Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05449/12
Secção:CT-2ºJUÍZO
Data do Acordão:11/27/2012
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IRC.
FORMALIDADE LEGAL.
DEGRADAÇÃO.
SUCURSAL.
CUSTOS.
CASA-MÃE.
ENTIDADE NÃO RESIDENTE.
DESPESAS COMUNS.
Sumário:1. A omissão de despacho fundamentado a alterar os fins e extensão do procedimento de inspecção deve considerar-se degradado em formalidade não essencial, como tal não invalidante dos posteriores termos procedimentais, designadamente da liquidação posterior, quando se possa concluir com um grau de certeza acima de qualquer dúvida razoável, que o resultado a atingir sempre seria o mesmo, quer porque o contribuinte prestou a sua colaboração com a fiscalização nesse âmbito alargado sem jamais haver colocado em causa a falta de tal despacho, quer porque, nem mesmo na petição da sua impugnação judicial veio articular que qualquer dos fins visado com o mesmo despacho tenha ficado comprometido no apuramento da sua matéria tributável;

2. A repartição dos encargos gerais de administração entre uma sucursal, com estabelecimento estável em Portugal e a sua casa-mãe, com sede fora do território português, em 2000, encontrava a sua regulamentação no art.º 49.º do CIRC, sendo que só podiam constituir custos fiscais da sucursal debitados pela sua casa-mãe, aqueles que fossem fundados em critério objectivo e uniformemente seguido, aceite pela AT e que fosse justificado na respectiva declaração de rendimentos entregue;

3. Tendo tal sucursal apresentado como custo fiscal, uma majoração de 9% sobre a sua parte nesses encargos gerais, sem qualquer justificação, não pode a mesma considerar-se um seu custo fiscal do exercício.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A Exma Representante da Fazenda Pública (RFP), dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por N……… E……… O……………… N ……………., B.V., veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por N……. E…………. O………… N …………….. BV, contra a liquidação n.º ………………….., efectuada em sede de Imposto s/o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do exercício de 2000 no montante total de € 1.066.662,77.
II. Razão pela qual considera a Douta Sentença que se verificou uma inobservância do n.º 1 do artigo 15.º do RCPIT, enfermando assim a liquidação de ilegalidade por preterição de formalidade legal essencial, já que não se verificou a existência de qualquer despacho fundamentado da entidade que ordenou o procedimento, no sentido da sua alteração, quanto ao seu âmbito.
II. Assentiu assim, a Douta Sentença que os Serviços de Inspecção Tributária no cumprimento das O.S. n.ºs 76629 e 76630 realizaram uma inspecção à Impugnante NIKE BV, cujo objecto residiu no controle do cumprimento das obrigações fiscais em sede de IVA, estendendo-a depois ao IRC, já para além da OS que a ordenou.
IV. A Douta Sentença procedeu à errónea interpretação, quer dos factos, quer dos preceitos legais aplicáveis, tendo incorrido em erro de julgamento.
V. As OS n.ºs 76629 e 76630, foram abertas para verificação da situação tributária geral do contribuinte NIKE, nomeadamente, quanto à existência, ou não, de estabelecimento estável nos termos do artigo 5.º do CIRC, para o ano de 2000 e nos termos do artigo 5.º da CDT Portugal/Holanda, para o exercício de 2001, tratando-se duma OS de carácter genérico, porquanto, a AF desconhecia a actividade do operador económico, N…….. BV.
VI. Verifica-se por consulta directa àquelas OS, constantes dos autos, que as ordens foram abertas para Procedimento Externo por detecção de aquisições/transmissões Intracomunitárias, não se mostrando assinalado por esse motivo qualquer imposto em especial.
VII. A O.S. teve carácter e abrangência geral com base em extracção informática de dados via sistema intracomunitário "VIES", conforme devidamente confirmado na alínea F) da Douta Sentença.
VIII. Nunca se podia concluir que aquelas O.S. se destinavam exclusivamente à verificação da situação relativa ao IVA, já que o quadrado relativo àquele imposto, IVA, nem sequer se encontrava preenchido em nenhuma das OS.
IX. Ainda, que se tivesse verificado a alegada violação de Lei por preterição de formalidade essencial, deu-se uma conversão desta em preterição legal não essencial, porquanto, a Impugnante exerceu sobre o projecto de decisão de correcções em sede de IRC, após notificação para o efeito, o respectivo direito de audição/contraditório previsto no artigo 60.º da LGT, sem que nessa sede tivesse sido aflorada a questão aqui invocada da preterição de formalidade.
X. Verificando-se assim uma ratificação expressa do acto inspectivo por parte da Impugnante N………, não podendo esta vir agora impugnar um acto do qual teve pleno conhecimento, no qual participou como parte integrante, aceitando-o plenamente sem qualquer oposição.
XI. A Impugnante não fez uso oportuno do artigo 47.º do RCPIT, opondo-se ao acto inspectivo, por falta de credenciação do funcionário.
XII. A Impugnante prestou colaboração ao longo de todo o procedimento inspectivo, interagindo directamente com os SIT, o que mais uma vez comprova a aceitação do acto inspectivo e o pleno conhecimento dos factos.
XIII. Verificou-se a notificação dos factos para exercício do direito de audição, exercendo a Impugnante esse direito, sem oposição, existindo assim expresso conhecimento dos factos e impostos objecto de inspecção.
XIV. Houve ratificação expressa por parte da Impugnante, do acto tributário praticado pelos SIT.
XV. Inexistiu vício de violação de Lei por inobservância do preceito legal. n.º 1 do artigo 15.º do RCPIT.
XVI. Neste sentido o Acórdão do TCA Sul n.º 01078/03 de 2004.11.16,

Termos em que, com o mui Douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a Douta Sentença recorrida, como é de Direito e Justiça.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


Também a recorrida veio a apresentar as suas alegações e nestas as respectivas conclusões, as quais igualmente na íntegra se reproduzem:


A) O presente Recurso vem interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou procedente a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrida, tendo o Tribunal considerado que o procedimento inspecção subjacente ao acto tributário ora sindicado padece de vício de lei por preterição de formalidade essencial, consubstanciada na violação do artigo 15.º do RCPIT;
B) A Administração Tributária, ao efectuar correcções em sede de IRC aos exercícios de 2000 e 2001, ultrapassou de forma ilegal o âmbito do procedimento de inspecção, o qual estava limitado à verificação do cumprimento das obrigações tributárias da Recorrida em sede de IVA, pelo que o procedimento de inspecção violou de forma explícita o disposto no artigo 15.º do RCPIT, o que determinou a ilegalidade dos actos tributários que lhe sobrevieram, em particular a liquidação de IRC ora sindicada;
C) Atento o disposto no n.º 2 do artigo 15° do RCPIT, à Administração Tributária estava vedada a possibilidade de alterar o âmbito do procedimento de inspecção no decurso do respectivo procedimento;
D) Em data posterior à conclusão dos actos de inspecção, o legislador, através da Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto, alterou a redacção do artigo 15° do RCPIT de modo a contemplar de forma expressa a alteração do âmbito do procedimento de inspecção;
E) Mesmo que se admitisse a alteração do âmbito da inspecção, tal alteração teria de ter sido previamente comunicada à Recorrida mediante despacho fundamentado;
F) Na óptica da Recorrente, não houve qualquer alteração ou extensão do âmbito da acção de inspecção, uma vez que a ordem de serviço era de carácter genérico, não limitando a análise inspectiva a qualquer imposto específico, nomeadamente o IVA;
G) Tal alegação é contrária à posição sempre expressa nos autos, uma vez que em primeira instância a Fazenda Pública e os serviços da administração tributária reconheceram expressamente que a ordem de serviço e o âmbito da inspecção não abrangia o IRC, estando confinado ao IVA;
H) A Recorrente não faz prova do alegado, nem tão pouco contesta a prova assente em primeira instância, o que inviabiliza a sua pretensão pois na alínea A) do probatório afirma-se - em consonância aliás com o relatório de inspecção - "a Administração Tributária realizou uma inspecção à ora Impugnante (...) a qual teve por objecto controlar o cumprimento das obrigações fiscais em Sede de IVA (cfr. Relatório de inspecção a fls. 237 e segs. do Processo administrativo”;
I) Em sede de contestação à petição inicial, no ponto 21, a Fazenda Pública refere expressamente que “Conhecendo a impugnante o conteúdo da ordem de serviço emitida pelos Serviços de inspecção tributária, a qual definia o âmbito e a extensão da referida acção e, sabendo que o IRC não estava ali incluído (...);
J) Dos elementos de prova constantes dos presentes autos e das disposições legais aplicáveis, podemos concluir que (i} a acção de inspecção desencadeada na esfera da ora Recorrida teve o seu âmbito limitado à análise do IVA e (ii} que a Administração Tributária nunca notificou a ora Recorrida de qualquer alteração ao âmbito da inspecção, nomeadamente para efeitos de abranger o IRC, em directa violação do disposto no artigo 15.°do RCPIT;
K) O artigo 47º do RCPIT apenas legitima a oposição aos actos de inspecção nos casos de falta de credenciação dos funcionários incumbidos do acto inspectivo, não sendo o caso dos presentes autos, pois que os funcionários estavam munidos de uma ordem de serviço, conforme admitido, aliás, pela própria Recorrente;
L) Cai, assim, por terra a frágil invocação da alegada sanação/ratificação dos actos de inspecção, uma vez que (i} o direito de audição prévia constitui uma faculdade ao dispor dos inspeccionados; (ii} o direito de audição é exercido depois de concluídos os actos materiais de inspecção, não se vislumbrando qual seria a utilidade de sanar um conjunto de actos materiais plenamente executados; (iii} o artigo 47° do RCPIT apenas pode servir de fundamento à oposição de actos inspectivos em caso de falta de credenciação; (iv} em sede de contencioso tributário vigora o princípio da impugnação unitária;
M) A única forma de sanar o vício apontado passaria pela emissão de despacho devidamente fundamentado a alargar o âmbito da inspecção conforme determinado no artigo 15° do RCPIT;
N) O Acórdão n.º 1078/2003 deste Venerando Tribunal vem reforçar a bondade da posição sutentada pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, pois que na ausência despacho a alterar o âmbito da inspecção, como é o caso dos presentes autos, parece claro que se consuma a preterição de formalidade essencial passível de inquinar a validade do procedimento de inspecção e todos os actos tributários que lhe sobrevierem;
O) Contrariamente ao efeito pretendido pela Recorrente, da análise ao referido aresto do TCA poderá concluir-se que a alteração do âmbito do procedimento de inspecção sem que seja proferido despacho por parte do Director de Serviços a comunicar tal alteração ao sujeito passivo inquina a validade do procedimento de inspecção por preterição de formalidade essencial;
P) Face ao disposto no artigo 684°-A do CPC, a factualidade subjacente e a sentença ora recorrida, requer-se a este Venerando Tribunal, a título subsidiário, a ampliação do âmbito do presente recurso, de modo a abranger as questões que ficaram prejudicadas na sentença proferida em primeira instância, caso seja julgado procedente o recurso ora apresentado, o que se admite por mero dever de patrocínio;
Q) A questão material controvertida consiste na apreciação da legalidade das correcções determinadas pela Administração Tributária em sede de IRC, em particular a desconsideração, parcial, dos custos imputados pela Recorrida à Sucursal em Portugal, mais concretamente, a majoração em 9% dos custos das vendas e gastos gerais de administração (determinados com base no volume de negócios);
R) Uma vez que a Administração Tributária aceitou a dedução dos custos com vendas e gastos gerais administrativos, tendo, apenas, questionado o mark up aplicado pela casa-mãe, o que está em causa no caso sub judice não é determinar se a majoração efectuada pela Recorrida ­correspondente à computação de uma margem considerada apropriada de lucro - aos custos das vendas imputadas à Sucursal são indispensáveis para a manutenção da fonte produtora, conforme prescreve o artigo 23° do CIRC, mas sim delimitar se tal margem se mostra adequada ao princípio da concorrência preceituado no artigo 57° do CIRC;
S) Estando em causa transacções entre entidades que mantém relações especiais, o que importaria aferir era se a margem de lucro imputada pela Recorrida à Sucursal diferiu das condições que normalmente seriam acordadas entre entidades independentes e do princípio da plena concorrência;
T) Comprovada a indispensabilidade dos custos imputados, a adequação da majoração (mark up) sobre tais custos coloca-se ao nível da problemática dos preços de transferência entre entidades relacionadas;
U) A majoração do custo das vendas efectuadas pela Sede nas suas relações com a Sucursal, para além de consubstanciar a adopção e concretização das práticas internacionalmente aceites, constitui, também, à luz do artigo 57° do CIRC, um imperativo legal, caindo, assim, por natureza a argumentação expendida pela Administração Tributária, a qual padece, salvo o devido respeito, de manifesto erro nos pressupostos de direito;
V) A questão que cumpriria formular é, pois, a seguinte: "poderia a Sucursal adquirir mercadorias a uma entidade independente sem que esta lhe cobrasse uma adequada margem de lucro?;
W) Cabia à Administração Tributária evidenciar que a margem de 9% não cumpria com o princípio da plena concorrência violando o artigo 57° do CIRC;
X) A Administração Tributária, não obstante invocar a existência de "relações especiais" entre a Recorrida e a sua Sucursal, optou por efectuar correcções ao abrigo do artigo 23° do CIRC, desobrigando-se do ónus probatório de demonstrar e comprovar que a margem de lucro aplicada pela Recorrida desrespeitava o princípio da plena concorrência;
Y) Atento o disposto no n.º3 do artigo 77° da LGT, caberia à Administração Tributária evidenciar que as condições praticadas pela Recorrida são diversas das praticadas num mercado de plena concorrência, cabendo-lhe a si o ónus de comprovar que os custos imputados à Sucursal - na vertente da majoração, diferiam das condições de mercado entre entidades independentes;
Z) Considerando os princípios da indisponibilidade da relação tributária, da legalidade e da justiça parece inequívoco que a Administração Tributária não goza de qualquer discricionariedade na definição da situação tributária dos sujeitos passivos, sendo-lhe, pois vedada a possibilidade de efectuar correcções à matéria colectável da Recorrida de acordo com os regimes por si tidos como mais vantajosos em termos de obtenção de receita fiscal;
AA) A liquidação de IRC ora sindicada padece de manifesto vício de lei, por erro imputável à Administração Tributária, mostrando-se preenchidos todos os requisitos legais para que seja ordenada anulação do acto tributário por violação dos artigos 23°, 49º e 57° todos do CIRC, artigo 77º da LGT e artigo 7° do Acordo sobre Dupla Tributação entre Portugal e a Holanda.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que os mui Ilustres Juizes DESEMBARGADORES deste Venerando Tribunal assim o julgarem no seu MUI douto juízo, deve o recurso interposto pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se a sentença recorrida no sentido da anulação da liquidação de IRC do exercício de 2000 objecto dos presentes autos.
Subsidiariamente e em caso de improcedência do pedido acima, requer-se a este Venerando Tribunal a ampliação do objecto do recurso ao abrigo do disposto nos artigos 143.º do CPTA e 684.º-A do CPC, anulando-se a liquidação de IRC do exercício de 2000 objecto dos presentes autos, nos termos e com os fundamentos melhor expostos nas presentes contra­alegações.
Assim fazendo, VOSSAS EXCELÊNCIAS, a costumada Justiça!


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser concedido provimento ao recurso, dizendo aderir à fundamentação do parecer pré-sentencial proferido pelo Exmo magistrado do MP, bem como do acórdão deste TCAS de 16.11.2004, no recurso n.º 1078/03, por a ora recorrida ter sido notificada para o exercício do direito de audição e onde não suscitou tal imputado vício.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


Por ao Relator se afigurar que o recurso procedia pelo fundamento invocado pela recorrente e que este Tribunal iria conhecer em substituição dos restantes vícios assacados à liquidação impugnada pela ora recorrida na petição inicial da sua impugnação, que não foram, então, conhecidos, por prejudicados, foram as partes notificadas para se pronunciarem ao abrigo do disposto no n.º3 do art.º 715.º do Código de Processo Civil (CPC), tendo apenas a recorrida vindo a pronunciar-se nos termos que constam a fls 272/273, onde veio pugnar que não se opõe a tal conhecimento desde que neste, sejam conhecidos os vícios invocados nas suas contra-alegações.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a matéria de facto fixada no probatório da sentença recorrida deve ser alterada no sentido propugnado pela recorrente FP; Se a formalidade de falta de despacho fundamentado que alterou os fins e extensão do procedimento de inspecção se degradou em formalidade não essencial; E respondendo-se afirmativamente e revogando a sentença recorrida que em contrário decidiu, e conhecendo este Tribunal em substituição, se se encontra justificado e aceite pela AT, o critério de repartição de custos entre a recorrida (sucursal) e a sua casa-mãe, quanto à majoração de 9% sobre os mesmos, que aquela fez inscrever como custos fiscais; E se tal majoração pode, ainda, ser considerado um custo fiscal à luz do regime geral dos custos.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) No cumprimento da Ordem de Serviço nº 76629 e 76630 respectivamente para os anos de 2000 e 2001, a Administração Tributária realizou uma inspecção fiscalização à ora impugnante, N…… E………….. O………… N…………….. B. V. SUCURSAL EM PORTUGAL, NIPC ……………….., a qual teve por objecto controlar o cumprimento das obrigações fiscais, em sede de IVA (cfr. relatório da inspecção a fls. 237 e segs. do processo administrativo).
B) A impugnante é uma sucursal da N….. E…………… O…………….. N……………….. B. V., com sede na Holanda, sendo sujeito passivo de IRC, enquanto entidade não residente com estabelecimento estável em Portugal, decorrendo o seu período de tributação entre 01-06-2000 a 31-05-2001 (cfr. relatório da inspecção a fls. 237 e segs. do processo administrativo).
C) Em sede de IVA, a impugnante é um sujeito passivo nos termos previstos nas alíneas a) e d) do art. 2° do CIVA, tendo iniciado a sua actividade em 26/03/2000 e cessado a sua actividade de IVA desde 31/12/2001 (cfr. relatório da inspecção a fls. 237 e segs. do processo administrativo).
D) A actividade exercida pela sucursal consiste em "comércio por grosso de vestuário e calçado desportivo", sendo o lucro obtido no Território Nacional sujeito a tributação em Portugal, nos termos da alínea c) do nº1 do art. 3° do CIRC (cfr. relatório da inspecção a fls. 237 e segs. do processo administrativo).
E) No decurso da inspecção verificou-se que todas as compras derivam de aquisição intracomunitárias e as vendas dos mesmos produtos são efectuadas no mercado nacional, tendo sido detectadas diversas irregularidades e inexactidões praticadas relativamente aos exercícios de 2000 e 2001, sendo de salientar o seguinte (cfr. relatório da inspecção a fls. 237 e segs. do processo administrativo):
- Da organização contabilística adoptada pela N…. (Sucursal) permite concluir-se que as facturas de vendas emitidas em nome de clientes portugueses - com menção do NIPC português - estão contabilizadas na N….. (sede) e simultaneamente na contabilidade da N…. (Sucursal), assim como, o custo das vendas associadas a essas vendas também se encontra reflectida na contabilidade da sede, de acordo com o custeio de saídas de existências, uma vez que a mercadoria sai directamente do armazém da sede para os clientes portugueses. Esta informação contabilística - custo das vendas - é comunicada à N…… (sucursal) em Portugal para efeitos de contabilização.
- Analisadas as principais rubricas, nomeadamente "Custo das Mercadorias Vendidas" e Fornecimentos e Serviços Externos", verifica-se que relativamente as rubricas "Custo das Vendas" e "Gastos Gerais Administrativos" foram majorados
em 9% de acordo como critério estabelecido pela N….. (sede), para compensar diversos custos, não estando o mesmo - critério - devidamente justificado e comprovado a indispensabilidade dessa majoração, como exige o art. 23° do CIRC. Por esse facto, o custo adicional resultante da majoração não poderá ser aceite fiscalmente, o que deu lugar à correcção a favor da Administração Fiscal, de acordo com o critério fiscalmente definido, conforme o disposto na alínea a), do n° 3, do art. 49º do CIRC (exercício 2000) e na alínea a) do n° 3 do art. 50º do CIRC (exercício 2001).
- Assim, atendendo a que o sujeito passivo N….. (Sucursal) não justificou e comprovou a imputação dos custos, justifica-se o recurso ao critério definido na alínea a) do n° 3 do art. 50º do CIRC, com vista à correcção de custos para efeitos de determinação do lucro tributável dos exercícios de 2000 e 2001;
- Razão pela qual, o resultado declarado foi corrigido pela forma seguinte:
Exercício 2000 2001
Resultado Declarado € 19.969,64 € 74.846,26
Correcções € 2.455.438, € 1.677.830,94
Resultado Corrigido € 2.475.203,9 €1.752.677,20
G) A impugnante foi notificada, nos termos do art. 60º da LGT e art. 60° do RCPIT, para efeitos de audição, tendo-se pronunciado em 12/08/2004 (cfr. docs. 2 e 3, juntos com a petição inicial).
H) Em 27/08/2004 a impugnante foi notificada do relatório final da acção inspectiva, que manteve as correcções constantes do projecto (cfr. doc. 4. junto com a petição inicial).
I) Na sequência das correcções efectuadas pela inspecção foi emitida em 18/11/2004 a liquidação n°……………………….., relativa ao IRC de 2000, no montante de € 1.066.662,72, a qual foi notificada à impugnante em 20/12/2004 (cfr. doc. 5. junto com a petição inicial).
J) Em 14/04/2005 foi a impugnante notificada através do seu mandatário da demonstração de compensação n°……………………… e respectiva demonstração de juros (cfr. doc. 6. junto coma petição inicial).
L) A ora impugnante deduziu reclamação graciosa da liquidação e demonstração de compensação supra identificadas, em 07/07/2005, sobre a qual não foi proferida decisão (cfr. doc. 7. junto com a petição inicial e processo de reclamação graciosa apenso).
M) A presente impugnação foi remetida a tribunal por correio registado em 06/04/2006 (cfr. fls. 3 dos autos).
*
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
*
Nada mais se provou com relevância para a decisão da causa.


4. Para julgar procedente a impugnação judicial deduzida considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que ocorreu uma alteração do âmbito da inspecção que passou de controlar o cumprimento das obrigações fiscais em sede de IVA para abarcar também o IRC relativo a este exercício de 2000, sem que tenha existido despacho fundamentado da entidade que o ordenou, o qual não foi proferido, desta forma tendo ocorrido violação do disposto no art.º 15.º, n.º1 do RCPIT, que o exige, inquinando os posteriores actos praticados, incluindo a posterior liquidação, vício que não se sanou pelo exercício do direito de audição prévia, quer pelo não uso da faculdade contida no art.º 47.º do mesmo diploma.

Para a recorrente é contra esta fundamentação que vem a esgrimir argumentos tendentes a reapreciar a sentença recorrida em ordem a sobre ela ser emitido um juízo de censura conducente à sua revogação ou alteração, desde logo pugnando pelo errado julgamento da matéria de facto por tais ordens de serviço (OS) não terem por objecto qualquer imposto em específico mas sim para verificação geral do contribuinte, quanto ao cumprimento das suas obrigações tributárias em Portugal, que tal formalidade se degradou em não essencial por a ora recorrida ter sido notificada em sede de audição prévia e não ter suscitado tal falta, que a mesma aceitou expressamente tal acto e que a mesma não fez uso dos poderes conferidos pelo art.º 47.º do RCPIT para obviar a tal inspecção assim com tal âmbito, alargado.

Vejamos então.
Começando por apreciar o invocado errado julgamento da matéria de facto tal como foi efectuado na sentença recorrida, tendo em vista estabilizar os factos a que de seguida se possa aplicar o direito devido, desde logo nos apraz constatar que a recorrente não deu cumprimento ao disposto no art.º 690.º-A do CPC (redacção de então e a aplicável), não tendo concretamente indicado quais os concretos factos mal julgados e nem as demais especificações constantes em tal norma, o que levaria, sem mais, à improcedência de tal matéria das suas conclusões recursivas.

Porém, como tal divergência com essa matéria de facto se cinge, apenas, a documentos constantes dos autos, e como o Tribunal pode, mesmo oficiosamente, alterar essa matéria fáctica, nos termos do n.º1 do art.º 712.º do Código de Processo Civil (CPC), da mesma se passará a conhecer.

A matéria da alínea A) do probatório da sentença recorrida, por referência ao relatório da inspecção a que a ora recorrida foi sujeita, cuja cópia consta a fls 34 e segs destes autos, acoberta a descrição fáctica da matéria constante nessa mesma alínea, onde se pode ler: «B. Âmbito e incidência temporal. A acção inspectiva teve por objecto controlar o cumprimento das obrigações fiscais, em sede de IVA, pelo que, foi aberta ordem de serviço para o exercício de 2000 e 2001 (PC/P-Aquis./Transm./Intracomunitárias)», sem que dos autos vislumbremos qualquer OS com o conteúdo que a recorrente lhe imputa, de verificação da situação tributária geral do contribuinte, onde nem a matéria da alínea F) do mesmo probatório confirma tal facto, como a mesma invoca na matéria da sua conclusão VII, pelo que a matéria de tal alínea, face à prova documental constantes dos autos, se encontra bem julgada, não podendo deixar de improceder a matéria das conclusões recursivas relativas a tal errado julgamento dessa matéria fáctica.

Na matéria da sua conclusão IX veio a recorrente invocar que ocorreu uma degradação de tal formalidade em não essencial, por a ora recorrida ter exercido o direito de audição sobre tal projecto de relatório e nada ter vindo dizer quanto à mesma.

Nos termos do n.º1 do art.º 63.º da LGT, os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, sendo o procedimento da inspecção e os deveres de cooperação os adequados e proporcionais aos objectivos a prosseguir, só podendo haver mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, fundamentada com base em factos novos – seu n.º3 – sendo que a norma do n.º1 do art.º 15.º do RCPIT (aprovado pelo art.º 1.º do Dec-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro), dando execução e regulamentando tais normas substantivas da LGT, veio dispor que os fins e a extensão do procedimento de inspecção podem ser alterados durante a sua execução mediante despacho fundamentado da entidade que o tiver ordenado, despacho este que no caso era devido face à alteração do imposto a fiscalizar, de IVA para IRC, e que não foi proferido, pelo que foi violado este comando que o impunha, constituindo a preterição de uma formalidade legalmente prevista, que em princípio se tem de considerar essencial e logo, susceptível de inquinar de ilegalidade todos os actos posteriores, incluindo a liquidação efectuada.

Como tem constituído entendimento corrente(1), presume-se formalidade essencial toda a formalidade exigida por lei, salvo disposição em contrário, tratando-se de um conceito amplo, em direito administrativo, abrangendo os actos preparatórios e os termos do processo gracioso prescritos por lei.
Em direito fiscal, todavia, o conceito de formalidades legais é, ainda, mais amplo.
Em suma: no conceito de formalidades legais, só não se incluem as questões de facto que envolvam juízos de avaliação segundo critérios técnicos.

A preterição de tal formalidade, no caso, não estando excluída como formalidade não essencial, com aquela natureza se tem de entender, pelo que assim com aptidão para inquinar os demais actos posteriores do procedimento, designadamente a posterior liquidação, ora impugnada.

Também desde já se pode trazer à colação que, o acórdão deste TCAS de 16-11-2004, proferido no recurso n.º 1078/03, invocado quer pela recorrente, quer pela Exma RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer, não tratou de questão idêntica à do presente (2), já que naquele não só a ordem de serviço abrangia os dois impostos a fiscalizar, como a contribuinte foi notificada dessa alteração, como do mesmo se pode colher, pelo que nenhuma achega pode trazer no sentido propugnado pela recorrente da procedência do recurso, por ter ali sido cumprido no que em tal normativo se prevê (despacho de alteração do âmbito da inspecção e a sua notificação ao contribuinte).

Porém, já é de conhecer se tal formalidade essencial se não terá degradado em formalidade não essencial, como a recorrente invoca na matéria das suas conclusões recursivas IX e segs, quer porque a ora recorrida exerceu o direito de audiência prévia e não suscitou tal questão, quer porque participou com a fiscalização tributária nessa inspecção, com esse âmbito alargado ao IRC e sem nunca lhe ter feito qualquer objecção.

Como constitui doutrina e jurisprudência constantemente afirmadas (3), embora a degradação das formalidades essenciais em não essenciais não encontre directa regulamentação no nosso direito positivo, contudo, ela tem sido aceite, em certos casos, e portanto, ser omitida sem que daí resulte qualquer ilegalidade determinante da anulação do acto, não se justificando tal anulação como nos casos em que se apure no processo contencioso que, se ela tivesse sido realizada, o interessado não teria possibilidades de apresentar elementos novos, ou acabou por ter oportunidade de pronunciar-se, em procedimento de segundo grau sobre as questões sobre as quais foi indevidamente omitida a audiência no procedimento de primeiro grau.

No caso, a formalidade omitida de despacho fundamentado a alargar o âmbito da inspecção neste procedimento e a sua notificação ao contribuinte tem em vista, além do mais, que este fique ciente do âmbito desse acto e possa cooperar com a inspecção como a lei dispõe nos termos dos seus art.ºs 9.º e 48.º e segs do RCPIT, em ordem a apurar a sua situação tributária real, nos termos do art.º 63.º da LGT, que o contribuinte melhor do que ninguém conhecerá, fins estes que, no caso, parecem não ter sido minimamente beliscados, já que a ora recorrida, desde logo, no decorrer dessa inspecção, prestou a colaboração que lhe foi solicitada (também) ao nível do apuramento deste imposto, quer depois, em sede de direito de audição prévia, quer em sede da presente impugnação judicial, jamais veio colocar em causa a materialidade apurada pela fiscalização tributária, e que por força da inexistência de tal despacho a fundamentar esse alargamento da inspecção ao IRC, o seu apuramento tenha deixado de ser o real, como a lei dispõe, pelo que se pode concluir, com uma segurança para além de qualquer dúvida razoável, que mesmo que a formalidade tivesse sido cumprida, o resultado, em sede deste imposto, não deixaria de ser o mesmo, sendo por isso um caso, pois, dentro do âmbito em que, correntemente, é admitido, que tal formalidade se degrada em formalidade não essencial, logo sem inquinar de ilegalidade e sem produzir efeitos invalidantes dos termos e actos posteriores, designadamente do seu acto final - a liquidação ora impugnada.

Aliás, em sede da matéria da petição da presente impugnação judicial, nos seus art.ºs 24.º a 45.º, apenas a ora recorrida veio a esgrimir tal falta de prolacção desse despacho e a sua notificação, ocorrendo a violação de tal formalidade procedimental de per si, sem que invoque que qualquer fim da inspecção tenha ficado comprometido no apuramento do imposto, o que também não veio a fazer na matéria das conclusões das suas contra-alegações, limitando-se a esgrimir, no que à invocada degradação diz respeito, na matéria da sua conclusão M), que, A única forma de sanar o vício apontado passaria pela emissão de despacho devidamente fundamentado a alargar o âmbito da inspecção conforme determinado no artigo 15° do RCPIT, desta forma se opondo a tal degradação da formalidade em não essencial, como também pugnado pela recorrente, mas em termos que não são assim os sufragados pela doutrina e jurisprudência, nos termos supra, e que neste Tribunal também se não acolhe.


Procede assim o recurso por este fundamento, sendo de revogar a sentença recorrida que em contrário decidiu e de não anular a liquidação impugnada por este fundamento formal, face à conhecida degradação da formalidade omitida como não essencial.


5. Concedido provimento ao recurso interposto pela FP e revogada a sentença recorrida que em contrário decidiu, cabe a este Tribunal, em substituição, nos termos do n.º2 do art.º 715.º do CPC, conhecer dos restantes fundamentos da impugnação judicial (4) e que pela procedência da mesma, por aquele outro fundamento, haviam ficado prejudicados, já que os autos fornecem os elementos necessários.

Quanto à matéria de facto relevante para a decisão das restantes questões a conhecer, tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito, não se torna necessário levar ao probatório qualquer outra para além da já contida no probatório fixado na mesma sentença, nas suas alíneas A) a M), a qual constitui a base factual suficiente para o efeito e que para este fim, ora se repristina.

Nos termos da petição inicial da mesma petição inicial de impugnação judicial, a primeira questão a conhecer consiste em saber se foi ilegal a desconsideração como custos fiscais da majoração dos custos imputados à sucursal pela casa-mãe, de 9% sobre os custos das vendas (nos exactos termos em que foram processados) e gastos gerais de administração, por tal percentagem ser adequada ao princípio da concorrência constante no art.º 57.º do CIRC, à luz do qual deveria tal custo ser apreciado, que não à luz da norma geral sobre custos do art.º 23.º do mesmo Código, como dos art.ºs 46.º a 78.º da mesma, flui.

A liquidação de IRC relativa ao exercício de 2000, teve lugar porque como foi apurado pela AT (materialidade que a impugnante também não fez controverter)...
- Da organização contabilística adoptada pela NIKE (Sucursal) permite concluir-se que as facturas de vendas emitidas em nome de clientes portugueses - com menção do NIPC português - estão contabilizadas na NIKE (sede) e simultaneamente na contabilidade da NIKE (Sucursal), assim como, o custo das vendas associadas a essas vendas também se encontra reflectida na contabilidade da sede, de acordo com o custeio de saídas de existências, uma vez que a mercadoria sai directamente do armazém da sede para os clientes portugueses. Esta informação contabilística - custo das vendas - é comunicada à NIKE (sucursal) em Portugal para efeitos de contabilização.
- Analisadas as principais rubricas, nomeadamente "Custo das Mercadorias Vendidas" e Fornecimentos e Serviços Externos", verifica-se que relativamente às rubricas "Custo das Vendas" e "Gastos Gerais Administrativos" foram majorados
em 9% de acordo como critério estabelecido pela NIKE (sede), para compensar diversos custos, não estando o mesmo - critério - devidamente justificado e comprovado a indispensabilidade dessa majoração, como exige o art. 23° do CIRC. Por esse facto, o custo adicional resultante da majoração não poderá ser aceite fiscalmente, o que deu lugar à correcção a favor da Administração Fiscal, de acordo com o critério fiscalmente definido, conforme o disposto na alínea a), do n° 3, do art. 49º do CIRC (exercício 2000) e na alínea a) do n° 3 do art. 50º do CIRC (exercício 2001).
- Assim, atendendo a que o sujeito passivo NIKE (Sucursal) não justificou e comprovou a imputação dos custos, justifica-se o recurso ao critério definido na alínea a) do n° 3 do art. 50º do CIRC, com vista à correcção de custos para efeitos de determinação do lucro tributável dos exercícios de 2000 e 2001;
- Razão pela qual, o resultado declarado foi corrigido pela forma seguinte:
Exercício 2000 2001
Resultado Declarado € 19.969,64 € 74.846,26
Correcções € 2.455.438, € 1.677.830,94
Resultado Corrigido € 2.475.203,9 €1.752.677,20
...
desta forma, tendo sido entendido pela AT, não se mostrar justificada a majoração dos citados 9% sobre o preço de tais custos, que foram imputados à mesma Sucursal e considerados no apuramento do seu lucro tributável, tendo para o efeito subsumido tal situação na norma do art.º 49.º, n.º3, alínea a) do CIRC (redacção então vigente).

Este art.º 49.º, subordinado à epígrafe Lucro tributável de estabelecimento estável, apresentava a seguinte redacção:
1 – O lucro tributável imputável a estabelecimento estável de sociedades e outras entidades não residentes é determinado aplicando, com as necessárias adaptações, o disposto na secção II.
2 – Podem ser deduzidos como custos para a determinação do lucro tributável os encargos gerais de administração que, de acordo com critérios de repartição aceites e dentro de limites tidos como razoáveis pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, sejam imputáveis ao estabelecimento estável, devendo esses critérios ser justificados na declaração de rendimentos e uniformemente seguidos nos vários exercícios.
3 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, nos casos em que não seja possível efectuar uma imputação com base na utilização pelo estabelecimento estável dos bens e serviços a que respeitam os encargos, são admissíveis como critérios de repartição nomeadamente os seguintes:
a) Volume de negócios;
b) Custos directos;
c) Imobilizado corpóreo.

No caso, como bem se pronunciou a AT, a citada alínea a) do n.º3 do art.º 49.º do CIRC, na realidade, esta norma indica, a título exemplificativo os critérios que a casa mãe ou seja a entidade não residente, deve escolher para poder imputar no estabelecimento estável com sede em Portugal, no caso a referida Sucursal, os encargos gerais de administração e demais encargos (como no caso, seja sobre os custos das vendas), como custos fiscais, ou seja, um critério que garanta algum realismo com a real actividade económica exercida pela casa mãe a favor da sucursal no caso, de molde a que possa existir algum equilíbrio entre aquilo que presta à sucursal e aquilo que esta, em contrapartida, lhe deve pagar, critério que, de resto, sempre teria de ser aceite pela AT, a quem, legalmente lhe cabe controlar (quer o critério quer o respectivo limite), por força desta norma do citado n.º2 do art.º 49.º do CIRC, sendo que o volume de negócios, é logo o constante na sua alínea a), como um dos possíveis e aferidor do desempenho de ambos os entes nesse resultado, que no caso, como nem a impugnante veio colocar em causa, não fez a mesma aferir tal resultado dessa majoração de 9% com base em qualquer critério objectivo como também o não justificou na respectiva declaração de rendimentos, desta forma não podendo o mesmo ser considerado um custo à luz do art.º 23.º, por decorrência da norma deste art.º 49.º, que expressamente regula o apuramento do lucro tributável destas sucursais de entidades não residentes.

A impugnante sustenta, sobretudo, que a sua situação deve ser aferida à luz do art.º 57.º do mesmo CIRC, o que, desde logo num plano sistemático levanta a maior das objecções, que é a de aplicarmos uma norma posterior sem a aplicação de uma anterior, todas elas inseridas no Capítulo da determinação da matéria colectável, art.º 15.º e segs do CIRC, para mais quando esta prevê a exacta situação jurídico-tributária da sucursal na determinação do lucro tributável, nas suas relações com a casa mãe, quanto aos custos comuns e gerais e a respectiva repartição, e o respectivo modo concreto de apuramento do lucro tributável da sucursal (na impossibilidade de apuramento do mesmo lucro com base na sua contabilidade), pelo que sendo a situação tributária desta aqui subsumível, logo não sendo ilegal a consequente liquidação alcançada, não vemos como poderíamos deixar de aplicar esta norma para ir aplicar outra que, eventualmente, ao caso também pudesse ser aplicada.

Por outro lado, também sempre se dirá que, de acordo com a matéria apurada em sede de exame à escrita e não infirmada por qualquer outra, no caso, não existiam duas entidades diferentes com relações especiais entre si, nos negócios em que intervinham, mas sim uma entidade (a casa-mãe), que quanto aos custos das vendas da sucursal, resolveu majorar em 9% para compensar diversos custos (dela, casa-mãe), caindo-se ao fim e ao cabo, nos encargos gerais a que se refere a citada norma do art.º 49.º do CIRC, logo, no respectivo critério de repartição que deve presidir em tais custos gerais da casa-mãe, que não no próprio preço das mercadorias e bens pela mesma directamente fornecidos aos clientes portugueses e que eram facturados pela sucursal (contabilizados, simultaneamente, nas duas entidades).

É certo que a AT não goza de qualquer discricionariedade na subsunção da situação jurídico-tributária de cada contribuinte à respectiva norma de incidência tipificada na lei, como bem se pronuncia a impugnante, mas também é certo que legalmente cabe a esta efectuar tal subsunção na norma que entende ser devida e proceder à liquidação do tributo daí resultante e que, não se mostrando este inquinado de nenhum vício que o afecte na sua legalidade, não pode o mesmo deixar de se manter, sem termos de curar saber se, eventualmente, tal situação fáctica não poderia ser também subsumível em uma outra norma de incidência, por eventual concorrência de duas ou mais normas, desta forma improcedendo a matéria atinente a esta questão.

Na matéria dos art.ºs 79.º e 80.º da mesma petição de impugnação veio ainda a mesma a esgrimir que, em qualquer dos casos, sempre tais custos com tais majorações, deveriam ser considerados como custos fiscais à luz do art.º 23.º do CIRC, por terem sido indispensáveis para a obtenção dos lucros e para a manutenção da fonte produtora, o que desde logo coloca a questão de que tais custos foram desconsiderados por inexistência de um qualquer critério que os justificasse nos seus respectivos montantes, à luz não só deste art.º 23.º do CIRC, mas também à luz do citado art.º 49.º, pelo que só por apelo a esta norma do art.º 23.º do CIRC os mesmos se não poderiam justificar, por nos encontrarmos perante um caso específico de relações entre a casa mãe, entidade não residente, com a sua sucursal, entidade residente, para as quais a citada norma do art.º 49.º dispõe de condições específicas para que os gastos gerais de que a sucursal também beneficiou (onde no caso, também se incluía igual percentagem sobre os custos das vendas dos bens, todos eles fornecidos pela respectiva casa-mãe, que directamente os remetia aos clientes da sucursal portuguesa), possam nesta ser considerados custos na determinação do lucro tributável desta, na exacta medida que, economicamente, deles tenha beneficiado, segundo um qualquer dos critérios possíveis, pelo que só por apelo (a) àquela norma do art.º 23.º não poderia a presente impugnação deixar de se encontrar condenada ao fracasso.


Nestes termos é de conceder provimento ao recurso e de revogar a sentença recorrida, e conhecendo em substituição, de julgar improcedente a impugnação quanto aos demais fundamentos invocados na petição inicial de impugnação judicial.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em conceder provimento ao recurso e em revogar confirmar a sentença recorrida, e conhecendo em substituição, em julgar improcedente a impugnação judicial.


Custas pela recorrida em ambas as instâncias.


Lisboa,27 de Novembro de 2012
Eugénio Sequeira
Aníbal Ferraz
Pedro Vergueiro

(1) Como já então se pronunciava A. José de Sousa e José da Silva Paixão, no seu Código de Processo Tributário, Comentado e Anotado, 4.ª Edição, 1998, págs. 268 e 269, notas 16 e 17, citando dois autores que no mesmo sentido entendiam.
(2) Razão porque, também a recorrida o veio a invocar na matéria do art.º 43.º da sua petição de impugnação judicial, mas fazendo-lhe uma interpretação e aplicação, a contrário.
(3) Cfr. neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do STA de 10-11-2010 e 5-7-2012, recursos n.ºs 640/11 e 671/10, respectivamente.
(4) Que não dos fundamentos invocados pelo recorrida, nas suas contra-alegações, como esta veio a pronunciar-se, já que este Tribunal se encontra a conhecer em substituição do Tribunal “a quo”, constituindo pois o objecto de tal conhecimento, os restantes erros ou vícios assacados na respectiva petição inicial de impugnação judicial.