Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:282/03.6BTLRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2020
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:IRC;
ARTIGO 23º CIRC;
CUSTOS FISCAIS;
VIAGENS;
DESLOCAÇÕES.
Sumário:I - Só os custos comprovados e efectivos são fiscalmente dedutíveis.

II - A comprovação do custo contabilizado em sede de Imposto de Rendimento pode fazer-se através de qualquer tipo de prova, não sendo imprescindível que esteja apoiado em documento típico de despesa;
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO

R….., S.A. (anterior S…., LDA), veio deduzir impugnação judicial da liquidação adicional de IRC e respectivos juros compensatórios n.º 2002 8….., do exercício de 2000, no montante de € 515 293,89.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 29 de Junho de 2018, julgou procedente a impugnação judicial.

Nas suas alegações, a recorrente FAZENDA PÚBLICA, formula as seguintes conclusões:

«A) In casu, salvaguardado o elevado respeito, na humilde perspectiva fáctico-jurídica da aqui Recorrente, deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo do vertido no arts. 17.º, n.º 3, 23.º, 41.º e 98.º, todos do CIRC; arts. 43.º, n.º1, 74.º e 100.º, todos da LGT, assim como deveria ter sido devidamente considerado e valorado pelo respeitoso Tribunal a quo o consignado no acervo documental constante dos autos, maxime ao escopo do Relatório de Inspecção junto aos autos (cfr. fls. 5 a fls.17, do PAT apenso aos autos).

B) Acresce ainda que, o respeitoso Areópago a quo, não retirou as devidas e correctas ilações jurídicas da factualidade dada como a assente no item F) do probatório dada como assente.

C) Tudo devidamente condimentado e com arrimo no respeito pelo Princípio da legalidade,

D) Para que, se pudesse aquilatar pela IMPROCEDÊNCIA in totum, da Impugnação judicial aduzida pela Recorrida.

E) Decidindo como decidiu, o respeitoso Areópago a quo lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos, nos termos supra explanados.

F) Aliás, tudo assim, conforme melhor é explanado, vertido e fundamentado nos itens 17.º ao 62.º das Alegações de Recurso que supra se aduziram, e das quais, as presentes Conclusões são parte integrante.

G) Por conseguinte, salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo lavrou em erro de julgamento.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais.

CONCOMITANTEMENTE,

Apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro acto da administração pública, fazer justiça é um acto místico de transcendente significado, o qual, poderá desde já, de uma forma digna ser preconizado por V. as Ex.as, assim se fazendo a mais sã, serena, objectiva e acostumada JUSTIÇA!»


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A Recorrida apresentou as suas contra alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
«A. O presente recurso foi interposto pelo Digno Representante da Fazenda Pública da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no âmbito do processo n.0 282/03.6BTLRS, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrida, tendo condenado a Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.
B. O referido processo de impugnação judicial tinha como objeto o ato de liquidação adicional de IRC e respetivos juros compensatórios n.º 20028……, referentes ao exercício de 2000, na parte respeitante às correções constantes dos pontos 3.1.1 (Aluguer de viaturas sem condutor e combustíveis pagos pelo cartão E......) e 3.1.4 (Viagens) do Relatório Final de Inspeção que totalizam o montante de € 1.536.846,09.
C. Conforme resulta da sentença recorrida o Tribunal a quo ordenou a anulação da correção referente ao "Aluguer de viaturas sem condutor e combustíveis pagos pelo cartão E......" por considerar que a "Impugnante demonstrou a indispensabilidade daqueles custos, em face da sua atividade, requisito essencial para a sua aceitação como custos fiscal, nos termos do artigo 23.º do CIRC" (cfr. Sentença recorrida - página 24).
D. No que se refere à correção "Viagens", o Tribunal a quo determinou a anulação desta correção por entender que "(...) os motivos pelos quais a Administração Fiscal não aceitou estas despesas como custos fiscais, não se verificam (...)" (cfr. Sentença recorrida - página 25).
E. Não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal a quo, a Fazenda Pública vem agora recorrer alegando que "(...) o respeitoso Areópago a quo lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito e dos factos (...)" (cfr. Alínea E) das conclusões das alegações de recurso da Fazenda Pública).
F. As questões que constituem objeto do presente recurso são as de saber, por um lado, se as correções efetuadas pela Autoridade Tributária são ilegais, por violação, designadamente, do artigo 23.º do Código do IRC e, por outro lado, se se verificam todos os pressupostos para que a Autoridade Tributária seja condenada no pagamento de juros indemnizatórios.
G. O artigo 23.º do Código do IRC estabelece que "1- Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora/ (...)".
H. O requisito da indispensabilidade tem sido interpretado tanto pela doutrina nacional como pela jurisprudência em função do objeto societário da empresa (cfr. António Moura Portugal, Dedutibilidade dos custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, Janeiro de 2004, p.115 e 116 e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29/03/2006, proferido no âmbito do processo n.º 01236/05).
I. Relativamente à correção "Aluguer de viaturas sem condutor e combustíveis pagos pelo cartão E......", a Autoridade Tributária apenas não aceita a dedutibilidade fiscal do custo por considerar que o mesmo não se afigura indispensável à realização de proveitos.
J. Atentos os factos dados como provados na sentença recorrida (que não foram contestados em sede de recurso) é por demais evidente que foi no âmbito da atividade desenvolvida pela Recorrida que a mesma atribuiu a alguns dos seus trabalhadores (comerciais e trabalhadores com funções de supervisão e controlo) viaturas de serviço com cartão E...... para que se pudessem deslocar no âmbito das suas funções profissionais, pelo que as despesas inerentes a essa atribuição devem ser aceites como custo fiscal, nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, por ter sido demonstrada a sua indispensabilidade.
K. Quanto à correção referente às "Viagens" também resulta do probatório da sentença recorrida que as despesas das viagens ao Nordeste Brasileiro e ao Euro 2000, oferecidas a alguns clientes no âmbito de campanhas promocionais promovidas pela Recorrente se inserem no seu escopo societário e, portanto, estando as mesmas devidamente comprovadas, devem ser aceites como custo fiscal do exercício de 2000, nos termos do disposto no artigo 23.º e 41.º ambos do Código do IRC.
L. Pelo que a sentença recorrida ao determinar a anulação das correções impugnadas, não merece qualquer juízo de censura, devendo, por isso, o recurso apresentado pelo Digno Representante da Fazenda Pública ser julgado improcedente.
M. Por fim, no que se refere à questão dos juros indemnizatórios a sentença recorrida não merece qualquer juízo de censura, na medida em que se verificam todos os pressupostos previstos no artigo 43.º da Lei Geral Tributária de que depende a atribuição destes juros à Recorrida.
N. Posto isto, deverá a sentença ser mantida e, em consequência, julgado improcedente o presente recurso.

Termos em que deverá ser julgado improcedente o recurso apresentado pela Recorrente, por falta de fundamento legal, mantendo-se a sentença ora recorrida, com as demais consequências legais.»

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A) A Impugnante foi objeto de ação de inspeção externa, de âmbito geral às contas do exercício de 1999 e 2000, em cumprimento da ordem de serviço n.º 01/2002 – cfr. relatório de Inspeção a fls. 5 a 17 do Processo Administrativo Tributário (PAT) apenso;

B) A ação de fiscalização foi iniciada em 16/01/2002 tendo sido prorrogada por mais três meses, tendo sido encerrada a fiscalização em 05/08/2002 – cfr. relatório de inspeção a fls. 5 a 17 do PAT apenso;

C) Os Serviços de Inspeção Tributária efetuaram correções no montante de € 1 537 076,86, ao lucro tributável consolidado e € 63 417,47 ao cálculo de imposto – cfr. relatório de inspeção a fls. 5 a 17 do PAT apenso;

D) Em 06/08/2002, a Impugnante foi notificada do «Projeto de Conclusões do Relatório de Inspeção» e da possibilidade de exercer o direito de audição prévia – cfr. fls. 54 a 64 dos autos;

E) Em 16/08/2002, a Impugnante exerceu o seu direito de audição prévia juntando oito documentos – cfr. doc. 2, a fls. 37 a 52 e os documentos juntos de fls. 53 a 119 dos autos;

F) No Relatório de Inspeção e no que respeita às correções ora impugnadas:

“(…)3. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES À MATÉRIA TRIBUTÁVEL E AO IMPOSTO ENCONTRADO DIRECTAMENTE EM FALTA

3.1 IRC

3.1.1 Importâncias devidas pelo aluguer de viaturas sem condutor e combustíveis

O sujeito passivo contabilizou em Fornecimentos e Serviços Externos – Rendas e Alugueres o montante de € 1 161 889,46 relativo a despesas com viaturas ligeiras em regime de ALD, o qual foi tributado autonomamente pelo valor de € 65 689,31, tendo sido acrescido o restante no montante de € 135 494,06, nos termos do art. 41.º n.º 1, alínea i) do CIRC. Após terem sido analisadas essas despesas e toda a documentação que lhe serve de suporte concluiu-se que:

a) Os custos em ALD suportados pela empresa correspondem à utilização por parte dos funcionários da empresa de 190 viaturas;

b) Nas deslocações em serviço os funcionários são compensados pelos Km`s percorridos através de três planos: - se utilizarem viatura própria recebem um valor próximo do limite referido no art. 2.º, n.º 3, alínea e) do CIRS; - se tiverem viatura atribuída pela empresa recebem um valor mais baixo por Km de forma a compensar apenas o combustível consumido, ou em alternativa têm um cartão E...... que lhes permite adquirir combustível nos postos S....... Foram detectados custos com combustível no valor de € 378 031,30, o que representa um crescimento face ao exercício anterior de 11,79%. Refira-se que este último plano constitui um procedimento introduzido em 1998, dado que nos exercícios anteriores a essa data apenas existiam compensações pelos Km`s percorridos, quer por viaturas próprias quer por viaturas adquiridas em regime de ALD;

c) Dos dados recolhidos sobre as despesas realizadas, constata-se que o número Km`s ascendem a 24 144, a que correspondem € 2 047,31 (24 144 x 17$). Por outro lado, não foi possível quantificar a distância percorrida pelos veículos cujo combustível foi pago através do cartão E......;

d) Nos termos da alínea j) do n.º 1 do art. 41.º do CIRC «as despesas com combustíveis, na parte em que o sujeito passivo não faça prova de que as mesmas respeitam a bens pertencentes ao seu activo ou por ele utilizadas em regime de locação e de que não são ultrapassados os consumos normais», não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável. Ora, não tendo sido apresentados elementos que constituam prova objectiva de que foram cumpridos os requisitos atrás descritos, nomeadamente, consumos por cartão, n.º de Km`s percorridos, plafonds atribuídos a cada cartão, identificação dos funcionários que utilizam o cartão e respectivas funções, etc, não pode ser considerado como custo fiscal € 378 031,30, correspondente ao consumo de combustível do exercício de 2000;

e) Confrontando o total dos combustíveis e Km do plano auto com as despesas de deslocação verifica-se que a um aumento, entre 1998 e 2000, de 51,1% das primeiras corresponde um aumento de 10% das segundas (ver anexo 11). Como todas estas despesas estão directamente relacionadas com deslocações em serviço, seria de encontrar variações em escala semelhante. Sem pôr em causa a legitimidade de todos os custos incorridos, facilmente se verifica uma diferença significativa nas evoluções deste tipo de despesas, concluindo-se que existe uma utilização pessoal do cartão E....... Aliás, não foi apresentada pela empresa evidência que permita concluir de forma diversa;

f) A utilização destas viaturas traduz-se apenas numa forma simplificada de atribuir um veículo a determinados funcionários, sendo que eles próprios poderão ainda escolher, marcas, modelos, etc. Essa escolha está limitada a um plafond máximo que caso seja ultrapassado, será compensado pelo respectivo funcionário, por desconto mensal no vencimento;

g) Dado que os custos ou perdas da empresa só são dedutíveis do ponto de vista fiscal, quando devidamente comprovada a sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, a ausência de qualquer destes requisitos implica necessariamente a sua não consideração como custo fiscal;

h) No caso em apreço, e tal como nos exercícios de 1997 e 1998 (ver Relatórios de Inspeção de 1997 e 1998 – anexo 2 e 3), a empresa não conseguiu demonstrar a indispensabilidade dos custos incorridos e nomeadamente dos combustíveis consumidos. Aliás é neste último item que não existem quaisquer provas dos custos incorridos pois não se encontra justificado o aumento dos custos com combustíveis nem tão pouco as razões que levaram a esse aumento, ou mesmo se esses encargos respeitam totalmente a bens pertencentes ao imobilizado e se não foram ultrapassados os consumos normais, nos termos do art. 41.º, n.º 1, j) do CIRC;

i) Apenas pode ser comprovado que foram realizados 24 144 Km`s em serviço! – Se em vez da empresa pagar esses Km`s a 17$00 pagasse a 61$00 por Km, conforme estabelecido na Portaria 238/00 de 29 de Abril, o custo incorrido ascenderia a € 7 346,22 (24 144 x € 0,3043);

j) Face ao exposto haverá necessariamente lugar a tributação no valor de € 1 399 127,79, uma vez que esta verba decorre de registos contabilísticos que não configuram quaisquer custos que possam ser aceites para efeitos fiscais, nos termos do art. 23.º do CIRC: Dado que o sujeito passivo acresceu € 135 494,06 no Q 07 da declaração Modelo 22 e considerou tributação autónoma no montante de € 65 689,31 (6,4% x € 1 026 395,40), procedeu-se à sua correcção nos seguintes termos:
    1. Custos com rendas de viaturas em ALD
      € 1 161 889,46
    2. Custos com deslocações em serviço (Km+Combustível)
      € 380 078,61
    3. Total (1+2)
      € 1 541 968,07
    4. Custos com deslocações aceites (24 144 x 0,3043)
      € 7 346,22
    5. Diferença (3-4)
      € 1 534 621,85
    6. Valor acrescido no Q07 C220
      € 135 494,06
    7. Valor a tributar (5-6)
      € 1 399 127,79
    8. Tributação autónoma a corrigir a favor do sujeito passivo
      € 65 689,31

(…) 6. DIREITO DE AUDIÇÃO-FUNDAMENTOS

O contribuinte foi notificado nos termos do art. 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do art. 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT), exercendo o direito de audição, por escrito, dentro do prazo fixado.

Após a análise dos elementos enviados, constata-se que o sujeito passivo contesta as correções relativas a

(…)d) Importâncias devidas pelo aluguer de viaturas sem condutor

Relativamente a esta matéria, o projecto de correcções traduz inequivocamente o fundamento da não aceitação dos custos em causa, vindo no entanto o sujeito passivo em direito de audição manifestar a sua perplexidade quanto à correcção.

Os argumentos expostos em direito de audição não são mais do que isso mesmo (argumentos), não tendo sido acrescentada qualquer prova da imprescindibilidade do custo. Contudo, para melhor sustentação das correcções propostas e mantidas, esclarece- se o seguinte:

1. Todas as informações nesta matéria foram prestadas por solicitação dos serviços de Inspecção Tributária, por se ter verificado algumas incongruências na informação contabilística fornecida pela empresa em algumas áreas, em clara contradição com o disposto no artigo 98.º n.º 1 do CIRC, onde refere que as sociedades «são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal que, além dos requisitos indicados no n.º 3 do artigo 17.º, permita o controlo do lucro tributável». É exemplo, deste facto, a forma de contabilização das despesas relacionadas com transportes em Serviço, onde a empresa utiliza uma única conta de custos (conta 6312) para reflectir todas as despesas relacionadas com as deslocações com os funcionários. A utilização de uma conta nestes moldes não seria de questionar se agrupasse realidades fiscais homogéneas, o que permitiria um correcto apuramento do lucro tributável. No entanto, verificou-se que nessa conta 6312 estavam contabilizadas despesas com tratamento fiscal distinto, tais como estacionamentos, portagens, refeições, alugueres de viaturas de turismo, Km`s pelo uso de viatura própria, Km`s do referido «Plano Auto», etc. Não foram, portanto, cumpridas todas as obrigações contabilísticas consagradas no CIRC. Face a esta realidade, solicitou-se um melhor detalhe das despesas, por se tratar claramente de uma obrigação dos sujeitos passivos;

2. De referir que a prática descrita no ponto anterior está a ser utilizada pela empresa há vários anos, pelo que determinado tipo de despesas sempre teve um incorrecto tratamento fiscal. Por outro lado, mesmo a situação da atribuição de 17$ por Km gera sérias dúvidas, pois se o objectivo é compensar o consumo de combustível, então o tratamento fiscal teria de ser obrigatoriamente o disposto no art. 41.º n.º 4 do CIRC, o que nunca aconteceu;

3. De qualquer forma, apesar das incorrecções verificadas, entendeu a Administração Fiscal que o facto de a empresa nunca ter detectado e corrigido essas deficiências não revela qualquer intenção de fuga fiscal, pois certamente utilizará princípios internacionais na condução das auditorias financeiras internas e externas, que mesmo quando utilizados correctamente não poderão evitar o designado «risco de auditoria», podendo verificar-se situações de não detecção de determinadas realidades;

4. Os Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária não alegam despesas excessivas, demonstram que a atribuição de 186 viaturas em 1999 e 190 em 2000 a funcionários da empresa não é indispensável à manutenção da fonte produtora;

5. De facto, a evolução dos custos com combustíveis analisada no projecto de correcções apresenta algumas incorrecções. Porém, reapreciada a situação, todos os fundamentos mantêm-se válidos. Assim, confrontando os montantes de combustível e plano auto, entre 1998 e 2000, com as despesas indirectas com deslocações, tais como refeições, alojamentos, etc, identificadas nas contas 6311 e 6312, verifica-se que a uma evolução positiva dos combustíveis de 51,1% corresponde um aumento das restantes despesas de 10%, ou seja, cerca de cinco vezes mais (ver anexo 11). Facilmente se verifica que a conclusão apresentada no projecto de correcções é correcta;

6. No ponto 31.º da exposição da empresa, refere-se que o cartão E...... só entrou em funcionamento em Junho de 1998. Constata-se, então, que de Junho a Dezembro de 1998 (7 meses) foi gasto em combustível € 208 506,41. Nos primeiros cinco meses do mesmo ano, o montante relativo ao plano auto ascendeu a € 48 062,87. Estes dados constam do documento 6 da resposta ao direito de audição. Ou seja, com o plano auto o consumo mensal de combustível é de € 9 612,57 (€ 48 062,87 / 5 meses) com o cartão E...... € 34 751.07 (€ 208 506,41 / 6 meses – neste cálculo foi considerado um mês de férias);

7. É ainda indicado na exposição que a empresa atribui «plafonds» ao Cartão E...... com o objectivo de implementação de um sistema de controlo mais adequado, e que esse limite de utilização é calculado com base numa estimativa dos quilómetros, portagens e lavagens médios por mês. Se para a empresa é obvio o uso profissional das viatuas e dos cartões porque existe então a necessidade de limitar o exercício das funções dos funcionários? Um melhor controlo poderia e deveria ser obtido através de mapas de itinerário onde seriam discriminadas as deslocações efectuadas, cumprindo os requisitos do art. 41.º n.º 1 j) do CIRC;

8. Numa última tentativa teórica de justificar estes custos fiscalmente, o sujeito passivo vem ainda argumentar que se não tivesse atribuído estas viaturas aos funcionários, teria de lhes aumentar os salários em conformidade. A Administração Fiscal não tem dúvidas que a atribuição dos veículos aos funcionários não é mais do que uma alternativa vantajosa, quer para a entidade patronal quer para o trabalhador, ao aumento dos vencimentos, pelo que a correcção proposta em caso algum se poderá alterar. É do conhecimento do sujeito passivo que a atribuição de vencimentos aos trabalhadores está sujeita a atribuição em sede de IRS e descontos para a Segurança Social, quer por conta do trabalhador quer por conta da entidade patronal, pelo que a conclusão de quebra de receita do Estado em consequência do aumento de vencimentos mais uma vez se mostra incorrecto e insuficiente para justificar este custo fiscal;

9. Refira-se ainda que a Inspecção Tributária não faz interpretações subjectivas de qualquer matéria, como o sujeito passivo subtilmente enuncia. Os códigos fiscais são claros, traduzindo inequivocamente o que são ou não custos fiscais, não ficando ao livre arbítrio dos Inspectores qualquer tipo de avaliação subjectiva neste tipo de auditoria. E porque a lei é clara nesta matéria, quer para Administração Fiscal quer para o Sujeito Passivo, está perfeitamente definido quais os procedimentos que o sujeito passivo deverá ter quando determinado custo é aceite contabilisticamente mas acrescido fiscalmente. É isto que ficou demonstrado na correcção efectuada pela Administração Fiscal, não necessitando de nenhum entendimento pessoal do Inspector, dado que claramente nesta situação existe uma diferença significativa entre os custos suportados e os custos fiscalmente aceites. Tal como é referido no preâmbulo do CIRC «continua a privilegiar-se uma solução marcada pelo realismo e que, no essencial, consiste em fazer reportar, na origem, o lucro tributável ao resultado contabilístico ao qual se introduzem, extracontabilisticamente, as correcções – positivas ou negativas – enunciadas na lei para tomar em consideração os objectivos e condicionalismos próprios da fiscalidade». É neste contexto que se inserem os artigos 23.º e 41.º do CIRC. Pode-se concluir, que apesar da contabilidade e fiscalidade terem aspectos comuns, muitas das realidades de gestão corrente e estratégica dos agentes económicos não são enquadráveis no Direito Fiscal;

10. Em conclusão, a Administração Fiscal não põe em causa que os funcionários da S...... se desloquem em serviço. Ao longo da inspecção que realizou, foram detectadas várias situações (erros) exclusivamente relacionados com deslocações para as quais não foi efectuada qualquer correcção fiscal. Para além dos custos que a Administração Fiscal aceitou sem qualquer objecção a S...... pretende ainda que se aceite € 1 399 127,79 para 2000 relativos a viaturas atribuídas aos trabalhadores da empresa. Pelas razões já apontadas demonstrou-se claramente que estes custos não são indispensáveis à realização dos proveitos, aceitando a Administração Fiscal que efectivamente a S...... incorreu não mesmas, não pode é onerar o Estado pela opção tomada. Os códigos fiscais são claros, devendo obrigatoriamente o sujeito passivo fazer as correcções fiscais adequadas à contabilidade que executou. É para isso que existem ajustamentos fiscais, limitação de valores para certos custos ou não aceitação de alguns na sua totalidade. Porque não existem dúvidas em relação aos custos que estão em causa e porque os mesmos, em caso algum, poderão ser um custo fiscal, mantêm-se as correcções propostas.” – cfr. Relatório de Inspeção no PA apenso;

G) Quanto às correções sobre viagens, no Relatório de Inspeção consta:

“(…)3.1.4 Viagens

O sujeito passivo contabilizou na conta 6636 – Publicidade e Propaganda-Concursos das despesas relativas a viagens ao Nordeste Brasileiro e ao Euro 2000, no montante de € 123 891,42 e 13 826,88. Nos termos do art. 23.º n.º 1 do CIRC, consideram-se custos e perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Assim, será de acrescer ao lucro tributável € 137 718,30, dado que este tipo de custos não reúne os requisitos antes mencionados (Ver Anexo 7).

(…) 6. DIREITO DE AUDIÇÃO-FUNDAMENTOS

O contribuinte foi notificado nos termos do art. 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do art. 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT), exercendo o direito de audição, por escrito, dentro do prazo fixado.

Após a análise dos elementos enviados, constata-se que o sujeito passivo contesta as correções relativas a (…)

b) Despesas de viagens

Nos documentos de suporte das despesas efectuadas não estavam evidenciados os beneficiários de tal iniciativa. O sujeito passivo vem em direito de audição justificar que a atribuição de viagens a clientes decorre da sua actividade pois visa «promover a utilização/aquisição, por parte dos referidos Clientes, dos seus produtos bem como o de divulgar a respectiva imagem e de estreitar o relacionamento comercial existentes”.

De acordo com o estabelecido nos artigos 17.º e 98.º do CIRC, a contabilidade deve estar organizada de modo a reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo, sendo que todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos.

Aliás, sobre esta matéria o código do IRC define no art. 41.º, n.º 1 h) que não são dedutíveis «os encargos não devidamente documentados e as despesas de carácter confidencial».

Assim, a empresa ao atribuir as viagens deverá reunir toda a documentação que confirme quem utilizou as viagens, nomeadamente da agência de viagens a confirmar os participantes da iniciativa.

Para além disso, as despesas de publicidade e propaganda têm um carácter abrangente, destinando-se a grandes, pequenos e mesmo potenciais clientes. Um incentivo dado apenas a determinados clientes não pode considerar-se, a nosso ver, uma campanha publicitária e portanto, as despesas a ele associadas não podem ser qualificadas como de publicidade e propaganda.

Nestes termos mantem-se a correcção proposta nos termos do art. 23.º, por não se comprovar a identidade dos participantes e a indispensabilidade do custo.” – cfr. Relatório de Inspeção;

H) Na sequência das correções, a Impugnante foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 8........, do exercício de 2000, emitida em 30/10/2002, com prazo de pagamento voluntário: 16-12-2002, no valor total a pagar de € 515 293,89, sendo € 42 772,86 de juros compensatórios – cfr. doc 1, a fls. 36 dos autos, cujo teor integral dou aqui por reproduzido;

I) Em 17/03/2003 deu entrada, a presente petição de impugnação judicial contra o ato de liquidação de IRC, do ano de 2000, na parte respeitante ao imposto e juros compensatórios resultantes das correções constantes dos pontos 3.1.1 e 3.1.4 do relatório final de inspeção, que totalizam o montante de € 1 536 846,09 – cfr. carimbo a fls. 2 e fls. 2 a 34;

J) A Impugnante junta uma lista dos participantes na viagem ao Nordeste Brasileiro indicando o nome e a empresa para a qual trabalham e faturas emitidas pela «E……., Lda» e junta lista dos beneficiários na viagem ao Euro 2000 e fatura – cfr. doc. 3 junto com o direito de audição a fls. 73 a 75 e 83 a 86 dos autos;

K) Em Junho de 1998, a Impugnante introduziu a utilização do Cartão E...... pelos seus funcionários – cfr. Relatório de Inspeção (provado por acordo);

L) O Cartão E...... permite o abastecimento das viaturas nos postos da S......, pagamento de portagens e lavagem semanal – cfr. depoimento das testemunhas;

M) A Impugnante fixou um plafond a cada funcionário, consoante a sua função, área de responsabilidade e necessidade de utilização, com as denominações: regular intensivo, regular, não regular com indicação do n.º de Kms por mês, preço do combustível, portagens e lavagens mensais – cfr. fls. 91, 98 a 101 dos autos (documento junto ao direito de audiência prévia) e depoimento das testemunhas;

N) A Impugnante junta Lista de funções ao abrigo do Plano Auto com cartão E...... – 2000, com indicação da função (comercial, gestor vendas, controlo de qualidade, serviços de qualidade…), tipo de utilização da viatura (regular intensiva, regular, não regular) plafond atribuído em € e plafond gasto em € - cfr. doc. 3 junto com o direito de audição a fls. 96 a 101 dos autos cujo teor integral dou aqui por reproduzido;

O) No ano de 2000 a frota da Impugnante é de 190 carros (passou de 187 para 190) - cfr. Relatório de Inspeção (provado por acordo entre as partes);

P) A Impugnante faz promoções dos seus produtos dirigindo cartas aos clientes para incentivar a venda – cfr. a carta com data de 16/02/2001 a fls. 63 dos autos e depoimento da 2.º e 3.ª testemunha;

Q) A promoção visa fidelizar o cliente e aumentar o seu volume de compra – cfr. depoimento da 2.ª e 3.ª testemunha;

R) Os gestores de venda ao visitar um potencial cliente divulgam ações de promoção visando despertar o interesse deste na aquisição do produto - cfr. depoimento da 2.ª e 3.ª testemunha;

S) Em 23/12/2002, a Impugnante pagou a liquidação referida em H, no montante de

€ 472 521,03 (= € 515 293,89 (IRC) - € 42 772,86 (juros compensatórios) – cfr. fls. 117 a 119 dos autos.


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Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.

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Considero os factos provados A a J, N e S atendendo ao teor dos documentos juntos aos autos e identificados nas várias alíneas do probatório.

Considero provados os factos K e O por acordo das partes. Constam no Relatório de Inspeção e são confirmados pela Impugnante, na presente petição de impugnação.

Considero provados os factos L, M, P, Q e R atendendo ao depoimento das sete testemunhas, todas funcionários da Impugnante, com conhecimento direto do uso de viaturas da empresa e do funcionamento do Cartão E....... Convenceram o Tribunal da necessidade de deslocações, da necessidade do uso de viaturas da Impugnante e do uso do cartão E.......

A primeira Testemunha, o Sr. J......, responsável da Segurança da Impugnante desde 1987. As suas funções consistem em zelar pelas condições de segurança dos funcionários e dos clientes de gás fazendo auditorias por todo o país, existindo cerca de 4000 clientes no país. Pelo que, faz deslocações pelo país, para efeitos de segurança preventiva. Afirmou que em caso de acidente tinha de ir ao local para apurar a origem. Para as deslocações, várias vezes por semana, usava uma viatura de leasing da Impugnante com cartão plafond da E....... Esse cartão tinha um plafond que era atribuído ao trabalhador, variando de acordo com a sua função/necessidade de se deslocar. O cartão E...... servia para pagar portagens, abastecer de combustível e lavagem semanal pois o carro é imagem da empresa. Afirmou que, o cartão tem um plafond pré-definido, o que obriga a uma gestão. Por exemplo, o funcionário mora em Lisboa e tinha de se deslocar por dois dias a Castelo Branco. Com o plafond pré-definido, o funcionário ficaria uma noite em Castelo Branco em vez de vir a Lisboa, para no outro dia se deslocar novamente a Castelo Branco o que implicaria um maior consumo de combustível, portagens, e que implicaria exceder o plafond, tendo de justificar tal perante a empregadora.

A segunda Testemunha, o Sr. J…….., Responsável Comercial, Chefe de Vendas de 1991 a 2004. Era responsável pelo grupo de vendas e elaborava propostas comerciais para clientes comerciais de gasóleo e lubrificantes com cobertura geográfica regional. Fazia deslocação semanal para as áreas base Porto e Lisboa. Fazia visitas às Administrações, não só de cortesia pois é preciso cimentar uma relação com o cliente que não se faz por telefone.

Deslocava-se em viatura fornecida pela empresa e usava o cartão E...... para pagar portagens, combustível e lavagem. Tinha um plafond máximo que implicava planear a sua actividade, anualmente mostrando os ganhos e perdas. O plafond do cartão era calculado por x Kms por mês. Todos os funcionários da função comercial tinham o mesmo plafond.

A terceira Testemunha, o Sr. P….. é funcionário da Impugnante desde 1985, sendo Responsável Comercial na área de Estações de Serviços, gestão de rede dos postos de abastecimento ao público. Tem a responsabilidade nacional do planeamento da rede, criando novos postos de venda e atualizando os postos de abastecimento existentes. Visitava os clientes de todo o país, tendo duas pessoas a seu cargo com duas áreas divididas. Utilizava carro da empresa e o cartão E...... com plafond de uso intensivo.

A quarta Testemunha, o Sr. J……, Responsável Comercial por área de estações de serviço. Utilizava veículo da empresa com cartão E...... com plafond próximo do consumo profissional. Quando ultrapassava o plafond tinha de justificar e em caso de aceitação, a empresa pagava o excesso.

A quinta Testemunha, o Sr. C……, Gestor Comercial do Mercado de Gás. Afirmou que exercia permanentemente, trabalho fora do escritório deslocando-se em viatura da empresa, com cartão E...... com o plafond mais elevado. Tomava contacto com os vinte sete distribuidores.

A sexta Testemunha, a Sra. L……., responsável pelo centro de Serviço a Clientes. Recebia encomendas dos clientes e emitia faturas. A Impugnante atribuía viaturas em regime de ALD. A frota não era para todos os funcionários. Nas deslocações ocasionais aos clientes para reuniões usava viatura da Impugnante com cartão E......, com plafond não regular.

A sétima Testemunha, a Sra. H………, responsável da área Financeira, responsável pela área de contas a pagar e a receber e arquivo geral da companhia. Afirmou que há grande descentralização de serviços sendo atribuído carro aos comerciais e aos funcionários com funções de supervisão/controlo. O plafond era determinado de acordo com o historial de Kms que cada funcionário precisa de percorrer.»



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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Lidas as conclusões das alegações de recurso apresentadas pela ERFP, resulta que está em causa saber se se verifica erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do direito aos factos, por ter a sentença recorrida concluído pela ilegalidade das correcções efectuadas em sede de inspecção tributária relativas aos custos com aluguer de viaturas sem condutor, combustíveis e despesas com viagens contabilizadas como publicidade e propaganda, bem como no que diz respeito à condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, decorrente da ilegalidade da liquidação adicional de IRC impugnada.

Comecemos por apreciar a correcção relativa a importâncias devidas pelo aluguer de viaturas sem condutor e combustíveis.

A sentença recorrida considerou procedente a impugnação judicial, no que respeita à correcção efectuada às importâncias devidas pelo aluguer de viaturas sem condutor e combustíveis, nos seguintes termos:

“(…) resultou provado a indispensabilidade para a obtenção de lucro da Impugnante, do uso de viaturas para as deslocações dos seus funcionários, atendendo às especificidades e variedade de funções. O plafond do cartão revela um controlo da Impugnante, nos gastos associados à atribuição de viatura ao funcionário, que em caso de ultrapassar o plafond terá de o justificar, sendo ressarcido só em caso de aceitação da justificação. Não resultou provado que, a viatura é atribuída ao funcionário para uso pessoal. Porém, em caso de uso particular do funcionário, tal uso implica uma despesa para a Impugnante também indispensável à obtenção de proveito, funcionando como um incentivo ao bom desempenho da função que poderá estar sujeito a IRS, porém, tal não está no âmbito dos presentes autos.

Em suma, dos documentos juntos aos autos, do depoimento das Testemunhas, a Impugnante provou a necessidade de possuir viaturas ao seu serviço, em leasing, identificou os trabalhadores com veículo atribuído (funcionários comerciais ou com funções de inspeção/supervisão), os Kms percorridos e os montantes gastos com as deslocações.

Pelo que, a Impugnante demonstrou a indispensabilidade daqueles custos, em face da sua atividade, requisito essencial para a sua aceitação como custo fiscal, nos termos do artigo 23.º do CIRC. Assim sendo, a correção 3.1.1 não se pode manter.”

A Recorrente discorda do assim decidido, fundamentalmente, por considerar que não foi possível quantificar a distância percorrida pelos veículos cujo combustível foi pago através do cartão E......, nem ter sido efectuada prova objectiva no respeitante aos consumos por cartão, nº de quilómetros percorridos, plafond’s atribuídos a cada cartão, identificação dos funcionários que utilizavam o cartão e respectivas funções, o que determina a não dedutibilidade dos correspondentes encargos para efeitos fiscais. Salienta, ainda, que a evolução das despesas com combustíveis indicia uma utilização do cartão para fins pessoais.

Entende que a Recorrida não conseguiu demonstrar a indispensabilidade dos custos incorridos, não se encontrando justificado o aumento dos custos com combustíveis, nem as razões que levaram a esse aumento.

Vejamos.

Comecemos por dizer que a Recorrente não impugna a factualidade provada constante da sentença recorrida, nos termos previstos no artigo 640º do CPC.

A título de enquadramento das questões a decidir, veja-se o que se escreveu no Acórdão deste Tribunal de 01/12/2017, proferido no âmbito do processo nº 9894/16:

“A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.

Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.

Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.101 e seg.).

Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).
O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/3/2006, rec.1236/05; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 17/7/2007, proc.1107/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15).

Refira-se, igualmente, que as empresas são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, a qual permita o controlo do lucro tributável (cfr.artº.98, do C.I.R.C., na versão em vigor em 1998; artºs.29 e 31, do C. Comercial).
Quanto ao enquadramento no aludido artº.23, do C.I.R.C., deve apelar-se a três subsídios jurisprudenciais relativos à aplicação de tal normativo:

1-É entendimento da jurisprudência que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa de cariz subjectivista. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código - cfr.artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/04/2010, rec.774/09; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/02/2008, rec.798/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 17/11/2009, proc.3253/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2015, proc.5327/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15);

2-Um custo indispensável não tem de ser um custo que directamente implique a obtenção de proveitos. Há vários custos que só mediatamente cumprem essa função e que, nem por isso, deixam de ser considerados indispensáveis, nos termos do artº.23, do C.I.R.C. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/6/2011, proc.4589/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2015, proc.5327/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2015, proc. 8137/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15);

3-A questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr.artº.75, nº.1, da L.G.T.) pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado artº.23, do C.I.R.C. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/2/2010, proc.3669/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2015, proc.5327/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2015, proc. 8137/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15).”

Regressando ao caso em apreciação, verificamos que a sentença recorrida considerou que “Por seu turno, a Impugnante aquando do exercício do direito de audição ao projeto de conclusões do relatório de inspeção, relativo ao ano de 2000 explicou o funcionamento do cartão E......, assim como a fixação de plafond a cada funcionário que varia entre regular intensivo, regular, não regular, determinado consoante a função de cada trabalhador e área de responsabilidade. O plafond indica o n.º de Kms por mês, preço do combustível, portagens e lavagens mensais (cfr. facto M). Também juntou, aquando do exercício do direito de audição, uma Lista de funções ao abrigo do Plano Auto com cartão E...... – 2000, com indicação da função (comercial, gestor vendas, controlo de qualidade, serviços de qualidade…), tipo de utilização da viatura (regular intensiva, regular, não regular) plafond atribuído em € e plafond gasto em €. (cfr. facto provado N).

Do depoimento das Testemunhas, todas funcionários da Impugnante também resultou provado, a necessidade de deslocações, implicando uma frota na dimensão de 190 viaturas e os gastos com as mesmas. Pelo que, resultou provado a indispensabilidade para a obtenção de lucro da Impugnante, do uso de viaturas para as deslocações dos seus funcionários, atendendo às especificidades e variedade de funções. O plafond do cartão revela um controlo da Impugnante, nos gastos associados à atribuição de viatura ao funcionário, que em caso de ultrapassar o plafond terá de o justificar, sendo ressarcido só em caso de aceitação da justificação. Não resultou provado que, a viatura é atribuída ao funcionário para uso pessoal. Porém, em caso de uso particular do funcionário, tal uso implica uma despesa para a Impugnante também indispensável à obtenção de proveito, funcionando como um incentivo ao bom desempenho da função que poderá estar sujeito a IRS, porém, tal não está no âmbito dos presentes autos.

Em suma, dos documentos juntos aos autos, do depoimento das Testemunhas, a Impugnante provou a necessidade de possuir viaturas ao seu serviço, em leasing, identificou os trabalhadores com veículo atribuído (funcionários comerciais ou com funções de inspeção/supervisão), os Kms percorridos e os montantes gastos com as deslocações.

Pelo que, a Impugnante demonstrou a indispensabilidade daqueles custos, em face da sua atividade, requisito essencial para a sua aceitação como custo fiscal, nos termos do artigo 23.º do CIRC. Assim sendo, a correção 3.1.1 não se pode manter..”

Ora, em sede de recurso, a Fazenda Pública afirma que, por não ter sido possível quantificar a distância percorrida pelos veículos cujo combustível foi pago através do cartão E......, respectivos consumos, km’s percorridos, plafonds atribuídos a cada cartão, identificação dos funcionários utilizadores do mesmo e funções, os encargos incorridos não seriam dedutíveis como custos para efeitos fiscais.

Esta questão, em concreto, foi já apreciada e decidida por Acórdão deste TCAS, datado de 22/10/2015, proferido no âmbito do processo nº 3693/09, relativo à mesma Impugnante, bem como à mesma acção de inspecção, o qual nos permitimos transcrever, no que aqui interessa:

Neste particular, considerou a Administração Tributária que com a utilização do cartão E...... não é possível verificar as distâncias percorridas pelos veículos cujo abastecimento foi pago pelo mesmo. Afirmando, ainda que, não foram « (…) apresentados elementos que constituam prova objectiva de que foram cumpridos os requisitos atrás descritos, nomeadamente consumos por cartão, n° de Km's percorridos, plafonds atribuídos a cada cartão, identificação: os funcionários que utilizam o cartão e respectivas funções, etc, não pode ser considerado como custo fiscal.».

Desde logo, importa notar, que a legalidade da correcção em causa só pode ser sindicada à luz dos fundamentos externados pela Administração Tributária aquando da sua actuação. O que significa que, no caso não vindo contestado que o cartão E…… era utilizado pelos funcionários da Impugnante, qualquer dúvida sobre os «consumos por cartão, n° de Km's percorridos, plafonds atribuídos a cada cartão, identificação: os funcionários que utilizam o cartão e respectivas funções, etc, » não se nos afigura possível, com base na falta destes elementos, afastar a relevância fiscal do custo cuja efectividade não é colocada em causa na fundamentação que suporta a correcção. E, nestas circunstâncias a Impugnante nada mais teria que demonstrar.

Além disso, é manifesto que tendo a Impugnante viaturas ao seu serviço (e essa necessidade não é minimamente posta em causa) elas haverão de consumir combustível.

Do que vem dito, conclui-se que o recurso não pode, também proceder nesta parte.(…)”

Ora, acolhendo a posição ali assumida, entendemos não se verificar o invocado erro de julgamento no que se refere à correcção relativa a custos com aluguer de viaturas sem condutor e combustíveis, tendo a sentença recorrida decidido com acerto.

Prosseguindo, vejamos, agora, a correcção referente a viagens.

Recuperemos o segmento da sentença recorrida que analisou a correcção em análise:

“A Impugnante, no exercício do direito de audição ao Projeto de Conclusões do Relatório de Inspeção juntou a listagem dos participantes nas viagens Euro 2000 e ao Nordeste Brasileiro, indicando o nome e a empresa para a qual trabalham e as faturas emitidas pelas agências de viagens «E……, Lda» e «C……. », em nome da ora Impugnante (cfr. facto J). Pelo que, identificou os beneficiários da viagem, trabalhadores de empresas de Transportes, clientes da Impugnante. O pagamento de viagens a clientes é uma forma conhecida de propaganda/publicidade das empresas, uma forma de angariar clientes/conservar os que tem. E, a forma de cativar clientes e de promover os produtos pertence à gestão de cada empresa, cabendo à Administração Fiscal apurar da verificação dos requisitos constantes no artigo 23.º e 41.º do CIRC, para a aceitação de tais despesas como custo fiscal. No caso dos autos, foram apresentadas as faturas das viagens e foram apresentadas as listas dos beneficiários, trabalhadores de empresas de transporte, clientes da Impugnante. Pelo que, os motivos pelos quais a Administração Fiscal não aceitou estas despesas como custos fiscais, não se verificam pelo que, deverão ser aceites como custo fiscal as despesas de viagem, no montante de € 137 718,30.”

Defende a Recorrente que a junção da listagem dos utilizadores das viagens e de algumas facturas se revela insuficiente para a demonstração do requisito da indispensabilidade do respectivo custo. E que a circunstância de se circunscrever um benefício somente a alguns clientes pode traduzir-se numa utilização abusiva do conceito subjacente à publicidade de propaganda.

O requisito da indispensabilidade tem sido jurisprudencialmente entendido como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário da entidade comercial em causa.

E nessa medida, tem sido entendido pela Jurisprudência que estão vedadas à Administração Tributária actuações que coloquem em causa o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo.

Recorde-se que um custo indispensável não tem de ser um custo que directamente implique a obtenção de proveitos. Há vários custos que só mediatamente cumprem essa função e que nem por isso deixam de ser considerados indispensáveis, nos termos do artº.23, do C.I.R.C. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/6/2011, proc.4589/11).

São exemplo desses, os custos com publicidade, marketing, propaganda, relacionados com a publicitação da imagem de uma empresa, em que há uma expectativa que, mediatamente, contribuam para uma melhor imagem junto do público e, consequentemente, para um aumento dos proveitos.

Recordemos a fundamentação do Relatório de Inspecção quanto à correcção relativa às viagens pagas pela Recorrida a seus clientes ao Euro 2000 e ao Brasil:

“3.1.4 Viagens

O sujeito passivo contabilizou na conta 6636 – Publicidade e Propaganda-Concursos das despesas relativas a viagens ao Nordeste Brasileiro e ao Euro 2000, no montante de € 123 891,42 e 13 826,88. Nos termos do art. 23.º n.º 1 do CIRC, consideram-se custos e perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Assim, será de acrescer ao lucro tributável € 137 718,30, dado que este tipo de custos não reúne os requisitos antes mencionados (Ver Anexo 7).”

Por sua vez, o Anexo 7, referido no relatório, quanto a esta correcção em concreto, inclui cópias das facturas emitidas pelas agências de viagens e referentes às viagens em apreciação.

Como foi referido no Relatório de Inspecção, a Recorrida, em sede de direito de audição veio dizer que a atribuição de viagens a clientes decorre da sua actividade pois visa promover a utilização/aquisição, por parte dos referidos clientes, dos seus produtos bem como divulgar a respectiva imagem e estreitar o relacionamento comercial existente.

Entende a AT que a empresa, ao atribuir viagens, deverá reunir a documentação que confirme quem utilizou as viagens, nomeadamente da agência de viagens, que permita a confirmação dos participantes da iniciativa.

Ora, da análise da documentação constante dos autos e também do teor do próprio relatório de inspecção (que o refere) constata-se que a Recorrida, quando foi ouvida em audição prévia, entregou documentação comprovativa da realização das viagens em causa, bem como dos respectivos participantes – cfr. alínea j) do probatório, documento 3 junto em sede de audição prévia e anexo 7 do RIT.

O que significa que, no que se refere à comprovação, em concreto, da despesa e dos participantes nas viagens, a Recorrida cumpriu o ónus que lhe cabia.

Não releva a argumentação da Recorrente, apresentada apenas em alegações de recurso, e não constante do Relatório de Inspecção, no sentido de que deveria a Recorrida ter comprovado as condições em que foram atribuídas as viagens e os regulamentos dos concursos, já que, como se sabe, não é permitida a fundamentação a posteriori, ou seja, não contemporânea do acto de liquidação sindicado.

Por outro lado, entende a Recorrente que a circunstância de as viagens terem sido atribuídas apenas a alguns clientes pode traduzir-se numa utilização abusiva do conceito de publicidade e propaganda.

Quanto a este aspecto, a sentença recorrida considerou provado que:

- A Impugnante faz promoções dos seus produtos dirigindo cartas aos clientes para incentivar a venda;

- A promoção visa fidelizar o cliente e aumentar o seu volume de compra;

- Os gestores de venda ao visitar um potencial cliente divulgam acções de promoção visando despertar o interesse deste na aquisição do produto.

Daqui se retira que as acções promocionais têm como destinatários os clientes da Recorrida, com o fim último de aumentar as vendas dos seus produtos, pelo que não se acompanha a posição da Recorrente no sentido de que poderá ter ocorrido uma utilização abusiva do conceito de publicidade e propaganda.

In casu, por se considerar que o custo em causa teve fins promocionais, que se inscrevem no escopo societário da Recorrida, e que foi fornecida a documentação relativa à identificação dos beneficiários das viagens exigida pela AT, é de concluir (como a sentença recorrida) que não se verificam os motivos pelos quais a AT não aceitou estas despesas como custo fiscal, pelo que devem ser aceites como custo fiscal as despesas com viagens, o que significa que, também neste segmento, se deve confirmar a decisão recorrida.

No que respeita à condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios à Recorrida, discorda a Recorrente da sentença recorrida por entender não ocorrer erro imputável aos serviços.

Aí se decidiu:

“É consabido que os juros indemnizatórios se destinam a compensar o contribuinte pelo prejuízo causado pelo pagamento indevido de uma prestação tributária ou pelo atraso na restituição oficiosa de tributos, sendo requisitos do direito aos juros indemnizatórios: que haja um erro num ato de liquidação de um tributo; que esse erro seja imputável aos serviços; que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial; que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária superior ao legalmente devido; que o imposto se mostre pago.

Ora, tem a jurisprudência entendido que estamos perante erro imputável aos serviços, que origina o direito a juros indemnizatórios, nas situações em que foi cobrada uma quantia através de um ato de liquidação ilegal, objeto de posterior anulação com fundamento em violação de lei, por erro nos pressupostos de facto ou de direito, mas não quando a causa de invalidade seja um vício de forma.

A propósito no Acórdão do STA, de 4/11/2009, 0665/09, pode ler-se: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT, derivado de anulação judicial de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal”. (Vd. também Acórdão TCAN, de 12/06/2014, proc. n.º 04861/04, ambos disponíveis na internet, no endereço: www.dgsi.pt).

Aplicando o direito aos factos, facilmente se conclui que a Impugnante tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal em vigor sobre o montante indevidamente cobrado, contados deste o dia do pagamento até efetivo e integral pagamento, nos termos do artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), uma vez que a liquidação em causa é ilegal por vício de violação de lei interna, resultante de erro imputável aos serviços.”

A condenação da Administração Fiscal no pagamento de juros indemnizatórios à Recorrida assenta no pagamento, por esta, da quantia liquidada, bem como no facto de se ter por verificado erro imputável aos serviços da AT, tendo sido o acto de liquidação impugnado anulado por vício de violação de lei.

Por conseguinte, a sentença é de manter também nesta parte.


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III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Sem custas.

Registe e Notifique.

Lisboa, 14 de Janeiro de 2020


(Isabel Fernandes)

(Catarina Almeida e Sousa)

(Jorge Cortês)