Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:68/08.1BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:11/11/2021
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE LIQUIDAÇÃO, SUSPENSÃO DO PRAZO
Sumário:I. Com a redação dada pelo artigo 43.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30-12, ao n.º 4 do artigo 45.º da LGT, o prazo de caducidade do direito de liquidação de 4 anos previsto no n.º 1, passou a contar-se, em relação ao IVA, «a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto», sendo que essa nova redação é aplicável às situações em que o prazo de caducidade esteja em curso;
II. O alargamento do prazo de caducidade até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano, previsto no n.º 5, do art. 45.º da LGT para os casos em que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, é aplicável aos prazos de caducidade que se encontrem em curso à data da entrada em vigor da Lei n.º 60-A/2005, de 30/12 que vem aditar aquele preceito legal, ou seja, a 1 de janeiro de 2006;
III. O n.º 5 do artigo 45.º da LGT, apenas exige que ocorra identidade dos factos com base nos quais foi instaurado o processo-crime e os factos com base nos quais foi efetuada a liquidação, não exige “uma relação de dependência com o processo crime”, nem que a par de uma “identidade objetiva”, entre facto tributário e facto objeto de inquérito criminal, exista uma identidade subjectivas, entre o arguido ou agente e o sujeito passivo de imposto.”
IV. A data relevante para os efeitos da aplicação do n.º 5 do art. 45.º da LGT é a da instauração do inquérito criminal e não aquela em que o contribuinte tomou conhecimento dessa instauração.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal ADMINISTRATIVO E FISCAL DO FUNCHAL que julgou procedente a impugnação judicial da liquidação de IVA de 2000 e respetivos juros compensatórios, deduzida por F., LDA.

A Recorrente apresentou as suas alegações e formulou as seguintes conclusões:

«44°.

De acordo com o n.° 5 do artigo 45.° da LGT, que se demonstrou aplicável nos presentes autos "Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.° 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

450.
Ora, no caso vertente, aplicando-se a acima referida, 0 prazo de caducidade não só ainda não havia cessado na data em que as liquidações foram emitidas, como até ao presente dia ainda se encontraria a decorrer, por via do facto de ainda não ter transitado em julgado a sentença relativa ao inquérito criminal a cujos factos esta mesma liquidação respeita.

46°.
O processo de inquérito em causa, que corre os seus termos sob o n.° 179/06.8 IDFUN teve origem em auto de notícia levantado pelos Serviços de Inspeção desta Direção Regional a 12.12.2006, tendo sido instaurado em 13.12.2006.

47°.
O processo correu os seus termos, nesta Direção Regional, sob orientação do Ministério Público, conforme determina o artigo 41.° do RGIT, (cfr.doc. n.° 3) e, de acordo com informação obtida, ainda se encontra em fase de julgamento.

48°.
Assim, não podemos concordar com a posição defendida pela Impugnante e sancionada pelo Tribunal a quo que defende a caducidade da liquidação, por considerarmos que o prazo de caducidade não só ainda não havia terminado no momento da liquidação, como , aliás, não tendo, até à presente data transitado em julgado a decisão relativa ao processo de inquérito acima referido, não terminou ainda o prazo em questão..»


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A Recorrida apresentou as suas contra-alegações e formulou as seguintes conclusões:

“A. A Ilustre Representante da Fazenda Pública assenta as suas alegações de recurso num facto que não corresponde à verdade, a saber, o facto de o prazo de caducidade se encontrar suspenso devido ao decurso de um processo-crime.

B. Estando verificadas as condições de que depende a condenação por litigância de má fé, previstas no artigo 542.°, n.° 2 do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 2.°, alínea e) do CPPT, deve a Ilustre Representante da Fazenda Pública ser condenada no pagamento de multa e indemnização à ora Recorrida.

C. Com efeito, em Setembro de 2015, quando preparou as suas alegações de recurso, se tivesse sido diligente em saber a fase em que estava o processo-crime, já que pretendia dar essa informação ao Tribunal ad quem por entender que a mesma era necessária à boa decisão, devia tê-lo feito com verdade.

D. Quanto às razões de direito que invoca, a ora Recorrida não pode concordar com a Ilustre Representante da Fazenda Pública, porque considera que o n.° 5 do artigo 45.° da LGT não se aplica ao caso ora em apreço.

E. Em primeiro lugar porque a referida norma apenas foi introduzida pela Lei n.° 60- A/2005, de 30/12, em vigor desde 01/01/2006.

F. Em segundo lugar, porque mesmo que se entenda que esta norma se aplica a um facto tributário ocorrido em 2002, efectivamente não foi essa a vontade do legislador.

G. Esta norma visa não deixar escapar do imposto situações que são detectadas no âmbito de um processo-crime e que estariam a salvo de tributação se esse processo não tivesse o efeito suspensivo do prazo de caducidade.

H. Ora, no caso dos autos, o imposto foi liquidado sem qualquer relação de dependência com o processo-crime, pelo que não subsiste qualquer razão para que o prazo de caducidade se mantenha suspenso até à decisão do processo- crime. 

I. Tem sido esta, aliás, a posição da jurisprudência (cfr. Acórdão de 15/10/2010, proferido no processo n.° 01619/09.0BEBRG pela 2a Secção do Tribunal Central Administrativo Norte).”


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O Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá proceder, e quanto à litigância de má-fé entende que não se verifica.


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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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A questão invocada pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objeto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento na medida em que não considerou o n.º 5, do art. 45.º da LGT, e, por conseguinte, não se verifica a caducidade do direito de liquidação. Cumpre ainda conhecer do incidente de litigante de má-fé suscitado pela Recorrida nas suas contra-alegações.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

“A) F., Lda (doravante apenas impugnante) iniciou actividade em 01.01.2001, com o CAE: 060240 - transporte de aluguer, terraplanagem, construção civil e obras públicas, compra e venda de materiais para construção, compra e venda de imóveis, comercialização de maquinaria, equipamento para construção, compra e venda de automóveis (doc n° 1 junto com a contestação);
B) A impugnante cessou a actividade em 31.05.2007 (doc n° 1 junto com a contestação);
C) Em 11.12.2006 foi emitido o Despacho n.° 200600934, no âmbito do PNAIT - 621,11 - outros serviços não especificados cuja resolução depende da intervenção da Inspecção Tributária, cujo objectivo seria o da consulta, recolha e cruzamento de elementos (doc n° 2 junto com a contestação);
D) O Despacho referido no ponto anterior foi emitido por no âmbito de um outro procedimento de inspecção, ao abrigo do Despacho n.° 200600350, se ter detectado que a impugnante recebia de sujeitos passivos não declarantes, volumes consideráveis de prestações de serviço (doc n° 2, junto com a contestação);
E) Em 12.12.2006 foi emitido auto de notícia e, em 13.12.2006, instaurado o processo de inquérito n.° 179/06.8IDFUN (doc n° 3 junto com a contestação);
F) Detectada a dedução indevida, no exercício económico de 2002, de custos em sede de IRC e de IVA, foi emitida, em 18.01.2007, a ordem de serviço n.° (OI) 200700020 (doc n° 4 junto com a contestação);
G) Em 02-08-2007 foi elaborado Relatório de Inspecção, junto do Processo Administrativo, de fls 15 a 18, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais e, onde consta nomeadamente:
(….
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MA TÉRIA TRIBUTÁ VEL De acordo com o valor declarado com o anexo P da declaração anual do contribuinte objecto da inspecção, as empresas M. J. M. ., Lda, I. M. U.l, Lda, e F. P. C., Lda - contribuintes não declarantes foram, no exercício de 2002, três dos seus maiores fornecedores, o que se confirmou mediante as facturas respectivas, recolhidas junto do SP.
Verificou-se que aquelas facturas, referentes a supostos subcontratos na área da construção civil, não estão emitidas na forma legal, não referindo a quantidade, a denominação usual dos serviços prestados, nem dispondo de quaisquer anexos com os respectivos autos de medição ou orçamentos. Acresce ainda que o contribuinte não detém documentos comprovativos dos pagamentos das facturas em causa àqueles prestadores de serviços, uma vez que os mesmos se têm vindo a contabilizar por contrapartida da conta caixa.
Uma vez notificado para apresentar os contratos celebrados com fornecedores, orçamentos e autos de medição referentes a 2002; contratos celebrados com clientes, orçamentos e autos de medição relativos a 2002 e 2003; folhas de obra relativos a 2002 e 2003 e comprovativos de pagamentos de facturas em questão, bem como para identificar a obra em que foram prestados alguns serviços descritos nas facturas em causa, o SP exibiu apenas alguns documentos internos de “requisição de serviço ” por cliente.
Ao analisar todas as facturas emitidas a clientes no exercício de 2002 pelo SP verificou-se que, no Caniço., foram facturados serviços no montante de e5.639,20. Ora, os custos contabilizados de subcontratos em obras naquela localidade foram de €27.433,88, respeitantes a facturas emitidas em nome de M.J. M. C., Lda. Foram também contabilizados custos, por serviços prestados por esta entidade, na obra do Túnel da Ponta do Sol, no valor de €43.662,25, sendo que os proveitos facturados relativos à mesma obra foram apenas de €28.565,00. Verificou-se ainda o registo de custos respeitantes a uma obra na Camacha, inerentes à subcontratação de F.P., Ld°, no valor de 15.384,61, sendo que, no exercício de 2002, não houve qualquer proveito relativo a obras naquela localidade.
Desta forma põe-se em causa a efectiva realização dos serviços e a necessidade destes custos para a obtenção dos proveitos sujeitos a imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas.
(…).
III -1. IVA
Trata-se de um Sujeito Passivo que, através da consulta ao Sistema Informático dos Serviços, encontra-se enquadrado no Regime Normal, de periodicidade trimestral, no exercício de 2002.
O SP deduziu IVA (136.187,41€) inerente a facturas que não conferem o direito à dedução nos termos dos n°s 2 e 3 do art° 19° do CIVA, n° 1 do art° 20° e al b) do n° 5 do art° 35°do mesmo diploma legal, conforme quadro abaixo:

Imagens: Originais nos autos



(…).

H) Da inspecção foram efectuadas as liquidações adicionais de IVA, todas datadas de 08.09.2007, (doc. n.° 5 a 13, junto com a contestação):
• 07259861, no valor de € 29.633,92, notificada à impugnante em 28.09.2007;
• 07259863, no valor de €18.209,36, notificada à impugnante em 28.09.2007;
• 07259865, no valor de 44862,32, notificada à impugnante em 28.09.2007;
• 07260037, no valor de € 43.481,81, notificada à impugnante em 28.09.2007;
I) Bem como foram efectuadas as seguintes liquidações de juros compensatórios, todas datadas de 08.09.2007:
• 07260038, no valor de € 9552,89, notificada à impugnante em 04.10.2007;
• 07259866, no valor de € 8264,50, notificada à impugnante em 01.10.2007;
• 07259864, no valor de € 3682,78, notificada à impugnante em 04.10.2007;
• 07259862, no valor de € 7039,07, notificada à impugnante em 04.10.2007.
J) As liquidações de IVA foram notificadas à impugnante em 04-10-2007 e as de juros compensatórios a 28-09-2007;
K) As liquidações de IVA e juros compensatórios, tinham por data de pagamento voluntário 30.11.2007 (doc n° 5 junto com a contestação);
L) Na data do pagamento voluntário as liquidações de IVA de 2002 e juros compensatórios não foram pagos, pelo que foram emitidas as seguintes certidões de dívidas (doc n°s 6 a 13, junto com a contestação):
• 2008/6470 - IVA do 1.° Trimestre de 2002;
• 2008/647 1 - Juros compensatórios do 1.° Trimestre de 2002;
• 2008/6472 -IVA do 3.° Trimestre de 2002;
• 2008/6473 - Juros compensatórios do 3.° Trimestre de 2002;
• 2008/6474 - IVA do 4.° Trimestre de 2002;
• 2008/6475 - Juros compensatórios do 4.° Trimestre de 2002;
• 2008/6476 - IVA do 2.° Trimestre de 2002;
• 2008/6477 - Juros compensatórios do 2.° Trimestre de 2002;
M) Em 05.01.2008 foi instaurado, o processo de execução fiscal n.° 2798200801000080, para cobrança da dívida de IVA e respectivos juros compensatório do ano de 2002, que ascendia a € 171.594,43 (doc n° 14, junto com a contestação);
N) A impugnante foi citada pessoalmente em 16.01.2008 (doc n° 15, junto com a contestação);
O) A presente acção deu entrada em 15-02-2008 (carimbo aposto no rosto de fls 3, dos autos).
A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados.”


*****

Conforme resulta dos autos, a ora Recorrida deduziu Oposição à execução fiscal invocando, enquanto único fundamento, a caducidade do direito de liquidação.

A Meritíssima Juíza a quo entendeu convolar o processo em impugnação judicial por decisão de 03/02/2012, entendendo que “podendo os autos ser aproveitados, cumpre ordenar o prosseguimento dos autos como processo de impugnação judicial”.

A Recorrida notificada de tal decisão, veio apresentar “impugnação judicial” dos atos de liquidação objeto do processo de execução fiscal relativamente ao qual havia deduzido Oposição. Nessa “nova p.i.”, para além da caducidade do direito de liquidação, a Recorrida vem invocar a falta de fundamentação e ilegalidade do ato de liquidação dos juros compensatórios.

Cumpre desde já precisar que, pese embora a sentença recorrida tenha enunciado enquanto “questões decidendas” para além da caducidade do direito de liquidação, a falta de fundamentação e ilegalidade do ato de liquidação dos juros compensatórios, apenas conheceu daquela primeira questão.

Ora, a verdade é que tendo havido convolação da petição de oposição em impugnação judicial, não há lugar a apresentação de novo articulado como sucedeu no caso dos autos, pois a convolação implica, necessariamente, o conhecimento das causas de pedir articuladas na petição, ainda que no âmbito de outra forma de processo, desde que o seu conhecimento seja admissível na forma processual em que a ação foi convolada. Portanto, não é admissível o novo articulado apresentado nos autos pela Recorrida, sendo que, ao contrário do que se refere na sentença recorrida, a única causa de pedir a ser conhecida nos autos é aquela que foi colocada na p.i. inicialmente apresentada na forma processual de oposição, ou seja, a caducidade do direito de liquidação.

E assim sendo, também em sede de recurso a única questão a conhecer é aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao ter entendido que se verificava a caducidade do direito de liquidação.

Não obstante e ainda a título preliminar, cumpre emitir pronúncia sobre a admissibilidade do documento junto pela Recorrida nas suas contra-alegações, nomeadamente do acórdão da Relação de Lisboa referente ao processo n.º 179/06.8IDFUN.L1 referente ao processo de inquérito em discussão nos autos.

Sobre a apresentação de documentos depois do encerramento da discussão em 1.ª instância dispõe o n.º 1 do art. 651.º do CPC: “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.”

Portanto, apenas se poderá admitir a junção de documentos com as alegações de recurso numa das seguintes situações:

i) Quando a apresentação dos documentos não tenha sido possível até ao encerramento da discussão (art. 425.º do CPC);
ii) no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.

No que se refere à 1.ª das situações enunciadas importa considerar o acórdão do STJ de 23/09/2008, proc. n.º 1718/08 “devendo a parte que pretenda valer-se de tal faculdade demonstrar que não teve a possibilidade de apresentar o documento até ao termo da discussão, seja porque ele se formou depois deste momento, seja porque só a partir de tal instante teve conhecimento da existência do documento, seja porque só após o encerramento da discussão pôde dispor do documento”.

Ora, o acórdão que a Recorrente pretende juntar data de 04/06/2015, enquanto que a sentença proferida nos autos data de 25/05/2015, portanto, o documento que se pretende juntar não só é posterior à sentença, como releva para efeitos da aplicação do disposto no n.º 5, do art. 45.º da LGT, no qual assenta o erro de julgamento assacado pela Recorrente, pelo que, admite-se a sua junção.

Prosseguindo para o conhecimento do mérito do Recurso.

Efetivamente, a Recorrente invoca, em síntese, que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento na medida em que não considerou o n.º 5, do art. 45.º da LGT, e, por conseguinte, não se verifica a caducidade do direito de liquidação.

Vejamos.

Para conhecimento do presente recurso, ao abrigo do n.º 1, do art. 662º do CPC, adita-se oficiosamente à matéria de facto assente os seguintes factos:

P) O inquérito criminal referido na alínea E) foi instaurado pelos seguintes factos:

Imagem : Original nos autos

(…) - cf. documento n.º 3 junto à contestação, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais);

Q) Em 04/06/2015 foi proferido acórdão da Relação de Lisboa no processo n.º 179/06.8IDFUN.L2 que confirmou a decisão recorrida que o absolveu o arguido M. F. G. do crime de fraude fiscal (cf. acórdão de fls. 267 e ss dos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais).

Estabilizada a matéria de facto, vejamos, então o direito aplicável.

Estão em causa nos presentes autos liquidações de IVA referentes a 2002.

Aplica-se o disposto no art. 45.º, n.º 1 da LGT, e, portanto, o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

No que diz respeito à contagem do prazo importa considerar que estando em causa IVA o prazo de caducidade se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou (cf. n.º 4, do art. 45.º da LGT).

Esta forma de contagem foi introduzida pelo artigo 43.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro é de aplicação imediata aos prazos em curso (cf. acórdão do Pleno do CT do STA de 17/03/2011, proc. n.º 01076/09: “(…) II -Na redacção do n.º 4 do artigo 45.º da LGT pelo artigo 43.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30-12, o prazo, de 4 anos, em relação ao IVA, conta-se, não «a partir da data em que o facto tributário ocorreu», mas «a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto».III - Tendo em conta que o efeito extintivo do direito à liquidação do IVA é o decurso do "inteiro" prazo de caducidade e não a ocorrência do seu "dies a quo", a nova redacção do n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária é aplicável ao prazo em curso, atento ao disposto na parte final do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil.” – no mesmo sentido, v. entre outros, acórdãos do STA de 07/09/2011, proc. n.º 0461/11, de 08/02/2012, proc. n.º 0931/11, de 15/05/2013, proc. n.º 0147/13.

Portanto, in casu, o prazo de caducidade do direito de liquidação iniciou-se e 1 de janeiro de 2003, e completar-se-ia no dia 31/12/2006.

Contudo, importa ainda considerar que no caso dos autos, antes do término do prazo de caducidade, em 13/12/2006, foi instaurado o inquérito criminal (cf. alínea E) dos factos provados), e o direito à liquidação respeita a factos relativamente aos quais foi instaurado este inquérito criminal (cf. alínea G), H), e alínea P) que foi aditada aos factos assentes).

Assim sendo, nos termos do disposto no n.º 5, do art. 45.º da LGT, o prazo de caducidade (4 anos) é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

Sublinhe-se que essa extensão do prazo de caducidade aplica-se ao caso dos autos, uma vez que aquele preceito legal é aplicável aos prazos de caducidade que se encontrem em curso à data da entrada em vigor da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de dezembro, que vem aditar aquele preceito legal, ou seja, a 1 de Janeiro de 2006 (cf. acórdão do STA de 21/10/2015, proc. n.º 01477/13: “I - O n.º 5 do art. 45.º da LGT, aditado pela Lei n.º 65-A/2005, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2006), veio estabelecer que, quando o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 daquele artigo é alargado até ao arquivamento ou ao trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano. II - Nos termos do disposto no n.º 2 do art. 57.º da Lei n.º 65-A/2005 (que consagra solução que resultaria já do art. 12.º do CC e 12.º da LGT), essa extensão do prazo é aplicável aos prazos de caducidade em curso à data de entrada em vigor daquela lei, ou seja, em 1 de Janeiro de 2006. III - A aplicação imediata do n.º 5 do art. 45.º do LGT, determinada pelo n.º 2 do art. 57.º da Lei n.º 65-A/2005, não consubstancia uma aplicação retroactiva daquela disposição legal, pois o facto extintivo do direito a liquidar não é instantâneo, uma vez que o efeito extintivo do direito de liquidar apenas opera no termo do prazo e este estava ainda em curso à data da entrada em vigor da lei nova; só assim não seria caso determinasse a aplicação da nova regra os prazos já findos. (…)).

Também não colhe a argumentação da Recorrida na conclusão H) porque no n.º 5 do artigo 45.º da LGT, apenas exige que ocorra identidade dos factos com base nos quais foi instaurado o processo-crime e os factos com base nos quais foi efetuada a liquidação, e não exige “uma relação de dependência com o processo crime”, sendo que a jurisprudência invocada na conclusão I) versa sobre questão da em causa nos autos.

De igual modo, não exigível que a par de uma “identidade objetiva”, entre facto tributário e facto objeto de inquérito criminal, exista uma identidade subjectivas, entre o arguido ou agente e o sujeito passivo de imposto.” – V. nesse sentido, acórdão do STA de 06/12/2017, proc. n.º 073/16, e de 30/04/2019, proc. n.º 01313/16.5BEPRT, de 05/09/2018, proc. n.º 0777/18.

Por outro lado, a data relevante para os efeitos da aplicação do n.º 5 do art. 45.º da LGT é a da instauração do inquérito criminal e não aquela em que o contribuinte tomou conhecimento dessa instauração (nesse sentido, v. entre outros, o acórdão do STA de 21/10/2015, proc. n.º 01477/13, e de 1/10/2014, proc. n.º 0178/14).

Pelo exposto, o prazo de caducidade do direito de liquidação de 4 anos que se iniciou em 01/01/2003, e que se completaria em 31/12/2006, não se completou porque no seu decurso, e antes do seu término, mais precisamente, em 13/12/2006, foi instaurado o inquérito criminal pelos mesmos factos a que o direito à liquidação respeita, e assim sendo, nos termos do n.º 5 do art. 45.º da LGT, o prazo de caducidade é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

Ora, considerando que o trânsito em julgado da sentença apenas ocorreu em 2015 (cf. alínea Q) dos factos aditados oficiosamente), o prazo de caducidade foi alargado até 2016, pelo que em 2007, data em que foram emitidas e notificadas as liquidações (cf. alínea H) e I) dos factos assentes) ainda não se tinha completado o prazo de caducidade do direito de liquidação, por força da extensão do prazo do n.º 1, por aplicação do n.º 5, ambos do art. 45.º da LGT.

Pelo exposto, assiste razão à Recorrente, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito ao não ter considerado o n.º 5 do art. 45.º da LGT, e nessa medida deve ser revogada, e a impugnação judicial julgada improcedente, porquanto não se verifica a caducidade do direito de liquidação.

Cumpre ainda conhecer do incidente de litigância de má-fé suscitada pela Recorrida nas suas contra-alegações (conclusões A) a C) das contra-alegações)

Com efeito, invoca a Recorrida que a Fazenda Pública assenta as suas alegações de recurso num facto que não corresponde à verdade, a saber o faco de o prazo de caducidade se encontrar suspenso devido ao decurso de um processo-crime (conclusão A) das contra-alegações), pelo que se encontram verificadas as condições de que depende a condenação por litigância de má-fé, prevista no art. 542.º (conclusão B) das contra-alegações), uma vez que em 15/09/2015 quando a Recorrente apresentou as suas alegações devia ter sido diligente em saber em que estado estaria o processo crime (conclusão C) das contra-alegações).

Apreciando.

Antes de mais, cumpre referir que a condenação da Fazenda Pública como litigante de má fé só pode ocorrer desde que se verifiquem os pressupostos do artigo 104,º, n.º 1 da LGT (nesse sentido, entre outros, v. acórdão do STA de 08/07/2015, proc. n.º 0781/15, de 21/11/2012, proc. n.º 0138/12).

Efetivamente, no art. 104.° da LGT “estabelece-se um regime de condenação por litigância de má fé distinto para a administração tributária e para o sujeito passivo, pois enquanto este pode ser condenado em multa por litigância de má fé nos termos da lei geral (n.º 2 daquele artigo), a administração tributária apenas pode ser condenada numa sanção pecuniária, a quantificar de acordo com as regras sobre litigância de má fé, caso actue em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas (n° 1 do mesmo artigo). Sendo este art. 104.º da LGT uma norma de carácter especial sobre litigância de má fé, que consagra uma excepção ao regime de igualdade de estatutos processuais das partes genericamente previsto no art. 98.° da mesma Lei, parece ter de se concluir que ele não foi revogado, com a entrada em vigor do CPTA e com a revogação do regime de isenção de custas da administração tributária operada pelo DL n° 324/2003, de 27 de Dezembro.” – cf. Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e comentado, Vol. II, 6ª ed., p. 313).

Dispõe, então, o art. 104.º da LGT sob a epígrafe “litigância de má-fé”:

“1 - Sem prejuízo da isenção de custas, a administração tributária pode ser condenada numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre a litigância de má fé em caso de actuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adoptado em situações idênticas.

2 - O sujeito passivo poderá ser condenado em multa por litigância de má fé, nos termos da lei geral.”

Ora, no caso dos autos não se poderá concluir que a Recorrente Fazenda Pública litigou de má-fé nos termos daquele preceito legal porquanto, in casu, não atuou contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados, nem o seu procedimento divergiu do habitualmente adotado em situações idênticas conforme a previsão daquele preceito legal. Com efeito, a Fazenda Pública limitou-se a defender a aplicação do disposto no n.º 5, do art. 45.º da LGT, e alegou que a sentença relativa ao inquérito criminal ainda não tinha transitado em julgado, sendo certo que a Recorrente não é parte no processo crime em causa, e, portanto, não tinha necessariamente conhecimento das decisões proferidas, e tanto mais que o acórdão da Relação era muito recente, sendo posterior à sentença recorrida.

Pelo exposto, improcede o incidente de litigância de má-fé suscitado.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a Recorrida esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte), sendo ainda responsável pelas custas do incidente que suscitou, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.

Sumário

I. Com a redação dada pelo artigo 43.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30-12, ao n.º 4 do artigo 45.º da LGT, o prazo de caducidade do direito de liquidação de 4 anos previsto no n.º 1, passou a contar-se, em relação ao IVA, «a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto», sendo que essa nova redação é aplicável às situações em que o prazo de caducidade esteja em curso;
II. O alargamento do prazo de caducidade até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano, previsto no n.º 5, do art. 45.º da LGT para os casos em que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, é aplicável aos prazos de caducidade que se encontrem em curso à data da entrada em vigor da Lei n.º 60-A/2005, de 30/12 que vem aditar aquele preceito legal, ou seja, a 1 de janeiro de 2006;
III. O n.º 5 do artigo 45.º da LGT, apenas exige que ocorra identidade dos factos com base nos quais foi instaurado o processo-crime e os factos com base nos quais foi efetuada a liquidação, não exige “uma relação de dependência com o processo crime”, nem que a par de uma “identidade objetiva”, entre facto tributário e facto objeto de inquérito criminal, exista uma identidade subjectivas, entre o arguido ou agente e o sujeito passivo de imposto.”
IV. A data relevante para os efeitos da aplicação do n.º 5 do art. 45.º da LGT é a da instauração do inquérito criminal e não aquela em que o contribuinte tomou conhecimento dessa instauração.


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DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção, da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgando improcedente a impugnação judicial.


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Custas pela Recorrida.

Custas do incidente de litigância de má-fé a cargo da Recorrida, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.

D.n.

Lisboa, 11 de novembro de 2021.


Cristina Flora (Relatora)

Patrícia Manuel Pires (1.ª adjunta)

Vital Lopes (2.º adjunto)