Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1100/21.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/14/2021
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:RECLAMAÇÃO,
ART. 276.º DO CPPT
Sumário:O n.º 6 do art. 180.º do CPPT regula as situações em que estamos perante créditos vencidos após a declaração de insolvência ou despacho de prosseguimento da ação de recuperação da empresa, enquanto que o n.º 5 diz respeito a dívidas anteriores a essa declaração ou despacho.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a reclamação deduzida por A..., no âmbito da Reclamação Judicial de atos do órgão de execução fiscal, contra a penhora realizada por Serviço de Finanças.

A recorrente apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões:
«
1 - Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos que julgou a reclamação parcialmente procedente, e, em consequência, procedeu a anulação do ato que determinou a penhora da pensão do Reclamante, condenando em custas a Fazenda Pública e o Reclamante na respetiva proporção.
2 — A Fazenda Pública não se conforma com tal decisão, considerando que a mesma padece de erro de julgamento em matéria de facto e matéria de direito.
3 — Considera a Fazenda Pública que a douta sentença recorrida fez uma errada qualificação jurídica dos factos, tendo enquadrado a situação dos autos nos artigos 154 n.° 3 do CPEREF e artigo 180 n.° 6 do CPPT, quando deveria ter aplicado o disposto nos n.°s 4 e 5 do artigo 180 do CPPT.
4 — Para a aplicação do disposto nos n.°s 4 e 5 do artigo 180 do CPPT é essencial apurar a data da cessação do processo de falência do Reclamante, pelo que se impõe aditar tal facto aos factos provados na douta sentença.
5 - Tal facto consta da certidão judicial junta aos autos pelo Reclamante na sua petição inicial como documento seis.
6 - Pelo que, deverá ser aditado à alínea c) dos factos provados a data da cessação do referido processo de falência.
7 - Assim, a alínea c) da matéria de facto provada deverá passar a ter a redação seguinte:
C) Em 12 de Janeiro de 2016 foi proferida sentença no âmbito do processo n.° 945/04.9TYLSB, tendo aí sido declarada a falência do Reclamante, tendo o despacho de encerramento dos referidos autos transitado em julgado em 13/07/2018. (CFR. documento n.° 6 junto com a Reclamação)
8 - A questão jurídica objeto do presente recurso prende-se com a legalidade da penhora efetuada nos autos de execução fiscal, findo o processo de falência do Executado, por dívida fiscal vencida antes da declaração de falência do Executado.
9 — Considera a douta sentença que, por força do artigo 154° n.° 3 do CPEREF, não é possível fazer prosseguir a execução fiscal contra o Falido, por dívidas vencidas anteriormente à declaração de falência, uma vez que a lei só admite execuções fiscais contra o falido por dívidas fiscais vencidas posteriormente à declaração de falência, nos termos do n.° 6 do artigo 180° do CPPT, pelo que a penhora ordenada nos autos é legalmente inadmissível, por violação das referidas disposições legais.
10 — Por seu turno, entende a Fazenda Pública que, além das situações previstas no n.° 6 do artigo 180 do CPPT, é possível fazer prosseguir execuções fiscais contra o falido, por dívidas vencidas anteriormente à declaração de falência, nos termos do artigo 180 n.° 4 e 5 do CPPT.
11 — Efetivamente, tais disposições permitem a prossecução da execução fiscal contra o falido, por créditos fiscais vencidos antes da declaração de falência, depois de findo o mesmo, quando em tal processo, a Fazenda Pública não tenha logrado obter o integral pagamento do crédito tributário, mas tal processo só poderá prosseguir relativamente a bens adquiridos posteriormente à declaração de falência, sem prejuízo das obrigações contraídas pela Fazenda Pública no âmbito do processo de recuperação, bem como sem prejuízo da prescrição.
12 - Considera assim a Fazenda Pública que o douto Tribunal recorrido cometeu erro de julgamento, ao decidir nos termos supra referidos, tendo feito um errado enquadramento legal da questão dos autos.
13 - O artigo 180° n.° 1 e 6 do CPPT e artigo 154° n.° 3 do CPEREF, referidos na douta sentença, têm sido conjugados e interpretados uniformemente na doutrina e jurisprudência como permitindo a instauração de novas execuções fiscais após a declaração de insolvência, mas apenas se forem penhorados bens não apreendidos no processo de insolvência.
Ao passo que, no caso de execuções fiscais por créditos vencidos antes da declaração de insolvência, impõem tais disposições que deverá a execução fiscal ser imediatamente sustada e avocada pelo tribunal judicial para apensação àquele processo, ao qual deverá ser enviada pelo tribunal tributário.
14 — A título de exemplo sobre tal entendimento, cita-se o acórdão STA, datado de 29/02/2012, proferido no proc. 0885/11.
15 — Todavia, o vertido em tais disposições legais não traduz o caso dos autos, uma vez que tais disposições pressupõe ou a pendência do processo de insolvência, no caso de dívidas vencidas antes da declaração de falência, ou dívidas tributárias vencidas posteriormente ao processo de falência, ao passo que, no caso dos autos, estamos perante uma dívida fiscal, vencida antes da declaração de falência, cuja prossecução dos autos executivos, e consequente penhora reclamada, ocorreu depois de cessado o processo de falência do Reclamante.
16 - Efetivamente, o Executado foi declarado falido por sentença proferida em 12 de janeiro de 2016, conforme resulta da alínea c) dos factos provados da douta sentença, tendo o despacho de encerramento dos autos de falência do Reclamante transitado em julgado em 13/07/2018, conforme resulta igualmente do documento 6 junto com a petição da reclamação, facto essencial para a boa decisão dos autos, e cujo aditamento à decisão sobre a matéria de facto supra se requereu.
17 - Por seu turno, a penhora dos autos reporta-se ao mês de novembro de 2020, conforme resulta das alíneas d) e e) dos factos provados.
18 - Pelo que, no caso dos autos, tem aplicação o disposto nos n.°s 4 e 5 do artigo 180° do CPPT, ao invés do disposto no artigo 154° n.° 3 do CPEREF, contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida.
19 - Igual entendimento é partilhado no acórdão STA de 29/02/2012, proferido no proc. 0885/11.
20 - Pelo que, poderiam, efetivamente, serem ordenadas penhoras, contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, relativamente a bens adquiridos posteriormente à declaração de falência.
21 - No caso dos autos, a pensão em causa não foi apreendida no âmbito do processo falimentar, pelo que não existe qualquer impedimento legal à sua penhora, nos termos do n.° 5 do artigo 180° do CPPT.
22 - A pensão de reforma constitui uma prestação periódica, renovável mensalmente, cujo direito o Reclamante adquire sucessivamente na data do seu vencimento.
23 - Tendo a penhora incidido sobre prestações de reforma adquiridas posteriormente à declaração de falência do Reclamante, mostra-se de acordo com as restrições impostas pelo n.° 5 do artigo 180° do CPPT.
24 - A sobredita possibilidade do prosseguimento da execução fiscal para cobrança de créditos vencidos antes da declaração de falência, constitui um regime jurídico especial relativamente aos créditos não tributários, decorrente do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários previsto no artigo 30° n.° 2 da LGT, o qual prevalece sobre qualquer legislação especial, artigo 30° n.° 3 da LGT, incluindo o regime da falência/insolvência, conforme se pode ler no Ac. TCAS de 04/02/2016, proc. n.° 09100/15.
25 - O artigo 36° n.° 3 da LGT proíbe a concessão de moratórias ou suspensão dos processos executivos, fora das situações previstas na lei, sendo essas situações fonte de responsabilidade tributária subsidiária, quando dolosas, nos termos do artigo 85° n.° 3 da LGT.
26 - Resulta, portanto, das normas ora enunciadas que, salvo casos de concessão de moratórias ou suspensões legalmente previstas, em face do interesse público subjacente à cobrança de impostos, é dever geral da administração tributária providenciar pela cobrança dos créditos tributários.
27 - Ao decidir em sentido contrário, a douta sentença violou, entre outros, os n.° 4 e 5 do artigo 180° do CPPT e n.° 3 do artigo 154° do CPEREF,
28 - Devendo, por isso, ser revogada e substituída por douto acórdão que admita o prosseguimento da execução dos autos, bem como a penhora reclamada, por ser legal.
29 - Mais requer que, admitida a penhora reclamada, ordene a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para conhecimento das demais questões suscitadas nos mesmos, cujo conhecimento ficou prejudicado pela decisão recorrida, com todas as consequências legais.
30 - Mais requer que, em virtude do valor da presente causa ser superior a €275.000,00, e nos termos do n.° 7 do art. 6.° do Regulamento das Custas Processuais, determine V.Ex.a a dispensa do pagamento da taxa de justiça aí prevista.
Termos em que, com o douto suprimento, requer a V. Exas se dignem admitir o presente recurso, julgando o mesmo procedente por provado, e, em consequência, revoguem a douta sentença recorrida, substituindo a mesma por douto acórdão que julgue legalmente possível a prossecução da execução dos autos, bem como a penhora reclamada.
Mais requer que, em virtude do valor da presente causa ser superior a €275.000,00, e nos termos do n.° 7 do art. 6.° do Regulamento das Custas Processuais, determine V.Ex.a a dispensa do pagamento da taxa de justiça aí prevista.
Assim decidindo, farão V. Ex.ªs, aliás como sempre, justiça.»

O recorrido apresentou as suas contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:
«1. Refere o recorrente que a sentença recorrida padece de erro de julgamento em matéria de facto e de direito. Erro da matéria de facto, porquanto a douta sentença teria ignorado a data de encerramento do processo de falência do Reclamante, devidamente provado, o que, na acepção da Fazenda Pública, seria determinante para aplicação do art. 180°, n° 4 e 5 do CPPT.
2. Contrariamente ao vertido nas alegações, a data de encerramento do processo de falência, é nesse caso irrelevante, porquanto o assento tónico é a data do vencimento do crédito da Fazenda Pública (2002), que no caso, ocorreu antes da declaração de falência (2016), aplicando-se por isso o art. 154°, n° 3 do CPEREF o que preclude, naturalmente, a aplicação do n° 6 do art. 180° do CPPT que tem como pressuposto o vencimento do crédito após a declaração da insolvência.
3. Como determinou Tribunal Central Administrativo Sul em Ac. de 12/2/2008, Proc. 02202/08 do -, "nestes termos, considerando que não opera a excepção prevista no n° 6 do referido preceito, conclui-se que a penhora não poderia ter sido ordenada, pelo que o despacho reclamado não se pode manter na ordem jurídica, por ter violado as referidas disposições legais, incorrendo por isso no vício de violação de lei, o que determina a sua anulabilidade."
Prosseguindo,
4. Alega a Fazenda Publica que a sentença enferma igualmente de erro quanto à matéria de direito uma vez que a penhora efetuada é legal, nos termos do n° 6 do art. 180° do CPPT. No demais que a sentença recorrida aplica de forma errada os art. 180°, n° 6 do CPPT e o art. 154°, n° 3 do CPEREF, que devem ser harmonizados, no sentido de permitir a instauração de novas execuções fiscais após a declaração de insolvência, mas apenas se forem penhorados bens não apreendidos no processo de insolvência.
5. Naturalmente, tal tese não pode prosseguir, porquanto desta forma eternizar-se- ia o processo de falência com um sem fim de execuções, contrário à natureza e ao regime jurídico do CPEREF.
6. É que, ao contrário do que se alega no recurso, o CPPT e em concreto o disposto no art. 180°, n° 6 tem de se compaginar de forma harmoniosa com os outros diplomas legais e em concreto, com o CPEREF mas também com a Lei 28/84 e especialmente com o art. 41°, n° 1.
7. A propósito do art. 41°, n° 1, citado, e que a Fazenda Pública ignorou, mas que consagra o princípio da impenhorabilidade da reforma, o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre esta questão no Acórdão n° 349/91 (1) "a pensão auferida pelo beneficiário da segurança social, tendo em conta o seu montante, reportado a um determinado momento histórico, cumpra efectivamente a função inilidível de garantia de uma - sobrevivência minimamente condigna -, do pensionista.", o que significa que o direito do credor tem de ceder perante um valor mais alto que de resto se prende com a dignidade da pessoa humana e com a expectativa de quem descontou toda uma vida de trabalho apara acautelar sobrevivência consigna na velhice.
8. Como se refere no processo Acórdão do TC Proc. n° 434/91 "A impenhorabilidade das prestações atribuídas pelas instituições de segurança social representa um sacrifício do direito do credor,"
9. Igualmente, ignora o Recorrente que existe uma sentença, transitada em julgado - da qual de resto não recorreu -, como ficou provado, que tendo conhecimento da existência e do montante da pensão de reforma de velhice do falido, desde 2015 como ficou demonstrado, determinou igualmente, face ao elevado montante das dívidas, que as mesmas seriam incobráveis e a reforma impenhorável.
10. Por último, face ao enquadramento legal que ao caso cabe, verifica-se, ao contrário do que alega o Recorrente Fazenda Publica que a penhora também não pode proceder.
Assim,
11. A norma constante do artigo 154°, n° 3 do CPEREF não admite a instauração ou prosseguimento de execuções contra o falido após a declaração de falência, essas acções (instauração e prosseguimento) são, porém, admitidas nos termos do disposto no artigo 180°, n°s 1 e 6 do CPPT, sendo que, como observa o Ac. STA, de 29/2/2012, proc. 0885/11, a situação regulada no n° 5 do referido artigo é diferente, pois o processo de falência já estará findo.
12. Com efeito, a possibilidade prevista no referido n° 5, de continuação das execuções fiscais já instauradas contra o falido ou responsáveis subsidiários ou de instauração de novas execuções fiscais, tem como pressuposto a ulterior aquisição de bens pelo falido ou pelos responsáveis subsidiários.
13. E o n° 6 do art. 180° do CPPT, tem como pressuposto que o vencimento do crédito ocorra após a declaração de falência, no caso sub judice o vencimento do crédito ocorreu em 2002, neste sentido veja-se o Acórdão do TCAS de 12/2/2008, Proc. 02202/08.
14. Como ensina JORGE LOPES DE SOUSA (2), as referidas normas devem ser harmonizadas e interpretadas do seguinte modo:
" No entanto, quanto a estes processos, apesar de aqui se referir o seu seguimento nos termos normais, deverá entender-se este seguimento em consonância com as normas do CPEREF e do CIRE, sob pena de se abrir a porta à possibilidade de se inutilizar todo o esforço de recuperação da empresa e de satisfação equilibrada dos direitos dos credores que se visa com estes processos especiais, o que seria uma solução manifestamente desacertada, atentos os fins de interesse público e social estão subjacentes àqueles", pelo que "(...) a interpretação razoável daquele n.o 6, que se compagina com a unidade do sistema jurídico, que é o elemento primacial da interpretação jurídica (artigo 9.o, n.o 1 do Código Civil), é a de que só será viável o prosseguimento dos processos de execução fiscal por créditos vencidos após a declaração de falência ou insolvência ou do despacho de prosseguimento da acção de recuperação da empresa se forem penhorados bens não apreendidos naqueles processos de falência ou recuperação ou insolvência.".
15. Ou seja, relativamente a bens obtidos depois da declaração de falência! A pensão de reforma de velhice começou a ser auferida em 2015, e a declaração de falência data de 2016, e conhecendo esse rendimento determinou ser o mesmo impenhorável.
16. Resulta assim que, tratando-se de processos de execução fiscal, para cobrança de créditos tributários vencidos anteriormente à declaração de falência - como foi o caso -, deverá a execução fiscal ser imediatamente sustada e avocada pelo tribunal judicial para apensação àquele processo (artigos 180°, n°s 1 e 2 do CPPT e 154°, n° 3 do CPEREF),
17. A declaração de falência, nos termos do art. 154°, n° 3 do CPEREF obsta à instauração ou prosseguimento de qualquer acção executiva contra o falido.
18. Em suma, a jurisprudência do STA é pacífica quanto à vaexata questio do n° 5 do art. 180° do CPPT, a pensão de reforma era auferida antes da prolação da sentença, não é um rendimento novo passível de ser apreendido, o legislador foi bem claro ao excluir esses bens de penhora, como de resto, a sentença e o despacho de encerramento do processo de falência.
19. Igualmente a jurisprudência e a doutrina, são pacíficas quanto ao facto de relativamente a créditos vencidos antes da declaração de falência, ficar precludida qualquer acção executiva, nos termos do art. 154°, n° 3 do CPEREF.
20. A pensão de reforma tem na sua génese os descontos entregues e retidos durante a vida do trabalhador e são consequentemente rendimentos antigos não susceptíveis de penhora, e por isso excepcionados no art. 41°, n° 1 da Lei 28/84, art. 41°, n° 1, uma vez que se destinam a permitir uma subsistência condigna a quem aufere uma pensão.
21. A penhora defendida e praticada pela Fazenda Pública visando a pensão de reforma por velhice do Reclamante padece igualmente de inconstitucionalidade material, por violação do art. 63.º, n.º 1, 3 e 4 da CRP, uma vez que o direito à segurança social visa protecção dos cidadãos e assegurar um rendimento estável na velhice que permita fazer face a uma existência condigna,
22. A reforma – constitucionalmente garantida – tem em linha de conta e carreira contributiva de cada cidadão a qual tem subjacente uma expectativa de garantia de rendimento futuro, sendo por isso impenhorável e sobrepondo-se a outros direitos, sacrificando desta forma o credor.
Nestes termos e nos demais de direitos que V. Exas. doutamente suprirão deve admitir- se as presentes contra-alegações, às quais deve ser dado provimento e, em consequência, manter-se a decisão da douta sentença,
Determinando a anulação do acto de penhora da pensão do Reclamante, e consequentemente,
A devolução de todas as quantias ilegalmente retidas pela Segurança Social e entregues à Fazenda Publica no âmbito do processo de execução reclamado, às quais deverão acrescer juros de mora.
Assim se fazendo a costumada Justiça.»
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O Magistrado do Ministério Público ofereceu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Com dispensa dos vistos atento o carácter urgente dos autos, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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As questões invocadas pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:
_ erro de julgamento de facto da sentença recorrida, por ser de aditar um facto à matéria assente;
_ erro de julgamento de direito por errónea aplicação do direito aos factos, na medida em que deveria ter sido aplicado o disposto no n.º 4 e 5 do art. 180.º do CPPT.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:



A) No 14 de Setembro de 2002 o processo de execução fiscal n.° 3158200201..., ao qual respeita a penhora de pensão n.° 315820201196.
(Acordo — artigo 13.º da Reclamação e 1.° da Resposta)

B) Em 28 de Agosto de 2015 o Instituto da Segurança Social, I.P., remeteu ao Reclamante deferimento do requerimento de pensão de velhice apresentado, com início em 28 de Julho de 2015 no valor de € 1.710,09.
(Cfr. documento n.° 7junto com a Reclamação)

C) Em 12 de Janeiro de 2016 foi proferida sentença no âmbito do processo n.° 945/04.9TYLSB, tendo aí sido declarada a falência do Reclamante.
(Cfr. documento n.º 6 junto com a Reclamação)

D) Em 20 de Novembro de 2020 o Instituto da Segurança Social, I.P. remeteu ao Reclamante, comunicação com o seguinte teor:
«Imagem no original»

(Cfr. documento n.°2 junto com a Reclamação)

E) Em 27 de Novembro de 2020 a Autoridade Tributária remeteu ao Reclamante, comunicação, denominada “notificação de penhora”, indicando como bem penhorado “pensões” e valor penhorado € 2.786.287,98.
(Cfr. documento n.° 4 junto com a Reclamação)

F) Nos meses de Fevereiro e Março de 2021 o Reclamante auferiu como rendimento de pensão de velhice o valor de € 1.885,09.
(Cfr. documento afls. 45 dos autos)
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Não existem factos não provados com interesse para a decisão da presente decisão.
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Motivação: A decisão sobre a matéria de facto realizou-se com base na análise do teor dos documentos constantes nos autos, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório.»

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Conforme resulta dos autos, com base na matéria de facto supra transcrita a Meritíssima Juíza do TT de Lisboa que julgou parcialmente procedente a reclamação.

Resulta da p.i. que a presente reclamação tem por objeto a ordem de penhora da pensão de reforma do Reclamante, efetuada pelo serviço de finanças de Loures – 3, dirigida ao IGFSS. Invocou que a penhora da sua pensão no valor de 431,00€ juntamente com outra efetuada no valor de 412,85€ (objeto do processo de reclamação n.º 1923/20.6BELRS) é ilegal porque:
i) Foi proferida sentença de falência já transitada em julgado, e auferindo rendimento de pensão desde 2015, não pode o SF fazer uso do disposto no art. 180.º, n.º 5, do CPPT, verificando-se uma violação do disposto no art. 205.º, n.º 2, e 3 da CRP, peticionando de igual modo a condenação do SF em litigante de má-fé;
ii) viola o disposto no art. 738.º, n.º 1 do CPC porque o Reclamante apenas recebe 956,155€, sendo certo que são impenhoráveis 2/3 do valor da pensão (1200,00€, porque o valor líquido da pensão é de 1800,00€), e neste contexto, a resposta do SF de que apenas deu indicação de penhorar 1/6 da pensão, sendo que o cálculo é da responsabilidade da entidade pagadora, a quem o reclamante deveria reenviar o pedido viola o art. 268.º, n.º 4, da CRP;

A sentença recorrida julgou improcedente a invocada litigância de má-fé, e anulou o ato que determinou a penhora da pensão do Reclamante, entendendo, em síntese, que por força do artigo 154° n.° 3 do CPEREF (ficando, implicitamente, prejudicado o conhecimento do fundamento supra referido no ponto ii), não é possível fazer prosseguir a execução fiscal contra o Falido, por dívidas vencidas anteriormente à declaração de falência, uma vez que a lei só admite execuções fiscais contra o falido por dívidas fiscais vencidas posteriormente à declaração de falência, nos termos do n.° 6 do artigo 180° do CPPT.

Invoca a Recorrente o erróneo enquadramento do caso dos autos no art. 154.º, n.º 3, do CPEREF, pois poderá o PEF prosseguir para a cobrança do que ainda se mostre em dívida, uma vez que no caso dos autos estamos perante uma dívida fiscal e um processo de execução fiscal anteriores à instauração do processo de falência, e, portanto, deveria ter aplicado o disposto nos n.°s 4 e 5 do artigo 180.º do CPPT. Neste contexto, pretende a alteração da matéria de facto com fundamento no documento n.º 6 junto com a p.i. (conclusões 1 a 7 das alegações de recurso).


Por sua vez o Reclamante, no essencial, entende que como aufere pensão de reforma desde 2015, esta é anterior à sentença que declarou a sua falência (2016), então o n.º 5 do art. 180.º do CPPT não se aplica, pois tem por pressuposto a ulterior aquisição de bens pelo falido ou pelos responsáveis subsidiários. Mais invoca que a penhora padece de inconstitucionalidade material por violação do disposto no art. 63.º, n.º 1, e 4 da CRP, pois a pensão de reforma é impenhorável nos termos do art. 41.º, n.º 1, da Lei 28/84.

Portanto, o que está em causa é aferir, antes de mais, se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao ter aplicado ao caso dos autos o disposto no n.º 6 do art. 180.º do CPPT, ou, como pugna a Recorrente Fazenda Pública, o n.º 4 e o n.º 5 daquele preceito legal.

Apreciando.

Dispõe o art. 180.º do CPPT, sob a epígrafe “Efeito do processo de recuperação da empresa e de insolvência na execução fiscal” o seguinte:

1 - Proferido o despacho judicial de prosseguimento da ação de recuperação da empresa ou declarada a insolvência, são sustados os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e todos os que de novo vierem a ser instaurados contra a mesma empresa, logo após a sua instauração.
2 - O tribunal judicial competente avoca os processos de execução fiscal pendentes, os quais são apensados ao processo de recuperação ou ao processo de insolvência, onde o Ministério Público reclama o pagamento dos respetivos créditos pelos meios aí previstos, se não estiver constituído mandatário especial.
3 - Os processos de execução fiscal, antes de remetidos ao tribunal judicial, serão contados, fazendo-se neles o cálculo dos juros de mora devidos.
4 - Os processos de execução fiscal avocados são devolvidos no prazo de oito dias, quando cesse o processo de recuperação ou logo que finde o de insolvência.
5 - Se a empresa, o insolvente ou os responsáveis subsidiários vierem a adquirir bens em qualquer altura, o processo de execução fiscal prossegue para cobrança do que se mostre em dívida à Fazenda Pública, sem prejuízo das obrigações contraídas por esta no âmbito do processo de recuperação, bem como sem prejuízo da prescrição.
6 - O disposto neste artigo não se aplica aos créditos vencidos após a declaração de insolvência ou despacho de prosseguimento da ação de recuperação da empresa, que seguirão os termos normais até à extinção da execução.”

Resulta do n.º 6 do supracitado preceito legal que este regula as situações em que estamos perante créditos vencidos após a declaração de insolvência ou despacho de prosseguimento da ação de recuperação da empresa.

Já o n.º 5 dispõe sobre o regime jurídico aplicável às situações em que se verifica o prosseguimento do processo de execução fiscal dos créditos que já se encontravam em dívida aquando a sustação do mesmo, e respetiva avocação do mesmo para serem apensados ao processo de recuperação ou ao processo de insolvência, ou seja, estamos perante créditos vencidos antes da declaração de insolvência ou despacho de prosseguimento da ação de recuperação da empresa.

Deste modo, para aplicarmos o regime do n.º 5 e do n.º 6 é indispensável saber-se com exatidão toda a tramitação do processo de execução em que foi efetuada a penhora reclamada, de modo a determinar-se se estamos perante créditos vencidos antes ou após da declaração de insolvência ou despacho de prosseguimento da ação de recuperação da empresa.

Como se sumariou no acórdão do STA de 09/03/2016, proc. n.º 0404/13 Relativamente a dívidas anteriores à declaração de falência, o processo de execução fiscal apenas poderá prosseguir nas hipóteses previstas nos n.ºs 4 e 5 do art. 180.º do CPPT, ou seja nos casos em que, findo o processo de falência, os processos de execução fiscal avocados são devolvidos no prazo de oito dias ao respectivo órgão da execução fiscal ou ao tribunal tributário, devolução que tem como finalidade a possibilidade de, em caso de o falido adquirir bens, prosseguirem os processos para cobrança do que esteja em dívida à Fazenda Pública, sem prejuízo das obrigações contratuais por esta assumidas e sem prejuízo também da prescrição da dívida exequenda.” (destaques nossos).

Por outro lado, a aplicar-se ao caso dos autos o n.º 4 e 5 do art. 180.º do CPPT importará ainda aferir o âmbito de aplicação do n.º 5, nomeadamente quanto à expressão “vierem a adquirir bens em qualquer altura”, por reporte ao caso dos autos em que está em causa a penhora da pensão de reforma do Reclamante.

É que os factos dados como provados são manifestamente insuficientes para podermos aplicar um ou outro regime previsto no art. 180.º do CPPT, e não foi remetido pelo serviço de finanças o processo de execução fiscal nos termos do disposto no n.º 5 do art. 278.º do CPPT, sendo que a Meritíssima Juíza a quo limitou-se a dar como provado um único facto nessa matéria, nomeadamente, na alínea A), o qual, por um lado, está manifestamente incompleto (para além de estar redigido com lapsos de escrita), e por outro lado, deveria ter sido dado como provado com base na tramitação do PEF, que deveria ter sido oficiosamente solicitado ao abrigo do disposto no art. 13.º do CPPT.

Na verdade, afigura-se que a sentença recorrida poderá ter errado ao aplicar ao caso dos autos o disposto no n.º 6 do art. 180.º, do CPPT e provavelmente pelo défice instrutório de que os autos enfermam que não permitiram à Meritíssima Juíza a quo ter apreendido toda a factualidade relevante. Caso assim seja, i.e., caso os créditos em discussão nos autos reportem-se créditos vencidos antes da declaração de insolvência ou despacho de prosseguimento da ação de recuperação da empresa, caindo no âmbito de aplicação do n.º 5 daquele preceito legal, importará ainda dar como provados vários factos para a aplicação deste preceito legal, aferindo-se da legalidade da continuação do processo de execução fiscal, designadamente, nada consta se o Reclamante é responsável no PEF na qualidade de executado originário ou subsidiário, a data da sustação do PEF, a data da remessa para apensação ao processo de insolvência, a posterior devolução ao SF, o prosseguimento do PEF, para além de todos os que se mostrarem relevantes para a decisão dos autos e que resultem do PEF e da demais instrução dos autos, inclusive se for necessário conhecer dos restantes fundamentos da p.i. que não foram conhecidos pela sentença recorrida, como se a pensão se encontra penhorada no âmbito de outros processos de execução fiscal, a percentagem penhorada, bem como os valores efetivamente retidos pela segurança social em execução de cada uma das penhoras, etc.

Em suma, deve a sentença ser anulada por défice instrutório, diligenciando pela junção aos autos do processo de execução fiscal, fixando-se a matéria de facto necessária à decisão das questões colocadas pelo Reclamante, conforme supra exposto, e se a isso nada mais obstar, com prolação de nova sentença.


Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)


O n.º 6 do art. 180.º do CPPT regula as situações em que estamos perante créditos vencidos após a declaração de insolvência ou despacho de prosseguimento da ação de recuperação da empresa, enquanto que o n.º 5 diz respeito a dívidas anteriores a essa declaração ou despacho.

DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção, da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em anular a sentença recorrida por défice instrutório, ordenando-se a baixa dos autos para a sua instrução e posterior prolação de nova decisão.
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Sem custas.
D.n.
Lisboa, 14 de outubro de 2021.

Cristina Flora (Relatora)

Patrícia Manuel Pires (1.ª adjunta)

Vital Lopes (2.º adjunto)


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(1) Publicado no Diário da República, II série, de 2 de dezembro de 1991
(2) Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª Edição, Vol. III, anotação 7 ao artigo 180.º. pág. 324.