Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:30/18.6BCLSB
Secção:CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
Data do Acordão:11/22/2018
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:TAD (TRIBUNAL ARBITRAL DO DESPORTO)
RESPONSABILIDADE DOS CLUBES POR ACTOS PRATICADOS PELAS RESPECTIVAS CLAQUES
REGIME DAS CUSTAS EM SEDE DE JURISDIÇÃO ARBITRAL NECESSÁRIA NO ÂMBITO DESPORTIVO
Sumário:I) - Na apreciação da infracção disciplinar têm de ser absorvidos elementos da estrutura do crime, aliás, por isso, imbuído do respectivo espectro já que o facto típico disciplinar deve conter: conduta, resultado, nexo causal e tipicidade mitigada.

II) - Segundo um tal entendimento no caso do ilícito disciplinar, a conduta também deve ser provida de tal elemento subjectivo, sob pena de indesejável responsabilização objectiva, existindo a necessidade de que haja um resultado, se assim exigir a norma disciplinar, havendo, entretanto, um resultado jurídico a ser apurado, imputável a alguém por inequívoco liame causal.

III) - Tendo o tribunal a quo tido o cuidado de esclarecer que não estavam identificadas as pessoas e a sua ligação à arguida, como bem se demonstrou na decisão recorrida, estamos perante uma dúvida séria e intransponível.

IV) - As íntimas dúvidas do tribunal a quo e, agora, do ad quem, em resultado de pretensas deficiências/insuficiências da prova carreada para os autos e constituída pela Recorrente, estão explanadas em termos perfeitamente compreensíveis, claros ou racionais, não tanto por falta de credibilidade, mas de mera omissão/insuficiência de pormenorização espácio-temporal, quando é certo que o julgador fez tudo o que estava ao seu alcance no sentido de tentar ultrapassar a incerteza que sentia, não se limitando a invocar o princípio in dubio pro reo.

V) – É, pois, indubitável que foi devido o recurso ao ajuizado princípio para legitimar a procedência decretada pela decisão recorrida dado que as dúvidas referenciadas logram a densificação que o próprio julgador lhe atribuiu, na certeza de que tal patologia não pode já ser resolvida, não se vislumbrando a possibilidade de realização de diligências probatórias que escapam ao âmbito de apreciação e decisão deste tribunal ad quem até porque, não tendo havido impugnação da matéria de facto, nos termos previstos no art. 412º, n.ºs 3 e 4, do Cód. Proc. Penal, está vedada a reapreciação da prova produzida, impondo-se, por isso, a conclusão de que a decisão recorrida não enferma de erro por concessão de excessiva latitude ao princípio in dubio pro reo, assentando a absolvição em bases probatórias consistentes e intransponíveis por prova a produzir, circunstância que também afasta o vício previsto no art. 410º n.º 2 al. c), do Cód. Proc. Penal.

VI) - O TAD rege-se por normas próprias de funcionamento e por isso o respectivo regime de custas deve reflectir e suportar essa realidade.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

1.- Relatório

A FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL (devidamente identificado nos autos) interpôs recurso do acórdão proferido no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) que anulou as multas aplicadas pelo Colégio Arbitral nos processos disciplinares que correram termos junto do Conselho de Disciplina sob as referências RHI n.º............./2017 e RHI n.º............./2017 em que a Demandante ........................................ -FUTEBOL, SAD, foi punida ao abrigo do disposto nos artigos 127.º e 187.º, n.º1, alíneas a) e b) do RD da LPFP e rejeitou o pedido de isenção de custas apresentado pela ora Recorrente.

Apresentou as imperativas alegações que ostentam as seguintes conclusões:

“1. O presente recurso tem por objeto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, proferido em 31 de janeiro de 2018 e notificado na mesma data, em concreto, o presente recurso versa sobre: A decisão do Colégio Arbitral em anular as multas aplicadas nos processos disciplinares que correram termos junto do Conselho de Disciplina sob as referências RHI n.º............./2017 e RHI n.º............./2017 em que a Demandante foi punida ao abrigo do disposto nos artigos 127.º e 187.º, n.º1, alíneas a) e b) do RD da LPFP; O segmento decisório que versa sobre a rejeição do pedido de isenção de custas apresentado pela ora Recorrente.
2. De acordo com os relatórios de jogo que estiveram na origem da instauração de processos sumários à Recorrida, os adeptos da equipa do ........................................: Em jogo no Estádio do ........... contra a equipa do ................. rebentaram um petardo; Em jogo no Estádio do ........... contra a equipa do ................., não respeitaram o minuto de silêncio, rebentaram 11 petardos, deflagraram fumos, acenderam flash lights e entoaram em coro a frase "filho da puta" aquando da marcação do pontapé de baliza pelo guarda-redes do .................;
3. Tal como consta dos relatórios de jogo cujo teor se encontra a fls. ... do processo arbitral, os Delegados da Liga são absolutamente claros ao afirmar que tais condutas foram perpetradas pelos adeptos do ........................................, sendo que em alguns casos é mesmo referido que o comportamento foi levado a cabo por elementos da claque do ....., ".....................". Ademais, os Delegados indicam a bancada onde tais adeptos se encontravam.
4. Nos termos do artigo 258.º, n.º1 do RD da LPFP, o processo sumário é instaurado tendo por base o relatório da equipa de arbitragem, das forças policiais ou dos delegados da Liga, ou ainda com base em auto por infração verificada em flagrante delito. Este é um processo propositadamente célere, em que a sanção, dentro dos limites regulamentares definidos, é aplicada no prazo-regra de apenas 5 dias (cfr. artigo 259.º do RD da LPFP) somente por análise do relatório de jogo (e, possivelmente, outros elementos aí referidos) que, como se sabe, tem presunção de veracidade do seu conteúdo (cfr. Artigo 13.º, al. f) do RD da LPFP).
5. Os Delegados da LPFP são designados para cada jogo com a clara função de relatarem todas as ocorrências relativas ao decurso do jogo, onde se incluem os comportamentos dos adeptos que possam originar responsabilidade para o respetivo clube. Assim, quando os Delegados da LPFP colocam no seu relatório que foram adeptos de determinada equipa que levaram a cabo determinados comportamentos, tal afirmação é necessariamente feita com base em factos reais, diretamente visionados pelos delegados no local. Até porque, caso os Delegados coloquem os seus relatórios factos que não correspondam à verdade, podem ser alvo de processo disciplinar.
6. Recorde-se, aliás, que esta forma de processo consta do Regulamento Disciplinar da LPFP, aprovado pelas próprias SAD's que disputam as competições profissionais em Portugal, entre elas a ora Recorrida. O RD da LPFP é aprovado em Assembleia Geral da LPFP, de que faz parte a Recorrida, assim como todos os outros clubes que integram as ligas profissionais. Em concreto, a Recorrida não se manifestou contra a aprovação das normas pelas quais foi punida em sede de Assembleia Geral tendo, pelo contrário, aprovado as mesmas decidindo conformar-se com elas.
7. Conforme é desde logo estipulado no artigo 172.º, n.º1 do RD da LPFP: "1. Os clubes são responsáveis pelas alterações da ordem e da disciplina provocadas pelos seus sócios ou simpatizantes nos complexos, recintos desportivos e áreas de competição, por ocasião de qualquer jogo oficial.", sendo certo que os deveres ligados à prevenção e combate da violência no desporto estão previstos na Constituição e na Lei e presentes nos regulamentos disciplinares das instâncias internacionais do futebol, a UEFA e a FIFA.
8. O Tribunal Arbitral entende que cabia ao Conselho de Disciplina fazer prova de um facto negativo, num total desrespeito pelas regras de repartição do ónus da prova. Diz, no entanto, em contraponto, que à Recorrida não era possível fazer prova de factos negativos (isto é, que não incumpriu com os deveres que sobre si impendiam ou que os espectadores não eram seus adeptos ou simpatizantes)... São estas contradições que se revelam inadmissíveis e devem levar à nulidade do acórdão arbitral.
9. Entendeu já o Supremo Tribunal Administrativo (por várias vezes, aliás) que "a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur»." Assim, o Relatório de Jogo é perfeitamente suficiente e adequado para punir a Recorrida nos casos concretos.
10. Ademais, há que ter em conta que no caso concreto existe uma presunção de veracidade do conteúdo do relatório do jogo. De acordo com o artigo 13.º, al. f) do RD da LPFP, um dos princípios fundamentais do procedimento disciplinar é o da "f) presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e do delegado da Liga, e por eles percecionados no exercício das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posta em causa".
11. Isto não significa que o Relatório de Jogo contenha uma verdade completamente incontestável: o que significa é que o conteúdo do Relatório, conjuntamente com a apreciação do julgador por via das regras da experiência comum, são prova suficiente para que o Conselho de Disciplina forme uma convicção acima de qualquer dúvida de que a Recorrida incumpriu os seus deveres. Para abalar essa convicção, cabia à Recorrida apresentar contraprova. Essa é uma regra absolutamente clara no nosso ordenamento jurídico, prevista desde logo no artigo 346.º do Código Civil.
12. Assim, cabia à Recorrida demonstrar, pelo menos, que cumpriu com todos os deveres que sobre si impendem, designadamente em sede de Recurso Hierárquico Impróprio apresentado em todos os processos, ou quanto muito em sede de ação arbitral. Mas a Recorrida nada fez, nada demonstrou, nada alegou, em nenhuma sede.
13. A Recorrida não coloca em causa a veracidade dos factos essenciais descritos nos Relatórios mas apenas coloca a dúvida sobre a autoria dessas condutas. No que diz respeito ao cumprimento ou incumprimento dos seus deveres, a Recorrida nada refere.
14. Por seu turno, o Colégio Arbitrai entende que cabia ao Conselho de Disciplina provar, pela negativa, que nenhum dos deveres havia sido cumprido pelo ......................................... O que, como se compreende, é impossível!
15. Esqueceu-se o Tribunal a quo que do conteúdo do Relatório de Jogo elaborado pelos Delegados da Liga, é possível extrair diretamente duas conclusões: (i) que o ........................................ incumpriu com os seus deveres, senão não tinham os objetos proibidos entrado nos respetivos estádios (violação do dever de vigilância) e não tinham os seus adeptos perpetrado condutas ilícitas (violação do dever de formação); (ii) que os adeptos que levaram a cabo tais comportamentos eram apoiantes do ........................................, o que se depreendeu por manifestações externas dos mesmos (única forma dos Delegados identificarem os espectadores, para além da bancada, que essa sim, foi indicada corno sendo afecta a adeptos da Recorrida).
16. Isto significa que para concluir que quem teve um comportamento incorreto foram adeptos da Recorrida e não adeptos do clube visitante (e muito menos de um clube alheio a estes dois, o que seria altamente inverosímil), o Conselho de Disciplina tem de fazer fé no relatório cios delegados, o qual tem presunção de veracidade, como vimos, bem como conjugar tal relatório com as regras da experiência comum.
17. Ora, entende o Colégio Arbitral que a indicação de que os comportamentos foram levados a cabo por adeptos do ......... ou pela claque dos ..................... é "demasiado abrangente" para poder servir de base à aplicação de uma sanção à Recorrida. É verosímil que se considere que elementos de outro clube fossem para "o meio" dos ..................... rebentar petardos e acender flash lights? É verosímil que os Delegados da Liga, que não estão colocados no meio de tal claque, consigam, em segundos, identificar o agente concreto da infração no meio de uma multidão de espectadores em euforia no decurso de um jogo de futebol? Quando nem sequer os agentes da autoridade o conseguem, na maioria das vezes, fazer? É evidente que o Tribunal a quo opera numa lógica de formalidade cega, levando a consequências perversas.
18. Tendo em consideração o facto de que o relatório de jogo é perentório a referir que os comportamentos descritos foram perpetrados por adeptos da Recorrida, oriundos de bancada afeta a adeptos da equipa visitada (aqui Recorrida), e que tal relatório tem urna força probatória fortíssima em sede de procedimento disciplinar, ao contrário do que entende o Tribunal a quo, cabia à Recorrida fazer prova - pela positiva! -que contrariasse aquela que consta dos autos e que leva à conclusão de que as condutas ilícitas foram feitas por espetadores seus adeptos ou simpatizantes e que por conseguinte esta violou os seus deveres.
19. O próprio Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º730/95 diz claramente que "o processo disciplinar que se manda instaurar (...) servirá precisamente para averiguar todos os elementos da infração, sendo que, por essa via, a prova de primeira aparência pode vir a ser destruída pelo clube responsável (por exemplo, através da prova de que o espectador em causa não é sócio, simpatizante ou adepto do clube) ".
20. As contradições do Colégio Arbitral são evidentes: apesar de sufragar o entendimento de que a prova pela negativa é inadmissível, entende que era esse tipo de prova que o Conselho de Disciplina tinha de levar a cabo; apesar de sufragar o entendimento de que apenas a identificação concreta do agente pode sustentar a punição da Recorrida, admite que as regras da experiência comum podem afastar essa mesma lógica.
21. Ao conter contradições entre os fundamentos e a decisão tomada, tornando-a ambígua, o Acórdão Arbitral é nulo de acordo com o disposto no artigo 615.º, n.º1, al. c) do CPC, aplicável via artigo 1.º do CPTA, devendo ser revogado.
22. Também ao ignorar, por completo, as regras de repartição do ónus da prova e as normas regulamentares aplicáveis, o Acórdão Arbitral deve ser revogado por erro na aplicação do direito.
23. A conclusão a que chegou o Conselho de Disciplina, como exposta supra, nos dois processos em causa nos autos, não podia ter merecido qualquer censura porquanto o facto (alegada e eventualmente) desconhecido- a prática de condutas ilícitas por parte de adeptos da Recorrida e a violação dos respetivos deveres -foi retirado de outros factos conhecidos sendo que este tipo de presunção judicial é perfeitamente admissível nesta sede ao contrário do que é sufragado pelo Tribunal a quo.
24. Há ainda que notar que o próprio Tribunal Arbitral do Desporto já se pronunciou em sentido diverso ao entendimento sufragado no acórdão recorrido, e de forma totalmente consentânea com o que se expôs nas presentes alegações, no âmbito do processo n.º26/2017 e do processo n.º 28/2017.
25. A tese sufragada pelo Colégio Arbitral é um passo largo para fomentar situações de violência e insegurança no futebol e em concreto durante os espetáculos desportivos, porquanto diminuir-se-á acentuadamente o número de casos em que serão efetivamente aplicadas sanções, criando-se uma sensação de impunidade em que pretende praticar factos semelhantes aos casos em apreço e ao invés, mais preocupante, afastando dos eventos desportivos, quem não o pretende fazer, em virtude do receio da ocorrência de episódios de violência.
26. A interpretação perfilhada no acórdão recorrido levará a uma crescente desresponsabilização por este tipo de atos e não se diga que os clubes não podem ser responsabilizados por factos praticados pelos seus adeptos, pois tal responsabilização deriva de uma evolução recente e salutar no fenómeno desportivo e que visa a diminuição da violência no desporto e intima os clubes a tomarem medidas para assegurar que tais factos não se verifiquem.
27. A decisão disciplinar não padece de qualquer vício que afete a sua validade, sendo manifesto que foram cumpridos todos os trâmites legais e regulamentares aplicáveis ao procedimento e à tomada de decisão por parte do Conselho de Disciplina.
28. Por, em sede de arbitragem necessária, estarem em causa litígios de natureza administrativa, como vimos, os limites previstos no artigo 3.º do CPTA terão de se aplicar também aos árbitros do TAD.
29. O que significa que, no TAD como nos Tribunais Administrativos, um ato administrativo apenas pode ser anulado ou declarado nulo com fundamento na violação da lei e não com fundamento na apreciação do mérito ou da oportunidade de tal ato.
30. No entanto, e de acordo com o Tribunal Central Administrativo Norte "Não compete ao tribunal pronunciar-se sobre a justiça e oportunidade da punição, por competir, em exclusivo, à Administração decidir da conveniência em punir ou não punir e do tipo e medida da pena".
31. Também o recente Acórdão do TCA Sul, de 01.06.2017, proferido em sede de recurso de uma decisão proferida por este Tribunal Arbitral do Desporto, refere expressamente que "(...) a medida concreta da pena aplicada pela Administração apenas é contenciosamente sindicável quanto a aspectos vinculados e em casos de erro grosseiro ou manifesto, incluindo por desrespeito dos princípios gerais reguladores da actividade administrativa, encontrando-se o fundamento teorético-político deste controle jurisdicional atenuado, sobre o mérito da decisão administrativa, no princípio da separação de poderes (...)".
32. Precisamente, o TAD apenas poderia alterar a sanção aplicada pelo Conselho de Disciplina da FPF se se demonstrasse a ocorrência de uma ilegalidade manifesta e grosseira - limites legais à discricionariedade da Administração Pública, neste caso, limite à atuação do Conselho de Disciplina da FPF. Não existindo tal violação da lei, o TAD não podia entrar em matéria reservada à Administração, julgando da conveniência ou oportunidade da sua decisão.
33. Em concreto não existia nenhuma violação manifesta e grosseira da lei que levasse à anulação das decisões por parte do TAD. Com efeito, o que o TAD fez foi, com base num entendimento diferente dos mesmos factos, considerar que a Recorrida não podia ser punida. Para verificar se existia uma violação manifesta e grosseira da lei, o Tribunal a quo poderia, no uso dos poderes que lhe são conferidos pela Lei do TAD, ordenar a realização de outras diligências de prova, designadamente, ouvir os delegados da LPFP que elaboraram os autos, ouvir dirigentes da Recorrida sobre as acções levadas a cabo para reprimir fenómenos de violência, etc. Mas o Tribunal a quo nada fez.
34. Face ao exposto, deve o acórdão proferido pelo Tribunal a quo ser revogado por erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 13.º, al. f), 127.º,172.º,186.º, n.º1, 187.º, n.º1, al. a) e b) e 258.º do Regulamento Disciplinar da LPFP.
35. O Acórdão recorrido decide ainda rejeitar o pedido de isenção de custas apresentado pela Recorrente, pelo que também neste segmento decidiram mal os Exmos. Árbitros que compuseram o Colégio Arbitral;
36. A negação de tal direito é violador de normas constitucionais, designadamente o artigo 13.º e 20.º, n.º1 e 2 e 268.º, n.º4, da Constituição da República Portuguesa, uma vez que introduz urna desigualdade no acesso à justiça face aos demais intervenientes e agrava a situação da FPF face ao enquadramento legal que existia antes da existência de uma instância arbitrai obrigatória;
37. Ao rejeitar o pedido de isenção da taxa de arbitragem apresentada pela ora Recorrente, o Colégio de Árbitros aplicou, assim, uma norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo;
38. Isto significa que se este Douto Tribunal Superior entender igualmente não ser de reconhecer a isenção da Recorrente das taxas previstas na LTAD e na Portaria acima referida, estará também aplicar norma reportada como inconstitucional e a violar o artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais, e os artigos 13.º e 20.º, n.º1 e 2 e 268.º, n.º4, da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis,
Deverá o Tribunal Central Administrativo Sul dar provimento ao recurso e revogar o Acórdão Arbitrai proferido, com as devidas consequências legais, ASSIM SE FAZENDO O QUE É DE LEI E DE JUSTIÇA.”

Notificada da admissão do recurso, a ........................................ -FUTEBOL, SAD, veio contra-alegar, aí concluindo o seguinte:

“1. Debruça-se a decisão recorrida sobre duas decisões de condenação tomadas pelo Conselho de Disciplina, as quais, por sua vez, se ancoraram nos respectivos relatórios de jogo.
2. Ainda que no âmbito de um processo sumário e célere, e o art. 153.° do RD admita a fundamentação da decisão através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito, sempre se exigirá - no plano sancionatório, como é o caso - que se revele como uma fundamentação suficientemente robusta para que o tribunal possa julgar como provados os factos consubstanciadores da prática da infracção pelo arguido.
3. No âmbito sancionatório - disciplinar, para punir algum agente por conduta ilícita sempre será preciso ir mais além, apresentado provas concretas que permitam criar a convicção no julgador de que se mostram preenchidos todos os pressupostos exigidos pelo tipo legal.
4. Nem mesmo a presunção de verdade que possa existir, e em que tanto se sustenta a Recorrente na sua tese, justifica que a fundamentação possa ficar aquém deste limiar mínimo para a punição: o preenchimento de todos os pressupostos legais do tipo de ilícito.
5. Ainda que os documentos gozem de uma presunção de veracidade e sejam elaborados pelos Delegados presentes ao jogo, não se podem aqui diminuir as exigências de prova e de sua apreciação, bastando-se com uma simples afirmações vertidas em relatórios,
6. Ao ser assim, revelando-se insuficientes os factos provados e nem havendo prova que permita colmatar esta insuficiência – e atendendo desde logo à presunção de inocência - ficava necessariamente prejudicada a condenação da Recorrida em todos os processos disciplinares.
7. É precisamente esta insuficiência de factos e provas que dá corpo à ilegalidade por erro na apreciação da prova, acolhida pelo acórdão recorrido.
8. O que Recorrida sempre sustentou - e o Tribunal a quo corroborou - é que, independentemente da fundamentação vertida nos relatórios ser mais ou menos sucinta, é necessário que os autos reúnam prova suficiente que permita criar uma convicção segura sobre a prática de comportamentos indisciplinares por adeptos do clube sancionado, não se podendo sancionar com fundamento em referências genéricas e latas vertidas em prova documental.
9. Era necessário que o Conselho de Disciplina tivesse carreado aos autos prova suficiente de que os comportamentos indevidos foram perpetrados por sócio ou simpatizante da ........................................ - Futebol SAD, e ainda, que tais condutas resultaram de um comportamento culposo da ........................................ -Futebol SAD.
10. Precisamente porque ciente que dos relatórios não resultam suficientemente demonstrados os pressupostos exigidos pelos tipos legais em questão, pugna a Recorrente pela inversão do ónus da prova, cabendo à Recorrida demonstrar que cumpriu com os deveres que sobre si impendiam.
11. Porém, face às normas e princípios que enformam o processo sancionatório, admitir a tese da Recorrida equivaleria a uma atentória violação das regras do ónus probatório e do princípio da presunção de inocência.
12. Desde logo, e como vindo a ser corroborado pela jurisprudência, o arguido em processo disciplinar, tal como ocorre em processo penal, não tem de provar que é inocente da acusação que lhe é imputada.
13. Ao ser assim, andou bem o Tribunal recorrido quando considerou que o princípio da presunção de inocência do arguido, também presente no âmbito do processo disciplinar, tem como um dos seus principais corolários a proibição de inversão do ónus da prova, não impendendo sobre o arguido - in casu a Recorrida -o ónus de reunir as provas da sua inocência (neste sentido, a título de exemplo, veja-se o acórdão do TCA Norte de 02.10.2010, processo n.° 01551/05.8BEPRT, e ainda o acórdão do TCA Norte de 05.10.2012, processo n.°01958/08.7BEPRT, disponíveis em www.dgsi.pt).
14. Revela-se, aliás, unânime que o arguido em processo disciplinar tem direito a um "processo justo", o que passa, designadamente, pela aplicação de algumas das regras e princípios de defesa constitucionalmente estabelecidos para o processo penal, corno é o caso do citado princípio da presunção da inocência, acolhido no art. 32.°-2 da CRP (cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 27/11/97, in Rec. n.° 039040; 16.OUT.97, in Rec. n° 031496, de 14/03/96, in Rec. n.° 028264; de 19.JAN.95, in Rec. n.° 031486; de 10.DEZ.98, in Rec. n.° 037808; de 01.MAR.07, in Rec. n.° 01199/06; de 28.ABR.05, in Rec. n.° 333/05; de 17.MAI.01, in Rec. n.° 40528, disponíveis em
15. Portanto, sem que esteja demonstrada e devidamente comprovada, através de robustas provas, a materialidade e autoria da infracção disciplinar fica comprometida qualquer condenação do arguido/demandante, que tem em seu favor a presunção de inocência.
16. Princípio este que, aliás, justifica a afirmação de que não tinha a Recorrida que fazer prova, pois que tal prova - ainda que pela negativa - compete ao titular da acção, aqui Recorrente.
17. Nem mesmo a presunção de veracidade dos relatórios prevista no art. 13.°-f) do RD, e a que se apega a Recorrente, pode tolher o sentido da decisão recorrida.
18. Pois que, mesmo animada por uma presunção de verdade, não se trata de prova subtraída à livre apreciação do julgador, não se permitindo daí inferir um início de prova ou sequer uma inversão do ónus da prova, como quer fazer crer a Recorrente.
19. Para efeitos disciplinares, é relevante afirmar que a prova dos factos integradores da infracção é determinada face aos elementos existentes no processo e pela convicção do julgador, estando sujeita ao princípio da livre apreciação da prova.
20. Vale assim neste âmbito o princípio consignado no art.° 127.° do CPP, da livre apreciação da prova, nos termos em que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção.
21. Uma vez que nada dispõe em contrário, competirá ao julgador - na fixação dos factos e pressupostos da aplicação da pena disciplinar - formular o seu juízo sobre a realidade e sentido dos factos através da apreciação do material probatório, segundo aquela que é a sua livre convicção.
22. É precisamente nesta ponderação que - independentemente de gozarem ou não de presunção de veracidade - haverão de ser devidamente considerados os relatórios de jogo.
23. Por assim proceder, andou bem o Tribunal Recorrido ao apreciar todo o material probatório que recheia os autos, formulando o seu juízo sobre a realidade e sentido dos factos através da apreciação, segundo aquela que é a sua livre convicção, por sua vez, andou mal a Recorrida nas decisões disciplinares ao decidir pela condenação da ora Recorrida, quando não é possível retirar uma certeza da prova produzida.
24. Não se pode aqui abrir a porta para uma "prova por presunção" sobre a autoria dos factos.
25. No âmbito do processo sancionatório - penal, contra-ordenacional e disciplinar - não pode haver lugar a um esforço probatório aliviado por via do recurso a presunções, contrariamente ao que sucede noutras áreas do direito.
26.Porque assim é, o recurso a presunções judiciais só se revela legitimo quando intervenham juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto - desconhecido e não directamente provado- é na consequência natural ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza.
27. A mera circunstância de a bancada na qual teve origem a deflagração de engenhos pirotécnicos estar - por princípio - afecta a adeptos da Demandante, sem sequer haver prova da exclusividade dessa afectação, não permite concluir - com toda a probabilidade próxima da certeza ou, pelo menos, para além de toda a dúvida razoável - que o autor da deflagração tenha efectivamente sido um sócio ou simpatizante da recorrida.
28. Tanto mais quando se percebe que se recorreu a uma descrição demasiado abrangente e lata para criar um fio condutor de imputação das infracções à recorrida.
29. Pretende a Recorrente fazer vingar o critério da primeira aparência, no qual: à Recorrente, titular do poder punitivo disciplinar, cabe fazer a prova da primeira aparência; e à recorrida, uma vez comprovada essa primeira aparência, compete refutá-la, destruindo essa indiciação.
30. Este critério decisório constitui uma clamorosa violação do princípio da presunção de inocência, direito fundamental de que a demandante é titular e, do mesmo passo, implica que para a prova dos factos fundamentadores de responsabilidade disciplinar não será necessária uma racional e objectiva convicção da sua verificação, para além de qualquer dúvida razoável, sendo suficiente uma sua simples indiciação.
31. Sucede que o arguido em processo disciplinar presume-se inocente, correspondendo o princípio da presunção de inocência em processo disciplinar a um direito, liberdade e garantia fundamental, ancorado no direito de defesa do arguido (art. 32.°,n.ºs 2 e 10 da CRP), no princípio do Estado de Direito (art. 2.° da CRP) e no direito a um processo equitativo (art. 20.°-4 da CRP) (cf. Ac. do Pleno da Secção do CA do STA de 18-04-2002, Proc.033881 e Ac. do STA de 20-10-2015, Proc. 01546/14, www.dgsi.pt).
32. Além do mais o critério decisório que a Recorrente parece querer fazer impor - da prova da primeira aparência, com imposição de ónus da prova ao arguido - contraria aberta e frontalmente a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, jurisprudência que representa uma expressão consolidada do cânone da dogmática do princípio da presunção de inocência, constante de todos os tratados e comentários de processo penal e afirmado vezes sem conta pelos nossos tribunais superiores (TC, STJ, Relações e TCA's).
33. A figura da "prova de primeira aparência" ou "prova prima fade" é própria do direito civil, inserindo-se no quadro das presunções judiciais (art. 349.° do Código Civil) e pode, embora com cautelas e cum grano salis, funcionar nos pleitos cíveis, mas é um corpo completamente estranho no direito e processo sancionatórios, desde logo porque contraria os seus princípios estruturantes da culpa e da presunção de inocência.
Acresce que,
34. A jurisprudência que a Recorrente truncadamente transcreve nas suas alegações, vai ao encontro de tudo quanto vem defendido pela Recorrida e decidido pelo Tribunal Recorrido.
35. No caso Feyernoord Rotterdam v/ UEFA e no caso TAS de 11.03.2013 é notória a necessidade de prova suficiente de que os adeptos que perpetraram os factos eram adeptos do clube sancionado e prova suficiente de que na bancada em que ocorreram os factos apenas e só se encontravam adeptos do clube sancionado.
36. Tudo o que não se revelou suficientemente provado nestes autos e, precisamente por isso, fica prejudicado o preenchimento do elemento objectivo dos tipos.
37. Importa acrescentar que o preenchimento da infracções p. e p. pelo art. 127.° e 187.° do RD, aqui em discussão, pressupõe uma actuação culposa da Recorrida.
38. Como já adiantamos supra, face ao ónus probatório e à presunção de inocência, impunha-se ao Conselho de Disciplina averiguar o que fez (ou não fez) a Recorrida para não impedir que ocorresse qualquer comportamento infractor de terceiros no recinto desportivo, sustentando a sua decisão em prova suficiente.
39. Compulsados ambos os processos disciplinares, em nenhum deles - sem qualquer excepção! - resulta provado ou sequer indicado um comportamento inadimplente da Recorrida.
40. Os documentos que a Recorrida tanto alega que gozam de presunção de veracidade em parte alguma descrevem o que fez ou deixou de fazer o clube, por referencia a concretos deveres legais ou regulamentares, nem tão pouco descreve por que forma essa actuação culposa do clube facilitou ou permitiu o comportamento que é censurado.
41. Considerando que a imputação por tais infracções só pode resultar de um comportamento culposo do Clube, aqui Recorrida, e nada depondo nos autos no sentido de que esta contribuiu - activa ou omissivamente - para a prática dos comportamentos infractores, não merece, a decisão recorrida, qualquer reparo.
42. No respeitante ainda a estas infracções, e àquilo que resultou provado nos relatórios e decisões disciplinares, importa apenas atentar a situações especificas em discussão nestes autos e as quais redundam sempre na mesma conclusão: o acerto da decisão recorrida.
43. No referente à entrada de objectos no recinto desportivo importará mais uma vez atentar à realidade: nada nos autos evidencia um comportamento culposo pela recorrida, pelo que sendo este um pressuposto exigido pelo tipo legal, não podia a Recorrida pugnar ou decidir pela condenação
44. Por ultimo, a problemática da violência no desporto é uma temática a que a Recorrida não se mostra imune, sendo transversal a todos os participantes nestas competições de futebol de onze, principalmente agentes como a Recorrida que se encontra simultanemanente envolvida em várias competições, o interesse pelo correcto decorrer do espectáculo/evento desportivo.
45. Porém, não se pode partir do interesse em dirimir comportamentos violentos ou indevidos em eventos desportivos e daí exrtavasar para o sancionamento - sem mais - dos clubes, como aprece querer a Recorrente.
46. De facto, exigia-se para a condenação das Recorrida que se mostrassem suficientemente provados os factos consubstanciadores da prática das infracções p. e p. pelos arts.127.° e 187.° do RD, o que não sucedeu nos autos, por tudo quando aventado, ficando necessariamente prejudicada a alegação da Recorrente.
47. Por último, no âmbito da decisão sobre os litígios atribuídos à jurisdição do TAD, prescreve o art. 3.° da LTAD que este Tribunal goza de uma jurisdição plena, sendo-lhe atribuídos plenos poderes decisórios a esta entidade jurisdicional.
48. Ao ser assim, os poderes de cognição deste Tribunal permitem-lhe proceder a um reexame das questões que lhe são submetidas, quer ao nível dos factos, quer ao nível do direito aplicável, e, podendo, por isso, emitir um novum judicium.
49. Foi precisamente, no uso das competências que lhe foram legalmente atribuídas, que o Tribunal recorrido apreciou as questões que lhe foram submetidas nos processos disciplinares n.°…/2016, …/2016 e …/2016, julgando a matéria de facto provada e não provada nestes autos, emitindo o novum judicium de acordo com as exigências e princípios legais que regem o direito sancionatório desportivo.
50. Sendo incontestável - em face dos poderes atribuídos ao Tribunal Arbitral do Desporto pela Lei n.° 74/2013 - que o Tribunal recorrido não extrapolou os seus poderes de cognição e decisão nestes autos, fica prejudicada a alegação da Recorrida.
51. Se dúvidas houvesse, o recente acórdão do STA de 08.02.2018 (Proc. n.°01120/17), veio esclarecer que o Tribunal Arbitral do Desporto é um "verdadeiro tribunal, mas com algumas especificidades relativamente aos tribunais administrativos entre as quais está a possibilidade de reexame das decisões em sede de matéria de facto e de direito das decisões dos Conselhos de Disicplina."
52. A douta sentença do Tribunal a quo não merece qualquer reparo ou censura, devendo manter-se "in totum ".
Termos em que se requer a V. Exas. se dignem negar provimento ao recurso interposto, mantendo-se o douto acórdão recorrido, com as consequências legais.”
O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º, ambos do CPTA, silenciou.

Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre decidir.


*

2.- DA FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Dos Factos

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 663º, nº6 do NCPC, dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto constante da sentença recorrida, que não vem impugnada.
*
2.2. Motivação de Direito

Os recursos, que devem ser dirigidos contra a decisão do tribunal a quo e seus fundamentos, têm o seu âmbito objectivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido (ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas) - v.g. artigos 635º e 639 do NCPC, «ex vi» do artigo 1º e 140º do CPTA.
Atentas as conclusões de recurso, que delimitam o seu objecto, a questão decidenda passa, por determinar se a sentença (i) padece de nulidade de acordo com o disposto no artigo 615.º, n.º1, al. c) do CPC, aplicável via artigo 1.º do CPTA, por conter contradições entre os fundamentos e a decisão tomada, tornando-a ambígua, e se (ii) incorreu em erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 13.º, al. f), 127.º,172.º,186.º, n.º1, 187.º, n.º1, al. a) e b) e 258.º do Regulamento Disciplinar da LPFP e, ainda, ao rejeitar o pedido de isenção de custas apresentado pela Recorrente, pois a negação de tal direito é violador de normas constitucionais, designadamente o artigo 13.º e 20.º, n.º1 e 2 e 268.º, n.º4, da Constituição da República Portuguesa.
Assim, a questão que cumpre decidir prioritariamente, subsume-se a saber se:

(i) a sentença recorrida enferma de nulidade, pelo facto dos seus fundamentos estarem em oposição com a decisão

Da análise dos autos, dos documentos juntos e da prova produzida, não podemos corroborar e acompanhar o exposto nas doutas alegações do recurso interposto.
Com base no circunstancialismo provado, é manifesto que não ocorre oposição entre os fundamentos do Acórdão e a respectiva decisão, como alega a Recorrente.
Se bem perscrutamos, a Recorrente sustenta a existência de uma ambiguidade que torna a decisão ininteligível, havendo nela um vício real no raciocínio, devendo ser considerada nula por referência à al. c) do n°1 do art. 615° do C.P.C..
Esta disposição, em atenção ao caso concreto, tipifica como causa de nulidade da sentença a «oposição dos fundamentos com a decisão».
Entende a mais autorizada doutrina (v. Prof. J. A. Reis, CPC Anotado, vol. V, pág. 141 e A. Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nora, CPC Anotado, pág.686) que este vício afecta a estrutura lógica da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão: - os fundamentos invocados pelo juiz não conduziriam ao resultado expresso na decisão; conduziriam logicamente, isso sim, a resultado oposto. Ou seja: - existe aqui um vício real no raciocínio do julgador, uma real contradição entre os fundamentos e a decisão que se analisa em que a fundamentação aponta num determinado sentido e a decisão segue caminho oposto, ou, pelo menos, direcção diferente.
Importa, por isso, determinar se os fundamentos invocados pelo Mº Juiz «a quo» deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que foi expresso na sentença.
Em substância, a Recorrente diz serem patentes as contradições do Colégio Arbitral porquanto, apesar de sufragar o entendimento de que a prova pela negativa é inadmissível, entende que era esse tipo de prova que o Conselho de Disciplina tinha de levar a cabo; apesar de sufragar o entendimento de que apenas a identificação concreta do agente pode sustentar a punição da Recorrida, admite que as regras da experiência comum podem afastar essa mesma lógica.
Porém, da leitura do Acórdão em busca das reclamadas contradições, não se antolha réstia das mesmas no seu discurso fundamentador já que e no essencial e relevante para a correcta decisão do pleito, o que o TAD mostra para decidir como decidiu, é que, era imprescindível que o Conselho de Disciplina tivesse carreado aos autos prova suficiente de que os comportamentos indevidos foram perpetrados por sócio ou simpatizante da ........................................ - Futebol SAD, e ainda, que tais condutas resultaram de um comportamento culposo da ........................................ -Futebol SAD.
Mais decorre da fundamentação jurídica de decisão sob recurso que se considerou que dos relatórios não decorrem suficientemente demonstrados os pressupostos exigidos pelos tipos legais em apreço e que, perante as normas e princípios que enformam o processo sancionatório, a tese da Recorrida corresponderia à violação das regras do ónus probatório e do princípio da presunção de inocência, sendo pacífico o entendimento doutrinal e jurisprudencial de que o arguido em processo disciplinar, tal como ocorre em processo penal, não tem de provar que é inocente da acusação que lhe é imputada.
É, pois, manifesto, que o Tribunal a quo fundamentou que o princípio da presunção de inocência do arguido, tem como corolário a proibição de inversão do ónus da prova, não impendendo sobre a arguida e ora Recorrida -o ónus de reunir as provas da sua inocência.
Dito de outro modo: o esteio fundamentador, o motivo principal determinante da decisão de improcedência ditada no Acórdão do TAD foi o de que, sem que esteja demonstrada e devidamente comprovada, através de robustas provas, a materialidade e autoria da infracção disciplinar fica comprometida qualquer condenação do arguido/demandante, que tem em seu favor a presunção de inocência, pelo que não tinha a Recorrida que fazer prova, pois que tal prova - ainda que pela negativa - compete ao titular da acção, aqui Recorrente. E que, tão pouco a presunção de veracidade dos relatórios ínsita no art. 13.°-f) do RD a que se arrima a Recorrente, pode obstaculizar o sentido da decisão recorrida já que, ainda que se possa configurar uma presunção de verdade, a mesma não é uma espécie de prova subtraída à livre apreciação do julgador, não se permitindo daí inferir um início de prova ou sequer uma inversão do ónus da prova, como defende a Recorrente.
Ora, como supra se demonstrou, não consta da decisão recorrida uma contradição já que o tribunal, a partir da livre apreciação da prova produzida, estabeleceu a matéria de facto sobre a qual assentou a decisão em perfeito silogismo lógico.
Manifestamente que os fundamentos invocados pelo TAD conduziriam ao resultado expresso na decisão, inexistindo uma real contradição entre os fundamentos e a decisão pois que a fundamentação aponta num determinado sentido e a decisão segue esse caminho.
Destarte, ao ter decidido em sentido conforme ao que era imposto pela fundamentação construída antecedentemente, não cometeu o Tribunal a quo erro de actividade jurisdicional e, consequentemente, inverifica-se a nulidade do Acórdão prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC.
Temos em que improcedem as conclusões recursórias atinentes à ajuizada nulidade decisória.

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(ii) do erro de julgamento da decisão recorrida por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 13.º, al. f), 127.º,172.º,186.º, n.º1, 187.º, n.º1, al. a) e b) e 258.º do Regulamento Disciplinar da LPFP
Neste segmento recursivo, a Recorrente, em termos mais abrangentes, assaca ao acórdão proferido pelo TAD erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 13.º, al. f), 127.º,172.º,186.º, n.º1, 187.º, n.º1, al. a) e b) e 258.º do Regulamento Disciplinar da LPFP, motivo porque entende que deve ser revogado.
A Recorrida dissente de tal asserção ao defender que era necessário que o Conselho de Disciplina tivesse carreado aos autos prova suficiente de que os comportamentos indevidos foram perpetrados por sócio ou simpatizante da ........................................- Futebol SAD, e ainda, que tais condutas resultaram de um comportamento culposo da ........................................ -Futebol SAD.
Mais entende que é por estar ciente que dos relatórios não resultam suficientemente demonstrados os pressupostos exigidos pelos tipos legais em questão, quer a Recorrente pugna pela inversão do ónus da prova, cabendo à Recorrida demonstrar que cumpriu com os deveres que sobre si impendiam. Porém, face às normas e princípios que enformam o processo sancionatório, admitir a tese da Recorrida equivaleria a uma atentória violação das regras do ónus probatório e do princípio da presunção de inocência.
Nesse sentido, faz apelo àquela que tem sido a pronúncia da jurisprudência no sentido de que o arguido em processo disciplinar, tal como ocorre em processo penal, não tem de provar que é inocente da acusação que lhe é imputada, para considerar que andou bem o Tribunal recorrido quando considerou que o princípio da presunção de inocência do arguido, também presente no âmbito do processo disciplinar, tem como um dos seus principais corolários a proibição de inversão do ónus da prova, não impendendo sobre o arguido - in casu a Recorrida -o ónus de reunir as provas da sua inocência (neste sentido, a título de exemplo, veja-se o acórdão do TCA Norte de 02.10.2010, processo n.° 01551/05.8BEPRT, e ainda o acórdão do TCA Norte de 05.10.2012, processo n.°01958/08.7BEPRT, disponíveis em www.dgsi.pt).
Mais aduz – e antecipe-se que, para nós, irrepreensivelmente – que sem que esteja demonstrada e devidamente comprovada, através de robustas provas, a materialidade e autoria da infracção disciplinar fica comprometida qualquer condenação do arguido/demandante, que tem em seu favor a presunção de inocência, principio que justifica a afirmação de que não tinha a Recorrida que fazer prova, pois que tal prova - ainda que pela negativa - compete ao titular da acção, aqui Recorrente e, nem mesmo a presunção de veracidade dos relatórios prevista no art. 13.°-f) do RD, e a que se apega a Recorrente, pode tolher o sentido da decisão recorrida.
É que, diz ainda, mesmo animada por uma presunção de verdade, não se trata de prova subtraída à livre apreciação do julgador, não se permitindo daí inferir um início de prova ou sequer uma inversão do ónus da prova, como quer fazer crer a Recorrente pelo que não merece censura a operação exegética do tribunal que se traduziu na apreciação de todo o material probatório que recheia os autos, formulando o seu juízo sobre a realidade e sentido dos factos através da apreciação, segundo aquela que é a sua livre convicção, por sua vez, andou mal a Recorrida nas decisões disciplinares ao decidir pela condenação da ora Recorrida, quando não é possível retirar uma certeza da prova produzida.
Como enfatiza ainda a Recorrida, não se pode aqui abrir a porta para uma "prova por presunção" sobre a autoria dos factos pois, no âmbito do processo sancionatório - penal, contra-ordenacional e disciplinar - não pode haver lugar a um esforço probatório aliviado por via do recurso a presunções, contrariamente ao que sucede noutras áreas do direito. Esse modo de ver determina que o recurso a presunções judiciais só se revela legitimo quando intervenham juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto - desconhecido e não directamente provado- é na consequência natural ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza.
Ora, conclui a Recorrida, a mera circunstância de a bancada na qual teve origem a deflagração de engenhos pirotécnicos estar - por princípio - afecta a adeptos da Demandante, sem sequer haver prova da exclusividade dessa afectação, não permite concluir - com toda a probabilidade próxima da certeza ou, pelo menos, para além de toda a dúvida razoável - que o autor da deflagração tenha efectivamente sido um sócio ou simpatizante da recorrida, tanto mais quando se percebe que se recorreu a uma descrição demasiado abrangente e lata para criar um fio condutor de imputação das infracções à recorrida.
Quid juris?
A questão nuclear que se coloca neste recurso é, pois, a de saber se ocorreu(eram), ou não, o(s) ilícito(s) disciplinar(es) - existência material dos pressupostos de facto que são imputados à recorrente.
Nesse sentido, aderimos de pleno à fundamentação adoptada em situação similar à dos autos e que foi versada na Decisão proferida em 28.NOV.2017 no recurso nº 144/17.0BCLSB e que já foi sufragada pelo relator e o 1º adjunto desta formação no Acórdão proferido em 26 de Julho de 2018, no Processo nº nº8/18.0BCLSB:
“(…)
Como nos diz a doutrina, o exercício do poder disciplinar cabe no âmbito “(..) da margem de livre decisão administrativa, cujo exercício os tribunais podem controlar precisamente apenas na medida em que tenha envolvido a violação de um qualquer parâmetro de conformidade jurídica.
Embora tudo isto já decorresse implicitamente da Constituição, o artº 71º CPTA explicitou a determinação de que os tribunais administrativos respeitam a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa (..) [só em caso de] apenas restar uma possibilidade de actuação juridicamente conforme, será mesmo possível um controlo jurisdicional total da conduta administrativa comissiva ou omissiva (redução da margem de livre decisão a zero) (..)”. ( )
Por regra, o ordenamento punitivo disciplinar desconhece o regime da tipicidade, antes opera mediante o elenco de substantivos identificativos das qualidades abstractas requeridas - os chamados deveres gerais de conduta funcional - explicitados mediante a técnica legislativa da descrição de conteúdo de cada um dos deveres do catálogo regulamentar e respectiva enumeração de parâmetros comportamentais esperados, no sentido permissivo e proibitivo.
Todo este labor legislativo é concretizado normativamente mediante a descrição do desvalor de acção e de resultado no domínio do ilícito disciplinar por adopção de conceitos gerais e indeterminados, juridicamente expressivos do conteúdo da relação jurídica em causa (por regra, uma relação laboral ou institucional) e, portanto, conteúdos vinculativos, o que, uma vez definidos quais os factos provados, outorga à autoridade administrativa no exercício da competência disciplinar uma margem de livre apreciação, subsunção e decisão, operações todas elas jurisdicionalmente sindicáveis no que concerne à definição do efeito jurídico no caso concreto (validade do acto), v.g. quanto à existência material dos pressupostos de facto. ( )
Em sede disciplinar e ao contrário do direito criminal, o facto ilícito não assume a qualidade jurídica de facto típico por não existir na veste de descrição inserida na hipótese legal, isto é, em termos simples, o facto ilícito não consta do artigo do regulamento disciplinar nos mesmos moldes de explicitação concreta e específica de actos como é próprio dos artigos do Código Penal por imperativo constitucional (facto ofensas corporais, facto morte, etc.); no ilícito disciplinar o que existe é a descrição do comportamento não querido pela norma por reporte a categorias abstractas de deveres (dever de respeito, de urbanidade, etc), mas é evidente que tem de existir, apurado no decurso do procedimento disciplinar, factualidade ilícita e culposa.
A operação de subsumir a matéria de facto provada no conceito normativo identificado pelos substantivos que qualificam os deveres gerais, em ordem a aplicar ao caso concreto a consequência jurídica definida pela norma, passa, assim, por dois planos:
 primeiro: pela interpretação e definição de conteúdo dos conceitos indeterminados que consubstanciam os deveres gerais;
 segundo: pelo juízo de integração ou inclusão dos factos apurados na previsão do normativo aplicável e consequente concretização dos referidos conceitos normativos.
*
Cabe, ainda, salientar dois aspectos.
Em primeiro lugar que a actividade interna dos entes administrativos traduzida no exercício competencial do poder disciplinar, cabe no âmbito dos espaços de valoração próprios do exercício da função administrativa, sem prejuízo das vinculações legais e limites imanentes da margem de livre apreciação e decisão administrativa plasmados no art° 266° n° 1 CRP e art°s. 4°, 6°-A, 9° e 11° CPA/91, actuais artºs. 4º, 10º, 13º e 15º CPA/revisão de 2015.
Em segundo lugar – aspecto que no caso concreto trazido a recurso assume especial relevância - a recurso -, a sindicabilidade jurisdicional da validade do acto sancionatório disciplinar confina-se no juízo sobre a existência material dos pressupostos de facto, ou seja, no domínio da violação de lei decorrente de erro sobre os pressupostos de facto do acto administrativo. “
Voltando ao caso concreto, pelo Digno Magistrado do Ministério Público foi emitido Parecer nos termos dos artºs 146º, nº1 e 147º, ambos do CPTA – pelo que não se compreendem as objecções suscitadas pela recorrida quanto á legitimidade do MºPº para intervir nestes autos-, que se transcreve na parte julgada útil ao objecto do recurso:
“I. Objecto do recurso
1. Vem o presente recurso interposto pelo Recorrente, ........................................ (.....), da decisão proferida em sede de Colégio Arbitral no Tribunal Arbitrai do Desporto (TAD), a qual decidiu no sentido de confirmar as multas aplicadas pela Federação Portuguesa de Futebol ao ....., no âmbito de Autos de Processo Disciplinar instaurados por aquela Federação ao citado Clube, tudo nos termos melhor constantes dos Autos;
Apreciação
2. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º, nº2, e 146º, nº1, do CPTA, e dos artigos 5º, 608º, n°2, 635º, nºs. 4 e 5, e 639º, todos do novo Código de Processo Civil (CPC, ex vi do disposto nos artigos 1º e 140º do CPTA;
3. No caso, em face do teor das conclusões apresentadas, cumpre apreciar, essencialmente, as questões atinentes a erro de julgamento na interpretação e aplicação do Direito invocado no âmbito da decisão recorrida;
Ora,
4. Da análise aos presentes Autos, nomeadamente à Douta decisão de que se recorre, à motivação de recurso apresentada pelo Recorrente e bem assim à subsequente resposta do Recorrido, entende o Ministério Público que a decisão de que se recorre não procedeu a uma correcta apreciação dos factos trazidos ao conhecimento do Tribunal e bem assim à sua subsunção ao Direito;
Nessa linha,
5. Entende-se acompanhar, em sentido genérico, a fundamentação da resposta apresentada pelo Recorrente, ....., e bem assim a fundamentação expressa no âmbito do voto de vencido constante da citada decisão do TAD, cujo argumentário se subscreve, sem prejuízo das considerações que seguem;
6. Assim, importa salientar que os factos sujeitos à apreciação do presente recurso são, na sua essência, similares aos factos submetidos a Recurso Jurisdicional neste TCA e no âmbito do Processo ri9l44/17, referidos a fls. 74 da motivação de recurso apresentada pelo .....;
7. Autos esses onde o signatário emitiu parecer cujos fundamentos são, também no essencial, aplicáveis ao caso presente, razão pela qual se entende transcrever parcialmente, na parte aplicável, tal documento, nos seguintes termos:
"No fundo, aquilo que está verdadeiramente em causa ... tem a ver com a alegada falta de rigor jurídico apontada ... à fundamentação das decisões proferidas ainda em sede dos órgãos de Justiça desportiva integrados na FPF;
Falta de rigor esse que incide, essencialmente, sobre a necessária descrição dos factos no sentido do preenchimento do tipo de ilícito cuja prática se imputa ao .....;
É o caso, a título meramente indicativo, da ausência de rigor sobre a clara identificação dos adeptos do ..... no seguinte trecho:
"... a mera circunstância de a bancada na qual teve origem a deflagração do petardo estar afecta a adeptos do clube, sem sequer fazer menção à exclusividade dessa afectação, não permite concluir que o autor d'p lançamento tenha efectivamente sido um sócio ou simpatizante do mesmo. Tratam:-se de dois factos autónomos, em que, de forma alguma, o segundo é uma consequência directa do primeiro e único facto conhecido e provado...".
Por referência ao Ac. do TRP ali citado sob a nota nº18, a fls. 32 da decisão do Colégio Arbitral;
Tal afirmação tem, necessariamente, consequências em sede de definição e apreciação da prova, como seja a necessidade de recurso à prova indirecta, o que, de todo, se mostra incompatível com a faculdade de recolha atempada dos necessários elementos probatórios pelo instrutor do processo;
Tanto mais que as punições em apreço, como bem se alcança dos Autos (Cfr. fls. 37), foram assumidas com base no mero relatório do jogo, o qual, como bem referido na decisão sob recurso, se mostra, de algum modo, em evidente similitude jurídica com os Autos de Notícia - Cfr. fls. 38;
O que, em bom rigor, obrigaria, no limite, à aplicação de presunções judiciais, tudo por via do insuficiente corpo de prova;
Aliás, sobre esta matéria, salienta-se o segmento decisório constante de fls. 40 dos Autos e onde se pode ler:
"Significa isto que a acusação terá que descrever, em primeiro lugar, o que fez, ou deixou de fazer, o clube, por referência a concretos deveres (legais ou regulamentares) que identifica, e, em segundo, por que forma essa actuação do clube facilitou ou permitiu o comportamento que é censurado dos sócios ou simpatizantes. E serão esses os factos que o Conselho de Disciplina terá que dar como provados, ou não. Sendo certo que caberá à entidade promotora do procedimento disciplinar a prova de todos os elementos típicos (objectivo e subjectivo) do tipo de infracção, ou seja, de que o clube infringiu, com culpa, os deveres legais ou regulamentares, a que estava adstrito, que esse comportamento permitiu ou facilitou determinada conduta proibida, que esta ocorreu, e que a mesma foi realizada por sócios ou simpatizantes seus."
E vale também aqui a doutrina plasmada no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 22/11/2012, Processo n.º 00691/10.4BECBR, de acordo com a qual “ao tribunal é possível analisar da existência material dos factos imputados ao arguido e averiguar se os mesmos constituem infrações disciplinares, já lhe não cabe apreciar a medida concreta da pena salvo se for invocado, nomeadamente, o desvio de poder, o erro sobre os pressupostos, o “erro grosseiro e manifesto”, a violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade, porquanto é uma tarefa da Administração que se insere na chamada “discricionariedade técnica ou administrativa”.
Bem como o entendimento vazado no Acórdão de 23/06/2017, do Tribunal Central Administrativo do Norte, no processo n.º00051/12.2BECBR que vai pelo mesmo diapasão:
“1 – Cabe ao Tribunal, em função da prova disponível formular um juízo sobre a conformidade com a realidade dos pressupostos de facto fixados aquando da prolação do acto objecto de impugnação. A função de controlo judicial limita-se a detectar se a apreciação das provas tem uma base racional, se o valor das provas produzidas foi pesado com justo critério lógico, não enfermando de erro de facto ou erro manifesto de apreciação. É através da fundamentação da decisão que se deve averiguar se a valoração das provas está racionalmente justificada e se ela é capaz de gerar uma convicção de verdade sobre a prática dos ilícitos disciplinares imputados ao recorrente.”
É que, pelos princípios mais basilares do direito penal, que se aplica subsidiariamente ao processo disciplinar - “nulla crimen nulla poena sine culpa “ – artigo 29.º da C.R.P. – segundo o qual não crime e não há pena sem culpa. E o princípio “in dubio pro reo” artigo 32.º n.º 2 C.R.P. - funciona como uma garantia de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. A "presunção de inocência” condiciona toda condenação a uma actividade probatória produzida pela acusação e veda taxativamente a condenação, inexistindo as necessárias provas. O ónus da prova dos factos constituídos da pretensão penal (=disciplinar) pertence com exclusividade à acusação, sem que se possa exigir a produção por parte da defesa de provas referentes a fatos negativos (provas diabólicas). Essa presunção de inocência só poderá ser ilidida com a devida prova (constatação) de que houve falta disciplinar. E do princípio da Legalidade” artigos 29.º n.º 1 da C.R.P. e artigo 1.º do Código Penal. Nos termos do artigo 31º n.º 2, alínea b) Código Penal, o facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída.
Logo, a agora arguida nunca pode ser condenado por qualquer sanção disciplinar, atendendo a que não praticou qualquer infracção nos termos expostos na decisão recorrida pois, sufragando absolutamente a fundamentação desta, também no nosso modo de ver, não se apuraram factos que relevam como pressuposto da prática de uma eventual infracção disciplinar.
Valorando-os, dir-se-á que, nesta matéria, cabe deixar assente, em consonância com o entendimento pacífico e já longo na jurisprudência do STA e do TCAS, que o arguido em processo disciplinar, tal como ocorre em processo penal, não tem de provar que é inocente de acusação que lhe é imputada, pois “o ónus da prova dos factos constitutivos da infracção cabe ao titular do poder disciplinar” (cfr. o antiquíssimo Ac. do STA de 14.03.1996, Recurso nº28264 e o Ac. do TCAS de 02-06-2010, no Recurso nº05260/01).
Como também se assinala em tal jurisprudência um non liquet em matéria de prova resolve-se a favor do arguido por aplicação dos princípios da presunção de inocência do arguido e do in dubio pro reo, devendo a prova coligida assentar em factos que permitam um juízo de certeza, isto é, numa convicção segura, para além de toda a dúvida razoável, de que o arguido praticou os factos que lhe são imputados.
Portanto, sem que esteja demonstrada e devidamente comprovada, através de robustas provas, a materialidade e autoria da infracção disciplinar fica comprometida qualquer condenação do arguido (e, afortiori, a instauração de processo disciplinar), que tem em seu favor a presunção de inocência. No direito disciplinar, só a certeza possui o condão de levar o arguido à condenação, sem esse requisito, in dubio pro reo.
E, se é certo que a prova, designadamente a prova testemunhal, é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente (artigo 127º do CPPenal), também não é menos verdade que este princípio não contende ou colide, nem se sobrepõe ou afasta, o princípio da presunção da inocência do arguido e do ónus da prova.
Retomando o caso vertente, a “prova” dos factos constitutivos da infracção foi feita com base em juízos conclusivos pouco ou nada rigorosos e as constatações de que o Instrutor partiu não autorizam as ilações a que ele chegou em face da prova realizada, operando com presunções infundadas.
Ora, este circunstancialismo, face ao princípio da presunção da inocência do arguido e do ónus da prova, não é apta a desconstituir essa presunção de inocência do arguido no sentido de que, tendo em conta as imputações que lhe fez a Recorrida, foi comitente das infracções que lhe são imputadas com base no RJD.
Daí, pois, que as provas coligidas não eram suficientes para determinar a instauração do procedimento disciplinar ao arguido, por serem inaptas para considerar que, com um juízo de certeza, ele cometeu qualquer infracção.
Atenta a materialidade apurada e provada no processo, sujeito a rígidas exigências de rigor técnico-jurídico, onde são particularmente garantidos todos os meios de defesa ao arguido e amplos os meios de investigação, não conduz à diminuição ou postergação dos direitos de defesa do arguido, e acarreta necessariamente a conclusão que lhe falta o elemento subjectivo, por carecer de referências expressas das circunstâncias que rodearam a sua vontade de realizar as condutas que lhe foram imputadas e que, sobretudo, a existência de uma regulamento legalmente válido que o vinculasse nos termos já demonstrados.
Ora, o arguido, em processo disciplinar, tem direito a um «processo justo» o que, passa, designadamente, pela aplicação de algumas das regras e princípios de defesa constitucionalmente estabelecidos para o processo penal, como é o caso do citado princípio, acolhido no n.°2, do artigo 32.° da CRP.
Sucede que, como bem se demonstra na decisão recorrida e nos termos já expostos, os indícios recolhidos no processo disciplinar não são suficientes para formar uma convicção segura da materialidade dos factos, por a punição ter que assentar em factos que permitam um juízo de certeza sobre a prática da infracção pelo arguido, a este não pode ser imputada a conduta disciplinarmente reprovada, afirmando-se, bem impressivamente, que um non liquet em matéria probatória se resolve a favor do arguido por aplicação do citado princípio.
Em substância, considera-se infracção disciplinar o facto, ainda que meramente culposo, praticado pelo agente com violação de algum dos deveres gerais ou especiais decorrentes da função que exerce e tipificados nos normativos citados na nota de culpa.
Assim, são elementos essenciais da infracção disciplinar: os sujeitos; o objecto; a ilicitude e a culpabilidade. E, se existe, como aliás já se disse, qualquer dúvida quanto à não verificação dos três primeiros requisitos, o cerne da discórdia assenta no outro requisito: a “ culpabilidade”, isto é, a censura do facto ao agente, sob a forma de dolo ou de mera culpa, porquanto o mesmo podia e devia agir de modo diferente.
A lei adoptou, ainda que à maneira clássica, o princípio da culpa, englobando o dolo e a negligência, conceitos que colheu no Código Penal, aplicável subsidiariamente ao processo disciplinar.
Preceitua o Artigo 15.ºdo Código Penal que:
“ Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado devido a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz:
a)Representa como possível a realização de um facto correspondente a um tipo legal de crime, mas actua sem se conformar com essa realização;
b)Não chega sequer a representar a possibilidade da realização do facto.”
Dito por outras palavras: mesmo que se mostre excluído o dolo ainda é possível censurar disciplinarmente o sujeito, se este omitiu deveres de diligência a que estava obrigado.
Ora, no caso dos autos, não é certo que a arguida soubesse que no exercício das suas funções de vigilância não devia, nem podia, proceder do modo que procedeu e/ou que, por perfeitamente claros e definidos, conhecesse os deveres que sobre ela impendiam previstos e definidos na normação elencada na acusação, que são os deveres específicos decorrentes da RJD.
Por assim ser, o acto punitivo radicaria numa presunção de culpa do arguido, alicerçando-se apenas nas afirmações/conclusões da Recorrente coligidas no processo disciplinar.
Ora, se os valores e os pressupostos da responsabilidade disciplinar assentam em valorações, o certo é que nos presentes autos, em que é a imagem do Futebol que está em causa, não se apurou qualquer factualidade fundante de um juízo de censura, isso sem necessidade, até, de convocar o invocado vício de violação do princípio do “ in dubio pro reo”.
Em todo o caso, este princípio “constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, na medida em que impõe orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre os factos: em tal situação, impõe-se que o Tribunal decida pro reo (...). A dúvida, que há-de levar o tribunal a decidir pro reo, tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária. Por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal” – cf. Ac. do STJ de 20-01-05, proc. n.º3209/05.
O que significa que, definitivamente, nos presentes autos só se pode conhecer da violação desse princípio quando tiver chegado a um estado de dúvida e de hesitação sobre a realidade dos factos e, perante ela, tiver decidido em desfavor do arguido.
Portanto, em última análise, sempre haveria lugar à aplicação daquele princípio, já que o processo disciplinar, como bem se demonstra na decisão recorrida, é suficientemente claro no sentido de que a arguido não praticou nem lhes podem ser imputado o cometimento das infracções descritas na acusação, tendo o acto incorrido em erros da apreciação factual em termos de não existirem dúvidas de que o processo disciplinar não acumulou ou factos demonstrativos de que o arguido praticou deveras as infracções por que vem acusado ou, no limite, se ter criado um non liquet quanto ao cometimento dos factos pelo arguido.
Tudo ponderado, entende-se, em consonância com o tribunal recorrido, que não foram carreados elementos que permitam concluir que a arguida violou o(s) dever(es) nos termos perfilados na acusação e que, outrossim, a prova recolhida não permite a conclusão, por se ter criado um irremovível estado de dúvida sobre o cometimento de tais factos.
Houve, pois, erro nos pressupostos de facto e de direito por parte da entidade decidente, sendo pacífico que os pressupostos são as circunstâncias, as condições de facto e de direito de que depende o exercício de um poder ou a competência legal, a prática de um acto administrativo e um órgão administrativo só pode actuar com base em circunstâncias de facto ou de direito indicadas pela lei ou escolhidas discricionariamente em vista da satisfação do interesse legal.
Assim, para que o acto seja válido quanto aos seus pressupostos não basta apenas que o órgão tenha actuado com base em pressupostos estabelecidos legalmente ou escolhidos, também se exige que os pressupostos tenham ocorrido na realidade, que o órgão só actue com base em pressupostos legais, mas que se verificaram em concreto.
Determinados os pressupostos da sua competência, seja porque os colheu na lei, seja porque os escolheu discricionariamente, o decisor tem de verificar se tais condições de facto ou de direito ocorreram na realidade, se são material ou juridicamente existentes, sendo que a real ocorrência dos pressupostos é um requisito de validade do acto administrativo, que a jurisprudência nunca deixa de verificar porquanto a actividade administrativa visa a satisfação de necessidades concretas reais e estas não existem se os pressupostos são materialmente inexistentes.
Significa que este requisito do acto administrativo é sempre vinculado quer quando os pressupostos são vinculadamente individualizados na lei, quer quando eles são de livre escolha do órgão administrativo.
No caso concreto, o acusador, até porque estamos num campo em que prevalecem os já invocados princípios do direito penal, não podia escolher discricionariamente os pressupostos para decidir deduzir a acusação mas, se o fez partindo de factos que não aconteceram, o pressuposto é inteiramente ilegal porque os factos pressupostos não ocorreram na realidade.
É que o acusador não goza de nenhuma liberdade quanto à constatação da realidade ou do direito existente pois só podem ser dados como tendo ocorrido factos materiais que realmente se verificaram e factos jurídicos existentes.
Acresce que, não sendo os pressupostos de escolha discricionária no caso concreto, porque o titular do jus puniendi está vinculado ao princípio da legalidade (nullum crimen sine lege, nulla poena sine lege) não podendo servir-se para definir o pressuposto de um conceito ou noção jurídica ou outra, mas, tão só vincular-se à lei, só podendo subsumir-lhe factos ocorridos que correspondam a esse conceito ou noção (de infracção disciplinar).
No que tange ao erro nos pressupostos em que assentou a acusação, o primeiro requisito legal dos pressupostos – a não comprovação dos fatos – ocorreu erro manifesto na forma como o acusador exerceu o seu poder disciplinar pois se afastou claramente deles ao invocar questões anteriores e que foram desconstruídos na decisão recorrida e se, portanto, nada do que foi dito quanto a tais elementos corresponde à verdade e se as normas jurídicas, ao contrário do que afirma o acusador, não abarcavam as condutas censuradas ao arguido no tocante aos actos que praticou, ou seja, inexistem factos subsumíveis no pressuposto vinculado e o acto acusatório é ilegal quanto aos seus pressupostos, valendo aqui o princípio da vinculação temática da acusação ou da preclusão interna.
Ora, não bastando ter o acusador exorbitado do âmbito da prova a que estava adstrito, introduziu, para efeitos de ponderação negativa, aspectos que lhe eram absolutamente anteriores e que foram apreciados na decisão recorrida – a existência e validade do regulamento-, ainda por cima, avaliou-os de forma incorrecta, melhor dizendo, não lhe deu qualquer relevo desconsiderando-os absolutamente.
A essa luz e como bem explicado no Acórdão recorrido, podemos dizer que o acto enferma de erro de facto sobre os pressupostos (violação de lei) porque o órgão deu como verificados factos que realmente não ocorreram, mas, também, erro de direito sobre os pressupostos visto que o órgão, estando vinculado a certas regras e princípios jurídicos, as alterou ou, pelo menos, desvirtuou, dando como subsumível no conceito escolhido factos que não são qualificáveis como tal sendo que, numa situação como na outra, o momento da constatação dos factos é sempre vinculado, independentemente de o pressuposto ser o indicado pela lei ou o escolhido discricionariamente pelo órgão.
Assim, é manifesto que as circunstâncias apuradas e que rodearam a prática dos factos descritos na acusação, foram forte e objectivamente penalizadoras, com ostensiva afronta dos princípios da Legalidade, da Justiça, da Proporcionalidade, da Imparcialidade, da Igualdade, da Boa-fé, da Confiança… razão porque, “os factos” sobre os quais o acusador errou, não autorizam a interpretação que deles é feita, justificativamente em prol da bondade da acusação.
É que, inelutavelmente, no caso dos autos não sofre dúvida, nem é questionado, que as actuações imputadas só se poderão situar no âmbito dos poderes funcionais da arguida, dentro dos actos que ele exerceu no desempenho das suas concretas competências. Encontrando-se, como se supõe, os factos da acusação dentro da esfera de poderes que estava autorizado a exercer.
Num tal desiderato, a motivação do presente processo correr contra a arguida com a referida motivação, dando-lhe guarida, dá como subliminarmente eclipsados determinados pontos da matéria de facto que foram estabilizados, fazendo-o com base em premissas de direito previamente assumidas. E retira consequências de direito das previamente assumidas imposições de facto.
Repousando na perspectiva – não verificada, como decorre de uma exigente apreciação crítica à articulada matéria de facto- de que não se provou a prática de qualquer acto ilícito formalmente válido e definitivo por parte da arguida, nem que esta tivesse presente a ilicitude da sua conduta, esta soçobrará e desaparecerá a culpabilidade daquela.
Acresce que a teoria geral da falta disciplinar constitui uma ideia relativamente nova, e os trabalhos doutrinários a esse respeito tendem, como se disse, a aproximar os institutos do direito penal aos do direito disciplinar, naquilo que os respectivos estatutos não regularem.
Evidentemente o objecto do Direito Penal, se traduz na persecução do jus puniendi versus jus libertatis, ao passo que no Direito Disciplinar, o poder de punir busca uma decisão correctiva (para transgressões disciplinares leves e médias), ou depurativa (para faltas disciplinares de natureza grave).
Todavia, isso não impede que, de forma adaptada, sejam absorvidos elementos da estrutura do crime, aliás, por isso, imbuído do respectivo espectro já que o facto típico disciplinar deve conter: conduta, resultado, nexo causal e tipicidade mitigada.
Assim e segundo um tal entendimento no caso do ilícito disciplinar, a conduta também dever ser provida de tal elemento subjectivo, sob pena de indesejável responsabilização objectiva, existindo a necessidade de que haja um resultado, se assim exigir a norma disciplinar, havendo, entretanto, um resultado jurídico a ser apurado, imputável a alguém por inequívoco liame causal.
Diga-se, ainda e com relevo para a situação que nos ocupa, que a falta disciplinar e o crime são elevados à categoria de fato jurídico sem distinção qualitativa visto que não existe diferença ontológica entre crime e infracção administrativa ou entre sanção penal e sanção administrativa.
Com efeito, o que, nos termos do princípio da legalidade se considera falta disciplinar, inspirado por ideologias dominantes e oportunistas, pode erigir esse ilícito administrativo ao status de crime.
Não obstante e como já foi abundantemente explanado na decisão recorrida e no presente discurso jurídico, é de concluir que não existem factos passíveis de integrar violação de deveres regulamentares, devido ao facto de não existir conduta, resultado, nexo causal e tipicidade mitigada, suficientemente certos e seguros.
E a essa conclusão não obsta o erro notório na apreciação da prova que a Recorrente parece ter chamado a terreiro, admitindo que um tal vício, previsto no art. 410º, n.º 2 c), do Cód. Proc. Penal, é imputado à decisão recorrida na vertente de ser contraditório e ofensivo das regras de experiência comum, por isso talvez a impor que o tribunal realizasse as diligências necessárias a confirmar essa hipótese e a suprir a eventual deficiência.
Mas, como já ficou suficientemente demonstrado em sede de análise do vício de nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão relativamente à afirmada incompatibilidade factual afirmada pela Recorrente, a justificar a realização de diligências que, nos autos, foram até realizadas mediante a junção aos autos dos processos disciplinares por iniciativa deste Tribunal, afigura-se que nenhuma razão lhe assiste, porquanto da análise de tais elementos não resulta qualquer prova relevante para complementar ou esclarecer um juízo de imputação e censurabilidade à arguida pelas condutas sancionadas.
Com efeito, não pode olvidar-se que relativamente a essas condutas delituosas o princípio in dubio pro reo foi ponderou devidamente e em concreto o respectivo âmbito de aplicação e as implicações que o mesmo tem associadas, ao decretar a absolvição da arguida com base em dúvidas que a versão desta justificaria e que as declarações e outros elementos probatórios em que se baseia a ora Recorrente FPF não permitiriam afastar, mesmo a atender ao conteúdo dos elementos que foram juntos por iniciativa deste tribunal de recurso.
Com efeito, como decorre do bloco teorético-fundamentador supra expresso não se ignora que, para aplicação do princípio in dubio pro reo, é preciso que no espírito do julgador, ao pretender fixar a matéria de facto, se instale uma dúvida séria, honesta e com força suficiente para se tornar um obstáculo intelectual à aceitação da versão dos factos prejudiciais ao arguido, sendo certo que a existência de prova divergente significa, necessariamente, no caso em apreciação, que está fundada aquela dúvida.
Dito de outro modo: a dúvida que fundamenta o princípio in dubio pro reo é insanável, razoável e objectivável.
A dúvida insanável pressupõe que houve todo o empenho e diligência do tribunal no esclarecimento dos factos, sem que tenha sido possível ultrapassar o estado de incerteza.
A razoabilidade implica que se trate de uma dúvida séria, argumentada e racional.
E a dúvida deverá ser objectivável, ou seja, é necessário que possa ser justificada perante terceiros, o que exclui dúvidas arbitrárias ou fundadas em meras conjecturas e suposições.
Precisado o contexto da operância do falado princípio, logo do mesmo se intui que, no caso sub judicibus, é, mais do que possível e até inevitável, afirmar a existência de dúvida insanável ou inultrapassável, apenas se vislumbrando a opção do julgador por uma “possibilidade”, apontada mas não demonstrada ou sequer suficientemente esclarecida, de utilização do processo disciplinar que foi junto por mor e em homenagem do dever de descoberta da verdade material que, entre outros, é imposto pelo art. 340º, do Cód. Proc. Penal, acrescida de uma dúvida nascida de declarações pouco pormenorizadas da FPF, apesar- volta a vincar-se - da prática de um acto visando suplantar tal deficiência sentida pelo julgador, mas dificilmente perceptível atentos os moldes em que foi exprimida.
Na verdade, tendo o tribunal a quo tido o cuidado de esclarecer que não estavam identificadas as pessoas e a sua ligação à arguida, como bem se demonstrou na decisão recorrida e nesta já longa fundamentação, estamos perante uma dúvida séria e intransponível.
Acresce ainda que as íntimas dúvidas do tribunal a quo e, agora, do ad quem,em resultado de pretensas deficiências/insuficiências da prova carreada para os autos e constituída pela Recorrente, estão explanadas em termos perfeitamente compreensíveis, claros ou racionais, não tanto por falta de credibilidade, mas de mera omissão/insuficiência de pormenorização espácio-temporal, quando é certo que o julgador fez tudo o que estava ao seu alcance no sentido de tentar ultrapassar a incerteza que sentia, não se limitando a invocar o princípio in dubio pro reo.
Destarte, é indubitável que foi devido o recurso ao ajuizado princípio para legitimar a procedência decretada pela decisão recorrida dado que as dúvidas referenciadas logram a densificação que o próprio julgador lhe atribuiu, na certeza de que tal patologia não pode já ser resolvida, não se vislumbrando a possibilidade de realização de diligências probatórias que escapam ao âmbito de apreciação e decisão deste tribunal ad quem até porque, não tendo havido impugnação da matéria de facto, nos termos previstos no art. 412º, n.ºs 3 e 4, do Cód. Proc. Penal, está vedada a reapreciação da prova produzida.
Do que vem dito, é forçoso concluir que a decisão recorrida não enferma de erro por concessão de excessiva latitude ao princípio in dubio pro reo, assentando a absolvição em bases probatórias consistentes e intransponíveis por prova a produzir, circunstância que também afasta o vício previsto no art. 410º n.º 2 al. c), do Cód. Proc. Penal.
Adite-se, com pertinência e relevância para a tese da configuração do carácter subjectivo da responsabilidade em apreço que vimos perfilhando e, talvez, por impulso da jurisprudência que o defende, que, conforme se noticia no jornal Expresso de 17-11-2018, o Governo se apronta para apertar “o cerco às claques ilegais” mediante uma proposta de lei que inclui bilhetes electrónicos com identificação, credenciais com nome, morada e fotografia e sanções pesadas para clubes e elementos dos Grupos Organizados de Adeptos (GOA).
Com efeito, explicita-se no prestigiado semanário, “o Governo já tem pronta uma proposta de lei para alterar a Lei nº52/2013, que estabelece o regime jurídico de combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos. O documento foi aprovado em agosto de 2018 em Conselho de Ministros, será apresentado nesta sessão legislativa e pretende reforçar os pressupostos vigentes através do condicionamento ao espaço e à actividade dos Grupos Organizados de Adeptos (GOA), chamados claques, e de penalizações acessórias aos clubes e indivíduos que incorram em delitos. O ponto de partida é a Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto (APCVD), criada em Outubro, que terá funções “fiscalizadoras, processuais e sancionatórias”.
Os princípios desta proposta de lei (…) são relativamente simples (…):
1) Os GOA só são reconhecidos como tal a partir do momento em, que estiverem registados como associação e inscritos na APCVD;
2) os GOA têm privilégios e apoios concedidos pelos clubes (ajuda em transportes, possibilidade de uso de tarjas, bombos, bandeiras ou faixas) que por sua vez lhes reservam um espaço delimitado nas bancadas;
3) nessa área, poderão apenas estar homens ou mulheres devidamente identificados por uma credencial e com um bilhete electrónico intransmissível que será comprado ao clube.
A credencial e o bilhete electrónico são as grandes novidades, sendo a primeira uma espécie de “FAN.D.” que incluirá uma foto de rosto grande do portador, o nome completo, o número do Cartão de Cidadão, a data de nascimento, a filiação (em caso de menores), a morada, o número de telefone e o e.mail…Desta forma, as autoridades poderão saber quem é quem dentro das claques. E a probabilidade de revenda ilegal de bilhetes será restringida – a proposta de lei é particularmente específica nestes pontos (Segundo o texto da proposta) “Os organizadores e os promotores de espectáculos devem (…) enviar para a APCVD, até ao dia 31 de Dezembro, um relatório sobre as acções realizadas durante o ano civil”. Por outro lado, as claques devem “ter uam lista actualizada contendo a identificação de todos os filiados que nelas participam disponível para as forças de segurança e a APCVD” (e o clube) “que apoie qualquer GOA tem de manter um registo sistematizado e actualizado dos filiados, do qual fará cópia e enviará semestralmente à APCVD” e à polícia”.
(Quanto à penalizações, estas) são substancialmente agravadas, sobretudo as acessórias. Diz a proposta de lei que, em “caso de ocorrências de incidentes que tenham causado perturbação séria ou violenta da ordem públiza”, os autores dos mesmos poderão ser obrigados à “apresentação e permanência junto de uma autoridade jurídica ou órgão de polícia criminal em dias e horas preestabelecidos” – e estes podem coincidir cos os dias e horas de jogos. Já os clubes que não cumpram ou não garantam a segurança vêem subir os valores das multas – que podem ir até aos €200 mil – e pode ser-lhes imputado o crime de desobediência e até vedada a área delimitada dos GOA. Outro cenário: se a claque do clube A infringir leis durante um jogo contra o clube B no estádio deste, a APCVD pode proibir o clube B de vender bilhetes ao clube A na segunda volta”.
Mas essa será uma nova regulamentação que jamais será aplicável retroactivamente por força do disposto no artº 2º, nº4 do Código Penal e que, supostamente, resolverá todas as questões de legalidade e inconstitucionalidade que se vêm suscitando em todos os processos envolvendo as acções das claques no âmbito dos recintos desportivos e que, em catadupa, têm assolado o TAD e o TCA com ressonância em recursos de revista interpostos para o STA.
Assim e concluindo, em sintonia com o Acórdão recorrido, não há lugar a qualquer infracção disciplinar, improcedendo, por infundado, o presente recurso na vertente em análise.
*

(iii) do erro de julgamento da decisão recorrida sobre o pedido de isenção de custas apresentado pela Recorrente

Na verdade e como assinala a Recorrente, o Acórdão recorrido decidiu ainda rejeitar o pedido de isenção de custas apresentado pela Recorrente, a qual manifesta o seu inconformismo também neste segmento por entender que decidiram mal os Exmos. Árbitros que compuseram o Colégio Arbitral.
E a Recorrente funda a sua discordância com fundamento em que a negação de tal direito é violador de normas constitucionais, designadamente o artigo 13.º e 20.º, n.º1 e 2 e 268.º, n.º4, da Constituição da República Portuguesa, uma vez que introduz uma desigualdade no acesso à justiça face aos demais intervenientes e agrava a situação da FPF face ao enquadramento legal que existia antes da existência de uma instância arbitral obrigatória.
Ora, concluía Recorrente, sendo certo que a inconstitucionalidade da norma foi suscitada durante o processo, tal significa que se este Douto Tribunal Superior entender igualmente não ser de reconhecer a isenção da Recorrente das taxas previstas na LTAD e na Portaria acima referida, estará também aplicar norma reportada como inconstitucional e a violar o artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais, e os artigos 13.º e 20.º, n.º1 e 2 e 268.º, n.º4, da Constituição da República Portuguesa.
Esta questão foi igualmente tratada nas decisões deste TCAS supra referidas (de 28/11/2017 no recurso nº 144/17.0BCLSB e Acórdão proferido em 26 de Julho de 2018, no Processo nº nº8/18.0BCLSB) e, porque não sobrevieram motivos que hajam abalado a nossa convicção sobre a bondade da solução além perfilhada, limitamo-nos a remeter para o bloco fundamentador vertido naquela sede, a saber:
“Há, ainda, que ser apreciada a questão da isenção de custas da FPF.
No Acórdão deste TCAS proferido no rec. nº 9417.0BCLSB em 04.10.2017 decidiu-se como segue:
“(..) 2.2.3 Da invocada isenção de taxa de arbitragem – (conclusões 18ª a 21ª das alegações de recurso)
2.2.3.1 Na contestação que a recorrida Federação Portuguesa de Futebol apresentou no processo arbitral, esta invocou, desde logo, beneficiar se isenção de taxa de arbitragem, por efeito do disposto no artigo 4º alíneas f) e g) do Regulamento das Custas Processuais, por, em suma, ser uma pessoa colectiva de direito privado titular de estatuto de Utilidade Pública Desportiva, e não ter, simultaneamente, na sua mão, o impulso processual a que alude o artigo 76º nº 2 da Lei do TAD, por se apresentar com toda a passividade perante o impulso de outrem (vide artigos 41º a 67º daquele seu articulado).
O que não foi acolhido pelo Tribunal Arbitral do Desporto, que entendeu que nos processos que correm junto do TAD.
Vejamos.
2.2.3.2 A Lei do TAD dedica os seus 76º a 80º às custas processuais na arbitragem necessária, estatuindo, entre o demais, que “as custas do processo arbitral compreendem a taxa de arbitragem e os encargos do processo arbitral” (artigo 76º nº 1), que “a taxa de arbitragem corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor da causa, por portaria dos membros do Governo responsáveis pela área da justiça e do desporto” (artigo 76º nº 2) sendo “…integralmente suportada pelas partes e por cada um dos contrainteressados, devendo ser paga por transferência bancária para a conta bancária do TAD, juntamente com a apresentação do requerimento inicial, da contestação e com a pronúncia dos contra-interessados” (artigo 77º nº 3).
E o artigo 80º da Lei do TAD determina, no âmbito dos normativos referentes às custas processuais na arbitragem necessária, serem “…de aplicação subsidiária:
a) As normas relativas a custas processuais constantes do Código de Processo Civil;
b) O Regulamento das Custas Processuais.”
2.2.3.3 A Portaria n.°301/2015, de 22 de Setembro veio fixar a taxa de arbitragem e os encargos do processo no âmbito da arbitragem necessária, bem como as taxas relativas a actos avulsos, nos termos do artigo 76º nº 2 da Lei do TAD, estatuindo no seu artigo 2º nº 1 que a taxa de arbitragem necessária “…corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado” e é “…fixada pelo presidente do Tribunal Arbitral do Desporto em função do valor da causa, nos termos do anexo I à presente portaria que dela faz parte integrante”.
2.2.3.4 Ora, atendendo a que as normas de isenção de custas, designadamente as contidas no Regulamento das Custas Processuais, consubstanciam normas excepcionais, em que cada situação de isenção estará normativamente prevista de modo expresso, e que quer a Lei do TAD, quer a Portaria n.°301/2015, de 22 de Setembro que o regulamenta no que respeita à taxa de arbitragem e encargos do processo de arbitragem, não contêm qualquer previsão de situação de isenção de custas, tem que concluir-se que a Federação Portuguesa de Futebol não beneficiava de qualquer isenção das custas do processo arbitral (taxa de arbitragem), como propugnou.
Improcedendo, pois, neste aspecto o recurso. (..)”
No mesmo sentido, é lapidar a pronúncia do EPGA no seu douto Parecer que, data vénia também se transcreve e se subscreve inteiramente:
“Finalmente, no que respeita a custas, argumentou ainda a recorrente FPF que o acórdão arbitral recorrido enferma de erro ao rejeitar o pedido de isenção de custas que apresentou;
Sobre esta matéria, permitimo-nos transcrever parcialmente o já decidido por este TCA em recente Acórdão, de 6 Janeiro 2017 e no âmbito do Processo 57/17.5BECLSB, do seguinte teor:
"O DL 34/2008, de 26/2, o qual entrou em vigor em 20.4.2009 (cfr. o respectivo art. 26º n.º1, na redacção da Lei 64-A/2008, de 31/12), revogou, através do seu art. 25º n.º1, "as isenções de custas previstas em qualquer lei, regulamento ou portaria e conferidas a quaisquer entidades públicas ou privadas", e aprovou o Regulamento das Custas Processuais (RCP) - cfr. o respectivo art. 12.
Dispõe o art. 49, do RCP, o seguinte:
"1 - Estão isentos de custas:
f) As pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável;
g) As entidades públicas quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições para defesa de direitos fundamentais dos cidadãos ou de interesses difusos que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto, e a quem a lei especialmente atribua legitimidade processual nestas matérias;
(...)" (sublinhados nossos).
A isenção de custas prevista na al. g) do n.º1 deste art. 4º, respeita às pessoas colectivas públicas, que não é o caso da ora recorrente, a qual é uma pessoa colectiva de direito privado - cfr. art. 1º n.º1, dos Estatutos da FPF [onde se refere nomeadamente que a FPF é uma pessoa coletiva " constituída sob a forma de associação de direito privado"].
Quanto à isenção de custas prevista na al. f) do n.5 l do referido art. 49, a mesma depende da verificação dos seguintes requisitos:
a) tratar-se de uma pessoa colectiva privada sem fins lucrativos;
b) que actue no processo judicial exclusivamente no âmbito das suas
especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão
especialmente conferidos.
Quanto ao requisito supra enunciado sob a alínea a), o mesmo encontra-se preenchido, face ao teor do art.1º n.º1, dos Estatutos da FPF [onde se refere nomeadamente que a FPF é "uma pessoa colectiva sem fins lucrativos"].
Relativamente ao requisito acima enumerado sob a alínea b), e como esclarece Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, Anotado, 2013, 5- Edição, págs. 159 e 160:
"Esta isenção é motivada pela ideia de estímulo ao exercício de funções públicas por particulares que, sem espírito de lucro, realizam tarefas em prol do bem comum, o que à comunidade aproveita e ao Estado incumbe facilitar, pelo que lhe subjaz o desiderato de tutela do interesse público.
É subjectiva, condicionada às circunstâncias de não terem fins lucrativos e de aquelas entidades actuarem nos processos judiciais, do lado activo ou do lado passivo, no âmbito das suas especiais competências ou para defender os interesses comunitários que lhe estão especialmente conferidos.
Dada a sua estrutura e fins, essas associações e fundações beneficiam da isenção de custas a que se reporta este normativo nas acções relativas à defesa e promoção dos seus interesses específicos, naturalmente sob a envolvência do interesse público.
É uma isenção de custas restrita, na medida em que só funciona em relação aos processos concernentes às suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses conferidos pelo respectivo estatuto, ou pela própria lei, que coincidam com o bem comum.
Considerando a história deste preceito, reportado às instituições particulares de solidariedade social e às pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, reponderando, propendemos em considerar que esta isenção não abrange as acções que não tenham por fim directo a defesa de interesses que lhe estão especialmente confiados pela lei ou pelos seus estatutos." (sublinhados e sombreados nossos).
A FPF, ora recorrente, de acordo com o prescrito no art. 2º n.º1, dos respectivos Estatutos, tem por principal objecto promover, regulamentar e dirigir, a nível nacional, o ensino e a prática do futebol, em todas as suas variantes e competições.
Ora, a recorrente, no TAD (e também neste TCA Sul), não litiga em defesa directa das atribuições enunciadas no parágrafo anterior, pois está em juízo em defesa directa e imediata da legalidade do acórdão do respectivo Conselho de Disciplina de 4.11.2016, estando em causa saber se tal acórdão é ou não válido e intervindo a ora recorrente no TAD (e também neste TCA Sul) com a legitimidade geral que lhe confere o art. 10º n.º1 e 9, do CPTA (no âmbito do TAD aplicável por força do art. 61º, da LTAD), ou seja, decorrente da autoria do referido acórdão de 4.11.2016.
Dito por outras palavras, a ora recorrente contestou o recurso interposto perante o TAD (bem como interpôs o presente recurso jurisdicional) não para defender interesses ou atribuições que lhe estão especialmente cometidos pelo respectivo estatuto ou legislação que lhe é aplicável, mas apenas para se opor à invalidação do acórdão do respectivo Conselho de Disciplina de 4.11.2016, invocando que o mesmo não padece de qualquer vício.
Conclui-se, assim, que a actuação da ora recorrente também não se encontra contida na isenção prevista no art. 4º n.º1, al. f), do RCP.
Finalmente, alega a recorrente que a negação de tal isenção perante o TAD viola designadamente os arts. 13º, 20º n.ºs 1 e 2 e 268º n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, uma vez que introduz uma desigualdade no acesso à justiça face aos demais intervenientes e agrava a sua situação face ao enquadramento legal que existia antes da existência de uma instância arbitral obrigatória, mas sem razão, dado que, antes da existência da arbitragem necessária, a recorrente era demandada nos tribunais administrativos de 1ª instância onde não beneficiava de isenção de custas ao abrigo do art. 4º n.ºs 1, als. f) e g), do RCP, conforme supra explicitado.
Do exposto resulta que o TAD bem andou ao indeferir o pedido de isenção de custas formulado pela ora recorrente, pelo que nesta parte tem de improceder o presente recurso jurisdicional."
8. Assim, entende-se acompanhar a linha Jurisprudencial vertida no citado Processo nº144/17, mormente na fundamentação expressa na respectiva e Douta decisão sumária, proferida em 28 Novembro 2017, e bem assim no subsequente Douto Acórdão de 16 Janeiro 2018, sem qualquer hesitação;
9. Já no que respeita à questão das custas suscitada pelo Recorrente ....., trata-se de matéria recorrentemente trazida à apreciação deste TCA, tendo sido já objecto de recurso obrigatório do Ministério Público para o Tribunal Constitucional;
10. De qualquer modo, sempre se referirá que, sem prejuízo de maior aprofundamento nesta matéria, estamos perante um pleito em sede de Jurisdição Arbitral e, como tal, sujeita às regras, nomeadamente de custas, ali definidas pelo legislador e aceites pelas partes;
11. Porém, é certo que os montantes devidos pelas partes em sede de custas, quando comparados com os montantes devidos em sede de Jurisdição Administrativa, poderão revelar-se algo desfasados do regime das custas judiciais;
12. Ora, tal comparação não nos parece totalmente legítima, na justa medida em que as partes pleiteiam em Jurisdições diferenciadas e que, pela sua própria natureza, são, também a nível de regime legal de custas, incomparáveis;
13. Para além de que o TAD se rege por normas próprias de funcionamento, devendo o respectivo regime de custas, além do mais, reflectir e suportar essa realidade;
14. Trata-se de uma verdadeira encruzilhada jurídica na justa medida em que se está perante um Tribunal (TAD) onde, à primeira vista, se dirimem interesses de natureza privada, mas que, no fundo, tendo em conta a natureza jurídica dos intervenientes, nomeadamente as Federações desportivas e o respectivo regime jurídico associado, se tratam de questões de natureza eminentemente pública;
15. Encruzilhada essa que se traduziu nas vicissitudes de natureza constitucional que precederam o difícil processo de criação do TAD e que, infelizmente, ainda acompanham o seu funcionamento;
16. Como seja o caso da especialmente particular opção do legislador em sede do regime legal da arbitragem, mais especificamente ao criar a figura jurídica da "arbitragem necessária", em oposição à denominada "arbitragem voluntária", opção essa que, com todo o respeito, acabou por criar situações como as referidas nos Autos em que as partes são obrigadas a recorrer à arbitragem, quando, na sua essência, a arbitragem deveria, obrigatoriamente, reflectir algo de natureza voluntária...;
Conclusão
Termos em que o Ministério Público pugna pela procedência do recurso, excepto na parte respeitante à recusa de aplicação de norma, por alegada inconstitucionalidade.”

Fazendo nosso o discurso jurídico fundamentador constante do citado Acórdão, de cuja conferência fizemos parte, com os valiosos complementos aditados no douto Parecer acabado de transcrever, sem necessidade de mais considerações, improcede a questão trazida a recurso atinente à isenção de custas.
Improcedem, por isso e neste segmento da isenção de custas as conclusões recursórias.

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3. -DECISÃO

Nesta conformidade, acordam, em conferência, os Juízes do 2º Juízo do Tribunal Central Administrativo Sul, negar provimento ao recurso e confirmar o Acórdão Recorrido.

Custas a cargo da Recorrida Federação Portuguesa de Futebol, levando em conta o que supra se deixou dito sobre a isenção de custas no âmbito destes processos.
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Lisboa, 22 de Novembro de 2018
José Gomes Correia
António Vasconcelos
Sofia David