Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11964/15
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:04/16/2015
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE PORTUGUESA - ÓNUS DE PROVA
LIGAÇÃO EFECTIVA À COMUNIDADE NACIONAL
Sumário:Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, entre outros, a inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional [alínea a) do artigo 9° da Lei n° 37/81, de 3/10, na redacção que lhe foi dada pela Lei Orgânica n° 2/2006, de 17/4].
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: O Ministério Público inconformado com a sentença proferida pelo mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dela recorrer, concluindo como segue:

1. Atendendo a que a redacção dos nºs l e 2 do art. 3º da Lei nº 37/81 foi mantida pela Lei 2/2006, de 17 de Abril continua o estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português, a poder adquirir, em determinadas circunstâncias, a nacionalidade portuguesa.
2. No entanto, enquanto o art. 9º. na redacção anterior , estabelecia que constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, designadamente. a "não comprovação, pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional";
3. Na redacção actual refere-se que constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, designadamente a "inexistência de ligação efectiva á comunidade nacional".
4. Considerando todos os elementos interpretativos (gramatical, sistemático, teleológico e histórico) parece claro que as alterações introduzidas à Lei da Nacionalidade pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17.04 e o actual texto do RN, não passaram a estabelecer que é ao M.P. que cabe provar que a Requerida não tem ligações efectivas à comunidade nacional.
5. O art. 56º, nº 2 do actual Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo DL nº 237-A/ 2006, de 14 de Dezembro, que corresponde ao art. 22º, do DL nº 322/82, de 12 de Agosto, prevê: "2 - Constituem fundamento de oposição à aquisição do nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou da adopção: a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional; b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa ; c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório no Estado estrangeiro ".
6. E o art. 57°, nºl do referido DL no 237-A /2006, dispõe que: " Quem requeiro a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efectivo à comunidade nacional e sobre o disposto nas alíneas b) e c) do nº2 do artigo anterior".
7. Estabelece o nº 7 do mesmo artigo que "sempre que o Conservador dos Registos Centrais ou qualquer outra entidade tiver conhecimento de factos susceptíveis de fundamentar em a oposição à aquisição da nacionalidade, por efeito da vontade ou por adopção, deve participá­los ao Ministério público, junto do competente tribunal administrativo e fiscal, remetendo-lhe todos os elementos de que dispuser".
8. Da leitura e análise dos citados preceitos retira-se que deixou o legislador de exigir que o interessado comprove a sua ligação efectiva à comunidade nacional, sendo fundamento da oposição a "não comprovação" dessa ligação efectiva.
9. Ou seja, na actual lei não se faz menção a essa "não comprovação "r mas tã o só à inexistência de ligação à comunidade nacional, devendo ser feita ao Ministério Público a participação de factos susceptíveis de fundamentarem a oposição.
10. É que o interessado passou a ter necessidade de "pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional ", crendo-se que será a partir dessa pronúncia que o conservador poderá aquilatar da existência/inexistência de ligação à comunidade nacional e, no caso de se indiciar a inexistência, comunicá-la ao Ministério Público para instauração da acção de oposição.
11. ll - Em suma, no que tange à falta de ligação efectiva à comunidade nacional deverá o interessado, que pretende adquirir a nacionalidade portuguesa, considerando que lhe assiste esse direito, pronunciar-se sobre a existência daquela ligação.
12. Mas, constatando-se, face às explicações apresentadas com vista à alegada ligação à comunidade nacional, que as razões aduzidas serão insuficientes para se concluir por essa ligação, levará à comunicação ao Ministério Público para a instauração do processo de oposição.
13. De resto, o artigo 9.º, ai. o} da Lei do Nacionalidade estabelece um fundamento (negativo) de oposição à aquisição da nacionalidade, mas nada prevê quanto ao ónus da prova de tal facto, que terá que ser encontrado por aplicação das regras gerais, concretamente, do disposto no artigo 343.0, nºl do C.Civ, uma vez que está em causa uma ação de simples apreciação na qual se justifica que seja atribuído ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arrogo, dada a dificuldade ou mesmo impossibilidade de provar factos negativos (que, no caso, são também factos pessoais do réu} .
14. Com efeito, a acção destinada à declaracão da inexistência de ligação à comunidade portuguesa deve ser qualificada como uma acção de simples apreciação negativa.
15. Até porque a nova lei não alterou o figurino da oposição à aquisição da nacionalidade como acção de simples apreciação negativa, destinada à demonstração da inexistência de ligação à comunidade nacional, com as consequências daí advindas.
16. Esta acção de simples apreciação tem por fim unicamente obter a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto (art. 1Oº, nº 3, ai. a) do NCPC) .
17. De acordo com o disposto no art. 343º, nº 1 do Código Civil, nas acções de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.
18. Á mesma conclusão se chegando se tivermos em conta o facto de que estamos perante uma acção que é consequência de uma pretensão, junto dos Registos Centrais, por banda do interessado, que aí manifesta a sua intenção de adquirir a nacionalidade portuguesa, pelo que lhe cabe, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, demonstrar os factos constitutivos dessa sua pretensão.
19. Até porque, este regime de ónus da prova em sede do processo judicial é consentâneo com as exigências de instrução do procedimento administrativo que recaem sobre o requerente do pedido de aquisição da nacionalidade, cuja "pronúncia" sobre a existência de ligação efetiva à comunidade nacional não pode indiciar a falta dessa ligação, sob pena de recair sobre o Conservador dos Registos Centrais o dever de participar tal facto ao Ministério Público e sobre este o dever de intentar ação de oposição à aquisição de nacionalidade (n.ºs l, 7 e 8 do artigo 57º do Regulamento da Nacionalidade.
20. Face à matéria de facto dada como provada, deveria o Tribunal a quo, considerar que a R. não tinha ligação efectiva à comunidade portuguesa e, em consequência declarar procedente a acção.
21. Ao não o fazer o Tribunal, a quo violou o disposto nos artºs 56º nº 2. ai a), 57°, nºl, ambos do Regulamento da Nacionalidade aprovado pelo DL nº 237-A/ 2006 e artº 343 nº l do Código Civil.
22. Pelo que a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra em que se declare a procedência da presente acção.

*

Não houve contra-alegações.

*

Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.

*
Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte factualidade:

A. – A Requerida Livia ………………, nasceu a 26 de Maio de 1980, no Estado de São Paulo, República Federativa do Brasil, é filha de Frederico …….e de Nilce …………., ambos de nacionalidade brasileira - cfr. fls. 14 dos autos;
B. – A Requerida em 14 de Fevereiro de 2009, no Estado de São Paulo, no Brasil, contraiu casamento com o cidadão português Gabriel ………., nascido em São Paulo, Brasil, em 27 de Agosto de 1982, filho de Luiz ………., natural de Florida Paulista e de Isabel …………, natural de Penas Roías, Mogadouro, tendo respectivo Assento de Casamento n.º 3594/2012, sido lavrado no Consulado Geral de Portugal em São Paulo, com data de 13 de Dezembro de 2012 e o respectivo nascimento integrado na CRC em 12 de Dezembro de 2012 – cfr. fls. 15-17 e 23 dos autos;
C. – A Requerida reside na Rua ……….., 244, Apt. 161, ………., São Paulo, Brasil - cfr. fls. 13-13v dos autos;
D. – Com data de 18 de Julho de 2013 a Requerida prestou a declaração para aquisição da nacionalidade portuguesa, nos termos do art. 3.º da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, com base no casamento que contraiu com cidadão português, tendo declarado pretender adquirir a nacionalidade portuguesa, nos termos da “Declaração para aquisição da nacionalidade Portuguesa”, que aqui se considera integralmente reproduzida, na qual assinalou a opção “Não” quanto ao item "Tem ligação efectiva à comunidade nacional" – cfr. fls. 13-13v dos autos;
E. – Com data de 21 de Janeiro de 2014 a Conservatória dos Registos Centrais remeteu à Requerida, o instrumento de fls. 24 dos autos, aqui se considera integralmente reproduzido e de que se extrai o seguinte:
“(…) Constitui fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, “a inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional” (cfr. alínea a) do Art.º 9°, da Lei n.º 37/81 de 3 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril).
Sempre que existe a susceptibilidade de tal facto se verificar, é obrigatória a participação ao Ministério Público, para uma eventual dedução de acção de oposição à aquisição da nacionalidade, a instaurar no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.
Se quiser, poderá V. Exª juntar mais e melhores provas de ligação à comunidade nacional portuguesa, as quais serão devidamente ponderadas na decisão de efectuar ou não a referida participação. (...)" – cfr. fls. 24 dos autos.
F. – Com data de 13 de Fevereiro de 2014 e em resposta ao oficio referido na alínea antecedente, a Requerida remeteu à CRC o instrumento de fls. 25-26 dos autos, aqui se considera integralmente reproduzido e de que se extrai o seguinte:
“(…) Em resposta à sua correspondência sobre a fundamentação da minha ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa, solicito que sejam levadas em consideração as seguintes ponderações:
1. Apesar de eu não ter ligações efetivas com empresas ou entidades portuguesas, sou profundamente ligada à comunidade nacional através da família portuguesa a qual pertenço e convivo há vários anos. Desde os meus 15 anos de idade que eu passei a conhecer e a conviver com uma família tradicionalíssima portuguesa vinda da região de Trás-os-Montes, a família Pimentel (avós Manuel e Maria, tios Antonio, Maria José e Rui Jorge e sogra Isabel …………), da qual faz parte o meu espôso Gabriel ……….., que também tem nacionalidade portuguesa.
2. Em decorrência dessa convivência, passei a conhecer e a amar não só as pessoas e familiares portugueses mas também a cultura (sou apaixonada pelo fado na voz da Mariza), a riqueza do patrimônio histórico (impressionantes mosteiros da Batalha e dos Jerónimos somente para exemplificar), as encantadoras belezas naturais (Aveiro e a região do Douro são meus próximos destinos) e as infindáveis opções de passeios por lugares maravilhosos e, sobretudo, seguros.
3. Estive a visitar Portugal por apenas alguns dias mas conheci e fiquei impressionada o suficiente para querer retornar várias vezes. Aproveitando que eu e meu marido estamos bem estabelecidos profissionalmente e com boas condições económico-financeiras, estamos planejando outras viagens de férias para Portugal para conhecer e desfrutar de todo o país.
4. Além disso, também em consequência dessa convivência, temos um grande rol de amigos e familiares espalhados por Portugal, aos quais pretendemos visitar, alguns visitar novamente outros visita. Para exemplificar, relaciono a seguir alguns:
- Marco ………….. e Paula ……… - primos – Aveiro
- Manuel e Angélica …………… - tios - Macedo de Cavaleiros
- Ana ………… e Afonso ……. - tios - Penas Roias – Mogadouro
- António …………… e Justina ………….. - primos - Mogadouro
- Narciso e Graciete …………… - primos - Vieira de Leiria
- Ricardo ………………….. - primo – Lisboa
- Amparo e Abraão ……………….a - amigos – Porto
- Domingos e Gonçalo …………… - primos – Bragança
- Maria ……………. e Carlos ……… - amigos - Lagoa – Faro
- Mariana ……. e Maria ……….. - amigas – Oeiras
- Agostinho ………… - amigo – Lamego
- Mariana ………o - amiga Setúbal Elia …….. - amiga – Mirandela
- Henrique ………..- amigo – Bragança
Espero ter fornecido informações suficientes para provar minha ligação com a comunidade nacional portuguesa e continuo à disposição caso mais informações sejam necessárias. (…).” - cfr. fls. 25-26 dos autos;



DO DIREITO



O discurso jurídico fundamentador que em sede de sentença importa primordialmente no caso dos autos é o que, de seguida, se transcreve, em que citando o Acórdão do STA de 10.06.2014 tirado no rec. nº 0104/14,
“(..)Decidiu-se no citado acórdão do STA que “o factor decisivo nessa aquisição de nacionalidade não é a constância do casamento por mais de três anos – esse é um mero pressuposto - mas a declaração de vontade manifestada pelo interessado visto essa aquisição não ocorrer se o cônjuge estrangeiro, apesar de preencher aquele requisito, não estiver interessado em ser cidadão nacional e, por essa razão, não formular o necessário pedido.”.
Esta pretensão do Requerente pode ser contrariada pelo MP através da propositura de uma acção de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, como ocorreu no caso sub iudice, nos termos do artigo 9.º, alínea a), da Lei da Nacionalidade.
Como se refere no citado acórdão do STA : “A jurisprudência e a doutrina vêm afirmando, e bem, que as apontadas normas visaram, por um lado, promover o valor da unidade familiar e proteger essa unidade e, por outro, dotar o Estado português de mecanismos legais destinados a evitar que cidadãos estrangeiros sem nenhuma ligação afectiva, cultural ou económica a Portugal ou cidadãos tidos por indesejáveis pudessem adquirir a nacionalidade portuguesa.
E também vem dizendo que a ligação efectiva à comunidade nacional se revela por um sentimento de pertença à cultura portuguesa, manifestada no conhecimento e domínio da sua língua, na aceitação e prática dos seus costumes, na partilha dos bens culturais, no interesse pela sua história, pela realidade do país ou pela forma como ele é governado e pelos laços familiares, relações de amizade ou de convívio com os cidadãos nacionais.
E que a “jurisdicionalização da oposição à aquisição derivada da nacionalidade teve, por sua vez, e igualmente, em vista permitir uma melhor e mais isenta ponderação dos interesses em jogo e a consequente salvaguarda dos interesses do pretendente à aquisição da nacionalidade, desde que legítimos, por não colidentes com os interesses do Estado” - Acórdão do STJ de 15/12/2002, proc. 02B3582.
No mesmo sentido, Rui Moura Ramos, in Revista de Direito e Economia Ano XII, pg. 273 e seg.s. (…)
No entanto, o legislador, considerando que o equilíbrio na atribuição da nacionalidade passava por uma previsão de regras que, “garantindo o factor de inclusão que a nacionalidade deve hoje representar em Portugal, não comprometam o rigor e a coerência do sistema, bem como os objectivos gerais da política nacional de imigração, devidamente articulada com os nossos compromissos internacionais e europeus, designadamente os que resultam da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, que Portugal ratificou em 2000”, resolveu, uma vez mais, alterar a redacção da mencionada norma com vista a que no, procedimento de oposição do Estado Português à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, se invertesse “o ónus da prova quanto ao requisito estabelecido na alínea a) do artigo 9.º que passa a caber ao Ministério Público.
Regressa-se desse modo ao regime inicial da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro.” – Exposição de motivos da Proposta de lei n.º 32/X.
E, porque assim, a partir da entrada em vigor da Lei 2/2006 passou a constituir fundamento de oposição à aquisição de nacionalidade “a inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional” (nova redacção da al.ª a) do art.º 9.º) a qual tinha de ser provada pelo M.P. (…)” [No mesmo sentido, vaja-se o acórdão do TCA Sul de 10 de Julho de 2014, proferido no processo nº 11308/14].
Assim, seguindo o entendimento que dimana deste acórdão do STA, é ao Ministério Público que cabe provar a inexistência de ligação efectiva da Requerida à comunidade portuguesa, ou seja, o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa a que se refere na alínea a) do artigo 9.º da LN - a inexistência de ligação efectiva do Requerente da nacionalidade à comunidade nacional.
E no caso dos autos, atenta a factualidade provada e que se enunciou, não se pode concluir que está verificado o fundamento da oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa – inexistência de ligação efectiva da Requerida à comunidade nacional, atendendo, desde logo, aos laços familiares decorrentes dos referidos vínculos de parentesco, assim como, aos indicados convívio e ligação com portugueses residentes em Portugal.
Nesta conformidade, cabendo o ónus da prova ao MP, não tendo este provado os factos que conduziriam à procedência da oposição, isto é, não resultando, assim, da factualidade assente que a Requerida não tenha alguma ligação/identificação com a comunidade nacional, não se pode concluir pela inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional. (..)”.

*
O quid legal da ligação à comunidade nacional em termos de efectividade, sendo que a "ligação efectiva" à comunidade nacional, como conceito indeterminado que é, terá de ser deduzida a partir de uma base de factos da vida real e concreta do interessado, do seu quotidiano, do seu ambiente, daquilo que faz na sua vida normal e que, alegados e provados pelo interessado em adquirir a nacionalidade, permitam concluir, exactamente por essa sucessão de factos da sua vida ocorridos ao longo do tempo, que tem efectivamente uma ligação com o País cuja nacionalidade quer integrar na sua esfera jurídica a título de posição jurídica de estado.
Trata-se de um juízo profundamente eivado da subjectividade do julgador, que nada tem de valoração jurídica a não ser no que respeita a ter de assentar em matéria de facto alegada pelo interessado em ter nacionalidade portuguesa, que também é uma questão de subjectividade de cada um.

*
No caso dos autos, concluir pela inexistência de ligação/identificação com a comunidade portuguesa seria um puro exercício de abstracção e não um juízo substanciado na avaliação da matéria de facto trazida ao processo pela ora Recorrida, que, em discurso directo, identifica pessoas concretas com quem afirma ter um relacionamento próximo.
Sendo certo que o Ministério Público, no exercício do ónus de prova que lhe compete, não prova que tais pessoas – familiares e amigos - não existem e são produto da imaginação da ora Recorrida.
Ou seja, a ora Recorrida, em discurso directo, afirma que desde os seus
§ “(..) 15 anos de idade que eu passei a conhecer e a conviver com uma família tradicionalíssima portuguesa vinda da região de Trás-os-Montes, a família Pimentel (avós Manuel e Maria, tios Antonio, Maria José e Rui Jorge e sogra Isabel …………), da qual faz parte o meu espôso Gabriel …………., que também tem nacionalidade portuguesa. (..)”
§ “(..) Estive a visitar Portugal por apenas alguns dias mas conheci e fiquei impressionada o suficiente para querer retornar várias vezes. Aproveitando que eu e meu marido estamos bem estabelecidos profissionalmente e com boas condições económico-financeiras, estamos planejando outras viagens de férias para Portugal para conhecer e desfrutar de todo o país. (..)”
§ “(..) Além disso, também em consequência dessa convivência, temos um grande rol de amigos e familiares espalhados por Portugal, aos quais pretendemos visitar, alguns visitar novamente outros visita. Para exemplificar, relaciono a seguir alguns:
- Marco …………. e Paula ………… - primos – Aveiro
- Manuel e Angélica ……………….. - tios - Macedo de Cavaleiros
- Ana ……………… e Afonso ……….. - tios - Penas Roias – Mogadouro
- António ………… e Justina ………. - primos - Mogadouro
- Narciso e Graciete ……….. - primos - Vieira de Leiria
- Ricardo ………… primo – Lisboa
- Amparo e Abraão ………… amigos – Porto
- Domingos e Gonçalo ………. - primos – Bragança
- Maria ……….. e Carlos ………- amigos - Lagoa – Faro
- Mariana ………e Maria ………. - amigas – Oeiras
- Agostinho ……. - amigo – Lamego
- Mariana …….- amiga Setúbal Elia………. - amiga – Mirandela
- Henrique ……- amigo – Bragança (..)”

*
De modo que, repetindo, no caso é trazido ao processo um acervo de factos descritos como sendo da vida real e concreta da interessada ora Recorrida, relativos ao seu quotidiano de pessoas da família sua e do marido, amigos do ambiente familiar, relativos àquilo que fazem na sua vida normal, alegados e não descredibilizados com sucesso pelo Ministério Público pelo que resultam provados no processo.
A ser assim, atendendo a toda a referida factualidade que a ora Recorrida se deu ao cuidado de carrear para os autos – e não limitar-se a dizer futilidades de clubes desportivos e especialidades gastronómicas -, não existe base jurídica para o Tribunal entender que a ora Recorrida teria que dizer mais não se sabe o quê que não disse, no tocante a domínios que não se sabe quais são porque, uns e outros, o Ministério Público no exercício do ónus de prova factual e concreto não carreou para os autos.
O mesmo é dizer que o Tribunal teria que enveredar por uma via discursiva de cariz eminentemente subjectivo e abstracto para concluir que a ora Recorrida não fez prova de "ligação efectiva" à comunidade nacional.

Pelo que vem dito improcedem as questões trazidas a recurso nos itens 1 a 22 das conclusões.


***

Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença proferida.

Sem custas por isenção tributária do Recorrente.

Lisboa, 16.ABR.2015,

(Cristina dos Santos) ……………………………………………………………………….

(Paulo Gouveia) ……………………………………………………………………………

(Nuno Coutinho) ………………………………………………………………………….