Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1660/13.8BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/31/2019
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:REVERSÃO;
PRESUNÇÃO DE CULPA;
DIVISÃO DE PELOUROS;
PRESCRIÇÃO;
CAUSAS SUSPENSIVAS.
Sumário:I. A imputabilidade prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT não se circunscreve ao mero ato de pagar ou não pagar as dívidas tributárias, englobando todas as atuações do gestor conducentes à falta de pagamento do imposto.

II. Como tal, a divisão de tarefas entre gestores não desresponsabiliza, per se, aquele que não tenha diretamente a seu cargo o pelouro financeiro.
III. Tendo sido apresentada pela devedora originária impugnação judicial, no âmbito da qual foi requerido e deferido pedido de dispensa de garantia, trata-se de causa de suspensão do prazo de prescrição, que se reflete na esfera jurídica do revertido.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 29.05.2015, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a oposição apresentada por J....... (doravante Recorrido ou oponente), ao processo de execução fiscal (PEF) n.º 306……, que o Serviço de Finanças (SF) de Lisboa 1 lhe moveu, por reversão de dívidas de IRC do ano de 1999 da devedora originária E...., Lda.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a oposição deduzida no processo de execução fiscal nº306……, por dívidas de IRC, do ano de 1999, instaurado contra a originária devedora E......., NIPC 502……, onde foi efectuada a reversão contra o oponente e aqui recorrido, julgando a douta sentença de que se recorre procedente a oposição por o Oponente ter logrado demonstrar que não lhe foi imputável a falta de pagamento das dívidas tributárias, porque os poderes de gestão que lhe foram conferidos não envolviam as áreas financeira e de tesouraria, não estando na sua disponibilidade decidir pagar ou não os impostos.

B. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar­-se com o assim doutamente decidido, porquanto considera existir erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, por errada valoração dos elementos constantes dos autos de execução e deficiente análise crítica das provas que lhe cumpria conhecer, e consequente, erro na aplicação dos disposto nos art.s º 74º da LGT e 342º do CC, bem como violou o princípio da investigação plasmado no artº13º, nº1 do CPPT.

C. A questão a decidir é a de saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar que o Oponente logrou afastar a presunção (legal) de que a falta de pagamento das dívidas tributárias exequendas lhe é imputável.

D. As dívidas em causa nos presentes autos respeitam aos anos de 1999, pelo que o regime de responsabilidade subsidiária aplicável é o que decorre dos artigos 23º e 24º da LGT, cfr. Ac. TCAS de 18/12/2008, Recurso nº 02699/08

E. Tendo a reversão em apreço sido efectuada ao abrigo do disposto na alínea b), do nº1, do artigo 24º da LGT, cabia ao revertido o ónus de alegar e provar factos que permitissem demonstrar que a insuficiência do património da sociedade executada para satisfazer as dívidas em causa nos autos não se deveu a culpa sua, cfr. Ac. do TCAN de 06.04.2006, proferido no processo 00082/01.

F. Ora, a culpa aqui em causa é a prevista no artº.24, nº.1, da L.G.T., a qual deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - isto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extra-contratual (cfr.artºs.487, nº2, e 799, nº2, do C.Civil) - e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano.(..) Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável, cfr. acórdão do TCA Sul de 21.05.2015, proc. 08445/15.

G. A culpa relevante na insuficiência do património da empresa não se limita ao incumprimento da obrigação do pagamento imposto mas também a que advém do incumprimento das disposições legais destinadas à protecção dos credores, que impliquem a insuficiência do património societário.

H. Ora, no caso sub judice não bastava que o Oponente criasse a dúvida no que concerne à sua culpa pela insuficiência patrimonial da originária devedora mas impunha-se que demonstrasse que a situação de insuficiência se ficou a dever a factores exógenos, e que no exercício da gerência, usou da diligência de um bónus pater familiae, consubstanciada em actos susceptíveis de acautelar essa situação.

I. Com efeito, não resultou da factualidade alegada pelo Oponente concretizada na produção de prova produzida que a devedora originária não dispunha de fundos para pagar os impostos e que a ausência de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável, mediante prova positiva da sua actuação, designadamente que diligências que encetou com vista à manutenção da sustentabilidade da devedora originária.

J. É por demais evidente que no caso em apreço não foram respeitados estes deveres e o que se sucedeu é que na constância dessas situações de crise, o oponente não tomou as providências judiciais e extrajudiciais com vista à cobrança dos créditos em incumprimento, alheando-se da gestão e do destino da sociedade bem como dos credores.

K. Ademais, nos autos o que se encontra demonstrado, nomeadamente da audição das testemunhas, é que o Oponente se desinteressou da gestão e do destino da sociedade, bem como dos credores, tal como defende a Digna Procuradora da República acima referida, deixando a gestão da mesma “nas mãos” de outros, aceitando e acatando “planos”, independentemente dos resultados que daí adviessem, conduta totalmente reprovável e contrária à que resulta da diligência de um “bom pai de família”.

L. Ficou provado nos autos que o Oponente, além de ter assumido, no início de 1999, o cargo de Director Geral juntos das empresas participadas do Grupo C.......em Portugal, foi gerente de facto por procuração desde 24.02.1999, por mandato conferido por deliberação de 29.07.2002 e gerente de facto e de direito desde 22.12.2003.

M. Da douta sentença de que se recorre resultou que o Oponente exerceu efectivamente a gerência de facto da Originária Devedora, tendo sido apurado que tais actos de gestão foram-lhe conferidos por procuração constante dos presentes autos, a qual incluía designadamente a condução e direcção dos negócios da empresa, contratar e despedir empregados, designaras suas funções e retribuições, bem como actos bancário (..)e. Constituir e levantar depósitos em dinheiro sem qualquer limitação. Efectuar pagamentos e cobranças a qualquer título e quantidade (..).

N. Daqui resulta inequivocamente que, o Oponente possuía amplos poderes de gestão para a condução do destino da sociedade, mormente para proceder a todos os pagamentos necessários ao giro comercial, aliás passando todos os actos de gestão pelo Oponente, abrangendo todas as áreas da empresa, desde a financeira, aos recursos humanos, ficando assim demonstrado que a sua actuação enquanto gerente não se limitou às áreas comercial e de marketing.

O. Apesar do Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo ter dado como não provada a interferência do Oponente na elaboração dos planos de tesouraria, a verdade, e conforme consta da factualidade assente, é que aquele limitava-se a verificar que aquele valor que lhe era proposto pagar estava no plano de tesouraria aprovado pela casa-mãe e assinava o cheque respectivo, ou melhor dizendo, era ele que os executava atentos os poderes que lhe tinham sido conferidos por procuração, poderes que o próprio aceitou.

P. Atento o exposto, ficou devidamente demonstrado que o Oponente tinha pleno conhecimento dos planos de tesouraria e do seu conteúdo, os quais incluíam, de forma discriminada, além de outros pagamentos, os impostos a pagar, compactuando-o assim com as ordens quanto ao seu não pagamento ao executar esses planos e assim conformando-se com o incumprimento inerente, não usando da diligência de um bónus pater familae para evitar aquela situação, abstendo-se de adoptar quaisquer medidas no sentido de obviar aquela situação.

Q. Desta forma, da factualidade constante dos autos resulta, insofismavelmente, que o Oponente não logrou provar que não agiu com culpa na insuficiência do património social da executada nem na falta de pagamento das obrigações tributárias, antes pelo contrário, citando-se, a propósito, o douto aresto do Ac. TCAN de 09.03.2006, processo nº00067/01.

R. Não obstante, a falta de comprovação da actuação positiva por parte do Oponente, no tocante à instrução do processo, prescreve o artº13, nº1, do C.P.P.T., corporizando o principio do inquisitório, que enforma todo o processo tributário, que: “Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.

S. Acresce que, o princípio da investigação consagrado no artº99º, nº1 da Lei Geral Tributária e no artº13º, nº1 do CPPT, traduz o poder/dever que o Tribunal tem de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições das partes, os factos sujeitos a julgamento, criando assim as bases para decidir.

T. Em sentido idêntico defende Helena Cabrita [In “A fundamentação de facto e de direito da decisão cível”, Coimbra Editora, pág. 116.], que os poderes inquisitórios conferidos ao juiz na fase de instrução, permite-lhe realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio (artigo 411º do CPC).

U. “In casu”, atenta a factualidade assente elencada no ponto 2. Matéria de Facto. 2.1. X a BB) do probatório, para que a mesma fosse considerada assente deveria ter sido complementada com prova documental, designadamente os documentos onde eram reportadas todas as receitas à casa mãe; de que forma eram comunicadas as decisões de quais os fundos a destinar a cada uma das unidades e onde eram aplicados; os documentos onde constavam as previsões mensais de tesouraria de todas as receitas e de todas as despesas enviadas a Espanha e respectivas decisões de pagamento emanadas por Espanha e a aprovação de todos os pagamentos, e por conseguinte concluiu-se que o Tribunal “a quo” tinha necessidade de efectuar diligências complementares de prova, violando o citado princípio da investigação vigente no processo judicial tributário.

V. Com efeito, face a esta informação, incumbia, salvo o devido respeito, ao Meritíssimo Juiz – no âmbito dos poderes que lhe são conferidos nos termos do artº13, nº1, do C.P.P.T. - realizar ou ordenar todas as diligências úteis ao apuramento da verdade, designadamente solicitando os elementos de contabilidade e de expediente necessários a esclarecer devidamente o tribunal de tais factos, por os mesmos interessarem à decisão da causa.

W. Todavia, no caso de tal prova não ser feita ou se ficar a dúvida relativamente à verificação da culpa dos gestores pela falta de pagamento dos impostos cujo pagamento ou entrega devesse ter sido feito durante o período em que exerceram funções de gestão, terá de ser valorada contra o oponente, neste sentido decidiu o Tribunal Central Administrativo Norte, no seu recente Acórdão de 12.02.2015, Processo nº 00173/11.7BEPRT.

X. Neste contexto, a douta sentença padece de erro de julgamento de facto que determinou a errada aplicação do direito, entendendo a FP que a acção de oposição deveria ser considerada improcedente, por provada a culpa do Oponente na falta de pagamento da dívida bem como na insuficiência do património da sociedade.

Y. Perante este quadro, entende a Fazenda Pública que o tribunal a quo errou no seu julgamento de facto e direito, enfermando a sentença de uma errónea apreciação dos factos relevantes para a decisão e de uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço, violando o disposto no art. 24º, nº1, alínea b), 74º e 99º, nº 1, todos da LGT, art.13º nº 1 do CPPT e art.342º do CC, devendo a sentença ser revogada”.

O Recorrido não apresentou contra-alegações.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 289.º, n.º 2, do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há erro de julgamento, em virtude de o Recorrido não ter demonstrado que devedora originária não dispunha de fundos para pagar os impostos e que a ausência de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável?

b) Houve violação do princípio do inquisitório?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

A) A Administração Fiscal emitiu o documento de cobrança nº2002…….., referente a IRC do ano de 1999.

(Conforme resulta de fls. 62 da cópia do processo de execução fiscal em apenso).

B) O prazo para pagamento voluntário terminou em 13/03/2002.

C) Com base na certidão de dívida nº2002/46965, foi autuado em 03/02/2004, o processo de execução fiscal 306……., contra a executada E......., LDA., para cobrança coerciva de dívidas por IRC do exercício de 1999.

(Conforme resulta de fls. 50 a 54 da cópia do processo de execução fiscal em apenso).

D) Em junho de 2002, a E......., LDA, apresentou reclamação graciosa contra a liquidação a que se refere a alínea A).

E) A Reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 06/05/2003.

(Conforme resulta de fls. 42 da cópia do processo de execução fiscal em apenso).

F) Em 29/05/2003, a Executada impugnou judicialmente a liquidação que serviu de base à extracção do título executivo que suporta a execução contra a qual foi deduzida a presente oposição.

(Conforme resulta de fls. 57 a 64 da cópia do processo de execução fiscal em apenso).

G) A Executada foi citada no processo de execução fiscal em 10/10/2003.

(Conforme resulta de fls. 55 e 56 da cópia do processo de execução fiscal em apenso).

H) Por requerimento apresentado em 11/11/2003, a Executada requereu a suspensão do processo de execução fiscal e a dispensa da prestação de garantia.

(Conforme resulta de fls. 57 a 64 da cópia do processo de execução fiscal em apenso).

I) Resulta do auto de diligência de fls. 71 da cópia do processo de execução fiscal em apenso que, em 19/02/2004, a sede da executada se encontrava encerrada.

J) Por despacho de 17/03/2004, foi indeferido o pedido de dispensa da prestação de garantia.

(Conforme resulta de fls.72 da cópia do processo de execução fiscal em apenso).

K) Em 11/10/2005, a Executada requereu de novo a suspensão do processo de execução fiscal e a dispensa da prestação de garantia.

(Conforme resulta de fls. 83 a 87 da cópia do processo de execução fiscal em apenso).

L) Por despacho de 27/01/2006, foi deferido o pedido de suspensão da execução fiscal até à decisão da impugnação.

(Conforme resulta de fls.103 da cópia do processo de execução fiscal em apenso).

M) Por sentença deste Tribunal, transitada em julgado, prolatada no processo nº46/03 – 4ºJ/2ªS, foi julgada procedente a impugnação da liquidação adicional de IRC do ano de 1999, quanto às correções com publicidade na parte em que excede o valor de 424.276.983$00, quanto às correções a custos com material didáctico na parte em que exceda o valor 93.284.111$00, juros compensatórios no montante de € 318.811,14 e improcedente quanto ao mais.

(Conforme resulta de fls. 109 a 117 da cópia do processo de execução fiscal em apenso).

N) Em 07/08/2012, foi proferido o projeto de despacho de reversão da execução contra o Oponente na qualidade de responsável subsidiário.

(Conforme resulta de fls. 137 e 138 da cópia do processo de execução fiscal em apenso).

O) Em 10/08/2012, foi expedida ao Oponente carta registada para notificação do projeto de despacho de reversão da execução e exercício do direito de audição.

(Conforme resulta de fls. 149 e 150 da cópia do processo de execução fiscal em apenso).

P) Em 02/04/2003, foi proferido despacho de reversão da execução fiscal contra o Oponente, que constitui fls. 235 a 239 da cópia do processo de execução fiscal em apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

Q) Considerou a Administração Fiscal despacho de reversão a que se refere a alínea anterior:

«(…)

Relativamente ao executado E…….. LDA foi determinado por despacho de 07/08/2012 a preparação para reversão considerando a insuficiência/inexistência de bens penhoráveis e relativamente às dívidas constantes da listagem em anexo cujos períodos e datas limite de pagamento nela constam.

(…)

Foram ainda remetidas notificações para audição prévia através de carta registada que não foram rececionadas pelos contribuintes L……., NIF 18….. e a J….., NIF 22…...

(…)

De acordo com a certidão emitida pelo Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa junta aos autos pelos notificados foi conferida por estes uma procuração em 24/02/1999 a J….. com poderes para assegurar a gestão da sociedade executada. A renúncia dos notificados data de 02/07/2002. Verifica-se assim que durante o período da dívida (1999) os notificados foram durante um período de 01/01/1999 a 24/02/1999 os únicos gerentes e a partir dessa data juntou-se-lhes o citado J……. Mais diz o documento em questão que da prova carreada para os autos não resultam indícios quo os notificados tenham exercido funções de gerência efetiva da sociedade.

Relativamente ao ano de 2000 (ano em que era devido a entrega da modelo 22 de IRC e o pagamento normal do imposto) mantêm -se como gerentes os acima citados. Quanto à data limite de pagamento da liquidação em causa (13/03/2002) mantinham-se como gerentes os notificados, J.......assim como G......., NIF 23…..e J…….

A liquidação em causa a que coube o n°83…… foi sujeita a reclamação graciosa (apresentada em 01/06/2002) e impugnação judicial (apresentada em 29/05/2003) por parte da executada (a primeira totalmente indeferida e esta última parcialmente procedente). Esta liquidação adicional nasce de correções efetuadas pelos Serviços de Inspeção em custos de publicidade e material didático assim como correção à variação patrimonial positiva.

Relativamente à caducidade do direito à ‘liquidação e já no âmbito da impugnação tinha sido posta tal questão, cabe dizer que a sociedade executada exerceu o direito de audição prévia aquando da notificação do projeto de relatório. Mais se dirá que a questão se colocou porque a executada entendia que a correção relativa à variação patrimonial positiva afetava proveitos relativos a 1995 e não a 1999. Pelo exposto, considerando que a executada teve conhecimento da liquidação, dos seus fundamentos de facto e de direito (que pôs em causa) e considerando a falência do arguido em sede de impugnação, verificando-se facilmente que a liquidação adicional ao ano de 1999 emitida, notificada e com data limite de pagamento em 2002 não se encontra ferida de caducidade. As correções em sede de deferimento parcial da impugnação judicial versaram os custos com publicidade e material didático assim como juros compensatórios e encontram-se refletidas no valor atual em dívida.

No que concerne à prescrição e considerando o prazo geral de oito anos com início de contagem a partir do termo do ano em que o facto tributário ocorreu (01/01/2000) a data normal de prescrição terminaria em 02/01/2008. No entanto o executado apresentou reclamação graciosa em 01/06/2002 e instaurada em 11/06/2002 ave interrompeu a prescrição fazendo avançar tal data de prescrição para 02/06/2010, No entanto importa referir que a reclamação graciosa e a impugnação judicial são também motivos de suspensão e que a decisão desta última data de 27/07/2011 com trânsito em julgado registada 15/09/2011 assim como existia suspensão com isenção de prestação de garantia desde 27/01/2006 aumentado a prescrição por mais quatro anos.

Quanto aos eventuais responsáveis subsidiários e considerando que a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efetuada após o 5° ano posterior ao da liquidação — verificando-se que a liquidação data de 2002 (encontrando-se ultrapassado o 5º ano posterior) cabe calcular a prescrição do processo sem o referido efeito interruptivo, assim considerando o prazo geral de oito anos com início de contagem a partir do termo do ano em que o facto tributário ocorreu (01/01/2000) a dato normal de prescrição terminaria em 02/01/2008. A existência de reclamação graciosa (apresentada em 01/06/2002 e instaurada em 11/06/2002 e posterior impugnação (sentença datada de 27/07/2011, acrescendo ainda o prazo para trânsito em julgado que terminou em 15/09/2011) são motivos de suspensão. Foi ainda no âmbito da execução fiscal deferida a suspensão com isenção de prestação de garantia — despacho datado de 27/01/2006. Apenas contabilizando o prazo em que existia contencioso e despacho a conceder isenção da prestação de garantia até à data do trânsito em julgado verifica-se que a prescrição só ocorreria em 19/08/2013. Pelo exposto também não se verifica a prescrição quanto aos eventuais revertidos apesar de se verificar o efeito previsto no nº3 do artigo 48° da Lei Geral Tributária.

Quanto aos contribuintes L….., NIF 18….. e a J….., NIF 22….1 cabe dizer que, quanto ao primeiro não consta nem se comprova; por outros meios que fosse gerente de facto ou de direito nos períodos de nascimento da divida ou do seu pagamento. Quanto ao segundo, deverá a presente reversão prosseguir, considerando a análise dos dados existentes nos autos. (…)»

R) O Oponente foi citado em 10/04/2013, por carta registada com aviso de receção.

(Conforme resulta de fls. 231 a 234-A da cópia do processo de execução fiscal em apenso).

S) A petição inicial da presente oposição foi apresentada em 09/05/2013.

(Conforme resulta do registo de fls. 51).

T) Em apreciação da douta petição inicial foi elaborada a informação de fls. 52 a 55, que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos e donde resulta com interesse para a decisão:

«(…)

Prescrição da divida exequenda

• No que concerne à prescrição e considerando o prazo geral de oito anos com início de contagem a partir do termo do ano em que o facto tributário ocorreu (01/01/2000) a data normal de prescrição terminaria em 02/01/2008.• No entanto o executado apresentou reclamação graciosa em 01/06/2002 e instaurada em 11/06/2002 que interrompeu a prescrição fazendo avançar tal data de prescrição para 02/06/2010.

•Importa referir que a reclamação graciosa e a impugnação judicial são também motivos de suspensão e que a decisão desta última data de 27/07/2011 com trânsito em julgado registado a 15/09/2011 assim como existia suspensão com isenção de prestação de garantia desde 27/01/2006 aumentado a prescrição por mais quatro anos.

• Quanto ao responsável subsidiário! oponente e considerando que a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efetuada após o 5° ano posterior ao da liquidação — verificando-se que a liquidação data de 2002 (encontrando-se ultrapassado o 5° ano posterior) cabe calcular a prescrição do processo sem o referido efeito interruptivo, assim considerando o prazo geral de oito anos com início de contagem a partir do termo do ano em que o facto tributário ocorreu (01/01/2000) a data normal de prescrição terminaria em 02/01/2008.

• Assim sendo, apenas os factos suspensivos aproveitam ao responsável subsidiário no caso em apreço a existência de reclamação graciosa (apresentada em 01/06/2002 e instaurada em 11/06/2002) e posterior impugnação (sentença datada de 27/07/2011, acrescendo ainda o prazo para trânsito em julgado que terminou em 15/09/2011) são motivos de suspensão. Foi ainda no âmbito da execução fiscal deferida a suspensão com isenção de prestação de garantia — despacho datado de 27/01/2006, (fls. 103). Apenas contabilizando o prazo em que existia contencioso e despacho a conceder isenção da prestação de garantia até à data do trânsito em julgado verifica-se que a prescrição só ocorreria em 19/08/2013. Pelo exposto também não se verifica a prescrição quanto ao revertido/oponente apesar de se verificar o efeito previsto no n° 3 do artigo 48° da Lei Geral Tributária.

Inexistência de responsabilidade subsidiária por parte do oponente

•A 13/09/1989 foi inscrita a sociedade devedora cujos únicos gerentes eram M…… e F…... De acordo com a certidão emitida pelo Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa junta aos autos pelos notificados foi conferida por estes uma procuração em 24/02….. a J.......com poderes para assegurar a gestão da sociedade executada (fls.210 a 211). Relativamente ao ano de 2000 (ano em que era devido a entrega da modelo 22 de IRC e o pagamento normal do imposto) mantêm-se como gerentes os acima citados. Quanto à data limite de pagamento da liquidação em causa (13/03/2002) mantinham -se como gerente M.......e F.......assim como, J.......

A renúncia de M.......e F.......data de 02/07/2002. Verifica-se assim que durante o período da dívida (1999) até pelo menos 15 de abril de 2004, o oponente exerceu continuadamente as funções de gerente efetivo, primeiro na qualidade de procurador, posteriormente como gerente designado pelos sócios respetivos assegurando durante esse período, a gestão dos negócios da devedora originária E……., Lda., cabendo-lhe a decisão sobre a respetiva condução, atuando no nome e no interesse da mesma.

• É gerente efetivo aquele que exterioriza a vontade social perante estranhos, quer obrigando a empresa quer realizando negócios.

• Em 22-1 1-2000, 23-04-1999 e 06-10-1999, o oponente, através da assinatura de vários contratos de aquisição de serviços junto da entidade T….. (fls. 241) e T…. (fls. 245 a 250) vinculou a sociedade originária devedora dos autos, pelo que se encontra provada a gerência de facto. (…)»

U) Sobre a informação a que se refere a alínea anterior recaiu o despacho que manteve o reversão e ordenou a remessa dos autos a tribunal.

(Conforme resulta de fls. 56).

V) Por procuração de 29/07/2002 a Originária Devedora constituiu o Oponente seu bastante procurador com os poderes que constam enumerados a fls.134 a 136, que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos.

W) A Originária Devedora obrigava-se com a assinatura de dois gerentes.

(Conforme resulta do fls. 197).

X) O G……, a partir de 1999, implementara uma gestão centralizada, a partir de Barcelona, da tesouraria das sociedades que o integravam.

(Conforme resulta do depoimentos das testemunhas).

Y) Todas as unidades de negócio do grupo tinham que reportar todas as suas receitas à casa-mãe e era a partir desta que eram tomadas as decisões de quais os fundos a destinar a cada das unidades e onde eram aplicados.

(Conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).

Z) Em matéria de gestão de tesouraria, era feita mensalmente um uma previsão de tesouraria de todas as receitas e de todas as despesas, que era enviada a Espanha de onde emanavam as decisões de pagar ou não pagar.

(Conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).

AA) Todos os pagamentos tinham que ser aprovados em Espanha embora a formalização fosse do Oponente por procuração.

(Conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).

BB) O Oponente tinha autonomia para proceder ao pagamento dos salários dos trabalhadores, depois de autorizados por Espanha.

(Conforme resulta dos depoimentos das testemunhas).

CC) Por sentença proferida no processo criminal com o nº327/05.5IDLSB, foi o Oponente absolvido da prática do crime do abuso de confiança fiscal.

(Conforme resulta da sentença de fls. 36 a 50).

DD) Resulta da sentença a que se refere a alínea anterior quanto à matéria de facto provada, com interesse para a decisão:

«2. O segundo arguido foi, por procuração que lhe foi conferida em 24 de fevereiro de 1999 pelos sócios-gerentes da primeira arguida, F.......e M……, constituído mandatário desta, com poderes para assegurar a gestão da mesma e dirigir os respetivos negócios.

3. Tal mandato foi renovado por procuração de 29 de julho de 2002.

4. Mais tarde, o segundo arguido viria a adquirir as quotas dos referidos sócios-gerentes, F.......e M…….

5. Na sequência da aquisição de tais quotas, o segundo arguido vida a ser nomeado gerente da sociedade arguida, por deliberação de 0512.2003.»

EE) Da “Motivação” da sentença referida extrai-se com interesse para a decisão:

«Da conjugação de toda a prova produzida resultou que o arguido, tal como de outras pessoas ligadas à sociedade arguida, tinham conhecimento das dificuldades financeiras desta, nomeadamente das dívidas ao Estado. Todavia, de tal prova não se deriva, ou pelo menos não se conclui acima de qualquer dúvida (razoável) que o arguido geria de facto a sociedade arguida, mas antes que o mesmo tinha poderes limitados na definição de prioridades designadamente ao nível dos pagamentos, os quais de resto estavam a cargo do diretor financeiro que não teve quaisquer hesitações em afirmar que recebia ordens de Espanha em relação à gestão dos dinheiros e que as ordens que havia, em face da crise económica que se instalou, era de não dar prioridade aos pagamentos de impostos, deixando claro que em tal decisão não havia qualquer intervenção do arguido, nem este tinha poderes para tomar decisão contrária”.

Diante deste depoimento e de outros que já acima se transcreveram na sua parte essencial que corroboraram as declarações do arguido, fica ao tribunal pelo menos a dúvida que estivesse ao alcance do arguido tomar a decisão de pagar os impostos que sabia serem devidos e que tivesse tido a intenção de não os entregar, não sendo, face à prova produzida, a circunstância de o arguido ter amplos poderes que lhe foram conferidos pela procuração de fls. 206-208 e/ou a sua posterior qualidade de sócio, suficientes para concluir que o mesmo gere de facto a sociedade, resultando mesmo o contrário, pois todas as testemunhas com conhecimento sobre a orgânica e dinâmica da empresa referiram que quem tomava as decisões nomeadamente relacionadas com a gestão da tesouraria era Espanha, sobretudo o sócio gerente J…….

Se é certo que, em empresas de alguma dimensão, como a sociedade arguida em causa, as regras da experiência comum ensinam, que certos poderes são sempre delegados em pessoas de confiança, economistas, gestores ou outros e que a posição do arguido lhe daria certos poderes e que fica alguma estranheza em relação ao conteúdo das funções que exercia e que parecem muito “esvaziadas” para um diretor geral, a verdade é que ante a prova produzida fica ao tribunal a dúvida séria de que o arguido tivesse qualquer poder de decisão em matérias de pagamentos de impostos, na medida em que foi confirmado de forma consistente por testemunhas que tinham conhecimentos diretos do funcionamento da empresa, como acima se viu, que a definição das prioridades de pagamentos era feita por um “comité” de tesouraria, centralizado em Espanha e controlado por J......., deixando claro que em matérias importantes ou da área financeira a posição do arguido, como diretor geral, não tinha peso, pelo que não deixa de ser plausível a versão do arguido confirmada na sua globalidade pela demais prova testemunhal”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Inexistem factos invocados que devam considerar-se não provados”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto:

- quanto às alíneas A) a VV) e CC) a EE) resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

- quanto às alíneas X) a BB) resultou dos depoimentos das testemunhas inquiridas.

A testemunha L….., ligado à gestão da tesouraria dom Grupo C….. em Portugal demonstrou conhecer o processo de elaboração dos planos de tesouraria, a sua aprovação e a sua execução.

A testemunha M….., ligada à área de marketing de uma outra empresa do grupo acompanhou a atividade do Oponente no período em referência”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda­-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II.A., em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração(1).

Nesse seguimento, é a seguinte a redação do facto que se identifica, por referência à sua enumeração por letras efetuada em 1.ª instância:

M) Por sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, transitada em julgado a 15.09.2011, prolatada no processo nº46/03 – 4ºJ/2ªS, foi julgada procedente a impugnação da liquidação adicional de IRC do ano de 1999, quanto às correções com publicidade na parte em que excede o valor de 424.276.983$00, quanto às correções a custos com material didático na parte em que exceda o valor 93.284.111$00, juros compensatórios no montante de € 318.811,14 e improcedente quanto ao mais.

(cfr. fls. 108 a 117 da cópia do processo de execução fiscal em apenso).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, uma vez que, em seu entender, não foi ilidida a presunção de culpa que impende sobre o Recorrido.

Vejamos.

In casu, a dívida revertida respeita ao exercício de 1999.

No que concerne à responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores de sociedades pelas dívidas tributárias, somos remetidos para o art.º 24.º, n.º 1, da LGT, nos termos do qual:

“1. Os administradores (…) e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.

À semelhança do que já decorria do art.º 13.º do CPT, o art.º 24.º, n.º 1, da LGT determina que a simples gestão de facto é suficiente para acionar a responsabilidade em causa, não sendo, por outro lado, suficiente a mera gerência ou administração de direito.

O art.º 24.º da LGT demarca duas situações, nas duas alíneas do seu n.º 1.

A primeira, correspondente à sua al. a), refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do facto tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torná-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efetiva — culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no art.º 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que cabe à administração tributária (AT) alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores.

A segunda, constante da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, refere­-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária. No art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor. Assim, atentando na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, o momento relevante a considerar é o do termo do prazo para pagamento voluntário.

In casu, o despacho de reversão proferido foi-o ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT [cfr. factos P) a R)], ou seja, considerando os potenciais responsáveis à data do término do prazo para pagamento voluntário.

Como se referiu anteriormente, o regime da responsabilidade tributária tem subjacente o exercício efetivo de funções por parte do gestor. In casu, o Tribunal a quo decidiu no sentido de o Recorrido ter exercido tais funções de facto, o que não foi objeto de reação, pelo que a decisão proferida, nessa parte, se consolidou na ordem jurídica.

A questão controvertida coloca-se, sim, na circunstância de o Recorrido ter ou não ilidido a presunção de culpa constante da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT.

Esta presunção deriva da consagração do dever de boa prática tributária, constante do art.º 32.º da LGT, que prevê “... um especial dever de diligência no cumprimento dos deveres tributários [das pessoas colectivas] (...) — dever de diligência que se presume violado caso tais deveres tributários não sejam cumpridos”(2). Trata-se de uma presunção ilidível, cabendo ao gestor revertido o ónus de a ilidir.

In casu, o Tribunal a quo considerou ter sido ilidida tal presunção, na medida em que ficou provado que as decisões atinentes à área financeira e de tesouraria não estavam na disponibilidade do Recorrido, cujos poderes não abrangiam tais áreas. Entendeu, pois, que, tendo ficado provada essa divisão de pelouros, estava afastada a culpa do Recorrido, por não ser ele o responsável pelos pagamentos de impostos.

Desde já se adiante que não se acompanha este entendimento.

Vejamos então.

A al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT pretende chamar à responsabilidade os gestores a quem seja imputável a falta de pagamento das dívidas tributárias.

Esta imputabilidade não se circunscreve ao mero ato de pagar ou não pagar tais dívidas, englobando todas as atuações conducentes à falta de pagamento do imposto.

Com efeito, integram a norma constante da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT tanto as situações em que o gestor, em funções no momento em que terminou o prazo de entrega ou pagamento, não pagou das dívidas, apesar de ter a devedora originária ter meios para tal, como as situações em que o gestor atuou de forma a que no referido momento no património societário não existissem bens para responder pelos débitos em causa, impossibilitando o pagamento.

Daqui decorre que a divisão de tarefas entre gestores não desresponsabiliza, per se, aquele que não tenha diretamente a seu cargo o pelouro financeiro(3), porquanto a imputação da falta de pagamento extravasa o simples ato de pagar, nos termos a que nos referimos. Assim, se o gestor atuou, por ação ou omissão, de modo a contribuir para o depauperamento do património da sociedade, conduzindo a uma situação de impossibilidade de pagamento de dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, o mesmo é responsável nos termos consignados na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º, porquanto a sua atuação conduziu à falta de pagamento, independentemente de ser ou não do seu pelouro a ordem de pagamento dos impostos.

Assim, e sendo certo que o êxito na gestão ou a falta dele não se confunde com a culpa, para efeitos de cumprimento do dever de diligência de um gestor criterioso e ordenado, para que seja afastada a presunção de culpa prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º seria necessário demonstrar que, no caso em concreto, as opções de gestão do Recorrido foram as mais adequadas, de acordo com padrões de diligência de um gestor médio, não tendo a sua conduta contribuído, de modo algum, para a situação de falta de pagamento da dívida tributária.

Portanto, ainda que o Recorrido não tivesse poderes específicos no sentido de decidir ordens de pagamento de dívida, caber-lhe-ia demonstrar que não teve culpa em termos de condução da devedora originária a uma situação que redundou na falta de pagamento das suas dívidas tributárias, face aos padrões de gestão média (cfr. art.º 64.º do Código das Sociedades Comerciais).

Ora, nada disso resultou provado nem sequer alegado, na medida em que tudo se centrou na mencionada divisão de tarefas e no que, a esse respeito, foi decidido em sede de processo crime, no qual foi justamente apreciada a questão da divisão de poderes e da determinação de quem tinha o poder de decidir pagar impostos. Ou seja, centrou-se o Recorrido nessa divisão de tarefas, não alegando nem demonstrando que a sua atuação não foi de molde a conduzir à falta de pagamento das dívidas tributárias.

Ora, considerando o exposto, o Recorrido, ao contrário do que era o seu ónus, não logrou afastar a presunção prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT.

Como tal, assiste razão à Recorrente nesta parte, resultando, em consequência, prejudicada a apreciação da alegada violação do princípio do inquisitório.

III.B. Da prescrição

Atento o exposto em III.A. e considerando que o Tribunal a quo não apreciou a prescrição, alegada na petição inicial, e uma vez que se dispõe de todos os elementos necessários, passa-se ao seu conhecimento em substituição (art.º 665.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT).

Alegou o oponente, ora Recorrido, que, sendo aplicável o prazo de 8 anos previsto no art.º 48.º, n.º 1, da LGT, a prescrição, quanto a si, ocorreu a 01.01.2008.

Vejamos.

Em causa, como já referimos, está dívida exequenda relativa a IRC de 1999.

Assim, à data da ocorrência do facto tributário estava em vigor a Lei Geral Tributária, aprovada pelo DL n.º 398/98, de 17 de dezembro, cujo prazo de prescrição é de oito anos, como decorre do seu art.º 48.º, n.º 1.

Uma vez que estamos perante um imposto periódico, relativo ao exercício de 1999, o prazo de prescrição conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário. Assim, caso não tenham ocorrido quaisquer causas de interrupção ou suspensão, o prazo de prescrição completar-se-ia 8 anos depois.

Há que, então, verificar se ocorreram causas de suspensão ou interrupção deste prazo (cfr. art.º 49.º da LGT).

Desde já se refira que, para se verificar qual a lei aplicável, há que considerar a redação em vigor à data da ocorrência da causa interruptiva ou suspensiva(4).

Com efeito, nos termos do art.º 12, n.º 2, do Código Civil:

“Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor” (sublinhado nosso).

Como refere Baptista Machado(5) , “… o art.º 12.º, n.º 2 [do Código Civil], distingue dois tipos de leis ou de normas: aquelas que dispõem sobre os requisitos de validade (…) (1.ª parte) e aquelas que dispõem sobre o conteúdo de certas situações jurídicas e o modelam sem olhar aos factos a que tais situações deram origem (2.ª parte). As primeiras só se aplicam a factos novos, ao passo que as segundas se aplicam a relações jurídicas (…) constituídas antes da [lei nova] (…) mas subsistentes ou em curso à data da sua [entrada em vigor]…”.

Por outro lado, e uma vez que estamos perante uma situação de reversão, há que atentar, de um lado, no disposto no art.º 48.º, n.º 2, da LGT, nos termos do qual “[a]s causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários” e, de outro, ao n.º 3 do mesmo art.º 48.º, segundo o qual “[a] interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efetuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação”.

Começando pelas causas de suspensão, há que atender ao então n.º 3 do art.º 49.º da LGT, segundo o qual o prazo de prescrição se suspende por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso.

Assim, em casos em que haja paragem do processo de execução fiscal pelos motivos indicados, suspende-se a contagem do prazo de prescrição.

Concretamente nos casos de reclamação ou impugnação, as mesmas acarretam a paragem do PEF caso tenha sido constituída garantia, tenham sido penhorados bens suficientes para pagamento da dívida exequenda e do acrescido (cfr. art.ºs 169.º e 199.º do CPPT) ou tenha havido decisão no sentido da dispensa de prestação de garantia (cfr. art.º 52.º da LGT e art.º 170.º do CPPT, sendo que, à época, a dispensa de garantia não tinha limite de prazo)(6).

Assim, aplicando estes conceitos ao caso dos autos, como resulta da matéria de facto assente, foram apresentadas, relativamente à liquidação que consubstancia a dívida exequenda, reclamação graciosa [cfr. factos D) e E)] e impugnação judicial [cfr. facto F)].

Se em relação à reclamação graciosa nada consta dos autos, no sentido de existir alguma situação passível de suspender o PEF e, por esta via, implicar suspensão do prazo de prescrição, o mesmo não sucede com a impugnação judicial.

Com efeito, como resulta da factualidade provada, a devedora originária requereu a suspensão do PEF e a dispensa de prestação de garantia [cfr. factos H) e K)], o que veio a ser deferido por despacho de 27.01.2006 [cfr. facto L)].

Como tal, com a dispensa de prestação de garantia, suspendeu-se a contagem do prazo de prescrição, situação que se manteve até 15.09.2011, altura em que transitou em julgado a sentença proferida em sede de impugnação judicial(7). Ou seja, o prazo de prescrição esteve suspenso durante cerca de 5 anos e meio (sendo perfeitamente irrelevante, a este respeito, o facto de no despacho de reversão, onde também foi apreciada a prescrição, se referir que o prazo esteve suspenso 4 anos, tratando-se de mero erro de cálculo, aferível pela análise das datas ali constantes e que estão corretas).

Portanto, nesse momento, o prazo de prescrição retomou a contagem, considerando os 6 anos e 27 dias já decorridos até ao momento em que foi deferido o pedido de dispensa de prestação de garantia.

Assim, a 15.09.2011 restavam ainda quase 2 anos até se completar o prazo de prescrição.

Não existindo mais nenhuma causa de suspensão, cumpre aferir da existência de causas de interrupção.

Cumpre, antes de mais, atentar na redação do art.º 49.º da LGT, anterior e posterior a 2007, considerando a redação dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro.

Assim, dispunha o art.º 49.º, da LGT, na redação anterior à que lhe foi dada pela referida Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro:

“1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.

2 - A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação”.

Com a alteração decorrente da referida Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, da mencionada disposição legal passou a constar o seguinte:

“1 - A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.

2 – (Revogado)

3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar”.

A este propósito, há que ter em consideração o disposto no art.º 91.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, nos termos do qual “[a] revogação do n.º 2 do artigo 49.º da LGT aplica-se a todos os prazos de prescrição em curso, objeto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo”.

Assim, se até 2007 a LGT previa a possibilidade de sobreposição de vários efeitos interruptivos, tal situação deixou de estar consagrada, como decorre do atual n.º 3 do art.º 49.º da LGT(8).

Feito este enquadramento, cumpre desde já salientar que não são de relevar as causas de interrupção da prescrição relativas à devedora originária, atento o disposto no n.º 3 do art.º 48.º da LGT(9).

Com efeito, uma vez que, in casu, o Recorrido foi citado a 10.04.2013 [cfr. facto R)], foi­-o muito depois do 5.º ano posterior ao da liquidação [que foi emitida em 2002 – cfr. factos A) e B)], pelo que as eventuais causas de interrupção que tenham ocorrido relativas à devedora originária não produzem efeito quanto ao Recorrido.

Como tal, há que atentar apenas nas causas de interrupção exclusivamente respeitantes ao Recorrido.

Considerando o disposto no n.º 1 do art.º 49.º da LGT a primeira e única causa de interrupção do prazo de prescrição que se verificou relativamente ao Recorrido foi a sua citação, facto que tem eficácia interruptiva própria(10) e que, in casu, como referimos, ocorreu a 10.04.2013 [cfr. facto R)], ou seja, em momento anterior ao decurso do prazo de 8 anos de prescrição.

Como mencionado supra, por força da suspensão do prazo de prescrição, resultante da impugnação e do deferimento do pedido de dispensa da prestação de garantia, o prazo de prescrição esteve suspenso durante mais de 5 anos, entre janeiro de 2006 e setembro de 2011, tendo retomado a sua contagem a 15.09.2011, quando faltava cerca de 2 anos para se completar. Ou seja, o prazo de prescrição completar-se-ia em agosto de 2013. Tendo sido o Recorrido citado em abril de 2013, foi-o antes de decorrido o prazo de prescrição na sua totalidade, interrompendo o seu decurso.

Esta causa de interrupção, única a considerar, atendendo ao n.º 3 do art.º 49.º da LGT, tem o efeito de instantâneo de inutilização de todo o tempo decorrido anteriormente, mas tem ainda o efeito duradouro de paralisação do decurso do prazo, enquanto não houver termo do processo, dado decorrer da citação(11).

Como tal, mantendo-se o efeito duradouro decorrente do facto interruptivo em causa, não se encontra prescrita a dívida exequenda, improcedendo o alegado pelo Oponente.

Nos termos do art.º 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

Em sede de oposição, é, em 1.ª instância, aplicável a Tabela II do RCP, cuja previsão implica o pagamento de uma taxa de justiça fixa, apenas condicionada por dois intervalos (valor até 30.000,00 Eur. e valor superior a 30.000,00 Eur.), com a consequente não aplicação do mencionado art.º 6.º, n.º 7. Não obstante, em sede de recurso, é aplicável a Tabela I-B do RCP, motivo pelo qual há que atentar ao referido art.º 6.º, n.º 7.

In casu, atentas as questões em apreciação e a conduta processual das partes, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida;

b) Em substituição, julgar improcedente a oposição apresentada e, em consequência, determinar o prosseguimento dos autos de execução fiscal n.º 3069200401004611, nos seus normais termos;

c) Custas pelo Recorrido, em ambas as instâncias, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça na presente instância, na parte em que exceda os 275.000,00 Eur.;

d) Registe e notifique.


Lisboa, 31 de outubro de 2019

(Tânia Meireles da Cunha)

(Cristina Flora)

(Patrícia Manuel Pires)


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(1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.
(2) Isabel Marques da Silva, «A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais», Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, p. 132.
(3)Cfr., a este respeito, os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 27.02.2007 (Processo: 00785/05) e de 19.11.2015 (Processo: 05690/12).
(4)V., v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 10.12.2014 (Processo: 0341/12), de 24.09.2014 (Processo: 0935/14) e de 09.04.2014 (Processo: 0367/14).
(5)Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1994, p. 233.
(6) V., a esse respeito, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.10.2016 (Processo: 0935/16) e de 30.03.2011 (Processo: 0235/11). Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, 2.ª Ed., Áreas Editoria, Lisboa, 2010, p. 53.
(7) Cfr. a este propósito o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 08.05.2013 (Processo: 0629/13).
(8) Cfr. a este respeito Jorge Lopes de Sousa, Sobre a prescrição da obrigação tributária, 2.ª edição, Áreas Editora, Lisboa, 2010, pp. 73, 78 e 79.
(9) V., exemplificativamente, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 06.03.2014 (Processo: 0601/13) e de 15.01.2014 (Processo: 01670/13). V. igualmente Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado, Vol. III, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, pp. 265 e 266.
(10) V., a título exemplificativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 25.10.2017 (Processo: 0537/17), de 08.02.2017 (Processo: 0248/14), de 18.01.2017 (Processo: 0895/14), de 27.06.2012 (Processo: 0145/12).
(11) V., a título exemplificativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 10.01.2018 (Processo: 01360/17) e de 06.12.2017 (Processo: 01300/17).