Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:204/15.1BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:02/14/2019
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO PROCESSUAL.
ERRO NA FORMA DO PROCESSO. NULIDADE PROCESSUAL DE CONHECIMENTO OFICIOSO.
PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL.
PRESSUPOSTOS DA CONVOLAÇÃO DA FORMA DE PROCESSO.
RECLAMAÇÃO DA DECISÃO DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL.
PRAZO PARA DEDUZIR RECLAMAÇÃO DA DECISÃO DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL É UM PRAZO JUDICIAL.
VERIFICAÇÃO DO ERRO NA FORMA DO PROCESSO. CONSEQUÊNCIAS PROCESSUAIS.
FISCALIZAÇÃO CONCRETA DA CONSTITUCIONALIDADE POR PARTE DOS TRIBUNAIS.
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA PROTECÇÃO DA CONFIANÇA.
DIREITO DE ACESSO AO DIREITO E À TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA.
ARTºS.20, Nº.1, E 268, Nº.4, DA C.R.PORTUGUESA.
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.
Sumário:1. O sujeito cujo direito foi alegadamente violado, pretendendo a respectiva reparação, está obrigado a escolher o tipo de acção que a lei especificamente prevê para obter a satisfação do seu pedido, sob pena de, se o não fizer, o Tribunal nem sequer tomar conhecimento da sua pretensão. Não está, assim, na disponibilidade do administrado a escolha arbitrária do tipo de acção a que pode recorrer na defesa dos seus direitos, visto que a lei, em cada caso, consagra qual o meio processual próprio para atingir aquela finalidade, o qual deve ser seguido. Nestes termos, compete ao demandante analisar a situação que se lhe apresenta e, perante ela, recorrer, dentro do prazo legal, ao meio processual que a lei disponibilizou para obter o reconhecimento do direito ou interesse em questão (cfr.artº.97, nº.2, da L.G.T.).
2. O erro na forma do processo consubstancia nulidade processual de conhecimento oficioso (cfr.artºs.193 e 196, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), deve ser conhecido no despacho saneador (cfr.artº.595, nº.1, al.a), do C.P.Civil) ou, não existindo este, até à sentença final (cfr.artº.200, nº.2, do C.P.Civil) e só pode ser arguido até à contestação ou neste articulado (cfr.artº.198, nº.1, do C.P.Civil), sendo que, a causa de pedir é irrelevante para efeitos de exame do eventual erro na forma do processo, para os quais apenas interessa considerar o pedido formulado pela parte.
3. No processo judicial tributário o erro na forma do processo igualmente substancia uma nulidade processual de conhecimento oficioso, consistindo a sanação na convolação para a forma de processo correcta, importando, unicamente, a anulação dos actos que não possam ser aproveitados e a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma estabelecida na lei (cfr.artº.97, nº.3, da L.G.T.; artº.98, nº.4, do C.P.P.T.).
4. A análise da propriedade do meio processual empregue pela parte e da sua consequente e eventual admissibilidade legal, deve ser efectuada levando em atenção o princípio da economia processual que enforma todo o direito adjectivo (cfr.artº.130, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P. Tributário).
5. A possibilidade de convolação da forma de processo pressupõe que todo o processo passe a seguir a tramitação adequada, sendo que o pedido formulado no final do articulado inicial constitui um dos elementos que se deve adequar à nova forma processual a seguir. Por outro lado, a manifesta extemporaneidade do articulado em exame também constitui óbice à convolação.
6. A forma de reacção legalmente prevista visando actos do órgão de execução e praticados no âmbito de processo de execução fiscal consiste na reclamação da decisão do órgão de execução fiscal, sendo o respectivo prazo de dez dias e tendo como termo inicial a notificação da decisão em causa (cfr.artºs.276 e 277, nº.1, do C.P.P.T.).
7. O prazo para deduzir reclamação da decisão do órgão de execução fiscal é um prazo judicial, atento o disposto no artº.20, nº.2, do C.P.P.Tributário. Com efeito, o processo de execução fiscal tem natureza judicial, na sua globalidade, apesar de haver uma parte do mesmo que é processada perante órgãos da Administração Tributária (artº.103, nº.1, da L.G.T.). Tratando-se de prazo de natureza judicial, aplica-se-lhe o regime do C.P.Civil (cfr.art.20, nº.2, do C.P.P.Tributário), pelo que ele corre continuamente, mas suspende-se em férias judiciais, mais se transferindo o seu termo para o primeiro dia útil seguinte quando terminar em dia em que os Tribunais estejam encerrados ou seja concedida tolerância de ponto (cfr.artº.138, nºs.1, 2 e 3, do C.P.C.).
8. Concluindo-se pela verificação do erro na forma do processo mais não sendo possível a convolação, perante uma situação de nulidade de todo o processo, que verificada em sede liminar, determina o indeferimento da petição (cfr.artº.98, nºs.3 e 4, do C.P.P.T., artº.97, nº.3, da L.G.T., e artºs.590, nº.1, 278, nº.1, al.b), 576, nºs.1 e 2, e 577, al.b), todos do C.P.C.), ou, se já ultrapassada a fase liminar, a anulação de todo o processado, com a absolvição dos RR. da instância (cfr.artºs.278, nº.1, al.b), 576, nºs.1 e 2, e 577, al.b), todos do C.P.C.).
9. O que pode e deve ser objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões (cfr. artº.204, da C.R.Portuguesa).
10. O princípio constitucional da segurança jurídica e da protecção da confiança, expresso na não violação de direitos adquiridos ou frustração de expectativas legítimas, sem fundamento bastante, deve ser apreciado, em sede de tutela constitucional, enquanto emanação do princípio do Estado de Direito democrático (cfr.artºs.2 e 9, al.b), da C.R.Portuguesa).
11. O princípio do acesso ao Direito está consagrado no artº.20, nº.1, da C.R.P., normativo constitucional que consubstancia, ele mesmo, um direito fundamental constituindo uma garantia imprescindível da protecção de direitos fundamentais e sendo, por isso, inerente à ideia de Estado de Direito. Ele é um corolário lógico do monopólio tendencial da solução dos conflitos por órgãos do Estado ou dotados de legitimação pública, da proibição da autodefesa e das exigências de paz e segurança jurídicas. O preceito reconhece vários direitos conexos mas distintos, como seja, o direito de acesso aos Tribunais, tal como a garantia de que o direito à justiça não pode ser prejudicado por insuficiência de meios económicos e ainda o direito a um processo equitativo, o qual se densifica, além do mais, através do direito à igualdade de armas ou posições no processo, tal como do direito à prova.
12. No artº.268, nº.4, da C.R.Portuguesa, é garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, e a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos. Na mesma linha, no artº.9, nº.1, da L.G.Tributária, garante-se o acesso à justiça tributária para a tutela plena e efectiva de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos. O direito a uma tutela jurisdicional efectiva consubstancia-se como o direito a obter, em prazo razoável, decisões que apreciem, com força de caso julgado, as pretensões regularmente deduzidas em juízo (isto é, as pretensões que forem apresentadas na observância dos pressupostos processuais de cujo preenchimento depende, nos termos da lei, a obtenção de uma pronúncia judicial sobre o respectivo mérito) e a possibilidade de fazer executar essas decisões.
13. O artº.103, da C.R.P., consagra o princípio da legalidade fiscal (principalmente os seus nºs.2 e 3), como um dos elementos estruturantes do Estado de direito constitucional. Especificamente o artº.103, nº.3, da C.R.P., reconhece, além do mais, o direito de não pagamento de impostos cuja liquidação e cobrança se não façam nas forma prescritas na lei, assim consagrando uma espécie de direito de resistência à imposição de exacções fiscais inconstitucionais ou ilegais.
14. Quanto ao geral princípio da legalidade, a universalidade da doutrina assinala dois corolários ao mesmo: o princípio da preeminência de lei e o princípio da reserva de lei parlamentar (cfr.artº.21, da C.R.Portuguesa).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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R…………, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto despacho saneador/sentença do Mmº. Juiz do T.A.F. de Sintra, exarado a fls.99 a 102-verso do presente processo, através do qual julgou procedente a excepção de erro na forma de processo, sem possibilidades de convolação, mais absolvendo os RR. da instância.
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O recorrente termina as alegações (cfr.fls.108 e verso dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Ao julgar procedente a excepção de erro na forma do processo, anulando todo o processado e absolvendo os RR da instância, a sentença recorrida violou os princípios da legalidade, da adequação formal e da descoberta da verdade material, princípios que foram interpretados em violação dos princípios constitucionais da confiança e do acesso ao direito;
2-A utilização do processo de impugnação judicial ou da acção administrativa especial depende do conteúdo do acto impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial, se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável a acção administrativa especial. Ac. STA 14.05.2015;
3-Se o contribuinte interpõe acção administrativa especial, a convolação em processo de impugnação judicial constitui um poder/dever vinculado do juiz da causa (artigos 98.º n.º 4 do CPPT e 97.º nº 3 da LGT), cfr. Ac STA de 12.04.2012;
4-Ao não ordenar a convolação dos autos para a forma processualmente admissível, o Tribunal recorrido violou o disposto no artº.547 do CPC, preceito que foi interpretado em violação do artº.20 da C.R.Portuguesa e dos preceitos constitucionais da con- fiança, do acesso ao direito e da legalidade;
5-Termos em que, fazendo-se a correcta interpretação dos elementos dos autos e a melhor aplicação das normas legais invocadas, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos, para conhecimento do mérito da causa.
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Contra-alegou a entidade recorrida (cfr.fls.124 a 126 dos autos), a qual pugna pela confirmação do julgado, e termina estruturando o seguinte quadro Conclusivo:
1-Vem a recorrente interpor recurso da sentença do Tribunal a quo que decidiu pela procedência da exceção de erro na forma de processo utilizado e não sendo possível a convolação, absolveu da Instância os recorridos;
2-Alega para o efeito em sede de conclusões às alegações de recurso que ao “1. Ao julgar procedente a exceção de erro na forma de processo, anulando todo o processado e absolvendo os RR da instância, a sentença recorrida violou os princípios da legalidade, da adequação formal e da descoberta da verdade material, princípios que foram interpretados em violação dos Princípios Constitucionais da confiança e do acesso ao direito”;
3-Destarte, afigura-se ao recorrido que se encontra amplamente demonstrado que a recorrente foi notificada do despacho impugnado, através de carta registada remetida a 19/08/2014, que se presume recebida em 22/08/2014, pelo que quando em 23/01/2015 veio intentar a ação administrativa especial - utilizando o meio processual impróprio - cujo meio próprio, sempre seria a ação de impugnação, o prazo de 90 dias para a sua propositura encontrava-se largamente ultrapassado;
4-Pelo que ultrapassado que estava o prazo legal para a interposição da ação, a convolação do meio processual impróprio utilizado pela recorrente “Ação administrativa especial” - no meio processual próprio - “Impugnação judicial, seria um ato inútil, proibido por lei, artigo 130.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 2.º, al. e) do CPPT;
5-Sendo manifesto o erro na forma de processo e não sendo possível a sua convolação, anulou-se todo o processado e em consequência foram os RR absolvidos da instância;
6-Termos em que deverá improceder, por não provado, o presente recurso, confirmando-se integralmente a sentença recorrida.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal foi notificado nos termos e para os efeitos do artº.146, nº.1, do C.P.T.A. (cfr.fls.140 e 141 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.99-verso e 100 dos autos - numeração nossa):
1-Com data de 19.08.2014, foi remetido ofício da IGFSS, I.P., Secção de Processo Executivo de Lisboa I, por carta registada dirigido à A., R……., com a epígrafe “resposta a pedido de análise de dívida n.º …….”, onde consta nomeadamente o seguinte:
“(…)
Serve o presente para notificar V/Exas. de que, após apreciação do pedido de análise de dívida pelo Centro Distrital competente do ISS, I.P., persiste dívida nos processos de execução fiscal.
O valor em dívida dos processos objecto de análise é de 5,156.82 € (capital, juros e custas), conforme discriminativo em anexo com a indicação dos meses que permanecem em dívida.
(…)
Mais se notifica que dispõe V. Exa. do prazo de dez dias para efectuar o pagamento integral ou, em alternativa, requerer o pagamento em prestações…
Findo o referido prazo sem que V. Exa. venha aos autos, o processo segue os ulteriores termos de penhora.
(…)
Listagem dos valores em dívida
Executado: R……….
NIF ………….
Quantia Exequenda: € 3.876,78 Juros: € 1.084,79 Custas: € 195,25 Total: € 5.156,82
(…)
(cfr.documento junto a fls.8 a 10 dos presentes autos);
2-A 22.01.2015 foi enviada por e-mail a petição inicial que deu origem à presente acção (cfr.data de envio constante do documento junto a fls.3 dos presentes autos);
3-Por ofício datado de 06.04.2015, do ISS, I.P., dirigido ao mandatário da A., com o assunto “Recurso hierárquico interposto por R…….. - trabalhador independente - Dívidas contributivas”, foi-lhe comunicado que “Em cumprimento do disposto no artigo 68.º do Código de Procedimento Administrativo, junto envio cópia do despacho de 25/03/2015, do Senhor Vice-Presidente do Conselho do Instituto da Segurança Social, I.P., que negou provimento ao recurso hierárquico interposto sobre o assunto mencionado em epígrafe” (cfr.documento junto a fls.39 dos presentes autos).
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O despacho recorrido considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante do despacho recorrido é a seguinte: “…Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório…”.
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Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou, essencialmente, em prova documental constante dos presentes autos e apenso, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa igualmente relevante para a decisão do recurso e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
4-No articulado inicial identificado no nº.2 supra, o qual é titulado como “Acção Administrativa Especial”, a A. termina pedindo que se declare nulo o acto administrativo dos RR. em que se pretende imputar à mesma a quantia de € 5.162,82, respeitante a contribuições devidas enquanto trabalhadora independente, além do mais, em virtude da prescrição das dívidas (cfr.p.i. junta a fls.4 e 5 dos presentes autos);
5-O mencionado montante de € 5.162,82 é objecto de cobrança coerciva no âmbito do processo de execução fiscal nº.…………, o qual corre seus termos no IGFSS, I.P., Secção de Processo Executivo de Lisboa I (cfr.documentos juntos no processo administrativo apenso).
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A factualidade aditada ao probatório baseou-se no teor dos documentos identificados em cada um dos números da matéria de facto.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, o despacho recorrido julgou procedente a excepção de erro na forma de processo, sem possibilidades de convolação, mais absolvendo os RR. da instância.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O apelante aduz, em síntese, que ao julgar procedente a excepção de erro na forma de processo, anulando todo o processado e absolvendo os RR. da instância, a sentença recorrida violou os princípios da legalidade, da adequação formal e da descoberta da verdade material, princípios que foram interpretados em violação dos princípios constitucionais da confiança e do acesso ao direito. Que ao não ordenar a convolação dos autos para a forma processualmente admissível, o Tribunal recorrido violou o disposto no artº.547, do C.P.C., preceito que foi interpretado em violação do artº.20, da C.R. Portuguesa e dos preceitos constitucionais da confiança, do acesso ao direito e da legalidade (cfr.conclusões 1 a 4 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O sujeito cujo direito foi alegadamente violado, pretendendo a respectiva reparação, está obrigado a escolher o tipo de acção que a lei especificamente prevê para obter a satisfação do seu pedido, sob pena de, se o não fizer, o Tribunal nem sequer tomar conhecimento da sua pretensão. Não está, assim, na disponibilidade do administrado a escolha arbitrária do tipo de acção a que pode recorrer na defesa dos seus direitos, visto que a lei, em cada caso, consagra qual o meio processual próprio para atingir aquela finalidade, o qual deve ser seguido. Nestes termos, compete ao demandante analisar a situação que se lhe apresenta e, perante ela, recorrer, dentro do prazo legal, ao meio processual que a lei disponibilizou para obter o reconhecimento do direito ou interesse em questão (cfr.artº.97, nº.2, da L.G.T.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/3/2013, proc.6415/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2013, proc.6914/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7103/13).
A análise da propriedade do meio processual empregue pela parte e da sua consequente e eventual admissibilidade legal, deve ser efectuada levando em atenção o princípio da economia processual que enforma todo o direito adjectivo (cfr.artº.130, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P. Tributário).
O erro na forma do processo consubstancia nulidade processual de conhecimento oficioso (cfr.artºs.193 e 196, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), deve ser conhecido no despacho saneador (cfr.artº.595, nº.1, al.a), do C.P.Civil) ou, não existindo este, até à sentença final (cfr.artº.200, nº.2, do C.P.Civil) e só pode ser arguido até à contestação ou neste articulado (cfr.artº.198, nº.1, do C.P.Civil), sendo que, a causa de pedir é irrelevante para efeitos de exame do eventual erro na forma do processo, para o qual apenas interessa considerar o pedido formulado pela parte. Por outro lado, a manifesta extemporaneidade do articulado em exame também constitui óbice à convolação (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 20/06/2018, rec.212/18; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/3/2013, proc.6415/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6862/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7103/13; José Lebre de Freitas e Outros, C.P.Civil anotado, Volume I, Coimbra Editora, 1999, pág.344).
No processo judicial tributário o erro na forma do processo igualmente substancia uma nulidade processual de conhecimento oficioso, consistindo a sanação na convolação para a forma de processo correcta, importando, unicamente, a anulação dos actos que não possam ser aproveitados e a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma estabelecida na lei (cfr.artº.97, nº.3, da L.G.T.; artº.98, nº.4, do C.P.P.T.; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 29/2/2012, rec.441/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/6/2012, proc.4704/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6862/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7103/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.88 e seg.).
“In casu”, conforme se retira da factualidade provada (cfr.nºs.1 e 5 do probatório), a presente acção tem por objecto acto praticado pelo IGFSS, I.P., Secção de Processo Executivo de Lisboa I, enquanto órgão de execução e no âmbito do processo de execução fiscal nº.…….. .
A forma de reacção legalmente prevista visando actos do órgão de execução e praticados no âmbito de processo de execução fiscal consiste na reclamação da decisão do órgão de execução fiscal, sendo o respectivo prazo de dez dias e tendo como termo inicial a notificação da decisão em causa (cfr.artºs.276 e 277, nº.1, do C.P.P.T.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 15/7/2009, rec.608/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/10/2013, proc.6951/13; Jorge Lopes de Sousa, Código do Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6ª. edição, IV Volume, Áreas Editora, 2011, pág.292).
O prazo para deduzir reclamação da decisão do órgão de execução fiscal é um prazo judicial, atento o disposto no artº.20, nº.2, do C.P.P.Tributário. Com efeito, o processo de execução fiscal tem natureza judicial, na sua globalidade, apesar de haver uma parte do mesmo que é processada perante órgãos da Administração Tributária (artº.103, nº.1, da L.G.T.). Tratando-se de prazo de natureza judicial, aplica-se-lhe o regime do C.P.Civil (cfr.art.20, nº.2, do C.P.P.Tributário), pelo que ele corre continuamente, mas suspende-se em férias judiciais, mais se transferindo o seu termo para o primeiro dia útil seguinte quando terminar em dia em que os Tribunais estejam encerrados ou seja concedida tolerância de ponto (cfr.artº.138, nºs.1, 2 e 3, do C.P.C.).
Revertendo ao caso dos autos, tem este Tribunal, forçosamente, que concordar com a decisão recorrida, visto se constatar a manifesta extemporaneidade do articulado inicial, como óbice à convolação.
Expliquemos porquê.
De acordo com a matéria de facto a A. foi notificada do despacho objecto da presente acção através de carta registada remetida a 19.08.2014 (cfr.nº.1 do probatório), pelo que a mesma se presume recebida em 22/08/2014. Com estes pressupostos, ao enviar a petição inicial que deu origem à presente acção em 22/01/2015 (cfr.nº.3 da factualidade provada), já se encontrava amplamente ultrapassado o examinado prazo previsto para a apresentação de reclamação nos termos do artº.276 e seguintes do C.P.P.T.
Tal convolação consubstanciaria um acto inútil, o que é proibido por lei (cfr.artº.130, do C.P.Civil, aplicável “ex vi” artº.2, al.e), do C.P.P.T.).
Contrariamente, o recorrente pugna pela convolação em processo de impugnação, sem qualquer fundamento para tal, atenta a factualidade provada.
Termos em que importa concluir pela verificação do erro na forma do processo mais não sendo possível a convolação, perante uma situação de nulidade de todo o processo, que verificada em sede liminar, determina o indeferimento da petição (cfr.artº.98, nºs.3 e 4, do C.P.P.T., artº.97, nº.3, da L.G.T., e artºs.590, nº.1, 278, nº.1, al.b), 576, nºs.1 e 2, e 577, al.b), todos do C.P.C.), ou, se já ultrapassada a fase liminar, a anulação de todo o processado, com a absolvição dos RR. da instância (cfr.artºs.278, nº.1, al.b), 576, nºs.1 e 2, e 577, al.b), todos do C.P.C.), tudo conforme bem decidiu o Tribunal “a quo”.
Resta apreciar as alegadas violações, pela decisão recorrida, do disposto no artº.547, do C.P.C., preceito que foi interpretado em violação dos princípios constitucionais da confiança, do acesso ao direito e da legalidade.
Quanto ao artº.547, do C.P.Civil, consagra este o princípio da adequação formal que compete ao juiz, o qual se deve conjugar com o seu dever de gestão processual, consagrado no artº.6, do mesmo diploma.
Nada concretizando nesse sentido o apelante, igualmente não vislumbra este Tribunal como possa a decisão recorrida ter violado o dito princípio da adequação formal, o mesmo se devendo concluir face ao princípio da descoberta da verdade material
Passemos à arguida violação dos princípios constitucionais da confiança, do acesso ao direito e da legalidade.
Encontramo-nos perante alegados vícios de inconstitucionalidade material e que buscam uma fiscalização concreta e com características oficiosas (cfr.artºs.204 e 280, nº.1, da C.R.Portuguesa; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.940 e seg.). No entanto, o que pode e deve ser objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões (cfr.artº.204, da C.R.Portuguesa; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/4/2006, proc.64561/96; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/1/2011, proc.4401/10; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 5/6/2012, proc.5445/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7164/13; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.518 e seg.).
Apesar do acabado de mencionar, avancemos para o exame dos ditos princípios constitucionais, começando pelo princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança.
O princípio constitucional da segurança jurídica e da protecção da confiança, expresso na não violação de direitos adquiridos ou frustração de expectativas legítimas, sem fundamento bastante, deve ser apreciado, em sede de tutela constitucional, enquanto emanação do princípio do Estado de Direito democrático (cfr.artºs.2 e 9, al.b), da C.R. Portuguesa; ac.T.Constitucional 1011/1996, 8/10/1996; ac.T.Constitucional 260/2010, 29/6/2010; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2014, proc.8013/14; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.204 e seg.).
Já o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva encontra consagração no artº.20, nº.1, da C.R.P., normativo constitucional que consubstancia, ele mesmo, um direito fundamental constituindo uma garantia imprescindível da protecção de direitos fundamentais e sendo, por isso, inerente à ideia de Estado de Direito. Ele é um corolário lógico do monopólio tendencial da solução dos conflitos por órgãos do Estado ou dotados de legitimação pública, da proibição da autodefesa e das exigências de paz e segurança jurídicas. O preceito reconhece vários direitos conexos mas distintos, como seja, o direito de acesso aos Tribunais, tal como a garantia de que o direito à justiça não pode ser prejudicado por insuficiência de meios económicos, e ainda o direito a um processo equitativo, o qual se densifica, além do mais, através do direito à igualdade de armas ou posições no processo, tal como do direito à prova (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 24/7/2014, proc.7793/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/4/2015, proc.6295/13; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.415 e seg.). Por sua vez, no artº.268, nº.4, da C.R.Portuguesa, é garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, e a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos. Na mesma linha, no artº.9, nº.1, da L.G.Tributária, garante-se o acesso à justiça tributária para a tutela plena e efectiva de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos. O direito a uma tutela jurisdicional efectiva consubstancia-se como o direito a obter, em prazo razoável, decisões que apreciem, com força de caso julgado, as pretensões regularmente deduzidas em juízo (isto é, as pretensões que forem apresentadas na observância dos pressupostos processuais de cujo preenchimento depende, nos termos da lei, a obtenção de uma pronúncia judicial sobre o respectivo mérito) e a possibilidade de fazer executar essas decisões (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 5/6/2012, proc.5445/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2013, proc.6309/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7104/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 24/7/2014, proc.7793/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/04/2018, proc.109/13.0BEBJA; J.J.Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.827 e seg.; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao C.P.T.A., Almedina, 3ª.edição, 2010, pág.30 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.27 e seg.).
Por último, o artº.103, da C.R.P., consagra o princípio da legalidade fiscal (principalmente os seus nºs.2 e 3), como um dos elementos estruturantes do Estado de direito constitucional. Especificamente o artº.103, nº.3, da C.R.P., reconhece, além do mais, o direito de não pagamento de impostos cuja liquidação e cobrança se não façam nas forma prescritas na lei, assim consagrando uma espécie de direito de resistência à imposição de exacções fiscais inconstitucionais ou ilegais.
Quanto ao geral princípio da legalidade, a universalidade da doutrina assinala dois corolários ao mesmo: o princípio da preeminência de lei e o princípio da reserva de lei parlamentar (cfr.artº.21, da C.R.Portuguesa; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/04/2017, proc.1198/11.8 BELRA; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.1090 e seg.).
Em sede de lei ordinária, o princípio da legalidade surge-nos, além do mais, como norteador de toda a actividade da A. Fiscal (cfr.artº.55, da L.G.T.).
“In casu”, não vislumbra este Tribunal como pode a decisão recorrida ofender os examinados princípios, em qualquer das suas dimensões, igualmente nada concretizando a tal respeito o apelante.
Arrematando, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 14 de Fevereiro de 2019



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Vital Lopes - 2º. Adjunto)