Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:23/18.3BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2019
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores: FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE DO ACTO ADMINISTRATIVO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA.
Sumário:Estando demonstrado nos autos que o recorrente, em sede de recurso hierárquico, suscitou questões não apreciadas anteriormente no procedimento de 1.º grau, não está devidamente fundamentado o despacho que incidiu sobre o recurso hierárquico que se limita a remeter para informações anteriores que constam do procedimento.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão
I- Relatório
A FAZENDA PÚBLICA interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida nos autos que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por B……, S.A, cujo objecto é o despacho de indeferimento parcial proferido em sede de recurso hierárquico que, por sua vez, versou sobre o indeferimento parcial de reclamação graciosa, procedimentos nos quais se sindicou a legalidade de duas liquidações de Imposto de Selo, relativas aos anos de 1994 e 1995, bem como dos respectivos juros compensatórios, no montante global de € 448.316,16.
Nas alegações, a recorrente formula as conclusões seguintes:
«I - Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, a qual considerou que a decisão no procedimento tributário, quer de reclamação graciosa, quer de recurso hierárquico, estão feridas do vício de falta de fundamentação, ainda ressalva que a decisão do recurso hierárquico careceria do exercício do direito à audição prévia do contribuinte, o que constitui também uma preterição de uma formalidade essencial, devendo, a impugnação ser procedente.
II - A aqui recorrida (que também interpôs recurso da decisão do tribunal a quo), deduziu impugnação judicial, tendo por objeto a anulação das liquidações adicionais de Imposto de Selo, do ano de 1994 e 1995, nessa medida, alegou falta de fundamentação sobre a decisão do recurso hierárquico que incide sobre a decisão neste procedimento, estar indicado "provimento parcial", quando na realidade, foi mantida a decisão anteriormente emanada na reclamação graciosa, assim justificando que a decisão -limita-se a enunciar as conclusões das entidades que estiveram na origem de actos anteriores e a preterição do direito de audição.
III - Assim, a questão sub júdice tem de ser balizada segundo o pedido do Impugnante.
IV - Nesta senda, a douta decisão do tribunal a quo parece estar inquinada primeiramente de excesso de pronúncia por extravasar o pedido elencado pelo Impugnante, na medida que ao estruturar a sua decisão refere que existe falta de fundamentação, quer no procedimento de recurso hierárquico, quer no procedimento de reclamação graciosa (facto que não é controvertido).
V - Por outro lado afere-se que a douta sentença padece também de erróneo no enquadramento nas questões de facto que se subsumem nas questões de direito, isto porque é claro, quer através dos requerimentos realizados pelo Impugnante, quer pelas informações e pareceres ínsitos pela administração fiscal que em ambos os procedimentos discutem-se as divergências no enquadramento e na interpretação da Lei, existindo uma unicidade nos argumentos esgrimidos em ambos os procedimentos.
VI - Refere o requerimento (da reclamação graciosa) que o Reclamante não pode aceitar o resultado apurado pela autoridade fiscal, no que respeita ao Imposto de Selo, na questão prévia levanta o assunto da legitimidade da exigência do Imposto de Selo alegadamente em falta, pondo logo de seguida em causa a legalidade das liquidações, escalpelizando ípsis verbis a mesma temática que requereu no procedimento de recurso hierárquico, procedendo a um mesmo itinerário: no ponto 4. designando a Ilegitimidade da exigência ao recorrente do Imposto do Sela liquidado adicionalmente, no ponto 12. Sobre a Ilegalidade das liquidações de imposto relativas às aberturas de crédito por inexistência de facto gerador de imposto, ponto 23. intitulado Ilegalidade das liquidações de imposto hot moneys.
VII - Além do mais está devidamente demonstrado que no procedimento de recurso hierárquico, existem várias remissões, nomeadamente para o Relatório de inspecção tributária, para onde se remete no ponto 2. da informação "Os funcionários da Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária, que efectuaram a fiscalização ao B…., informaram que, em relação ao exercício de 1994..." , para o parecer da Equipa Jurídico­Económica da 1.ª Direcção de Finanças de Lisboa, concluindo pela manutenção da decisão e fundamentação que já havia deferido parcialmente o pedido da Impugnante, no ponto 3.
VIII- Pelo que constando na douta sentença (página 21) que a fundamentação pode ser feita por adesão, por remissão a anterior parecer, informação, proposta que, neste caso constituirão parte integrante do respectivo acto administrativo, todas as questões jurídicas, nomeadamente conceitos a aplicar no presente caso e enquadramento na Lei.
IX - Foram singelamente aproveitadas as informações emanadas anteriormente, nesta senda deverá considerar-se como estando o procedimento de recursa hierárquico devidamente fundamentado e assim não havendo factos novos, recai sobre o n.º 3 do artigo 60.º da LGT, sendo de aferir que está dispensado o direito de audição pelo que também não poderá ser motivo para proceder o presente pedido.
X - Afere o Reclamante no procedimento do recurso hierárquico que "não concorda com as conclusões proferidas na reclamação”, logo nunca poderemos asseverar que a mesma matéria não teria sido escrutinada em sede de reclamação, porquanto trata-se de contradizer uma conclusão retirada de procedimento anterior, onde não foram trazidos factos novos.
XI - Neste sentido existe uma contradição óbvia de valoração da matéria de facto evidenciada, elencada na douta sentença sobre os factos dados como provados na alínea k).
XII- Não nos podemos conformar que a douta sentença recorrida que padece de nulidade ou, pelo menos, de erro sobre o julgamento de facto, bem como de errónea subsunção dos factos ao direito aplicável, em termos que afetam irremediavelmente a validade intrínseca da sentença por erro de julgamento de facto e de direito, pelas razões expostas.
XIII - É o que importa concluir.
X
O Recorrido, devidamente notificado para o efeito, apresentou as suas contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
«(a) Alega a Recorrente que a sentença recorrida está "inquinada (...) de excesso de pronúncia por extravasar o pedido elencado pelo Impugnante, na medida que (sic) ao estruturar a sua decisão refere que existe falta de fundamentação, quer no procedimento de recurso hierárquico, quer no procedimento de reclamação graciosa (facto que não é controvertido). "
(b) No entanto, não é verdade que o Tribunal a quo se tenha pronunciado sobre a fundamentação ou falta de fundamentação da reclamação que precedeu o recurso hierárquico cuja decisão é contestada, conforme decorre linearmente da análise da sentença recorrida neste segmento, que, na parte relevante, se pronunciou apenas sobre a questão suscitada pelo Recorrido.
(c) A Recorrente não observou o "especial ónus de alegação" que sobre si impendia nos termos do artigo 685.º-B do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi da alínea d) do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, de, nas palavras da jurisprudência, "circunscrever com clareza o âmbito do litígio submetido ao escrutínio judicial, através da explicitação das razões da sua dissidência".
(d) O Recorrido considera que não é possível retirar das alegações de recurso da Recorrente uma conclusão inequívoca quanto aos (alegados) vícios de "contradição de valoração da matéria de facto" "erro sobre o julgamento de facto " que esta imputa à decisão recorrida, o que dificulta as suas contra-alegações, já que não é claro qual o vício assacado à sentença recorrida - oposição entre os fundamentos e a decisão ou erro de julgamento - não sendo desta forma objectivamente possível a Vossas Excelências apreender o sentido da crítica que a Recorrente aponta à decisão do Tribunal a quo, do mesmo passo que o Recorrido não pode contra-alegar de forma adequada, o que deverá ser reconhecido para os efeitos relevantes.
X

A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal, devidamente notificada para o efeito, juntou aos autos o seu douto parecer, no sentido da improcedência do recurso.
X
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação.
2.1.De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
a) O B…… P…… S.A., com sede no Porto, na Praça D. J…. 1, n.°2…, com o NIF 501 525 …, incorporou, por fusão o B..... Impugnante, designado de B….., S.A., NIF n.º 502 257 …. - certidão de registo comercial, junta a fls. 64 e segs. dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
b) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º 20…/98, de 18 de Março, a Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária (DSPIT) da Direcção Geral de Impostos, procedeu a acção de fiscalização ao Impugnante, que incidiu sobre o Imposto de Selo, nos exercícios de 1994 e 1995, por ter constatado a não aplicação do disposto no artigo 1.º da Tabela Geral de Imposto de Selo, nas operações realizadas de concessão de crédito, quer sob a forma de descobertos em depósitos à ordem, quer sob a forma de "outros créditos - Hot Moneys"- Relatório de Inspecção, junto a fls. 78 e segs. do PA, apenso aos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
c) No final da acção de fiscalização, referida na alínea antecedente, foi elaborado o respectivo Relatório de Inspecção, do qual consta, com interesse para os autos, o seguinte:
"(...)1. Exercício de 1994
1.1.Imposto do Selo sobre aberturas de crédito
Nos termos do artigo 1.º da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), a promessa de concessão de crédito, encontra-se sujeita a imposto do selo à taxa de 6%. O B….., no exercício da sua actividade, realizou com os seus clientes operações que, nos termos do citado artigo 1.º se consubstanciam em aberturas de crédito.
1.2. Facilidades de descobertos em conta
Os descobertos em depósitos à ordem (D.O.), configuram aberturas de crédito para efeitos fiscais, de acordo com os conceitos estabelecidos nos art.1.º da TGIS e art.194.º do Regulamento do Imposto do Selo.
O facto tributário que se encontra sujeito a imposto do selo, nos termos dos citados artigos, é a obrigação que o B….. assume de fornecer ao seu cliente fundos e não o crédito concedido, sob a forma de descoberto em D.O., ou qualquer outra.
O crédito, soba forma de descobertos, apresenta-se de uma maneira geral com prazos muito curtos, podendo-se verificar prazos inferiores a um mês.
Genericamente, é nos finais de cada mês que se verificam a maioria dos descobertos, devido às necessidades de tesouraria das empresas (clientes do B….), por apresentarem maiores défices.
A determinação do imposto do selo a liquidar nestas operações, implica a verificação mês a mês dos saldos das contas de D. O. dos clientes do B.....
Na presente acção inspectiva, foram analisadas diversas contas D. O. (cerca de 50), que apresentavam saldos devedores nos finais de cada mês, superiores a 100.000 contos.
A sua maioria comporta situações de falsos descobertos (descobertos técnicos).
Outra ocorrência que merece salientar-se é que, os saldos contabilístico por vezes não correspondem a saldos reais, uma vez que existem operações registada em data diferente da sua data valor.
Assim, procedemos à elaboração de mapas com evidência, cliente a cliente, dos descobertos em D.O., verificados durante todo o ano (Cfr. Anexo n.ºl).
Seguidamente, utilizámos uma metodologia que permitisse, por um lado, determinar o total do imposto do selo devido para todas as situações de descoberto registadas nas contas D. O., no final de cada mês (Cfr. Anexo n.º2) e, por outro, apurar as situações de descobertos técnicos e o I S. que indevidamente foi apurado nos mapas anteriores (Cfr. Anexo n.º3).
O imposto de selo devido pelas operações registadas no final de cada mês (ano de 1994) nas contas D. O. (para os descobertos analisados) totaliza Esc. 106.432.016$00 (Cfr. Anexos n.ºs 2 e 4). A este valor subtraiu-se o imposto do selo determinado sobre as operações registadas, que correspondem a descobertos técnicos, por variados motivos, designadamente: (...)
Estas situações (descobertos técnicos) encontram-se registadas nas contas D.O. dos clientes, com datas valor que transformam os saldos devedores em credores. O Imposto que lhes corresponde totaliza Esc. 63.117.516 (Cfr. Anexos n.ºs 3 e 4).
O resultado apurado de Esc. 43.314.500$00 (106.432.016$00-63.117.516$00) traduz o imposto do selo devido nos descobertos em D.O., verificados no ano de 1994).
Dado que o contribuinte não justificou qualquer liquidação de imposto do selo para as situações em apreço e nas contas D. O. analisadas (Ano de 1994), não se encontrou registado imposto do selo relativamente a crédito concedido, o montante total do imposto não liquidado pelo banco e a corrigir, corresponde ao total do imposto devido Esc. 43.314.500$00 (cfr. Anexo n.º4).
1.3.0utros Créditos - "Hot-m….."
Da análise efectuada à conta "220…-C…. Interno-Outros C…..", verificámos os registos contabilísticos de operações de crédito, cujos montantes se apresentavam elevados.
Estas operações de crédito, normalmente realizadas por períodos muito curtos e para montantes elevados, com prazos que podem ir, normalmente, de 2, e dias a 90 dias, traduzem financiamentos de curto prazo que têm como finalidade a cobertura de necessidades pontuais de tesouraria das empresas, operações denominadas internacionalmente como sendo operações de "Hot M…." e se consubstanciam em aberturas de crédito, nos termos em que são definidas no art. 1.º da TQABELA Geral do Imposto de Selo.
(...) Assim, para as operações de crédito de curto prazo "Hot M…. ", que se configuram em aberturas de crédito, nos termos do Art.1.º da TGIS, apurámos o total de imposto do selo devido, no montante de Esc. 123.187.800$00. O B…. não justificou qualquer entrega de imposto relativo a crédito concedido referente a este financiamentos e as D.º.s analisadas (Ano de 1994) também não evidenciam o registo de imposto do selo para este tipo de crédito.
O total do imposto do selo a corrigir, nos termos do Art.l. 0 da TGIS é o referido valor de Esc. 123.187.800$00 (Cfr Anexo n.º 5).
(...)
Exercício de 1995
2.1. Imposto do Selo sobre aberturas de crédito
Nos termos do artigo 1.º da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), a promessa de concessão de crédito, encontra-se sujeita a imposto do selo à taxa de 6%. O B…., no exercício da sua actividade, conforme já acontecia em 1994, realizou com os seus clientes operações que, nos termos do citado artigo 1.º se consubstanciam em aberturas de crédito.
2.2. Facilidades de descobertos em conta
Os procedimentos adaptados na análise deste ponto foram idênticos aos do exercício anterior. A este propósito ver ponto 1.2.
As contas de depósitos à ordem (D.O.) analisadas em que se verificaram situações de descobertos em 1995, com saldos devedores nos finais de cada mês, iguais ou superiores a 100.000 contos, elevaram-se a cerca de 70.
A sua maioria comporta situações de falsos descobertos (descobertos técnicos).
Outra ocorrência que merece salientar-se é que, os saldos contabilístico por vezes não correspondem a saldos reais, uma vez que existem operações registada em data diferente da sua data valor.
Assim, procedemos à elaboração de mapas com evidência, cliente a cliente, dos descobertos em D.O., verificados durante todo o ano (Cfr. Anexo n.º7).
Seguidamente, utilizámos uma metodologia que permitisse, por um lado, determinar o total do imposto do selo devido para todas as situações de descoberto registadas nas contas D.O., no final de cada mês (Cfr. Anexo n.º8) e, por outro, apurar as situações de descobertos técnicos e o I S. que indevidamente foi apurado nos mapas anteriores (Cfr. Anexo n.º9).
(...)
O imposto de selo devido pelas operações registadas no final de cada mês (ano de 1995) nas contas D.O. (para os descobertos analisados) totaliza Esc.152.384.706$00 (Cfr. Anexos n.ºs 8 e 10). A este valor subtraiu-se o imposto do selo determinado sobre as operações registadas, que correspondem a descobertos técnicos, pelos mesmos motivos, que foram referidos no ponto 1.2. (...)
Estas situações (descobertos técnicos) encontram-se registadas nas contas D.O. dos clientes, com datas valor que transformam os saldos devedores em credores. O Imposto que lhes corresponde totaliza Esc. 142. 782.316 (Cfr. Anexos n.ºs 9 e 10.
O resultado apurado de Esc. 9.602.390$00 (152.384. 706$00 - 142. 782.316$00) traduz o imposto do selo devido nos descobertos em D.O., verificados no ano de 1995).
Dado que o contribuinte não justificou qualquer liquidação de imposto do selo para as situações em apreço, o montante total do imposto não liquidado pelo banco e a corrigir, corresponde ao total do imposto devido Esc. 9.602.390$00 (cfr. Anexo n.º10.
(...)
3.1.4.Total das correcções do Imposto do Selo no exercício.
O total de imposto do selo a liquidar no exercício de 1994 é de Esc. 169.103.044$00, discriminado por meses, no seguinte quadro:
(...)
3.2.2.Total das correcções do Imposto do Selo no exercício.
O total de imposto do selo a liquidar no exercício de 1995 é de Esc. 9.602.390$00, discriminado por meses, no seguinte quadro:
(...) - citado Relatório.
d) Na sequência da Acção de Inspecção e da matéria colectável apurada em sede de Imposto de Selo, conforme descrito no Relatório de Inspecção, supra transcrito, foi o ora Impugnante regularmente notificado das liquidações adicionais de Imposto de selo n.ºs 4641… e 4641…, relativas aos anos de 1994 e 1995, nos montantes respectivamente de Esc. 169.103.044$00 (€ 843.482,43) e de Esc. 9.602.390$00 (€ 47.896,52) e respectivos juros compensatórios - liquidações juntas ao PA, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos.
e) Inconformado com as liquidações identificadas na alínea antecedente, em 03/08/1999, o ora impugnante reclamou graciosamente das mesmas - articulado de reclamação graciosa de fls. 3 e segs. do Apenso de Reclamação Graciosa, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
f) Concretamente, em sede do procedimento de reclamação graciosa, foram invocados pelo ora Impugnante, os seguinte fundamentos:
1- Ilegitimidade do Reclamante por não ser, nos exercícios de 1994 e 1995, o sujeito passivo do imposto nem sobre ele impender qualquer responsabilidade solidária que legitimasse lhe fosse exigido o pagamento de l.S., previamente à demanda do devedor originário, requerendo a anulação total das liquidações;
2- Subsidiariamente, a inexistência de facto gerador na imposto, por ausência de documento escrito (artigo 1.º da TGIS à data em vigor), relativamente às aberturas de crédito, nos montantes totais de Esc. 174.066.029$00 (€ 868.237,69) e respectivos juros compensatórios, requerendo a anulação parcial das liquidações;
3- Ainda subsidiariamente, a errónea aplicação dos princípios que regiam, às datas, a aplicação do artigo 1.º da TGIS, requerendo a anulação parcial das liquidações de I.S., nos montantes de Esc. 116.951.873$00 (€ 583.353,48) e respectivos juros compensatórios - citado articulado de Reclamação Graciosa
g) Em sede do procedimento de reclamação graciosa, foi a ora Impugnante regularmente notificada para o exercício de audição prévia, por ofício registado expedido em 04/02/2000, não tendo usado da referida faculdade, no prazo legal - informação de fls. 59 e ofício de fls. 306 do PA, cujos conteúdos aqui se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos e facto admitido por acordo das partes.
h) Em Abril de 2000, foi proferido despacho de indeferimento parcial da reclamação graciosa, não tendo sido aceites os argumentos referidos em 1) da alínea antecedente e tendo sido parcialmente aceites os argumentos referidos em 2) e 3) da alínea antecedente, de que resultou Imposto de Selo a pagar, nos montantes de Esc. 80.448.724$00 (€ 401.276,54) para o ano de 1994 e de Esc. 9.430,596$00 (€ 47.039,61) para o ano de 1995, totalizando a dívida a quantia global de Esc. 89.879.320$00 (€448.316,16) - decisão de reclamação graciosa de fls.307 e segs. do PA, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
i) Com interesse para os autos, é a seguinte a fundamentação do indeferimento/deferimento parcial da reclamação graciosa:
"Não procede o pedido de anulação total da liquidação ora em análise por ilegitimidade de exigência do imposto de selo à reclamante, porque nos termos do n.º3 do artigo 1.º da TGIS, a responsabilidade pela liquidação e pagamento do imposto devido pelas operações em causa, e das instituições de crédito que as realizem.
Não procede igualmente o pedido de anulação parcial com base na pretensa falta do elemento formal (suporte escrito), conforme ponto 5.2. da presente informação, salientando-se que a própria reclamante reconhece que estão reunidos os pressupostos de incidência do imposto de selo, quando alega que o mesmo já foi pago no contrato inicial, não sendo por tal facto devido nas sucessivas utilizações.
Tendo em conta o entendimento da A.F sobre esta matéria, vide ponto 5.3.1., será de atender a pretensão da reclamante, nos casos em que estando pago o imposto sobre aberturas de crédito, se verifiquem sucessivas utilizações sem ultrapassar o montante inicialmente concedido como limite de crédito (abertura de crédito em conta corrente).
Nestes termos entende-se ser de anular imposto no montante de esc. 3.714.314$00, relativo a descobertos em D.O., acrescido dos respectivos juros compensatórios, conforme ponto 5.3.2. e anexos 1 e 2 da presente informação.
No que se refere a “Hot Moneys", entende-se não ser de aplicar o conceito de abertura de crédito em conta corrente, conforme ponto 5.3.3. da presente informação, porque se trata de operações de curto prazo, que se esgotam com o cumprimento ou eventualmente com a celebração de novo contrato, correspondendo cada contrato a uma abertura de crédito simples, com uma data de início e uma data de vencimento, e como tal sujeita a imposto.
Verifica-se no entanto que foi apurado imposto em “Hot M..... ", relativamente a operações isentas ou não sujeitas, ou ainda que se encontrava já pago, pelo que se entende ser de anular imposto no montante de esc. 85.111.800$00, acrescido dos respectivos juros compensatórios, conforme referido no ponto 5.3.3. (...)" - citada decisão de reclamação graciosa.
j) Não se conformando com a decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa, em 29/05/2000 a ora Impugnante recorreu dela hierarquicamente - articulado de recurso hierárquico, junto ao respectivo procedimento, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
k) Em síntese, em sede de recurso hierárquico, foram invocados, pelo ora Impugnante os seguintes fundamentos, que não haviam sido suscitados no procedimento de reclamação graciosa:
"4 -Respondendo aos argumentos deduzidos pelo recorrente na reclamação conclui a Direcção Distrital de Finanças que " de acordo com o n.º3 do artigo 1.º da TGIS, a responsabilidade pela liquidação e pagamento do imposto de selo devido pelas operações de aberturas de crédito é das instituições de crédito que realizem essas operações, pelo que não procede o pedido de anulação total da liquidação em análise (...)
5- O recorrente não aceita esta conclusão nem as respectivas consequências, na medida em que baseia numa leitura errada da lei, erro este que se verifica aos dois níveis em seguida indicados.
6- Com efeito, o número 3 do artigo 1.º da TGIS, vigente até 1 de Março de 2000, apenas foi introduzido pela Lei n.º 39-B/94 de 27 de Dezembro (OE para 1995), pelo que, não era aplicável em 1994, ano a que respeita uma das liquidações adicionais contestadas. Não pode, consequentemente, ser invocado como resposta à argumentação do recorrente quanto ao ano de 1994, que em consequência se mantém válida.
7- E, ainda que assim não fosse, e igualmente por referência ao ano de 1995, o n.º3 do artigo 1.º da TGIS, vigente até 1 de Março de 2000, não respeita às operações praticadas pelo recorrente, já que abrangia apenas as operações referidas no n. º1 do mesmo artigo, ou seja, as aberturas de crédito realizadas a favor de entidades residentes em território nacional, por instituições de crédito e sociedades financeiras estabelecidas no estrangeiro ou por filiais, sucursais ou agências no estrangeiro de instituições de crédito, sociedades financeiras e outras entidades a ela legalmente equiparadas com sede no território nacional.
13- As liquidações contestadas partem do princípio de que existiram aberturas de crédito, no sentido literalmente preconizado pelo artigo 1.º da TGIS,.."" (...)
14- Á argumentação a este propósito apresentada pela recorrente, vem a Direcção Distrital contrapor a definição de abertura de crédito, preconizada por parte da doutrina, que dispensa a forma escrita, bem como a "Informação n.º 10… de 19947041…".
15- Mais uma vez, a análise efectuada pela Direcção Distrital de Finanças peca por insuficiente (...): o recorrente limitou-se a invocar o conceito de abertura de crédito para efeitos de Imposto de Selo, porque apenas esse releva para efeitos da incidência de imposto, e como tal, para a análise das liquidações adicionais.
16 - O conceito preconizado pelo legislador fiscal exigia, de facto, a existência de um documento escrito, e não se vê como tal conclusão pode ser contestada (como não o foi pela Direcção Distrital de Finanças) (...) "- citado articulado de recurso hierárquico.
l) O ora impugnante não foi notificado para o exercício de audição prévia, em sede do procedimento de recurso hierárquico - facto admitido por acordo das partes.
m) Em 20/12/2012, foi dado "provimento parcial" ao recurso hierárquico, pelo Subdirector-Geral dos Impostos, por despacho proferido a 20/12/2002, por sub­ delegação de competências, publicada na 11.3 Série do Diário da República n.0 219, de 21109/2002, tendo sido fixados os montantes de Esc. 80.448.724$00 (€ 401.276,54) de Imposto de Selo para o ano de 1994 e de Esc. 9.430,596$00 (€ 47.039,61) para o ano de 1995, totalizando o Imposto de Selo, a quantia global de Esc. 89.879.320$00 (€448.316,16) - decisão de recurso hierárquico, junto ao respectivo procedimento, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.
n) Com interesse para os autos, consta da decisão do recurso hierárquico o seguinte:
- Dos Pontos 1.1. a 1.7.3. consta o Relatório, isto é, aquilo que o recorrente vinha peticionar à AT;
- Dos Pontos 2.1. ao ponto 2.5. as situações verificadas pelos funcionários da DSPIT, aquando da Inspecção ao ora Impugnante;
- Dos pontos 3.1. a 3.5. o parecer da Equipa Jurídica Económica da l.ª Direcção de Finanças de Lisboa, isto é, os argumentos utilizados no sentido do deferimento parcial da reclamação graciosa;
- Do ponto 4. ao ponto 4.2. a informação da Divisão dos Impostos do Selo e Sucessões e Doacções e a concordância da técnica da Direcção Geral de Impostos, no sentido de se proceder à anulação das liquidações, conforme decidido em sede da reclamação graciosa - citada decisão.
Em sede de fundamentação da matéria de facto, consignou-se:
«4.3
FACTOS NÃO PROVADOS:
Inexistem factos não provados com relevância para as questões que cumpre apreciar.
4.4.
MOTIVAÇÃO DO TRIBUNAL
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados, na análise dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo que lhe foi junto, bem como do conteúdo dos documentos insertos nos procedimentos de reclamação graciosa e de recurso hierárquico, apensos aos autos, cujo conteúdo não foi impugnado pelas partes.»
X
2.2. De Direito
2.2.1. Nos presentes autos, é sindicada a sentença proferida que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por B........, S.A, cujo objecto é o despacho de indeferimento parcial proferido em sede de recurso hierárquico que, por sua vez, versou sobre o indeferimento parcial de reclamação graciosa, procedimentos nos quais se sindicou a legalidade de duas liquidações de Imposto de Selo, relativas aos anos de 1994 e 1995, bem como dos respectivos juros compensatórios, no montante global de € 448.316,16.
Pese embora a acção ter sido intentada como recurso contencioso de anulação do despacho questionado, os autos foram convolados em impugnação judicial das liquidações em apreço, por despacho proferido pelo tribunal recorrido, a fls. 106/108.
2.2.2. Para julgar procedente a presente impugnação judicial, a sentença considerou fundados os vícios de falta de fundamentação e de preterição de audição prévia de que enfermaria a decisão do recurso hierárquico.
2.2.3. A presente intenção recursória centra-se sobre as questões seguintes:
i) Excesso de pronúncia, porquanto a sentença pronuncia-se sobre a falta de fundamentação, seja do despacho que apreciou o recurso hierárquico (acto impugnado), seja sobre o despacho que incidiu sobre a reclamação graciosa (o que não foi objecto de impugnação).
ii) Erro de julgamento, porquanto a decisão do recurso hierárquico em apreço mostra-se devidamente fundamentada.
iii) Erro de julgamento, porquanto a decisão do recurso hierárquico não observou, nem tinha de observar, no caso, o direito de audição prévia.
2.2.4. Antes de mais, cumpre precisar o objecto do presente recurso jurisdicional, tendo presente o segmento decisório em crise.
A sentença julgou procedente a impugnação, cujo objecto identifica como sendo o seguinte: «o despacho de indeferimento parcial proferido em sede de recurso hierárquico que, por sua vez, versou o indeferimento parcial de reclamação graciosa, procedimentos nos quais sindicou a ilegalidade de duas liquidações de Imposto de Selo, relativas aos anos de 1994 e 1995, bem como dos respectivos juros compensatórios, no montante global de €448.316,16».
A decisão do recurso hierárquico, elevada à alínea m), do probatório, corresponde a decisão que nega provimento ao recurso hierárquico e confirma a decisão proferida pela AT, no procedimento de reclamação graciosa, referida na alínea h), do probatório.
Como se escreveu no despacho do relator de 27.05.2019, sem contestação pelas partes, «[a] presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios de que enferma o julgado por referência às decisões procedimentais impugnatórias das liquidações adicionais em apreço, deixando as mesmas intocadas. Ou seja, o que está em causa é o segmento decisório que anulou as decisões dos procedimentos administrativos impugnatórios, deixando incólumes os actos tributários impugnados.
De onde resulta que o tribunal conhecerá do objecto do recurso nos termos delimitados».
Mais se refere que, pese embora o recorrido ter interposto recurso jurisdicional contra a sentença, o mesmo foi rejeitado por falta de legitimidade processual (fls. 197), decisão já transitada em julgado.
De onde resulta que apenas está em causa nos autos o segmento decisório que decidiu anular a decisão do recurso hierárquico que manteve na ordem jurídica a decisão da reclamação graciosa deduzida contra as liquidações em causa.
2.2.5. No que respeita ao alegado excesso de pronúncia, cumpre referir que é nula a sentença que conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (artigo 615.º/1/d), in fine, do CPC).
Compulsados os autos, verifica-se que a sentença recorrida não enferma do vício que lhe é apontado. A mesma apreciou os vícios de falta de fundamentação e de preterição de audição prévia do contribuinte, tendo por referência o despacho que decidiu o recurso hierárquico e a sua fundamentação de suporte (alíneas m) e n), do probatório). Julgando procedente o pedido anulatório, a sentença determinou a anulação do despacho impugnado, com base nos vícios formais detectados. O que corresponde ao solicitado na petição inicial.
De onde se impõe concluir no sentido da improcedência da presente imputação.
2.2.6. No que respeita ao erro de julgamento, por referência ao vício de preterição de audição prévia, no âmbito do procedimento que antecede a decisão do recurso hierárquico.
A este propósito, escreveu-se na sentença recorrida o seguinte:
«ln casu não ocorre nenhum dos casos legais de dispensa legal de audição, previstos no n.º2 da citada disposição, pois que, como vimos o recurso foi parcialmente desfavorável ao recorrente (aliás, o recurso hierárquico limitou-se a manter a decisão anteriormente tomada em sede de reclamação graciosa).
Invoca, contudo, a AT que, uma vez que o Impugnante já havia sido anteriormente ouvido, em sede do procedimento de reclamação graciosa, é dispensada a sua audição em sede de recurso hierárquico (procedimento de 2.º grau), nos termos do disposto no n.º3 do artigo 60.º da LGT.
E, efectivamente assim é, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais o contribuinte ainda se não tenha pronunciado (n.º3 in fine do artigo 60.º.
Ora, como vimos, no ponto anterior, em sede de recurso hierárquico, o ora Impugnante veio invocar novos factos em sede de recurso hierárquico, que não havia suscitado em sede de reclamação graciosa, nomeadamente que o n.º 3 do artigo 1.º da TGIS, foi introduzido pela Lei n.º 39-B/94 de 27 de Dezembro, pelo que não era aplicável à liquidação relativa a 1994, ora em crise.
Vejamos.
No que respeita ao direito de audição do contribuinte, para além do disposto nos artigos 60.º da LGT[1] e 45.º do CPPT (“Contraditório”)[2]
, rege o disposto nos artigos 100.º a 105.º do CPA (então vigente), ex vi artigo 2.º/d), do CPPT.
Estatui o artigo 100.º/1, do CPA que «[c]oncluída a instrução, e salvo o disposto no artigo 103.º, os interessados têm direito a ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta».
Dispõe o artigo 103.º (“Inexistência ou dispensa de audiência dos interessados”), n.º 2 do CPA, que «[o] órgão instrutor pode dispensar a audiência dos interessados // a) Se os interessados já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas».
Sobre o direito de audição do contribuinte no âmbito do procedimento de recurso hierárquico são pontos firmes os seguintes:
Sobre o direito de audição do contribuinte no âmbito do procedimento de recurso hierárquico são pontos firmes os seguintes:
i) «Nos procedimentos de segundo grau, de que são exemplo as reclamações e os recursos hierárquicos, sempre que não existam factos novos capazes de influenciar a decisão final e o contribuinte já tenha sido ouvido sobre a factualidade em discussão no procedimento anterior aos ditos reclamação ou recurso. Nestes casos, não haverá qualquer obstáculo à dispensa do direito de audiência, por ele ter sido já assegurado noutra fase do procedimento e não se verificarem alterações da situação factual. Trata-se de casos em que só em termos formais, relativamente a um procedimento parcelar, se pode falar em dispensa do direito de audiência, uma vez que ele foi assegurado e, não havendo alteração da situação de facto, deve considerar-se já exercido (cfr.artº.60, nº.3, da L.G.T, na redacção de natureza interpretativa introduzida pelo artº.13, nº.1, da Lei 16-A/2002, de 31/5)»[3].
ii) «O direito de audição não se aplica necessariamente aos chamados procedimentos de segundo grau, incluindo reclamações ou recursos hierárquicos. De acordo com o princípio da unidade do procedimento, apenas quando, nos procedimentos de segundo grau, se abrir nova fase instrutória, tem lugar o direito de audição. Não há, nos procedimentos de segundo grau, direito de audição, quando a decisão se deva basear nos mesmos factos em que se baseou a decisão anterior»[4].
iii) «A falta de audição da recorrida antes da decisão de indeferimento do recurso hierárquico que havia interposto consubstancia preterição de formalidade essencial com efeitos invalidantes, sobre o mesmo recurso na circunstância de terem sido invocados novos fundamentos, e nova matéria de facto»[5].
A tese da recorrente assenta na asserção segundo a qual «é claro, quer através dos requerimentos realizados pelo Impugnante, quer pelas informações e pareceres ínsitos pela administração fiscal que em ambos os procedimentos discutem-se as divergências no enquadramento e na interpretação da Lei, existindo uma unicidade nos argumentos esgrimidos em ambos os procedimentos». De onde extrai a ideia de que não existem, nem facto, nem argumentos novos a apreciar em sede de recurso hierárquico.
Ao invés, da sentença consta que «como vimos, no ponto anterior, em sede de recurso hierárquico, o ora Impugnante veio invocar novos factos em sede de recurso hierárquico, que não havia suscitado em sede de reclamação graciosa, nomeadamente que o n.º 3 do artigo 1.º da TGIS, foi introduzido pela Lei n.º 39-B/94 de 27 de Dezembro, pelo que não era aplicável à liquidação relativa a 1994, ora em crise. // Invocou ainda o Impugnante que, o n.º3 do artigo 1.º da TGIS, não respeita às operações praticadas pelo recorrente, já que abrangia apenas as operações referidas no n.º1 do mesmo artigo, ou seja, as aberturas de crédito realizadas a favor de entidades residentes em território nacional, argumentos que não havia suscitado na fase anterior do procedimento».
Apreciando.
Recorde-se que a impugnante exerceu o direito de audição prévia em sede de procedimento de reclamação graciosa (alínea g) do probatório).
O procedimento do recurso hierárquico e os actos no seu âmbito praticados pela AT, constam das alíneas k), l), m) e n), do probatório. O requerimento do recurso hierárquico consta da alínea k). Por seu turno, o teor da decisão do procedimento é a que consta das alíneas m) e n).
Os fundamentos que sustentam o requerimento de recurso hierárquico assentam em novas linhas de argumentação, aduzidas com vista a reverter a decisão proferida no procedimento administrativo de 1.º grau, sem que se apure a invocação de factos novos que impunham a reabertura da instrução do procedimento. De onde resulta que a observância do direito de audição prévia mostra-se assegurada através do cumprimento da diligência em sede de reclamação graciosa. Pelo que, perante o mesmo quadro factual, o órgão ad quem não tinha de realizar nova audição prévia, como sucedeu, no caso em exame. Tal não significa, porém, a preterição do direito de participação do contribuinte na formação das decisões da AT, dado que o mesmo já emitiu sobre a materialidade fáctica relevante em momento anterior do procedimento.
Em face do exposto, não se vê como acompanhar a tese que fez vencimento na instância de que ocorreu preterição do direito de audição prévia do recorrido. Pelo que o acto sob escrutínio não enferma do vício referido.
Ao decidir em sentido divergente, a sentença recorrida incorreu em erro, pelo que deve ser substituída por decisão que julgue improcedente o presente fundamento da impugnação.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.7. No que respeita ao erro de julgamento, por referência ao vício de falta de fundamentação do despacho incidente sobre o recurso hierárquico.
A argumentação da recorrente assenta em que existe uma contradição no julgamento da matéria de facto e que a decisão do recurso hierárquico assentou em fundamentação por remissão.
Vejamos.
O preceito do artigo 77.º da LGT enuncia os requisitos da fundamentação do acto tributário. «A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integram o relatório da fiscalização tributária» - n.º 1. «A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações da matéria tributável e do tributo» - n.º 2.
«A fundamentação do acto tributário tem de expressar-se em um discurso contextual, formal, acessível, congruente e suficiente para dar a conhecer ao contribuinte, pressuposto como um contribuinte normal colocado nas circunstâncias concretas do recorrente, as razões de facto e de direito que levaram a administração a praticá-lo, variando a exigência de densificação daquele discurso em função do tipo de acto e da participação ou não participação do contribuinte no procedimento da sua formação»[6]. «[E]xige-se que o sujeito passivo da relação jurídica de imposto (destinatário normal), perante o itinerário valorativo e cognoscitivo em que se baseou o acto decisório, esteja razoavelmente habilitado a conhecer integralmente os fundamentos que levaram o decisor tributário a firmar o entendimento num sentido e não noutro qualquer. Pelo que a decisão procedimental considera-se fundamentada, independentemente da sua concordância, caso exista congruência e clareza, susceptível de ser perceptível para qualquer destinatário normalmente diligente que com a mesma se confronte». Os critérios de aferição do preenchimento do dever de fundamentação são, pois, os da suficiência, clareza e congruência[7].
O artigo 125.º do CPA determinava que: «1. A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto. // 2.Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto».
A fundamentação deve, pois, ser explícita, incisiva e precisa, deve ser congruente (e não ambígua ou contraditória) e deve ser suficiente, no sentido que deve dar conta da análise factual e do quadro legal em que se baseou[aram] o[s] critério[s] de decisão ínsito[s] ao acto tributário[8].
Considerando a matéria de facto assente e ao invés do defendido pela recorrente, não se vislumbra na fundamentação que suporta o acto sob escrutínio qualquer referência às questões suscitadas pela requerente, em sede de recurso hierárquico. Tais questões constam da alínea k), da matéria de facto assente. Cumpre, pois, reiterar o já explicitado por parte da sentença recorrida, quando sustenta que: «[r]efere o Impugnante que invocou em sede de recurso hierárquico que, o número 3 do artigo 1.º da TGIS, apenas foi introduzido pela Lei n.º 39-B/94 de 27 de Dezembro (OE para 1995), pelo que, não era aplicável em 1994, ano a que respeita uma das liquidações adicionais contestadas e que não houve pronúncia sobre a referida questão. // Refere o Impugnante que, ainda que assim não fosse, e igualmente por referência ao ano de 1995, o n.º3 do artigo 1.º da TGIS, não respeita às operações praticadas pelo recorrente, já que abrangia apenas as operações referidas no n.º 1 do mesmo artigo, ou seja, as aberturas de crédito realizadas a favor de entidades residentes em território nacional, por instituições de crédito e sociedades financeiras estabelecidas no estrangeiro ou por filiais, sucursais ou agências no estrangeiro de instituições de crédito, sociedades financeiras e outras entidades a ela legalmente equiparadas com sede no território nacional. // Também não obteve resposta quanto a esta questão». Por outras palavras, da petição de recurso hierárquico consta a alegação circunstanciada relativa aos itens “Ilegalidade das liquidações de imposto relativas às aberturas de crédito por inexistência de facto gerador de imposto” e “Ilegalidade das liquidações de imposto nos hot moneys”. Na medida em que o acto sob escrutínio se limita a remeter para informações anteriores que constam do procedimento, falta uma pronúncia expressa do órgão ad quem sobre as questões suscitadas.
Em face do exposto, impõe-se concluir que o acto administrativo mostra-se suportado em fundamentação insuficiente, dado que o mesmo limitou-se a reiterar o já explicitado em sede de reclamação graciosa, sem apreciar os argumentos aduzidos em sede de recurso hierárquico, por parte do requerente (alíneas k) e n), do probatório).
Em face do exposto, impõe-se confirmar o veredicto que fez vencimento na instância, no sentido da anulação do despacho que incidiu sobre o recurso hierárquico, em virtude de tal despacho padecer do vício de falta de fundamentação, dado que o mesmo não enferma do erro que lhe é imputado.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
Do exposto resulta que o segmento decisório em crise, por meio do qual foi determinada a anulação do despacho relativo ao recurso hierárquico em apreço deve ser mantido na ordem jurídica, ainda que com a presente fundamentação.
DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, sem prejuízo da dispensa que assiste à Fazenda Pública – processo de Março de 2003.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunto)
(2º. Adjunto)

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[1] «1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas: // a) Direito de audição antes da liquidação; // b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições; //c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal; //d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos; // e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária. // 2 - É dispensada a audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável. // 3 - O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte. // 4 - Em qualquer das circunstâncias referidas no n.º 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação. // 5 - O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição, não pode ser inferior a 8 nem superior a 15 dias. // 6 - Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.
[2] «1 - O procedimento tributário segue o princípio do contraditório, participando o contribuinte, nos termos da lei, na formação da decisão.
2 - O contribuinte é ouvido oralmente ou por escrito, conforme o objectivo do procedimento.
3 - No caso de audiência oral, as declarações do contribuinte serão reduzidas a termo».
[3] Acórdão do TCAS de 13.11.2014, P. 07564/14.
[4] António Lima Guerreiro, LGT, anotada, Rei dos Livros, 2000, p. 278.
[5] Acórdão do STA, de 24-01-2018, P. 0756/17.
[6] Acórdão do STA, de 15.12.1999, P. 024143.
[7] Acórdão do TCAS, de 13.10.2016, P. 08848/15.
[8] Neste sentido, V. PAULO MARQUES e CARLOS COSTA, A liquidação de imposto e a sua fundamentação, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, pp. 70/74. V. também Acórdão do TCAS, de 14.04.2015, P. 06984/13.