Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05979/12
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:11/27/2012
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:CONCEITO DE GERÊNCIA E DE ACTOS DE GERÊNCIA.
O GERENTE GOZA DE PODERES REPRESENTATIVOS E DE PODERES ADMINISTRATIVOS FACE À SOCIEDADE.
REGIME DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA CONSTANTE DO ARTº.13, Nº.1, DO C. P. TRIBUTÁRIO.
REGIME DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA PREVISTO NO ARTº.24, Nº.1, DA L.G.TRIBUTÁRIA.
ÓNUS DA PROVA DO EFECTIVO EXERCÍCIO DA GERÊNCIA/ADMINISTRAÇÃO COMPETE À A. FISCAL.
REGIME DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA PREVISTO NOS ARTºS.112, Nº.1, DA L.G.T., E 8, Nº.1, DO R.G.I.T.
Sumário:1. A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos.

2. Serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social.

3. O gerente/administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação.

4. Ao abrigo do regime constante do artº.13, nº.1, do C. P. Tributário, não existe qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função de gerente ou administrador, pelo que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, neles se incluindo o exercício de facto da gerência, e apenas se podendo esta valer da presunção legal respeitante à culpa pela insuficiência do património social, cuja ilisão compete ao revertido.

5. Na previsão da al.a), do artº.24, nº.1, da L.G.Tributária, pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou. Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se, portanto, uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar.

6. Ao abrigo de qualquer dos regimes examinados é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução. Nestes termos, competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência do revertido.

7. O regime de responsabilidade subsidiária previsto no artº.8, nº.1, do R.G.I.T., reveste natureza civil e não padece de qualquer inconstitucionalidade, conforme jurisprudência recente do Tribunal Constitucional, a qual subscrevemos.

8. Ao abrigo dos regimes previstos nos artºs.112, nº.1, da L.G.T., e 8, nº.1, do R.G.I.T., para que o gerente de uma sociedade seja responsabilizado subsidiariamente pelo pagamento de coimas é necessário, antes de mais, que se prove a gerência de facto do mesmo (exercício efectivo do cargo por parte do gerente nomeado), sendo que o ónus da prova de tal factualidade igualmente compete à Fazenda Pública.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Almada, exarada a fls.129 a 137 do presente processo, através da qual julgou totalmente procedente a oposição pelo recorrido António …………………. intentada visando a execução fiscal nº……………… e apensos, a qual corre seus termos no Serviço de Finanças do…………….., contra este revertida e instaurada para a cobrança de dívidas de coimas respeitantes a infracções (falta de entrega das declarações de I.V.A. desses anos) cometidas nos anos de 1999, 2000 e 2004 e de I.V.A. dos anos de 1996, 1997, 1998, 1999, 2000 e 2001, no montante total de € 12.880,94.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.149 a 159 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Nos termos do artº.13, do C.P.T., e artºs.22 e 24, da L.G.T., a responsabilidade tributária abrange, quer os sujeitos passivos da obrigação tributária (cfr.artº.18, nº.3, da mesma L.G.T.), quer as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis pelo respetivo pagamento, como os gerentes ou administradores;
2-O oponente foi desde a constituição da sociedade até à sua liquidação, sócio gerente;
3-A forma de obrigar da sociedade é mediante a assinatura dos dois gerentes, isto é, a sociedade só se vincula perante terceiros, com a assinatura dos dois gerentes;
4-A responsabilidade referida, impende somente sobre gerentes efectivos, e uma vez verificada a gerência de direito ou nominal, dela se presume a gerência de facto, pois a segunda traduz-se na execução da primeira (presunção de quem é nomeado para um cargo exerce-o na realidade);
5-Nos termos do preceituado nos artºs.64, 78, 252 a 262, do Código das Sociedades Comerciais, resulta que os administradores ou gerentes, uma vez nomeados e tendo iniciado o exercício das suas funções, são titulares de poderes deveres ou poderes funcionais, e encontram-se sujeitos a obrigações face à sociedade e perante terceiros, nomeadamente, conduzir a sociedade comercial com diligência de modo a evitar que o património social se torne insuficiente para a satisfação das dívidas da sociedade comercial;
6-Não logra ilidir a presunção da gerência de facto da sociedade “...o gerente que afirma que era uma outra pessoa que no dia-a-dia se encontrava à frente da sociedade, quando o mesmo era gerente nomeado sociedade, sendo necessária a sua assinatura para a obrigar...”;
7-Pelo que, é nosso entendimento que a douta sentença ora recorrida, fez uma incorreta interpretação do disposto no artº.13, do C.P.T., nos artºs.22 e 24, da L.G.T., artº. 7-A, do R.J.I.F.N.A., artº.8, do R.G.I.T., e o disposto nos artºs.64, 78, 252 a 262, do Código das Sociedades Comerciais;
8-Não tendo a sociedade devedora originária entregue nos cofres do Estado o imposto legalmente exigível, tal ficou a dever-se à conduta omissiva dos seus gerentes de direito, nomeadamente ao oponente;
9-Enquanto gerente sabia o oponente que estava obrigado à entrega do imposto em causa, mas nem por isso deixou de agir, como efectivamente agiu, de onde se afere a existência de culpa por ter omitido uma diligência “a fim de evitar um perigo que previu ou deveria ter previsto”;
10-Pelo que, e nestas circunstâncias, não nos restam dúvidas que o ora oponente, enquanto representante legal da sociedade V……………, geriu de facto a mesma, vinculando-a perante terceiros e praticando actos de comércio, sem contudo, cumprir com a obrigação de entrega dos impostos em causa;
11-Nestes termos e nos mais de direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar procedente o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto acórdão que julgue a oposição improcedente quanto ao oponente António ……………………., por provada a sua legitimidade, tudo com as devidas e legais consequências.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da total improcedência do presente recurso, dado que a sentença recorrida não padece dos vícios que lhe são assacados (cfr.fls.165 dos autos).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.167 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.130 e 131 dos autos):
1-Contra a sociedade “V………… - Actividades …………, L.da.”, foi instaurado no Serviço de Finanças do ……….. o processo de execução fiscal nº……………….. e apensos, visando a cobrança de dívidas de coimas respeitantes a infracções (falta de entrega das declarações de I.V.A. desses anos) cometidas nos anos de 1999, 2000 e 2004 e de I.V.A. dos anos de 1996, 1997, 1998, 1999, 2000 e 2001 (cfr.processo de execução fiscal apenso; informação exarada a fls.28 e 29 dos presentes autos);
2-A sociedade “V………….- Actividades ……………, L.da.” explora um estabelecimento de discoteca sito no ……….. e foi constituída pelo oponente e por Vasco ………………., que ficaram titulares de duas quotas de igual valor nominal (cfr.documento junto a fls.104 dos presentes autos; cópia do contrato de constituição da sociedade junto a fls.11 a 16 do apenso de execução fiscal; depoimento das testemunhas);
3-Aquando da constituição da sociedade, ambos os sócios ficaram nomeados gerentes, obrigando-se a sociedade com a assinatura dos dois gerentes (cfr.documento junto a fls.104 dos presentes autos; cópia do contrato de constituição da sociedade junto a fls.11 a 16 do apenso de execução fiscal);
4-À frente do estabelecimento de discoteca costumava estar o sócio Vasco …………………….., primo do oponente (cfr.depoimento das testemunhas);
5-O oponente exercia, na altura, a actividade de construtor e costumava frequentar aquele estabelecimento de discoteca, comportando-se como cliente (cfr.depoimento das testemunhas);
6-Por despacho do órgão de execução fiscal datado de 10/07/2006, foi indeferida, com base na sua intempestividade, a defesa escrita apresentada pelo ora oponente nos termos do artº.60, da Lei Geral Tributária (cfr.documento junto a fls.60 do processo de execução fiscal apenso);
7-Em 11/07/2006, foi proferido despacho pelo órgão de execução fiscal que, com base na insuficiência de bens susceptíveis de penhora da pertença da executada “V……….. - Actividades ……………….., L.da.”, determinou a reversão do processo contra o aqui oponente (cfr.documento junto a fls.63 do processo de execução fiscal apenso);
8-Em 17/07/2006, foi o oponente citado para os termos da execução fiscal e para pagar a quantia de € 12.880,94 (cfr.documentos juntos a fls.67 a 69v. do processo de execução apenso).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Com interesse para a decisão não se provou que o oponente exerceu, de facto, a gerência da executada principal…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos referidos em cada uma das alíneas antecedentes, bem como nos depoimentos das testemunhas inquiridas. Relativamente ao facto não provado, não foram carreados pela Fazenda Pública elementos bastantes que permitam inferir o exercício da gerência efectiva na sociedade originariamente executada por parte do oponente…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente procedente a oposição que originou o presente processo, em consequência do que determinou a extinção da execução na parte revertida contra o oponente.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.685-A, do C.P.Civil; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese e como supra se alude, que a forma de obrigar da sociedade executada originária era mediante a assinatura dos dois gerentes, isto é, a sociedade só se vinculava perante terceiros, com a assinatura dos dois gerentes. Que a responsabilidade referida impende somente sobre gerentes efectivos e uma vez verificada a gerência de direito ou nominal, dela se presume a gerência de facto, pois a segunda traduz-se na execução da primeira (presunção de quem é nomeado para um cargo exerce-o na realidade). Que não logra ilidir a presunção da gerência de facto da sociedade o gerente que afirma que era uma outra pessoa que no dia-a-dia se encontrava à frente da sociedade, quando o mesmo era gerente nomeado da sociedade, sendo necessária a sua assinatura para a obrigar. Não tendo a sociedade devedora originária entregue nos cofres do Estado o imposto legalmente exigível, tal ficou a dever-se à conduta omissiva dos seus gerentes de direito, nomeadamente ao oponente. Pelo que, é nosso entendimento que a douta sentença ora recorrida, fez uma incorreta interpretação do disposto no artº.13, do C.P.T., nos artºs.22 e 24, da L.G.T., artº. 7-A, do R.J.I.F.N.A., artº.8, do R.G.I.T., e o disposto nos artºs.64, 78, 252 a 262, do Código das Sociedades Comerciais (cfr.conclusões 1 a 10 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, segundo cremos, assacar à decisão recorrida um vício de erro de julgamento de direito.
Analisemos se a decisão recorrida padece de tal vício.
O vício em causa envolve a análise do fundamento de oposição previsto no artº.204, nº.1, al.b), do C. P. P. Tributário (ilegitimidade devido a falta de responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda - cfr.artº.286, nº.1, al.b), do anterior C.P.Tributário).
Antes de mais, diremos que as normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L. G. Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 28/9/2006, rec.488/06; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª. Secção, 24/3/2010, rec.58/09; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.334 e 335).
No processo vertente, a eventual responsabilidade subsidiária do oponente e ora recorrido deve ser analisada à luz dos regimes previstos nos artºs.13, do C.P.Tributário, e 24, da L.G.Tributária, levando em consideração os períodos temporais a que respeitam as liquidações de I.V.A. que constituem o débito exequendo revertido (cfr.nº.1 do probatório), exceptuando as dívidas de coimas fiscais (cfr.por todos ac.S.T.A.-2ª. Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.).
Mas que responsabilidade é esta. Segundo a opinião que defendemos, a responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2004, rec.28/04, in Revista Fiscal, Vida Económica, Fevereiro, 2006, pág.28; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12).
O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.Impostos; artº.239, nº.2, do C.P.Tributário; artº.153, nº.2, do C.P.P. Tributário).
A lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos artºs.259 e 260, do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros, aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/5/1989, rec.10492; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.351).
É no artº.64, do C. S. Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr.artºs.260, nº.1, e 409, nº.1, do C.S.Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr.Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.; Rui Rangel, A vinculação das sociedades anónimas, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pág.27 e seg.).
Analisada a plêiade de actos que o gerente/administrador pode exercer, enquanto representante da sociedade, passemos à responsabilidade subsidiária do mesmo.
No domínio do artº.16, do C. P. C. Impostos, encontrávamo-nos perante responsabilidade “ex lege”, alicerçada num critério de culpa funcional presumida, assim dispensando a imputação subjectiva (ao nível do nexo de culpa) baseada num comportamento individual do gerente, antes se ligando ao mero exercício do cargo ou funções de gerência. Verificada a gerência de direito, presumia-se a gerência de facto, incumbindo ao responsável subsidiário, em sede de oposição à execução contra si revertida, o ónus de provar que, apesar da gerência de direito, não a exerceu de facto ou, por outro lado, que não a exerceu de forma culposa no que diz respeito à verificada insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/10/95, C.T.F.381, pág.311 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.51 e seg.).
Com o dec.lei 68/87, de 9/2, o qual veio submeter a responsabilidade subsidiária consagrada no artº.16, do C. P. C. Impostos, ao regime previsto no artº.78, do C. S. Comerciais, de acordo com a jurisprudência dominante, passou a ser exigível a culpa dos administradores ou gerentes das sociedades para que a mesma se efectivasse. Por outro lado, onerou-se a Fazenda Pública, nos termos do artº.487, nº.1, do C. Civil, com o obrigação da alegação e prova da culpa do responsável subsidiário pela inexistência de bens do devedor originário com vista à satisfação dos créditos fiscais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/97, C.T.F.386, pág.379 e seg.; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 9/7/97, Acórdãos Doutrinais, nº.432, pág.1467 e seg.).
Com a entrada em vigor do C. P. Tributário (1/7/91), a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes de sociedades de responsabilidade limitada passa a estar consagrada no artº.13, deste diploma. Ao abrigo deste regime, desde logo, se dirá que a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes passou a estar restrita às dívidas ao Estado por contribuições e impostos, quando anteriormente a mesma responsabilidade podia abarcar também multas e quaisquer outras dívidas que não somente as aludidas contribuições e impostos. Por outro lado, contrariamente ao regime resultante do aludido dec.lei 68/87, de 9/2, volta o ónus da prova da actuação sem culpa a pender sobre os administradores ou gerentes. E não é pequena, para os mesmos, esta diferença de perspectiva legal, já que, se era difícil para a Fazenda Pública, face ao regime resultante do dec.lei 68/87, de 9/2, fazer a prova positiva da culpa, mais difícil será para os administradores ou gerentes fazerem a prova negativa de tal factualidade (cfr.A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.55).
No entanto, ao abrigo do regime em análise, o constante do artº.13, nº.1, do C. P. Tributário, já não existe qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função de gerente ou administrador, pelo que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, neles se incluindo o exercício de facto da gerência, e apenas se podendo esta valer da presunção legal respeitante à culpa pela insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 28/2/2007, rec. 1132/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/12/2008, rec.861/08).
Passemos, agora, à análise do regime consagrado no artº.24, da L. G. Tributária, o qual igualmente é aplicável ao caso concreto, conforme mencionado supra.
Do disposto no artº.22, da L. G. Tributária, retira-se que a regra geral da responsabilidade tributária originária sofre duas excepções, sendo elas a responsabilidade solidária (o responsável solidário é um condevedor solidário que, por força da lei, está em igualdade de circunstâncias com o responsável originário, o que implica que possam ser demandados ambos simultaneamente, ou qualquer um deles indistintamente, quanto ao cumprimento da prestação tributária) e a responsabilidade subsidiária (só a impossibilidade de cumprimento do responsável originário pode originar o subsequente chamamento do responsável subsidiário ao cumprimento da prestação tributária), constituindo esta última (a responsabilidade subsidiária) a regra nesta matéria, nos termos do preceituado no nº.3 do referido normativo.
A reversão contra o devedor subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão prévia (cfr.artº.23, nº.2, da L.G.T.) e é sempre precedida da audição do responsável subsidiário (cfr.nº.4 do mesmo preceito). O nº.5 da disposição legal em causa atribui um privilégio ao devedor subsidiário que, sendo citado para o pagamento da dívida tributária e o efectuar no prazo de oposição, fica isento do pagamento de juros de mora e de custas. Este pagamento, de acordo com o artº.23, nº.6, da L. G. Tributária, tem efeito suspensivo (e não extintivo) da execução fiscal, pois no caso de virem a ser encontrados bens ao devedor principal ou ao responsável solidário, ficam estes obrigados ao pagamento de juros de mora e das custas.
Preceitua o nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, o seguinte (redacção actual introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12):

“Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Na previsão da al.a), do normativo em análise pretendem-se isolar as situações em que o gerente/administrador culpado pela diminuição do património societário será responsável pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado depois deste, competindo à Administração Fiscal fazer a prova de que foi por culpa sua que o património se tornou insuficiente. Já na al.b), do preceito o gerente é responsável pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, recaindo sobre o mesmo o ónus da prova de que não foi por culpa sua que o pagamento não se efectuou.
Por outras palavras, nas situações em que o gestor exerce, efectivamente, as suas funções e é no decurso desse exercício que se forma o facto tributário ou se inicia o prazo para o pagamento, mas antes que tal prazo se esgote, o gestor cessa as suas funções, o ónus da prova, de que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida por acto culposo do gestor, corre por conta da Fazenda Pública (cfr.alínea a), do artigo 24, da L.G.T.). Se é no decurso do exercício efectivo do cargo societário de gerente que se esgota o prazo para o pagamento do imposto, não vindo ele a acontecer (o pagamento não se efectuou no prazo devido), o ónus da prova inverte-se contra o gerente, sendo ele quem tem de provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento (o gestor está obrigado a fazer prova de um facto negativo, poupando-se a Fazenda Pública a qualquer esforço probatório - cfr.al.b), do normativo em exame). Na alínea b), do nº.1, do artº.24, da L. G. Tributária, consagra-se uma presunção de culpa, pelo que a Administração Fiscal está dispensada de a provar. Concluindo, se a gestão real ou de facto cessa antes de verificado o momento em que se esgota o prazo para pagamento do imposto, o ónus da prova recai sobre a Fazenda Pública, se a gestão coincide com ele, o ónus volta-se contra o gestor (cfr.Sérgio Vasques, A Responsabilidade dos Gestores na Lei Geral Tributária, Fiscalidade - Revista de Direito e Gestão Fiscal, nº.1, Janeiro de 2000, pág.47 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág.142 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.342 e seg.).
A diferença de regimes, em termos de repartição do ónus da prova, prevista nas als.a) e b) do artº.24, da L. G. Tributária, decorre da distinção entre “dívidas tributárias vencidas” no período do exercício do cargo e “dívidas tributárias vencidas” posteriormente (cfr.al.c) do nº.15, do artº.2, da Lei 41/98, de 4/8 - autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovada a L.G.T. - ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/6/2010, rec.304/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2010, rec.509/10; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12).
“In casu”, a sentença recorrida conclui que a Fazenda Pública não logrou demonstrar que o opoente exerceu, de facto e efectivamente, a gerência da sociedade executada originária, em consequência do que julgou a oposição procedente. Para a tal decisão chegar mais refere que, em face da prova produzida, existem sérias dúvidas quanto ao exercício da gerência de facto por parte do oponente na sociedade originariamente executada, pelo que, competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, deve contra si ser valorada a falta de prova de tal facto. Por outro lado, não se provando a gerência efectiva, está afastada a conexão pessoal necessária para fundar a presunção legal de culpa por parte do gerente.
Analisando, agora, a matéria de facto provada, deve concluir-se no mesmo sentido, assim não podendo funcionar a presunção legal (de que a gerência de facto, no período a que as dívidas respeitam, é exercida por quem é gerente de direito) a que faz referência a Fazenda Pública nas suas conclusões do recurso, tudo conforme se refere supra e independentemente do regime aplicável ser o previsto no artº.13, nº.1, do C. P. Tributário, ou no artº.24, nº.1, da L. G. Tributária (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 28/2/2007, rec. 1132/06; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 20/9/2011, proc.4404/10). É que nenhum concreto acto foi dado como provado na matéria de facto fixada na sentença recorrida (e não posta em causa pelo recorrente) que o ora recorrido tenha praticado em nome e por conta da sociedade originária devedora (cfr.matéria de facto não provada). E ao abrigo de qualquer dos regimes examinados é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução, visto que, competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência do revertido.
Concluindo, julga-se improcedente este fundamento do recurso e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida no que respeita às liquidações que constituem o débito exequendo revertido, exceptuando as dívidas de coimas fiscais.
Passemos ao exame da eventual responsabilidade subsidiária do opoente/recorrido pelo pagamento das dívidas de coimas respeitantes a infracções (falta de entrega das declarações de I.V.A. desses anos) cometidas nos anos de 1999, 2000 e 2004 (cfr.nº.1 da matéria de facto provada).
No que se refere à responsabilidade subsidiária pelo pagamento das dívidas de coimas, a eventual responsabilidade do oponente e ora recorrido deve ser analisada à luz, tanto do artº.112, nº.1, da L.G.T., como do artº.8, nº.1, do R.G.I.T., atenta a data das infracções que originaram a aplicação das coimas (cfr.nº.1 da matéria de facto provada; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 4ª. edição, 2010, Áreas Editora, pág.100 e seg.; Alfredo José de Sousa, Infracções Fiscais Não Aduaneiras, 2ª. Edição, Almedina, 1995, pág.59).
Desde logo, se dirá que o regime de responsabilidade subsidiária previsto no citado artº.8, nº.1, do R.G.I.T., reveste natureza civil e não padece de qualquer inconstitucionalidade, conforme jurisprudência recente do Tribunal Constitucional, a qual subscrevemos (cfr.ac.Tribunal Constitucional 129/2009, de 12/3/2009; ac.Tribunal Constitucional 150/2009, de 25/3/2009; ac.Tribunal Constitucional 249/2012, de 22/5/2012; Germano Marques da Silva, Responsabilidade subsidiária dos gestores por coimas aplicadas a pessoas colectivas, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano II, 2009, nº.3, pág.297 e seg.).
No entanto, ao abrigo dos mencionados regimes (cfr.artº.112, nº.1, da L.G.T., e artº.8, nº.1, do R.G.I.T.), para que o gerente de uma sociedade seja responsabilizado subsidiariamente pelo pagamento de coimas é necessário, antes de mais, que se prove a gerência de facto do mesmo (exercício efectivo do cargo por parte do gerente nomeado), sendo que o ónus da prova de tal factualidade igualmente compete à Fazenda Pública.
“In casu”, da análise da matéria de facto provada e conforme mencionado supra, conclui-se que em momento algum dos autos logrou a A. Fiscal fazer prova de concretos actos de gerência praticados pelo opoente/recorrido em nome e por conta da sociedade executada originária “VE LE LE - Actividades Hoteleiras e Turismo, L.da.”, pelo que se deve considerar improcedente o recurso, também quanto às dívidas de coimas e, em consequência, julgar-se parte ilegítima o opoente António Henrique Mira Godinho Fernandes Lopes no âmbito da execução fiscal nº.2160-2000/104593.8 e apensos.
Sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente o recurso sob exame e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida a qual não sofre dos vícios que lhe são assacados pelo apelante, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 27 de Novembro de 2012

(Joaquim Condesso - Relator)

(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)

(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)