Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05150/11
Secção:CT -2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/06/2012
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL. PAGAMENTO. MODALIDADES.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. O pagamento relevante como fundamento de oposição à execução fiscal, apenas tem lugar quando o seja por qualquer um dos meios legalmente hoje previstos no art.º 40.º da LGT;
2. A menção de crédito a favor do Estado em declaração periódica de IVA entregue pelo sujeito passivo do imposto, volvidos que foram mais de um ano sobre os factos a que se reportam o imposto exequendo, não constitui um crédito do Estado susceptível de fazer operar a compensação com a dívida exequenda e constituir o seu pagamento, desde logo por não ter o mesmo sido apurado em sede de revisão oficiosa, de reclamação graciosa ou de impugnação judicial.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A..., identificado nos autos, dizendo-se inconformado com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, na parte em que julgou improcedente a oposição à execução fiscal deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


1ª O presente Recurso tem por objecto principal a improcedência do pedido quanto ao valor de € 206.039,90 de IVA e juros de mora liquidados em sede de processo executivo, o qual teve por fundamento exclusivo a inaplicabilidade à situação factual dos autos a figura de "pagamento por compensação", nos termos n.º 2, do artigo 40.º da LGT e artigos 89.º e 90.º do CPPT (i.e., fora da declaração periódica de imposto/IVA);
2ª Porém, não só o ora RECORRENTE nunca invocou o pagamento por - compensação nos termos referidos na Douta Sentença recorrida - i.e., nos termos do n.º 2, do artigo 40.º da LGT e dos artigos 89.º e 90.º do CPPT - antes e só o pagamento por 'compensação' em declaração periódica de imposto, nos seus exactos termos, com a concorrência de todas as operações activas e passivas realizadas pelo sujeito passivo nesse período, conforme resulta da técnica declarativa de Imposto (liquidação e dedução de IVA, por período de tributação, na respectiva declaração periódica).
3ª Como todos os factos relativos a essas entregas efectivas de imposto ao Estado (apurados nessas respectivas declarações periódicas), e que estão documentalmente provados nos autos e são de conhecimento oficioso da Administração Fiscal, foram liminarmente omitidos na Douta Sentença aqui recorrida,
4ª Consequentemente, em sede do presente Recurso, peticiona-se:
(i) A inclusão desses factos no elenco dos factos a dar como provados;
(ii) Que se conclua existir um manifesto "erro de julgamento", dado os termos da fundamentação da Douta Sentença a quo não ter cabimento, quer quanto aos factos, quer quanto aos fundamentos invocados pelo ora RECORRENTE em sede de Oposição à Execução.
5ª Conforme resulta dos factos a dar como provados nos autos, o ora RECORRENTE emitiu as Notas de Débito do imposto em falta (i.e., com a liquidação do diferencial de taxa de IVA da RAM para a taxa de IVA do Continente) em 2008 e 2009, respectivamente; E fê-lo correctamente através de Notas de Débito, pois é tecnicamente impossível, quer contabilística, quer informaticamente, corrigir as facturas das prestações de serviços originárias, de 2004 e 2006, respectivamente.
6ª Na sequência das referidas Notas de Débito o RECORRENTE liquidou e declarou o imposto sub judice no Campo 41 das respectivas declarações periódicas de imposto de Agosto de 2008 e Março de 2009, i.e., antes da notificação das correspondentes liquidações adicionais de imposto,
7ª Tendo pago o imposto "por compensação, porque o sujeito passivo subtrai ao montante de que é devedor [imposto liquidado], num determinado período, o montante de imposto que suportou no mesmo período [imposto dedutível].
8ª Por tudo o exposto, não poderá deixar de se considerar haver fundamento para a apresentação da oposição à execução sub judice, pois o A...não poderia deixar de alegar ter pago o imposto em discussão - pois efectivamente o pagou - sob pena de ter de o fazer indevidamente em duplicado.
9ª Acresce que, ao estarmos perante um processo de execução e estando o imposto comprovadamente pago, este assim não pode deixar de ser reconhecido pelo Douto Tribunal, sob pena de enriquecimento sem causa do Estado.
10ª O que não faz qualquer sentido, num Estado de Direito, e atento os mais elementares princípios de verdade e justiça material, é que a ERFP e o Douto Tribunal a quo omitam liminanrmente as entregas de imposto comprovadamente efectuadas pelo sujeito passivo por referência aos factos sub judice, quando estamos perante um processo executivo de cobrança coerciva dessa mesma dívida...

TERMOS EM QUE, Nos MELHORES DE DIREITO E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS., DEVE O PRESENTE RECURSO SER CONSIDERADO PRECEDENTE E A DOUTA DECISÃO AQUI RECORRIDA REVOGADA, EM TODOS OS EFEITOS LEGAIS.
POIS SÓ ASSIM SE FARA A NECESSÁRIA JUSTIÇA.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, não podendo se tomados em conta os invocados pagamentos por os mesmos carecerem dos legais requisitos para o efeito.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. A única questão a decidir consiste em saber se o IVA exequendo, liquidado oficiosamente, pode ser pago por compensação com o crédito sobre o Estado apurado pelo contribuinte na sua declaração periódica, relativa a período de imposto que mediava mais de um ano sobre o imposto exequendo.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) Em cumprimento da ordem de serviço n° 200800219 foi realizada inspecção tributária à oponente na sequência da qual foram efectuadas liquidações de IVA relativas aos períodos de 2004 a 2006, no valor total de €245.949,68, a que acresceram juros compensatórios (fls 75, dos autos);
B) As liquidações adicionais não foram pagas até ao termo do prazo de pagamento voluntário até 30 de Junho de 2009 (fls 84, dos autos);
C) Foram extraídas certidões de dívida e em, 25 de Julho de 2009 foi instaurado o processo de execução fiscal n° 3450200901061097, para cobrança de €286.609,06 a que acrescem juros de mora e custas num total de (fls 84, dos autos), cujos períodos e montantes constam discriminados a fls 18 a 21 e 24 e 25 dos autos e que aqui se dão por reproduzidos;
D) A oponente foi citada no processo de execução fiscal em 28 de Julho de 2009 (fls 86, dos autos);
E) Em 7 de Setembro de 2009 foi emitido mandado de penhora (fls 89, dos autos);
F) A penhora foi registada em 7 de Setembro de 2009 (fls 89 dos autos);
G) Em 29 de Julho de 2009 a oponente procedeu aos seguintes pagamentos voluntários (fls 97, dos autos), cuja discriminação aqui se dá por reproduzida;
H) O montante acima pago de €24.371,92 foi imputado à quantia exequenda em dívida (fls 92, dos autos);
I) O valor da dívida passou a ser de €221.378,82 (fls 92, dos autos);
I) Em 22 de Setembro foi a penhora convertida em garantia para efeitos de suspensão de execução fiscal (fls 95, dos autos);
K) O processo de execução encontra-se suspenso desde 22 de Setembro de 2009 (fls 95, dos autos);
L) Em 27 de Agosto de 2009 deu entrada a presente oposição (fls 3, dos autos).

A convicção do Tribunal formou-se no teor dos documentos juntos em cada ponto dos factos provados.

Factos não provados
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.


4. Para julgar improcedente a oposição à execução fiscal na parte em que o foi e sobre que versa o presente recurso, considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que a compensação de dívidas fiscais é admitida mas apenas nos casos expressamente previstos na lei, sendo que o caso e na parte sobre que versa o presente recurso, em tais declarações periódicas, não accionou o ora recorrente o instituto a compensação, antes tendo acrescido ao campo 41 das declarações periódicas os valores de € 84.000,00 no período 08/2008 e 12.806,90, no período 03/2009, sem observar os artigos do CIVA, pelo que as operações efectuadas não poderiam ser utilizadas e nem se coadunam com o regime da compensação para pagamento da dívida exequenda.

Para o oponente e ora recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra (e outra fundamentação) que vem a esgrimir argumentos tendentes à reapreciação da sentença recorrida em ordem a sobre ela ser emitido um juízo de censura conducente à sua revogação ou anulação, continuando a pugnar que parte do imposto exequendo foi já entregue nos cofres do Estado por ter sido considerado nas operações de apuramento do imposto devido nas declarações periódicas, cuja factualidade deve ser acrescida ao probatório, onde ressalta que apurou o diferencial entre a taxa de IVA da RAM para a taxa do Continente, na declaração relativa a Agosto de 2008 e Março de 2009, pelo que, sob pena de enriquecimento do Estado, deve tal pagamento ser considerado.

Vejamos então.
Como dúvidas não restam, a dívida exequenda nos autos de execução fiscal a que foi deduzida a presente oposição, reporta-se ao IVA dos períodos de 2004 a 2006, de liquidação oficiosa efectuada pela AT, através dos factos tributários que esta entendeu existir, apurados que foram em sede exame à escrita da ora recorrente, e que esta entende que, por compensação, tal crédito (no seu remanescente), já não existe, mas apenas pelo montante de € 58.819,41, por ter liquidado e entregue o respectivo montante nas declarações periódicas relativas a Agosto de 2008 e a Março de 2009, no seu campo 41, assim pretendendo que esta constitua uma forma válida de pagamento por compensação, o que desde logo não pode deixar de se refutar, por esta forma não constituir uma forma válida de compensação entre os eventuais créditos do ora recorrente e os do Estado, pretendidos cobrar na execução em causa, resultantes dessa liquidação oficiosa, por desde logo, os mesmos não haverem sido reconhecidos ao ora recorrente, em sede revisão oficiosa, de reclamação graciosa ou de impugnação judicial, nos termos do disposto no art.º 89.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), mandado aplicar pelo art.º 90.º do mesmo Código, a pedido do contribuinte, como bem observa a Exma RFP, nos artigos 38.º a 40.º da sua contestação (cfr. fls 69/70 dos autos), matéria que assim também não é de acrescer ao probatório firmado na sentença recorrida, por desnecessária, ao contrário do pretendido pelo recorrente na matéria da sua alínea 4.ª.

E não sendo uma forma válida de compensação, não opera o respectivo pagamento liberatório dessa dívida nos termos do disposto no art.º 40.º da LGT, pelo que nenhuma censura merece a sentença recorrida ao também assim ter entendido e decidido.

Também a eventual inclusão de tal montante de imposto a favor do Estado e como um seu crédito, igualmente não constitui uma forma válida de pagamento da dívida exequenda – fundamento de oposição à execução fiscal, nos termos do disposto no art.º 204.º, n.º1, alínea f) do CPPT – por igualmente não constituir nenhuma das formas de pagamento legalmente devidas e previstas no mesmo art.º 40.º da LGT, que a tê-lo feito, não constitui prestação liberatória dessa dívida nos termos gerais do n.º1 do art.º 762.º do Código Civil.

Aliás, mesmo a regularização de IVA a favor do Estado por liquidação de imposto a menos, que é obrigatória nos termos do disposto no n.º3 do art.º 78.º do CIVA (republicação operada pelo Dec-Lei 102/2008, de 20 de Junho), apenas pode ser efectuada sem qualquer penalidade até ao final do período seguinte àquele a que respeita a factura a rectificar, e não passados vários anos como parece pretender o ora recorrente.

Também não corresponde à realidade que o ora recorrente não tenha invocado a compensação como uma forma de pagamento da dívida exequenda, ainda que parcial, como o mesmo agora veio a invocar na matéria da sua conclusão 2.ª, bastando ler a matéria do art.º 13.º e segs da sua petição inicial de oposição, subordinadas à epígrafe “Do pagamento de (parte) da dívida exequenda por compensação artigo 204.º, n.º1, alínea f) do CPPT”, nem que a sentença recorrida a não tenha conhecido neste âmbito do pagamento dessa dívida, desta forma sendo imerecida a censura dirigida à mesma sentença.

Não procede igualmente, o invocado enriquecimento do Estado ao não aceitar este pagamento por compensação por o mesmo só poderá ter lugar se o ora recorrido não utilizar os mecanismos ao seu dispor, designadamente o pedido de eventual crédito de imposto a mais auto-liquidado ou outros meios que a lei lhe coloca ao seu dispor, como o da revisão oficiosa, previsto no art.º 78.º da LGT.


Improcede assim, a matéria de todas as conclusões do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.


Custas pelo recorrente.


Lisboa, 06/03/2012

EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
PEDRO VERGUEIRO