Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03606/08
Secção:CA - 2º. JUIZO
Data do Acordão:12/04/2014
Relator:ESPERANÇA MEALHA
Descritores:RECLASSIFICAÇÃO PROFISSIONAL; TÉCNICO ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA ADJUNTO
Sumário:I – Está jurisprudencialmente assente que o artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 497/99 estabelece um regime especial de reclassificação de funcionários, de caráter obrigatório, aplicável apenas a situações de desajustamento funcional subsistentes à data da sua entrada em vigor, no âmbito do qual não é requisito da reclassificação a frequência e aprovação em estágio.
II – Constatando-se que nenhuma das Recorrentes exerceu funções que abarcassem a globalidade ou pelo menos o “núcleo duro” do conteúdo funcional da categoria dos liquidadores tributários (Técnico de Administração Tributária Adjunto, nível 1), forçoso é concluir que não preenchem os requisitos cumulativos previstos no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 497/99.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, 2.º Juízo, do Tribunal Central Administrativo Sul


I. Relatório
A…... P…..;A….. G…….; A….. T……; C…… A……; e Z…… C…… intentaram ação administrativa especial contra o MINISTÉRIO DAS FINANÇAS E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (atualmente MINISTÉRIO DAS FINANÇAS), na qual foi proferido acórdão pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que decidiu o seguinte:
a) Absolver a Entidade Demandada dos pedidos formulados pela Autora A…… P……, salvo face ao pedido de declaração de ilegalidade do Regulamento de Estágio, por caducidade do direito de Acção;
b) Não Condenar a Entidade Demandada na reconstituição da carreira profissional das restantes Autoras, mediante a sua reclassificação na categoria de Técnico de Administração Tributário de grau 1;
c) Não declarar a ilegalidade do regulamento de estágio para ingresso na categoria de técnico de administração tributária-adjunto do grau 1 do grupo de pessoal da administração tributária, publicado no DR, II série, nº136, de 18 de Julho de 2005;
d) Condenar a Entidade Demandada a pronunciar-se face ao requerimento da Autora A…… G……, em resposta ao oficio nº 7612, de 18 de Outubro de 2005 da DGI, que dirigiu, em 7 de Novembro de 2005, ao Director-Geral dos Impostos;
e) Condenar a Entidade Demandada a pronunciar-se face ao requerimento da Autora A…… T……, em resposta ao oficio nº 7616, de 18 de Outubro de 2005 da DGI, que dirigiu, em 7 de Novembro de 2005, ao Director-Geral dos Impostos
f) Condenar a Entidade Demandada a pronunciar-se face ao requerimento da Autora C…… A……, em resposta ao ofício n°7614, de 18 de Outubro de 2005, da DGI, que dirigiu, em 7 de Novembro de 2005, ao Director-Geral dos Impostos.
g) Condenar a Entidade Demandada a pronunciar-se face ao requerimento da Autora Z…… C……, em resposta ao oficio n° 7643, de 18 de Outubro de 2005, da DGI, que dirigiu, em 7 de Novembro de 2005, ao Director-Geral dos Impostos.
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Inconformadas, asAutores interpõem recurso, concluindo as suas alegações como se segue:
1.° No início do ano de 2000 as AA. e Recorrentes deram entrada de um requerimento na Direcção Geral dos Impostos, onde, em virtude de terem sempre exercido funções diversas às das contempladas na sua categoria profissional, requeriam a sua reclassificação Profissional para a carreira de Técnico de Administração Tributária Adjunto.
2.° Fizeram-no ao abrigo do disposto no art.°15° do Decreto Lei 497/99, desde logo porque à data já tinham o tempo de serviço exigido, sendo certo que tal reclassificação era a que seguiria o regime especial, porque se tratar de mecanismo de utilização imediata e obrigatória. Donde,
3.° A Entidade Demandada estaria obrigada a reclassificar imediatamente as aqui Recorrentes, uma vez verificados os pressupostos legalmente exigíveis pois tratava-se de uma reclassificação obrigatória que, necessariamente, teria de ter tido lugar nos 180 dias posteriores à entrada em vigor do Dec. Lei n°497/99.
4.° Compulsadas as funções efectivas das aqui AA. e Recorrentes, o que se retira é que deveriam ser reclassificadas com a categoria de liquidador tributário, o que, aliás, foi expressamente reconhecido pela Direcção Geral de Contribuições e Impostos, a qual, dando como assente que estavam reunidos os pressupostos necessários para a reclassificação das mesmas (incluindo-se aqui, o respectivo conteúdo funcional de cada uma), entendeu todavia sujeitá-las a um procedimento não previsto em termos legais. No seguimento,
5.° Em vez de proceder à reclassificação daqueles (dos que exercem funções desajustadas) junto dos serviços onde exercem as suas funções e nos moldes em que os AA. e Recorrentes haviam requerido, a Direcção-Geral de Impostos entendeu faz iniciar um novo processo, desta feita obrigando-os a efectuarem exames e um estágio, fora do serviço onde estiveram colocados,
6.° Fazendo depender a reclassificação da existência de vagas, da avaliação positiva nos exames e da frequência do estágio. Simultaneamente,
7.° A mesma Direcção-Geral de Impostos indeferiu/arquivou (?!!) dos pedidos individuais de reclassificação, o que fez com os seguintes fundamentos:
"(...) Ora, tendo sido iniciado aquele procedimento de reclassificação por iniciativa da administração, considerado o interesse e conveniência para o serviço e sujeito à verificação dos mesmos pressupostos e requisitos que o processo de reclassificação por iniciativa do interessado - ao qual todos os candidatos puderam livremente candidatar-se - significando que a detenção/ falta de requisitos para admissão ao estágio implica a detenção/falta de requisitos para poder ser reclassificado, deixa de justificar-se a manutenção dos pedidos individuais de reclassificação agora preteridos pela iniciativa da administração, processo no qual se inserem através de candidatura própria".
Ora,
8.° Não era então sequer objecto de dúvida que as funções efectivamente desempenhadas pelas AA. e Recorrentes correspondem, não à categoria de Assistente Administrativa, de Auxiliar Administrativa ou de Técnica Profissional de 1ª, mas ao invés às da TATA, como é expressamente reconhecido pela própria Direcção-Geral de Impostos que, por sua iniciativa, desencadeou um processo de reclassificação com fundamento nessa mesma disparidade. Sucede que,
9.° A douta sentença julgou parcialmente improcedente a acção e, consequentemente, não condenou a Entidade Demandada na reconstituição da carreira profissional das Autoras, mediante a sua reclassificação na categoria de Técnico de Administração Tributário de grau 1 com o seguinte fundamento:
No que respeita ao procedimento oficiosamente desencadeado pela Administração, o regime normal de reclassificação exige a precedência de realização de estágio em regime de comissão de serviço.
Salvo o devido,
10.°
Sem vislumbre de razão!
E isto porque,
11.° É o artigo 3°, n.°1 do Decreto Lei 497/99 de 19 de Novembro que estabelece o regime da reclassificação e da reconversão profissionais nos serviços e organismos da Administração Pública. Sendo que,
12.° Nos termos do art.°art.°27° do Dec. Lei n°557/99, de 17/12, o recrutamento para as categorias de ingresso das carreiras do GAT (grupo de pessoal de administração tributária) faz-se entre indivíduos aprovados em estágio, constituindo este, o requisito profissional exigido para o provimento nessas carreiras.
Ora,
13.° A interpretação que a Direcção-Geral de Impostos faz deste preceito legal, e que salvo melhor entendimento enferma de diversos vícios, é a seguinte:
"(...) a reclassificação profissional, ainda que, por iniciativa da Administração, será precedida do exercício, em comissão de serviço extraordinária, das funções correspondentes à categoria de TATA, por um período de um ano, a que se seguirá o provimento, em lugares vagos daquela categoria, se, para tanto, os funcionários revelarem aptidão", entendimento esse que o Tribunal a quo julgou válido.
14.° Ressalvado o devido respeito, tal opinião está errada! É que,
15.° No que respeita à invocada exigência de frequência de estágio a que alude o art.°15°, n.°1, al. b) in fine do Dec. Lei n.°497/99, a verdade é que o mesmo não é de atender no caso das aqui AA. e Recorrentes porquanto de outro modo jamais os funcionários na situação daquelas poderiam aspirar a ser reclassificados, já que, acaso se possuíssem o dito estágio, não teriam por natureza necessidade de reclassificação. É que,
16.° Não faz qualquer sentido a exigência feita nos termos do supra-referenciado art.°15°, n.°1, al. a) acerca do exercício das funções da categoria pretendida há mais de um ano - o que se verifica no caso de todas as AA. e Recorrentes- se, concomitantemente, fosse exigível a posse de estágio por um ano por força da al. b).
E,
17.° O entendimento do Tribunal a quo no sentido de que também a reclassificação promovida oficiosamente carece de estágio não tem correspondência com o regime legal vigente.
Efectivamente,
18 ° Saber se o aproveitamento em estágio é elemento de preenchimento do requisito da alínea b) do n.°1 do artigo 15° do Dec. Lei n.°497/99, de 19/11, perante pretensão de reclassificação em categorias de ingresso nas carreiras do grupo de pessoal de administração tributária foi matéria apreciada por diversas vezes no seio do Supremo Tribunal Administrativo. E,
19.° A tese de que o estágio era elemento de preenchimento obrigatório da previsão legal (explanada, entre muitos, nos Acórdãos de 15/10/03, 10/03/04 e 23/06/04) foi já considerada ultrapassada, alterando-se tal linha orientadora com o Acórdão de 03/06/04, respeitante ao processo n.°2040/03, ao que se seguiram os Acórdãos de 7/10/04, referente ao recurso 288/04 e 2/12/04, referente ao recurso 661/04, todos,
20.° Perfilhando a tese, que se crê inquestionável, de que se o estágio é condição para o ingresso nas carreiras do grupo de pessoal de administração tributária, por força dos art.°s 27° e 29° do Dec. Lei n.°557/99, de 17/12, não é elemento de integração da previsão "requisitos habilitacionais e profissionais exigidos para o provimento da nova carreira", constante da al. b) do n.°1 do art.°15° do Dec. Lei n.°497/99. Na verdade,
21.° No instrumento de mobilidade reclassificação profissional não se está em sede de recrutamento normal, pelo que, se estivesse sujeita aos mesmos requisitos que são exigidos para o recrutamento normal, ficava esvaziada de âmbito de aplicação.
22.° A frequência do estágio serve para dotar o interessado de indispensáveis capacidades para o exercício das funções próprias do conteúdo funcional da nova carreira e a sua correspondente aprovação revelará que ficou dotado dessas mesmas capacidades, o que não se aplica às aqui AA. e Recorrentes que desde há largos anos que executam o acervo de tarefas em causa. Ora,
23.° A reclassificação supõe um prévio exercício real das funções em causa, embora em carreira diversa, o que não só sucedeu como a entidade recorrida expressamente o aceitou no processo de reclassificação paralelo que encetou, por isso não pode ser arvorada a falta de comissão de serviço extraordinária. Aliás,
24.° Este é justamente o entendimento espelhado no douto Acórdão do STA, de 1/02/05, disponível em www.dgsi.pt, cuja terceira conclusão do sumário refere, de forma absolutamente elucidativa, que "III - A aprovação em estágio não integra nenhum dos requisitos previstos no artigo 15° do DL n.°497/99". Mais se dirá...
25.° Também no douto Acórdão do STA, datado de 17 de Outubro de 2006, disponível em www.dgsi.pt, se consagra que, nas situações de desajustamento funcional subsistentes à data da sua entrada em vigor, como é a situação das aqui AA. e Recorrentes "não é requisito da reclassificação prevista no referido art.°15° a frequência e aprovação em estágio".
E,
26.° No igualmente douto Acórdão do mesmo Tribunal, datado de 7 de Outubro de 2004, se explicita exactamente a mesma corrente interpretativa, mais se acrescentando que "seria ilógico, de resto, impor que o funcionário desempenhasse as funções próprias da nova carreira durante pelo menos um ano (supondo-se que nesse período adquiriu conhecimentos, experiência e traquejo bastantes a fim de ser reconvertido) para logo depois dele se exigir a posse de um estágio (precisamente com o mesmo fim de aquisição de conhecimentos) pelo mesmo período de um ano".
27° Assim sendo, as AA. e Recorrentes reúnem os requisitos legais e habilitacionais necessários à sua reclassificação profissional na categoria, uma vez que.
28.° As AA. e Recorrentes já detêm mais de três anos na categoria, o que vai ao encontro do preceituado no art.6° do Decreto lei n.°497/99 de 19 de Novembro; E,
29.° As AA. e Recorrentes detêm habilitações e conhecimentos, para desempenhar as funções previstas de TATÁ, aliás que vêm desempenhando há diversos anos, como a entidade recorrida o reconheceu ao admiti-las a todas e a cada uma delas no processo de reclassificação que fez iniciar.
30.° De acordo com o parecer junto, encontravam-se vagos cem lugares em Lisboa, sendo que se concluiu existir vaga na categoria para a qual se pretende fazer operar a reclassificação. Acresce que,
31.° Por despacho de 12 de Julho de 2004 do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais foi autorizado o início do procedimento destinado à reclassificação profissional, pelo que tal despesa já está cabimentada.
32.° Assim sendo, e por todo o exposto até agora, é notório que se encontram reunidas as condições e os requisitos para a reclassificação profissional das AA. e Recorrentes, pelo que deveriam ter sido reclassificadas,
33.° Tanto mais que tal reclassificação, longe de ser uma faculdade da Administração, mas era obrigatória, justamente por via da aplicação do art.°15º!
34.° Estão cumpridos todos os requisitos legalmente exigidos para que a reclassificação das aqui Recorrentes possa ser efectivada.
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O RecorridoMinistério das Finanças contra-alegou, concluindo o seguinte:
1. O presente recurso não põe em causa a parte da sentença que decidiu absolver a entidade recorrida dos pedidos efectuados pela funcionária A…… P……, por caducidade do direito de acção.
2. Deverá por isso ser considerado como tendo sido interposto pelas restantes Recorrentes, mantendo-se a sentença na parte não recorrida, bem como todos os efeitos daí decorrentes.
3. Não assiste qualquer razão às recorrentes e por isso mesmo foi correctamente indeferido o pedido de anulação do procedimento de reclassificação profissional promovido oficiosamente pela entidade demandada e que as sujeita a um ano de comissão de serviço, à frequência de estágio e correspondente avaliação positiva em exames.
4. Não podem também ser reconstituídas as respectivas carreiras profissionais mediante a sua reclassificação imediata na categoria de TATA 1, e por isso não pode ser praticado o acto que as recorrentes consideram devido.
5. As Recorrentes integraram voluntariamente um procedimento de reclassificação oficioso, aberto nos termos do disposto nos artigos 6- e 7- do Decreto-Lei º497/99.
6. Tal facto tem como consequência que estas aceitaram o acto, isto é, a reclassificação por iniciativa da Administração, pelo que o não podem agora impugnar contenciosamente.
7. Igualmente, encontrando-se esgotado o prazo de impugnação contemplado no artigo 58º, nº2, alínea b) do CPTA, o procedimento de reclassificação por iniciativa da Administração é inimpugnável.
8. Quanto à questão do pedido de reclassificação profissional por iniciativa das interessadas, não têm direito à reclassificação na carreira do GAT, na sequência dos pedidos que efectuaram a partir do início do ano de 2000, com base no seu alegado desajustamento profissional e ao abrigo do artº2 do Decreto-lei nº497/99 de 19/11.
9. Não foi reconhecido, a partir das declarações entregues pelas Recorrentes a existência de desajustamento profissional que vinculasse a Administração à sua reclassificação, nos termos do artº15º do Decreto-lei nº497/99 de 19/11 e no prazo aí estipulado.
10. Estando também a reclassificação prevista no artº15º dependente do reconhecimento discricionário por parte da Administração da existência de necessidades permanentes do serviço a suprir, bem como existência de disponibilidade orçamental, não tendo este reconhecimento existido, não pode também ser judicialmente suprido.
11. E tendo sido admitidas ao procedimento de reclassificação iniciado pela Administração, ao abrigo do artigo 6° do citado Decreto-Lei nº497/99, não podem ser dispensadas da realização de estágio profissional.
12. Os procedimentos de reclassificação constantes do artº15 e do artº6º do Decreto-Lei nº497/99 são diferentes, sendo que a reclassificação entretanto desencadeada e a que as Recorrentes concorreram, não assentou, nem tinha de assentar, em nenhuma disparidade funcional que lhes tivesse sido reconhecida.
13. Pelo que se para este procedimento de reclassificação em curso, aberto ao abrigo do artº6 do Decreto-Lei nº497/99, reuniam as condições necessárias para o efeito, o mesmo não se pode dizer em relação aos pedidos efectuados ao abrigo do 15º.
14. Configurando-se a modificação definitiva de conteúdos funcionais como uma faculdade que assiste à Administração e nunca como direito do funcionário, deverá realizar-se mediante a aplicação da figura da reclassificação consoante estejam, ou não, reunidos os requisitos legalmente exigidos para a nova carreira.
15. E quanto às Recorrentes não está presente nenhum dos requisitos, nem o artº15º pode ser encarado como contendo um mecanismo automático de reclassificação e de reconversão profissional.
16. No procedimento aberto ao abrigo do artº6º, são requisitos para a reclassificação profissional, para além do parecer favorável a que alude a alínea c) do nº1 do art°7º a titularidade das habilitações literárias e das qualificações profissionais legalmente exigidas para o ingresso e ou acesso na nova carreira e o exercício efectivo das funções correspondentes.
17. O que significa que em relação às Recorrentes, o estágio nunca poderia ser dispensado, porque não lhe foi reconhecida a existência do exercício, no mesmo serviço ou organismo, das funções correspondentes à nova carreira por período não inferior a um ano ou à duração do estágio de ingresso.
18. Por isso, estas teriam sempre de exercer, através de um estágio, as funções correspondentes à nova carreira, para que viessem a adquirir também habilitações profissionais para o provimento na nova carreira.
19. Que no caso da DGCI, deverão ser aferidas em confronto com o disposto no Decreto-Lei nº 557/99 de 17/12, que dispõe no seu artigo 27º, que o recrutamento pare as categorias de ingresso das carreiras do GAT fez-se de entre indivíduos aprovados em estágio, o qual assume a natureza de verdadeiro curso, sujeito a testes, avaliações e classificações.
20. Não estando as Recorrentes a ser reclassificadas por desajustamento profissional, deve pois improceder o peticionado quanto à reconstituição da sua carreira profissional, através do deferimento dos requerimentos que deram entrada a partir de 2000.
21. Sabiam que a reclassificação efectuada nos termos do nº 2 do artigo 6º, implicaria a realização de um estágio, que só poderia dispensado na situação de exercício efectivo de funções correspondentes à nova carreira., o que não foi nem reconhecido, nem sequer pedido no âmbito do procedimento oficioso.
22. De tudo isto resultando, que a Entidade Recorrida não deve ser condenada a praticar todos as operações e providências destinadas a reconstituir a carreira profissional das recorrentes desde o ano 2000, uma vez que, como ficou expresso atrás, estas não reuniam nem reúnem os requisitos para o efeito necessários.
23. Continua por isso a não existir motivo para considerar que as recorrentes devessem ter sido dispensadas da realização do estágio exigido pelos artigos 6° e 7º do Decreto-Lei nº497/99, por não ser possível reconhecer nem a situação de desajustamento funcional nem a aquisição das habilitações profissionais requeridas.
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O Magistrado do Ministério Público junto deste TCASul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Por despacho de fls. foi suscitada a questão da ilegitimidade/ falta de interesse em agir da 1ª Recorrente A…… P……, uma vez que o recurso tem por objeto apenas a al. b) da decisão recorrida, não tendo sido recorrida a decisão constante da sua alínea a), na qual foi julgada procedente a exceção de caducidade do direito de ação relativamente à citada Recorrente A…… P…….
A Recorrente A…… P…… respondeu, concordando com a sua ilegitimidade para o presente recurso e esclarecendo que a inclusão do seu nome do requerimento de recurso se ficou a dever a mero lapso da respetiva mandatária, requerendo que tal lapso seja relevado.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Delimitação do âmbito subjetivo e objetivo do recurso
Tal como delimitado pelas conclusões das alegações das Recorrentes, o presente recurso tem por objeto apenas a alínea b) do segmento decisório do acórdão recorrido, acima transcrito, que decidiu “não condenar a Entidade Demandada na reconstituição da carreira profissional das restantesAutoras, mediante a sua reclassificação na categoria de Técnico de Administração Tributário de grau 1”.
Cumpre notar que o assim decidido abrange todas as AA., aqui Recorrentes, com exceção de A…… P……, relativamente à qual foi julgada procedente a exceção de caducidade do direito de ação, conforme decidido na al. a) do segmento decisório, decisão que não vem impugnada no presente recurso. Assim, embora o recurso venha interposto em nome de todas as AA. na ação, na verdade, a A. A…… P…… não tem legitimidade nem interesse no presente recurso. Contudo, como referido, a inclusão do seu nome no requerimento de recurso ficou a dever-se a manifesto lapso da respetiva mandatária, cuja correção deve ser admitida.
E em consequência delimitam-se os termos do presente recurso da forma que se segue:
a) São recorrentes as AA. acima identificadas, com exceção de A…… P……;
b) A questão objeto do recurso consiste em saber se a frequência e aprovação em estágio é requisito da reclassificação prevista no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 497/99, de 19 novembro, e, bem assim, se as Recorrentes possuem os requisitos legais para serem reclassificadas, ao abrigo daquele preceito legal, na categoria de técnico da administração tributária de grau 1.
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III. Factos
A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no 663.º/6 do CPC/2013.
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IV. Direito
As Recorrentes insurgem-se contra o acórdão recorrido por entenderem que o mesmo se fundamentou no entendimento de que a reclassificação promovida oficiosamente carece de estágio, exigência que, no entender das Recorrentes, não tem correspondência com o regime legal aplicável e contraria jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.
Cumpre dizer que o acórdão recorrido, nesta parte, adoptou uma fundamentação remissiva, que não facilita a apreensão do concreto fundamento pelo qual decidiu não condenar a entidade demandada na reconstituição da carreira profissional das aqui Recorrentes, mediante a sua reclassificação na categoria de Técnico de Administração Tributário de grau 1. Na verdade, o tribunal a quo, começa por remeter para jurisprudência anterior, nomeadamente para o Acórdão do TCAS, de 14.11.2002, P. 10825/01, onde se fixara o seguinte entendimento: “A reclassificação profissional é precedida do exercício, em comissão de serviço extraordinária, das funções correspondentes à nova carreira por um período de seis meses ou pelo período legalmente fixado para o estágio de ingresso, a que se segue o provimento do funcionário no lugar vago se, para tanto, este revelar aptidão (...). Significa isto que o estágio de ingresso é substituído pelo exercício de funções correspondentes à nova carreira, pelo período de tempo correspondente, desde que tais funções sejam exercidas em comissão de serviço extraordinária”.Depois, embora referindo-se abstratamente aos“funcionários objeto de reclassificação” e não especificamente ao caso das autoras, o acórdão recorrido conclui que quando os funcionários “não exercerem tais funções em comissão de serviço extraordinário e não sendo, consequentemente ´avaliados´ no sentido de se revelar com aptidão para o lugar vago ou a aditar ao quadro de pessoal (v. n.ºs 2 e 3 do artigo 6º e n.º 2 do artigo 5.º do DL 497/99), teremos necessariamente que concluir que os mesmos não possuem um requisito profissional para o provimento na nova carreira”. E mais à frente, afirma, algo contraditoriamente, que “[O] recrutamento para as categorias de ingresso na carreira do Grupo do Pessoal de Administração Tributária é feito de entre indivíduos aprovados em estágio (artigo 27.º do DL 557/99)”. Por último, são escassas, ou mesmo inexistentes, quaisquer referências quanto à aplicação daquele regime à concreta situação de facto de cada uma das autoras.
Contudo, independentemente da dificuldade de interpretação do assim decidido, o certo é que não assiste razão às Recorrentes pelos motivos que a seguir passamos a enunciar.
Está hoje jurisprudencialmente assente que o artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 497/99 estabelece um regime especial de reclassificação de funcionários, de caráter obrigatório, aplicável apenas a situações de desajustamento funcional subsistentes à data da sua entrada em vigor, no âmbito do qual não é requisito da reclassificação a frequência e aprovação em estágio – v., por todos, osAcórdãos do Pleno da Secção do CA do STA, de 06.10.2005, P. 0288/04, e de 17.10.2006, P. 0972/05.
Simplesmente, a não exigência de estágio não é condição suficiente para concluir que as Recorrentes têm direito, como pretendem, à reclassificação ao abrigo do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 497/99.
Independentemente da questão de saber se as Recorrentes renunciaram ao exercício do direito à reclassificação, ao abrigo do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 497/99, a partir do momento em que aceitaram integrar e candidatar-se ao procedimento de reclassificação profissional, oficiosamente determinado pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, por despacho de 12.06.2004, nos termos do artigo 6.º do citado Decreto-Lei n.º 497/99 (no âmbito do qual foram graduadas em lugar não “prioritário” com o consequente indeferimento dosseus pedidos – cfr. pontos 6) a 11) dos factos provados), o certo é que as Recorrentes não reúnem os requisitos para serem reclassificadas ao abrigo do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 497/99.
Na verdade, verifica-se que as Recorrentes não reúnem os requisitos para serem reclassificadas ao abrigo do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 497/99, não pela falta de um qualquer estágio, que, como vimos, não é exigível, mas porque nenhuma das Recorrentes exerceu funções correspondentes à carreira onde pretendem ser integradas, não ocorrendo uma situação de desajustamento funcional que possa dar lugar à reclassificação prevista no artigo 15.º Decreto-Lei n.º 497/99.
Note-se que é indiscutível que os requisitos previstos no artigo 15.º são cumulativos e que o n.º 1 e a respetiva alínea a) deste preceito legal determinam que a reclassificação obrigatória só tem lugar para os “funcionários que vêm exercendo funções correspondentes a carreira distinta daquela em que estão integrados” e desde que “exerçam essas funções há mais de um ano”.
E como foi salientado no Acórdão do STA, de 02.02.2006, P. 01033/05 (e reafirmado nos Acórdãos do STA, de 07.03.2006, P. 0290/05 e de 12.04.2007, P. 01142/06),“o art. 15.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 497/99, ao reportar-se a «situações funcionalmente desajustadas» e considerando como situações desse tipo os casos de exercício pelos funcionários de «funções correspondentes a carreira distinta daquela em que estão integrados», tem em vista as situações em que as funções exercidas não se integram na carreira profissional em que os funcionários se encontram e cabem exclusivamente no âmbito do conteúdo funcional de outra carreira, pois só assim se poderá falar adequadamente de uma situação de desajustamento funcional”, pois sendo a reclassificação prevista no Decreto-Lei n.º 497/99 “concretizada sem estágio e sem qualquer forma específica de avaliação da aptidão do funcionário para o exercício das funções da carreira distinta daquela em que está integrado, é de interpretar aquela referência ao exercício de funções correspondentes à nova carreira como reportando-se à globalidade das funções desta carreira ou, pelo menos, à parte destas funções que exige maior qualificação, pois só assim se compreenderá que se assente no mero exercício de funções o reconhecimento implícito da idoneidade do funcionário para desempenhar a totalidade das funções desta carreira, que está ínsito na possibilidade de reclassificação.
Ainda no mesmo sentido, (comparando o exercício de funções semelhantes às acima descritas com as funções inerentes à categoria de Técnico de Administração Tributária Adjunto, nível 1), v. o Acórdão do TCAS, de 24.01.2013, P. 04678/08, onde se conclui não estarem preenchidos os requisitos para a extensão de efeitos do Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do STA, de 11.12.2007, P.0150/07, além do mais, precisamente porque as funções desempenhadas pela aí requerente “não abrangem a globalidade ou pelo menos o ´núcleo duro´ do conteúdo funcional da categoria dos liquidadores tributários”.
No caso vertente, as Recorrentes pretendem a sua reclassificação profissional para a categoria de liquidador tributário, atual categoria de Técnico de Administração Tributária Adjunto (TATA), nível 1, cujo conteúdo funcional consta do n.º 4 da Portaria 663/94, de 10 julho, e do n.º 1 do seu anexo II (redigido para liquidadores tributários, mas que se mantém para as novas categorias para onde transitaram os liquidadores tributários, após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 557/99, de 17 dezembro), segundo o qual “Compete, genericamente, aos liquidadores tributários executar todos os procedimentos relativos à preparação, tratamento e recolha das declarações e demais documentos com elas relacionados, com vista à liquidação e cobrança dos impostos, elaborar informações sobre questões emergentes de dúvidas ou consultas suscitadas quer pelos serviços, quer pelos contribuintes, efectuar trabalhos relacionados com a administração dos impostos e desempenhar as demais tarefas adequadas à correcta aplicação da política e da legislação fiscal, bem como as de natureza administrativa, necessárias à prossecução das atribuições dos serviços de administração fiscal”.
Comparando este conteúdo funcional com as funções exercidas pela Recorrente A……. na Divisão de Gestão da Dívida Executiva da 2ª Direção de Finanças de Lisboa (ponto 18) dos factos provados), verifica-se que tais funções não incluíram nenhuma das funções enunciadas naquela Portaria n.º663/94, desde logo, não incluíram a “preparação, tratamento e recolha das declarações e demais documentos com elas relacionados, com vista à liquidação e cobrança dos impostos.
Quanto às Recorrentes A…… T…… e Z…… C……, ambas desempenharam funções no Centro de Recolha de Dados de IR da 2ª Direção de Finanças de Lisboa, as quais incluíram a recepção de declarações de IR e a análise e detecção de erros no seu preenchimento (cfr. pontos 22) e 30) dos factos assentes). Confrontando a definição genérica feita no nº 4 da Portaria 663/94 com o elenco de tarefas exercidas por estas Recorrentes no citado Centro de Recolha de Dados, ressalta que as funções por estas desempenhadas incluíram apenas uma parte do conteúdo funcional definido para a categoria em causa e não abrangeram a parte que exige maior preparação técnica, nomeadamente, “elaborar informações sobre questões emergentes de dúvidas ou consultas suscitadas quer pelos serviços, quer pelos contribuintes, efectuar trabalhos relacionados com a administração dos impostos e desempenhar as demais tarefas adequadas à correcta aplicação da política e da legislação fiscal”. Pelo que se conclui que as referidas Recorrentes não desempenharam funções equivalentes às de técnico de administração tributaria.
Neste mesmo sentido, comparando funções idênticas, também desempenhadas em Centro de Recolha de Dados, v. designadamente oAcórdão do STA, de 02.12.2004, P. 0661/04,onde se conclui o seguinte: “(...) IV - O serviço que um técnico profissional de 2ª classe desempenha no Centro de Recolha de Dados, com a preparação, recolha e correcção dos elementos e declarações relacionados com o Imposto sobre o Rendimento, só parcialmente corresponde ao conteúdo funcional dos liquidadores tributários, mais vasto, mais complicado, mais técnico e de maior responsabilidade.Não se pode, portanto, dizer que nessas condições o interessado desempenha as funções dos liquidadores tributários (actualmente, técnicos de administração tributária).
Finalmente, no que respeita à Recorrente C…… A……, constata-se que a mesma foi colocada na Direção de Serviços de Cobrança do IVA, desempenhando funções na Divisão de Processamento Administrativo da Cobrança, designadamente, de controlo formal de declarações periódicas e respetivos meios de pagamento, de loteamento das declarações, digitalização e microfilmagem (cfr. ponto 26) dos factos assentes). É manifesto que tais funções não correspondem minimamente à conteúdo funcional da categoria de TATA, nível 1, para a qual a Recorrente pretende ser reclassificada.
Como salienta o Ministério Público no seu parecer, cabia às Recorrentes provar a verificação dos requisitos da reclassificação obrigatória, ao abrigo do citado artigo 15.º e, no caso, as mesmas não lograram demonstrar que tenham exercido as funções correspondentes à categoria em que pretendiam ser reclassificadas.
Em suma, constatando-se que nenhuma das Recorrentes exerceu funções que abarcassem a globalidade ou pelo menos o “núcleo duro” do conteúdo funcional da categoria dos liquidadores tributários (Técnico de Administração Tributária Adjunto, nível 1), forçoso é concluir que não preenchem os requisitos cumulativos previstos no artigo 15.º Decreto-Lei n.º 497/99, designadamente, na alínea a) do seu n.º 1, pelo que improcedem as alegações de recurso.
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V. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso e confirmar, embora com os fundamentos diversos, a decisão recorrida.
Custas pelas Recorrentes.
Corrija a identificação das Recorrentes em conformidade com o acima decidido.
Lisboa, 04.12.2014




(Esperança Mealha)




(Maria Helena Canelas)




(António Vasconcelos)