compromete-se a que os seus livros e registos venham num futuro próximo a ser subordinados ao sistema geral contabilizado situado nos EUA., à semelhança do que acontece com a N ... e todas as suas filiais;
f) O pessoal da N ... Lda., deverá ser constituído na sua maioria por cidadãos portugueses, serão treinados pela N ... e Management Co., na utilização do sistema de razão geral centralizado supra referido, e de outros sistemas comuns ao grupo N .... Contudo, onde for possível serão utilizados pela N ... Lda. sistemas portugueses, em detrimento do sistema utilizado pela N ...;
g) Integrar a empresa no sistema de informática médica e noutros sistemas de dados mantidos pela Management Co., permitindo à N ... Lda. beneficiar do facto da informação juntamente com mais de 125 instalações de diálise semelhantes em todo o Mundo pelo Grupo M...;
h) Os serviços referidos nas alíneas anteriores serão, medida do possível, transferidos para e prestados em Portugal;
i) A remuneração será paga à M... mediante factura a emitir por a (M... Lda.) numa base mensal, sendo tal pagamento devido e exigível no prazo de 30 dias a contar da recepção pela M... Lda., da respectiva factura", (79 a 81).
20) O contrato referido nos n°s anteriores entrou em vigor a partir de 1986 e deverá vigorar até 31/12/1990, que se poderá prorrogar por períodos sucessivos de 3 anos, (fl. 81 do apenso).
21) O contrato a que temos feito referência foi prorrogado por um período de 3 anos, contados a partir de 01 de Janeiro de 1991, (fl. 81).
22) O referido contrato foi renovado por um período de 3 anos, a contados partir de 01 de Janeiro de 1994 (fl. 89 do apenso).
23) A impugnante pagará uma remuneração correspondente a 5% do valor total dos tratamentos de diálise facturados em cada ano de vigência do contrato (fl. 89 do apenso).
24) Em sede reclamação graciosa foi anulado o valor de 4.405.320$00, deferindo parcialmente a reclamação graciosa (fl. 87 e 88).
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Dos factos com interesse para a decisão da causa, constantes da impugnação, todos objectos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
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A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório
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2.2. – DA APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS

É atenta a factualidade apurada e aquelas conclusões que delimitam o objecto do recurso que passamos a conhecer deste.
Dispõe e dispunha o artigo 23°, n°1, do CIRC que se consideram custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
A essa luz, aceitando o Mº Juiz que cabia à impugnante provar que as questionadas verbas/despesas foram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, não logrando fazer a prova dessa indispensabilidade, deve a impugnação improceder.
Para assim decidir, o Mº Juiz «a quo» adoptou o seguinte discurso jurídico na parte que importa ao caso:
“ (…)
Importa ver o regime dos custos, art° 23° e do art° 41° n° 1 al. h) todos do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas. Como se sabe, a lei tributária faz depender a dedutibilidade do custo da respectiva comprovação (art. 23. ° n. ° 1 do CIRC,) prescrevendo que não são dedutíveis os encargos não devidamente documentados (art. 41. ° n. ° l alínea h) do CIRC), razão pela qual a administração tributária não aceita, em princípio, custos relativamente aos quais a contabilidade não esteja suportado por documento externo de suporte ou em que este documento se revele insuficiente, e da qual seja possível extrair a conexão entre o custo e o proveito (Acórdão do TCA no processo n°1486/06 de 30/01/07). A inexistência de documento externo destinado a comprovar uma operação para a qual ele devia existir afecta necessariamente o valor probatório da contabilidade e essa falta não pode ser suprida por um documento interno.
Impende sobre o contribuinte, ora impugnante, o ónus da prova da materialidade da operação subjacente ao registo contabilístico, por se tratar de factos constitutivos do direito que pretende fazer valer. Ónus que a ora impugnante não logrou efectuar. Quanto aos valores em questão, isto é, pagamentos efectuados pela Impugnante, contabilizados como royalties, como pagos a uma entidade não residente, entendeu a administração tributária que não se encontrava, documentados, e que estão ainda sujeitos a tributação autónoma à taxa de 10%. Efectivamente, de acordo com o referido normativo legal, as despesas confidenciais e não documentadas efectuadas por sujeitos passivos de IRC são tributadas autonomamente à taxa de 10%, (Esta taxa de 10% resultou da redacção do art° 4°) sem prejuízo do disposto na alínea h) do nº1 do art. 41° do CIRC."
Tais verbas, inscritas como custos na contabilidade da Impugnante, que não se encontravam apoiadas em documentos externos que dessem a conhecer fácil, clara e precisamente a operação, não podem constituir um custo do exercício por subsumíveis à citada norma do art° 41.° n.°1 alínea h) do CIRC que as exclui da determinação do lucro tributável.
A impugnante não juntou os documentos de suporte aos movimentos contabilísticos em causa, no procedimento gracioso nem nos presentes autos.
Improcede a presente impugnação com este fundamento, mantendo-se a desconsideração dos custos, quanto ao valor não revogado pela administração tributária.
Mas podem, esses custos, ser tributadas autonomamente, como fez a administração tributária, ao abrigo do citado diploma?
A norma do art° 41° n° alínea h), exclui da determinação do lucro tributável duas categorias de encargos - os não documentados por um lado, e as despesas de carácter confidencial, pelo outro. A administração tributária não alegou desconhecer a natureza dos valores, antes os identificou. Mas, ainda assim, entendeu, que deviam ser tributados autonomamente. Entendemos que só as despesas de carácter confidencial devem ser tributadas autonomamente. O legislador entendeu penalizar as despesas que o contribuinte não quer identificar e por isso lhes chamou despesas de carácter confidencial, as quais pela sua própria natureza, nunca podem ser documentadas, sob pena de se passar a conhecer a sua natureza, origem e finalidade, deixando de existir tal confidencialidade.
Assim seguindo de perto o Douto Acórdão, quanto às comissões pagas a não residentes, não podendo os documentos juntos, porque meramente internos, justificar os custo, não devem aceites como tal, mas, não devem ser tributados autonomamente, pois, os mesmos, reiteramos, encontram-se identificados. Concluindo, os custos contabilizados como pagamentos a não residentes, não podem ser aceites como custos, pois, não foi sequer aflorado qualquer fundamento da referida indispensabilidade, mas, não podem ser tributados à taxa autónoma, esta duplamente penalizadora da Impugnante.
Procedendo quanto a estas correcções os valores referente à tributação autónoma dos custos.
IV Decisão
Atendo o exposto, e às normas citadas, a julgo a presente impugnação:
• Procedente quanto aos valores, correspondentes, à tributação autónoma dos custos pagos a entidades não residentes a título de Royalties.
• Improcedente quanto ao valor dos custos desconsiderados pela administração tributária por estarem indevidamente documentados.
• Mantendo-se nessa parte o acto de liquidação controvertido e os juros compensatórios correspondentes.”
Contra o assim fundamentado e decidido se insurge a recorrente desde logo porque, ao contrário do que parece resultar da sentença ora recorrida, o custo em causa foi questionado, principalmente, por não ter sido contabilizado com base em documentos emitidos pelo beneficiário dos rendimentos pois a Administração tributária indica que os lançamentos deverão ser considerados como adiantamento por conta de lucros essencialmente por falta de documento (factura ou documento equivalente) emitido pela entidade beneficiária do rendimento, o quer dizer que a razão de ser da não aceitação do custo decorre de uma questão formal, subsumível, portanto, no n°1 do artigo 41° do Código do IRC.
Quid juris sobre esta questão?
No que concerne à comprovação de custos, (ao invés do que sucede em sede de IVA para efeitos de dedução de imposto em que só se admite a dedução do imposto mencionado em facturas ou documentos equivalentes que respeitem os requisitos formais do art. 35º, nº 5, do CIVA - cfr. art. 19º, nº 2, do CIVA), para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC, é viável, no caso de inexistência de documento de origem externa (nos casos em que este devesse existir), a prova dos custos através de documento interno, que deverá conter os elementos essenciais das facturas, desde que a veracidade da operação subjacente seja inequivocamente assegurada por outros meios de prova.(1)

Assim, sendo certo que era admissível a prova de um custo com base em prova testemunhal, que, «in casu» não foi produzida, não é verdade que, sem mais, face ao disposto no art. 41° n° 1 al. h) do CIRC, a lei permita a dedução fiscal dos encargos não devidamente documentados, mesmo quando contabilizados como custos.
Nesse sentido, retenha-se que o lucro tributável para efeitos de tributação em IRC tem como suporte o resultado apurado na contabilidade (cfr. art. 17º, nº 1, do CIRC), a qual deverá, designadamente, estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade e reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo (als. a) e b) do nº 1 do art. 17º do CIRC); e estar organizada nos termos da lei comercial e fiscal e permitir o controlo do lucro tributável (nº 1 do art. 98º do CIRC).
Cumpridos que se mostrem tais requisitos, i. é, estando a contabilidade organizada, «presume-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes, salvo se se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte» (art. 78º do CPT, em vigor à data dos factos; cfr., hoje, o art. 75º da LGT).
Acresce que uma das regras de organização da contabilidade que assume maior relevo para o direito fiscal é a estabelecida na al. a) do nº 3 do citado art. 98º do CIRC, de acordo com a qual «Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de ser apresentados sempre que necessário».
Todavia, no que respeita às aquisições de bens e serviços, a regra geral é a de que os respectivos documentos justificativos sejam de origem externa, sendo essa origem que lhes confere a presunção de autenticidade.
Significa, então, que a falta do documento externo justificativo da operação contabilizada implica que esse lançamento contabilístico é fictício?
Na senda de Freitas Pereira no seu Parecer emitido no CEF nº 3/92, de 6/1/1992, publicado na CTF nº 365, págs. 343 a 352, «A inexistência de documento externo destinado a comprovar uma operação para a qual ele devia existir afecta necessariamente, e em princípio, o valor probatório da contabilidade e essa falta não pode ser suprida pela apresentação de um documento interno. É que o valor probatório de uma contabilidade assenta essencialmente nos respectivos documentos justificativos e, quanto aos que o devam ser, é a origem externa que lhes confere um carácter que se pode designar por presunção de autenticidade. Um documento de origem interna só pode substituir um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele reflectidos.
Assim, a falta de documento externo pode ser suprida por outros meios de prova que demonstrem de forma inequívoca a justeza do lançamento efectuado». os quais devem incidir «não só sobre a materialidade da operação em si mesma mas também sobre os demais elementos indispensáveis à quantificação dos respectivos reflexos».
No mesmo sentido se pronunciou Tomás de Castro Tavares in Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos, CTF nº 396, págs. 7 a 177): «ao comprador compete, pois, a prova da ocorrência do custo, com a determinação do seu efectivo montante. Para tal, não basta que evidencie um documento interno (por si mesmo realizado). Ao lado desse suporte terá de demonstrar, por qualquer outro meio, a existência e principais características da transacção. Nessa tarefa poderá carrear quaisquer meios de prova (testemunhas, documentos auxiliares, explanação da sua contabilidade), competindo ao juiz aquilatar sobre o preenchimento da prova. Deste modo, um custo não documentado assume efeitos fiscais se o contribuinte provar, por quaisquer meios ao seu dispor, a efectividade da operação e o montante do gasto».
Note-se, porém, na esteira do Acórdão do TCAS de 15-06-2005, Recurso nº 563/05 que “A norma do art.º 41.º n.º1 do CIRC, sob a epígrafe Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais, dispunha na sua alínea h) que não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os encargos não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial.
As expressões «despesas confidenciais ou não documentadas», têm vindo a ser utilizadas em diplomas legais, normalmente, com o mesmo sentido e alcance. É assim, nos art.º 27.º do Dec-Lei n.º 375/74, de 20 de Agosto (na redacção inicial e na introduzida pela Lei n.º 2/88, de 26 de Janeiro), art.º 89.º n.º3 da Lei n.º 101/89, de 29 de Dezembro e no art.º 4.º do Dec-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho (na redacção inicial e nas introduzidas pela Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro, pela Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro e pela Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro), sendo aquele primeiro diploma o definidor do «regime das despesas não documentadas por parte das empresas».
Despesas confidenciais são despesas que, «como a sua própria designação indica, não são especificadas ou identificadas, quanto à natureza, origem e finalidade- Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 23.3.1994, recurso n.º 17 812.
Tratam-se de despesas que, pela sua própria natureza, não são documentadas - Cfr. neste sentido Vítor Faveiro, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, Vol. II, pág. 602, nota.
No contexto destes diplomas, em face da referência cumulativa a despesas confidenciais e a despesas não documentadas, as primeiras serão aquelas relativamente às quais não é revelada a sua natureza, origem e finalidade, enquanto as segundas serão despesas relativamente às quais não existe prova documental, embora não haja ocultação da sua natureza, origem e finalidade. Todas elas, no entanto, serão despesas não comprovadas documentalmente e, como tal, excluídas como custos para efeitos de determinação do lucro tributável.
Assim, na referida alínea h) do nº1 do artº 41º do CIRC, incluir-se-ão as despesas relativamente às quais não existem os documentos exigidos por lei, independentemente de ser revelada ou ocultada a sua natureza, origem e finalidade.
O encargo não estará devidamente documentado quando não houver a prova documental exigida por lei que demonstre que ele foi efectivamente suportado pelo sujeito passivo e a despesa será confidencial quando não for revelado quem recebeu a quantia em que se consubstancia a despesa- Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 5.7.2000, recurso n.º 24 632.
Mas, enquanto as despesas não documentadas mas não confidenciais, são susceptíveis de sobre elas ser produzida outro tipo de prova, designadamente a prova testemunhal para prova do bem fundado do seu lançamento na contabilidade (Cfr. neste sentido quanto a tal prova, o acórdão deste Tribunal de 25.3.2003, recurso n.º 7236/02,4), já quanto às despesas confidenciais, tal prova não faz qualquer sentido, porque desde logo perderiam essa qualidade, sendo certo que apenas estas últimas podem ser tributadas à taxa autónoma como despesas confidenciais.”
Quanto à indispensabilidade dos custos, dispõe o art. 23º do CIRC, que os custos ou perdas relevam se forem indispensáveis para a realização de proveitos ou ganhos correspondentes, enunciando-se desde logo, nas diversas alíneas deste normativo, certas despesas que assim devem ser consideradas.
Do que vem dito decorre que um custo, para ser relevante fiscalmente, tem de ser afecto à exploração, no sentido de que deve existir uma relação causal entre tal custo e os proveitos da empresa. Mas isso não quer dizer, como se salienta no aresto cuja fundamentação vimos seguindo, que essa relação é uma relação de causalidade necessária, uma genuína conditio sine qua non ou de resultados concretos obtidos com o acto, mas antes tendo em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da actividade económica, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximizada de resultados.
Sendo assim, a questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (arts. 78º do CPT e 75º da LGT) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível.
Daí, pois, que se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade e, por isso, cabe à AT o ónus de ilidir essa presunção, demonstrando que os factos contabilizados não são verdadeiros, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar essa indispensabilidade.
É que em tal desiderato, o encargo da prova deve recair sobre quem, alegando o facto correspondente, com mais facilidade, pode documentar e esclarecer as operações e a sua conexão com os proveitos (cfr. ac. do TCA, de 26/6/2001, Rec. nº 4736/01). Na esteira do Cons. Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado, 2ª edição, pág. 470), «o ónus de prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Embora esta regra (art. 74°/1 LGT) esteja prevista para o procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judicial que se lhe seguir, por forma a que quem tinha o ónus da prova no procedimento tributário tenha o respectivo ónus no processo judicial tributário...».
Aplicando tal doutrina ao caso dos autos, temos que, relativamente às correcções feitas pela AT e que estão contestadas pela ora impugnante, por se encontrarem suportados com documentos internos, em concordância com a impugnante, relativamente ao argumento principal - a ausência de factura ou documento equivalente -, entende a recorrente que em face dos factos que foram dados como provados, deveria ter sido outra a conclusão do Tribunal a quo.
E isso porque resulta provado que o montante em apreço foi pago pela recorrente à sociedade N ... - NATIONAL MEDICAL CENTER, INC através de transferência bancária efectuada junto do BANCO CHEMICAL (PORTUGAL) SA no indicado dia 27 de Dezembro de 1997, estando os lançamentos mensais efectuados pela recorrente suportados em documentos internos que indicam o tipo de despesa, a beneficiária e o respectivo valor.
Mas, no que a AT não atentou, subjacente a tais lançamentos existia, ainda, um contrato de prestação de serviços e o documento comprovativo da respectiva renovação pelo que, através da análise conjunta de todos estes documentos era possível a verificação de que se tratava da aquisição de serviços necessários ao desenvolvimento da actividade da recorrente e confirmar que os lançamentos correspondiam aos serviços contratados com a sociedade N ... - NATIONAL MEDICAL CENTER, INC; permitia, outrossim, identificar o beneficiário do rendimento, quantificar os montantes devidos a título de royalties e determinar o período que correspondia a prestação de serviços.
Daí que logre comprovação o alegado pela impugnante no sentido de que era possível, através da análise conjunta da documentação comprovar todos os elementos essenciais da transacção, o que vale por dizer, que se encontrava suprida tal insuficiência formal, devendo, consequentemente, ser anulada a correcção subjacente ao acto impugnado com as necessárias consequências.
Ora, se os documentos internos provam a materialidade das operações em causa e encontrando-se a mesmas devidamente documentadas, podem ser os respectivos custos ser aceites para efeitos fiscais.
Na verdade, sendo no conceito de indispensabilidade ínsito no artº 23º do CIRC que radica a questão essencial da consideração fiscal dos custos empresariais e que assenta a distinção fundamental entre o custo efectivamente incorrido no interesse colectivo da empresa e o que pode resultar apenas do interesse individual do sócio, de um grupo de sócios ou do seu conjunto e que não pode, por isso, ser considerado custo.
Este, é uma despesa com um fim empresarial o que não quer dizer que tenha desde logo um fim imediata e directamente lucrativo, mas que tem, na sua origem e na sua causa, um fim empresarial, concedendo a lei à AT poderes bastantes para recusar a aceitação como custo fiscal de despesas que se não possam considerar compatíveis com as finalidades a prosseguir pela empresa - cfr. J. L. Saldanha Sanches, Os Limites do Planeamento Fiscal, pág. 214.
Do princípio estabelecido no analisado artº 23º do CIRC, i. é, da aceitação de encargos ou perdas que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos pretendendo-se com a mencionada alínea que na determinação do lucro tributável da empresa se aceitem encargos que não lhe digam respeito.
Em tal desiderato, impõe-se considerar aqueles pagamentos como normais e imprescindíveis à manu­tenção da fonte produtora dada a comprovada adequação e conveniência à acti­vidade e tutela da recorrente.
A nosso ver, as questionadas verbas podem ser aceites como custos fiscais, podendo ser-lhe assacada tradução fiscal, ou por via dedução ao rendimento, ou por imputação (acréscimo) no preço de aquisição o que, em vista do artº 23º do CIRC, inculca que não está em causa a categoria de gastos acessórios.
Destarte, por se provar por documento externo e por idóneo meio de prova que os custos em causa estavam directamente relacionados com a actividade normal da impugnante, configura-se, em tal situação, o nexo causal de "indispensabilidade" que deve existir entre os custos e a obtenção dos proveitos ou ganhos.
Todavia, a AT não se limitou a desconsiderar como um custo do exercício o referido montante, acrescendo-o ao lucro tributável declarado, tendo para além disso procedido à sua tributação autónoma à taxa então vigente de 30%, nos termos do art. 4.° do Decreto-Lei n.° 192/90, de 9/6 (na redacção da Lei n.° 52-C/96, de 27/12), como uma despesa confidencial ou não documentada.
Sendo também nesta vertente de tributação autónoma que a liquidação impugnada se encontra em causa nestes autos, há que atentar na norma do art.º 41.º n.º1 do CIRC, que, sob a epígrafe Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais, dispunha na sua alínea h) que não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os encargos não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial.
Como se explicita no Acórdão deste TCAS de 15-06-2005, no Recurso nº 00563/05, cuja fundamentação vamos acompanhar nesta parte, a expressão «despesas confidenciais ou não documentadas», têm vindo a ser utilizadas em diplomas legais, normalmente, com o mesmo sentido e alcance. É assim, no art.º 27.º do Dec-Lei n.º 375/74, de 20 de Agosto (na redacção inicial e na introduzida pela Lei n.º 2/88, de 26 de Janeiro), art.º 89.º n.º3 da Lei n.º 101/89, de 29 de Dezembro e no art.º 4.º do Dec-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho (na redacção inicial e nas introduzidas pela Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro, pela Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro e pela Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro), sendo aquele primeiro diploma como o definidor do «regime das despesas não documentadas por parte das empresas».
Despesas confidenciais são despesas que, «como a sua própria designação indica, não são especificadas ou identificadas, quanto à natureza, origem e finalidade».
Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 23.3.1994, recurso n.º 17 812.
Tal como Vítor Faveiro, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, Vol. II, pág. 602, nota, as define, estas são despesas que, pela sua própria natureza, não são documentadas.
Como se salienta no aresto que vimos seguindo, no contexto destes diplomas, em face da referência cumulativa a despesas confidenciais e a despesas não documentadas, as primeiras serão aquelas relativamente às quais não é revelada a sua natureza, origem e finalidade, enquanto as segundas serão despesas relativamente às quais não existe prova documental, embora não haja ocultação da sua natureza, origem e finalidade. Todas elas, no entanto, serão despesas não comprovadas documentalmente e como tal, excluídas como custos para efeitos de determinação do lucro tributável.
Por conseguinte, na referida alínea h) do n.º1 do art.º 41.º do CIRC, incluir-se-ão as despesas relativamente às quais não existem os documentos exigidos por lei, independentemente de ser revelada ou ocultada a sua natureza, origem e finalidade, sendo que o encargo não estará devidamente documentado quando não houver a prova documental exigida por lei que demonstre que ele foi efectivamente suportado pelo sujeito passivo e a despesa será confidencial quando não for revelado quem recebeu a quantia em que se consubstancia a despesa.
Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 5.7.2000, recurso n.º 24 632.
Todavia, como já salientámos, só as despesas não documentadas mas não confidenciais, são susceptíveis de sobre elas ser produzida outro tipo de prova, designadamente a prova testemunhal para prova do bem fundado do seu lançamento na contabilidade, no que tange às despesas confidenciais, tal prova não faz qualquer sentido, porque desde logo perderiam essa qualidade, sendo certo que apenas estas últimas podem ser tributadas à taxa autónoma como despesas confidenciais.
Significa isto que as despesas simplesmente não documentadas, mas não confidenciais, como serão as que nos ocupam, no caso de nenhuma outra prova ser efectuada para prova do bem fundado do seu lançamento na contabilidade, apenas não constituem custos dedutíveis para efeitos fiscais.
Mas, como vimos, as questionadas verbas, inscritas como custos na contabilidade do sujeito passivo, encontravam-se também apoiadas em documentos externos, em termos de possibilitar conhecer fácil, clara e precisamente, a operação, como deveria (art.ºs 29.º do C. Comercial, 23.º e 98.º n.º3, do CIRC, norma esta que contém o afloramento de um princípio geral como se decidiu no acórdão do STA de 6.10.1999, recurso n.º 23 817), evidenciando a causa, natureza e montante, de modo não só a sua arrumação contabilística (segundo o POC), como a determinar os ganhos, perdas, proveitos e custos.
Assim sendo, em nosso entender e em concordância com a recorrente, tais verbas inscritas como custos na contabilidade da recorrente, encontravam-se apoiadas em idóneos documentos externos que davam a conhecer, fácil, clara e precisamente a operação, podendo, assim, constituir um custo do exercício por não subsumíveis à citada norma do art.º 41.º n.º1 alínea h) do CIRC que as exclui da determinação do lucro tributável, mas também não podem ser tributadas, autonomamente, como despesas confidenciais, como fez a AT, ao abrigo do citado diploma, por não comungarem dessa natureza de confidencialidade, antes sendo de subsumir à categoria de encargos devidamente documentados, por circunstancialmente se encontrarem devidamente apoiadas em documentados externos de molde a evidenciar a causa, natureza e montante.
É que a norma do art.º 41.º n.º1 alínea h), exclui da determinação do lucro tributável duas categorias de encargos – os não documentados por um lado, e as despesas de carácter confidencial, pelo outro – mas depois, na tributação autónoma, nos termos dos referidos diplomas legais acima citados, apenas veio incluir as despesas de carácter confidencial, (e não já, também, os encargos meramente indocumentados) as quais pela sua própria natureza, nunca podem ser documentadas, sob pena de se passar a conhecer a sua natureza, origem e finalidade, deixando de existir tal confidencialidade.
Assim, a sentença recorrida, ao decidir como decidiu, merece ser censurada nos termos sobreditos, sendo de revogar e de conceder provimento ao recurso.
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4. - Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar totalmente procedente a impugnação anulando-se o acto tributário.
Sem custas por delas estar isenta a parte vencida.
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Lisboa, 25/11/2009

(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Manuel Malheiros)

(1) Nesse sentido se evoca o Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul de 18-01-2005, no Recurso nº 66/03, cuja fundamentação, data venia, se vai seguir de perto.