Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11011/14
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:06/25/2015
Relator:CONCEIÇÃO SILVESTRE
Descritores:AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA; ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - A aquisição da nacionalidade portuguesa em razão da vontade, nos termos do artigo 2º da Lei da Nacionalidade, depende da manifestação da vontade do interessado nesse sentido, e tem como pressuposto que o requerente seja filho menor ou incapaz de pai ou mãe que adquiriu a nacionalidade portuguesa.

II - A aquisição da nacionalidade portuguesa é negada verificados que sejam determinados pressupostos, designadamente no caso de ser julgada procedente a acção especial de oposição deduzida pelo Ministério Público tendo por fundamento a inexistência de ligação efectiva do requerente à comunidade nacional.

III - Na sequência das alterações introduzidas à Lei da Nacionalidade pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17/04 e da aprovação do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa pelo Decreto-lei n.º 237-A/2006, de 14/12, o requerente apenas tem de se pronunciar por mera declaração, sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional, não se exigindo que comprove essa ligação.

IV - Por efeito de tais alterações, foi revogada a exigência anteriormente prevista no artigo 22º, n.º 1, al. a) do Regulamento da Nacionalidade no sentido de o requerente comprovar por meio documental, testemunhal ou outro legalmente admissível a ligação efectiva à comunidade nacional; por outro lado, nos termos do disposto no artigo 57º, n.ºs 1 e 3 do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, o requerente deve pronunciar-se sobre (i) a existência de ligação efectiva à comunidade nacional, (ii) se foi objecto de condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa e (iii) o exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro, mas apenas tem de comprovar estes dois últimos factos.

V - Cabe ao Ministério Público, caso entenda existirem factos dos quais resulte a inexistência de ligação efectiva do requerente à comunidade nacional, opor-se à aquisição da nacionalidade portuguesa; porque se trata de facto impeditivo do direito do requerente, o ónus da prova impende sobre ele, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 342º do Código Civil.
Votação:Maioria com 1 voto de vencido
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:


RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO instaurou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa contra BACAR …………….., a qual foi julgada improcedente por sentença proferida em 25/06/2013.

Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões:
“1 - Atendendo a que a redacção do art. 2° da Lei n.º 37/81, foi mantida pela Lei 2/2006, continua o menor filho de cidadão que adquiriu a nacionalidade portuguesa, a poder adquirir a nacionalidade portuguesa, desde que exista ligação efectiva à comunidade portuguesa.
2 - O art. 56°, nº 2 do actual Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado Decreto -Lei nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro, que corresponde ao art. 22° do DL n.º 322/82, de 12 de Agosto, prevê:

«2 - Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou da adopção:

a) A inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional;

b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa;

c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro».
3 - E o art. 57°, nº 1 do referido DL n.º 237-A/2006, dispõe designadamente que:
"Quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional."
4 - Estabelece o n.º 7 do mesmo artigo que "sempre que o conservador dos Registos Centrais ou qualquer outra entidade tiver conhecimento de factos susceptíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade, por efeito da vontade ou por adopção, deve participá-los ao Ministério Público, junto do competente tribunal administrativo e fiscal, remetendo-lhe todos os elementos de que dispuser''.
5 - Da leitura e análise dos citados preceitos retira-se que deixou o legislador de exigir que o interessado comprove a sua ligação efectiva à comunidade nacional, sendo fundamento da oposição a "não comprovação" dessa ligação efectiva.
6 - Ou seja, na actual lei não se faz menção a essa "não comprovação", mas tão-só à inexistência de ligação à comunidade nacional, devendo ser feita ao Ministério Público a participação de factos susceptíveis de fundamentarem a oposição.
7 - É que o requerido passou a ter necessidade de "pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional", crendo-se que será a partir dessa pronúncia que o conservador poderá aquilatar da existência/inexistência de ligação a comunidade nacional e, no caso de se indiciar a inexistência, comunicá-la ao Ministério Público para instauração da acção de oposição.
8 - Em suma, no que tange à falta de ligação efectiva à comunidade nacional deverá o interessado, que pretende adquirir a nacionalidade portuguesa, considerando que lhe assiste esse direito, pronunciar-se sobre a existência daquela ligação.
9 - Mas, constatando-se, face às explicações apresentadas com vista à alegada ligação à comunidade nacional, que as razões aduzidas serão insuficientes para se concluir por essa ligação, levará à comunicação ao Ministério Público para a instauração do processo de oposição.
10 - A acção destinada à declaração da inexistência da ligação à comunidade portuguesa deve ser qualificada como uma acção de simples apreciação negativa.
11 - Até porque a nova lei não alterou o figurino da oposição à aquisição da nacionalidade como acção de simples apreciação negativa, destinada demonstração da inexistência de ligação à comunidade nacional, com as consequências daí advindas.
12 - Esta acção de simples apreciação tem por fim unicamente obter a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto (art. 40º, n.º 2, al. a) do CPC).
13 - De acordo com o disposto no art. 343º, n.º 1 do C. Civil, nas acções de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.
14 - À mesma conclusão se chega se tivermos em conta o facto de estarmos perante uma acção que é consequência de uma pretensão, formulada junto dos Registos Centrais, por banda do requerido, que aí manifesta a sua intenção de adquirir a nacionalidade portuguesa, pelo que lhe cabe, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, demonstrar os factos constitutivos dessa sua pretensão.
15 - Face à matéria de facto dada como provada, deveria o Tribunal a quo, considerar que o R. não tinha ligação efectiva à comunidade portuguesa.
16 - O requerido vive na Guiné Bissau, país onde nasceu, no qual tem todas as suas referências sociais e culturais, sendo que a documentação exibida não comprova que pretende, de facto, estabelecer-se em Portugal.
17 - O facto de ser filho de progenitor a quem foi atribuída a nacionalidade portuguesa em 2008, não pode ser arvorado um elemento bastante de ligação à comunidade portuguesa.
18- Pelo que, ao declarar improcedente a acção, o Tribunal a quo violou o disposto nos arts. 56º, n.º 2, a), 57º, n.º 1, ambos do Regulamento da Nacionalidade, aprovado pelo DL n.º 237-A/2006 e art. 343º, n.º 1 do Código Civil.”

O recorrido não apresentou contra-alegações.


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A questão suscitada pelo recorrente é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao considerar como não verificado o fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa previsto no artigo 9.º, al. a), da Lei da Nacionalidade (inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional).
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Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.


FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
A) O réu nasceu em Bissau, Guiné-Bissau, no dia 4 de Abril de 2008 (Registo de Nascimento junto a fls. 14 dos autos do processo físico e cujo teor se dá por reproduzido);
B) É filho de Gibril ………. e de Abibato ………….., falecida (Registo de Nascimento cit. E Certidão Narrativa Completa de Óbito junta a fls. 18-19);
C) O seu pai, Gibril ……………, natural de Bafatá, Guiné-Bissau, adquiriu a nacionalidade portuguesa nos termos do art. 6º, n.º 1 da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, conforme o Averbamento n.º 1, de 23 de Outubro de 2008, ao Assento de Nascimento n.º 53522, do ano de 2008, da Conservatória dos Registos Centrais (fls. 22 e 23 dos autos do processo físico);
D) Através do representante legal prestou declaração para aquisição da nacionalidade portuguesa (cfr. a Declaração para Aquisição da Nacionalidade Portuguesa junta a fls. 10-11 dos autos do processo físico e cujo teor se dá por reproduzido);
E) No auto o representante legal pronunciou-se sobre o disposto na al. a) do art. 9º da citada Lei n.º 37/81 assinalando a opção de que o filho “tem ligação efectiva à comunidade portuguesa” (fls. 10 dos autos do processo físico);
F) Juntou, com interesse para a decisão, além dos documentos atrás mencionados, fotocópia do passaporte português do pai réu (fls. 16 dos autos do processo físico);
G) Com base na declaração referida em D) e E) foi instaurado na Conservatória dos Registos Centrais o processo n.º 42269/2011 (Despacho de 7 de Setembro de 2012, junto a fls. 31 a 33 dos autos do processo físico e cujo teor se dá por reproduzido).
H) Cuja certidão foi mandada remeter ao Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, sob invocação do art. 10º da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro, na redacção da Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril (Despacho cit.).

2. Do Direito

2.1. O Ministério Público instaurou no TAC de Lisboa acção com processo especial de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa contra Bacar ……………., pedindo ao Tribunal que ordenasse o arquivamento do processo instaurado na Conservatória dos Registos Centrais conducente a esse registo, com fundamento na inexistência de ligação efectiva à comunidade portuguesa.
Para tanto alegou, em síntese, que:
- O requerido é natural da Guiné-Bissau, sendo os pais, ao tempo do seu nascimento, de nacionalidade guineense;
- O pai do requerido adquiriu a nacionalidade portuguesa nos termos do artigo 6º, n.º 1 da Lei da Nacionalidade;
- O requerido, através do representante legal, prestou declaração para aquisição de nacionalidade portuguesa, por ser filho menor de indivíduo que adquiriu a mesma nacionalidade, tendo, na altura, aquele referido que este tem ligação efectiva à comunidade portuguesa;
- Nenhum elemento de prova foi junto pelo requerido com vista a demonstrar a ligação efectiva à comunidade nacional.
Regularmente citado, o requerido não contestou nem constituiu advogado.
Por sentença de 25/06/2013, o TAC de Lisboa julgou a acção improcedente, com a seguinte fundamentação:
“Ora se se observar bem, ao contrário do que sucede relativamente aos pressupostos das al. b) e c) do art.º 9º da LN e b) e c) do n.º 2 do art.º 56º do RN, a lei não exige que a pronúncia do ''declarante”/requerente sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional seja acompanhada de qualquer outra prova, designadamente de prova documental, que impõe em geral, como vimos: a lei basta­se com a declaração expressa e formal da vontade de adquirir a nacionalidade portuguesa e a pronúncia, igualmente expressa, sobre a existência de ligação efectiva à "comunidade nacional" (cfr. os referidos art.ºs 37º e 57° do RN). E não exige, porque se presume (presunção iuris tantum) que o facto de se ser filho ou filha, posto que menor, de um cidadão ou cidadã que adquiriu a nacionalidade portuguesa e de se ter declarado querer ser português é, por si só, sinal, indício, bastante da existência de efectiva ligação à comunidade portuguesa, pelo que se dispensa a prova da existência dessa ligação, sem prejuízo de a Administração registral, designadamente a Conservatória dos Registos Centrais (CRC), no procedimento administrativo, ou o Ministério Público (MP), na acção judicial de oposição, virem a provar a inexistência dela, como lhes compete (cfr., quanto à CRC, o disposto no art.º 42º, n.ºs 1e 8, do RN).
(…)
Estava, pois, o réu dispensado, por força da referida presunção, de provar por outros meios que não aqueles por que o fez a existência de ligação efectiva à comunidade portuguesa, que alegou na declaração de vontade de adquirir a nacionalidade portuguesa, que prestou por intermédio do seu pai.
(…)
Por este conjunto de razões, entende-se que o Autor não logrou demonstrar a inexistência de ligação efectiva do Réu à comunidade nacional (…)”.
Entendeu, assim, o TAC de Lisboa que o requerido beneficia de uma presunção legal consubstanciada no facto de ser filho menor de um cidadão português e de ter declarado possuir ligação efectiva à comunidade nacional, pelo que cumpre ao Ministério Público provar a inexistência dessa ligação.
2.2. O recorrente alega que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito por violação dos artigos 56.º, n.º 2, alínea a) e 57º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de Dezembro e 343.º, n.º 1, do Código Civil, na medida em que:
- As alterações introduzidas à Lei da Nacionalidade pela Lei Orgânica n.º 2/206, de 17/04 e o actual Regulamento da Nacionalidade não estabelecem qualquer presunção legal de que o cidadão estrangeiro que seja filho ou case com um cidadão português passa a deter uma ligação efectiva à comunidade portuguesa;
- Está em causa uma acção de simples apreciação negativa, pelo que compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito de que se arroga;
- Face à matéria de facto dada como provada, deveria o Tribunal considerar que o réu não tem ligação efectiva à comunidade nacional.
2.3. Está em causa a aquisição da nacionalidade portuguesa em razão da vontade, situação que vem regulada no artigo 2º da Lei da Nacionalidade - Lei n.º 37/81, de 3/10 -, o qual tem a seguinte redacção:
Os filhos menores ou incapazes de pai ou mãe que adquira a nacionalidade portuguesa podem também adquiri-la, mediante declaração.”
A aquisição da nacionalidade portuguesa depende, assim, da manifestação da vontade do interessado nesse sentido, e tem como pressuposto que o requerente seja filho menor ou incapaz de pai ou mãe que adquiriu a nacionalidade portuguesa.
Isso mesmo resulta também do n.º 1 do artigo 13º do Regulamento da Nacionalidade, nos termos do qual, “Os filhos incapazes de mãe ou de pai que adquira a nacionalidade portuguesa, se também a quiserem adquirir, devem declarar, por intermédio dos seus representantes legais, que pretendem ser portugueses”.
Para adquirir a nacionalidade portuguesa não basta, contudo, a verificação de tais pressupostos, uma vez que a mesma pode ser negada verificados que sejam determinados factos.
Assim é que, o Ministério Público pode opor-se à pretensão do interessado, deduzindo oposição à aquisição da nacionalidade, designadamente (e para o que aqui importa) em caso de “inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional” (cfr. artigo 9º, al. a) da Lei da Nacionalidade e artigo 56º, n.º 2, al. a) do Regulamento da Nacionalidade).
A primeira questão que se coloca é a de saber a quem incumbe a prova da “inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional”, se ao Ministério Público, como entendeu o Tribunal a quo, se ao interessado, requerente da nacionalidade, como sustenta o recorrente.
Esta questão não tem obtido resposta unânime por parte deste TCAS. Assim, enquanto uns defendem que a acção de oposição à aquisição da nacionalidade configura uma acção de simples apreciação negativa, competindo ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga, nos termos do disposto no artigo 343º, n.º 1 do Código Civil (cfr. acórdãos de 2/04/2014, proc. n.º 10952/14, 6/11/2014, proc. n-º 11025/14, 26/02/2015, proc. n.º 11791/15, 12/03/2015, proc. n.º 11816/15, 30/04/2015, proc. n.º 10528/13 e de 11/06/2015, proc. n.º 12086/15), outros entendem que a prova daquele requisito compete ao Ministério Público (cfr. acórdãos de 10/07/2014, proc. n.º 11308/14, 11/09/2014, proc. n.º 11251/14 e de 16/04/2015, proc. n.º 11964/15).
O STA pronunciou-se sobre esta questão no acórdão de 19/06/2014, processo n.º 0103/14 e mais recentemente no acórdão de 28/05/2015, processo n.º 01548/14 no sentido de que “cabe ao MºPº alegar e provar factualidade que demonstre que o requerido não tem uma ligação efectiva, material ou real à nação e sociedade portuguesas (art. 9º da LN), desse modo impedindo que o requerente da aquisição da nacionalidade prossiga no exercício do direito que invoca (art. 3º, nº 1 da LN)”.
2.4. A solução a dar à questão exige do intérprete uma análise das sucessivas alterações que foram introduzidas à Lei da Nacionalidade e ao Regulamento da Nacionalidade Portuguesa e das razões que a elas presidiram, tanto mais que o legislador não tomou posição expressa sobre a quem incumbe ónus da prova da inexistência de uma ligação efectiva do requerente à comunidade nacional, pois que nada é referido a esse propósito no artigo 9º da Lei da Nacionalidade na redacção que lhe foi dada pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17/04.
Vejamos então.
O artigo 9º, al. a) da Lei da Nacionalidade na sua versão original prescreve que “constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa: a) A manifesta inexistência de qualquer ligação efectiva à comunidade nacional”.
Como refere Rui Moura Ramos, “a cláusula indeterminada inicialmente prevista visava, pela sua latitude, permitir frustrar a inserção na comunidade portuguesa de indivíduos que, mau grado a manifestação de vontade nesse sentido e o vínculo familiar com um cidadão português, não tinham na realidade um vínculo efectivo à comunidade nacional. Simplesmente, entendeu então a nossa jurisprudência, de acordo aliás com os princípios gerais em matéria de ónus da prova, que, tratando-se de factos impeditivos, cabia ao Estado através do Ministério Público fazer a prova da "manifesta inexistência de qualquer ligação efectiva à comunidade nacional". Neste sentido, entre outros, Acs. do STJ de 17.3.1988, proc. nº 76.033 e de 4.10.1988, proc. nº 76.487), tendo assim julgado improcedente a oposição em situações em que o casamento se não podia dizer de conveniência, pois durava há seis anos e dele resultara um filho, registado na secção consular portuguesa do país residência, como noutras, onde porventura a ligação à comunidade portuguesa seria menor mas em que o Ministério Público não fizera nem sequer esboçara tal prova” (A renovação do Direito Português da Nacionalidade pela Lei Orgânica nº 2/2006, de 17 de Abril, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 136, Março-Abril de 2007).
A Lei n.º 25/94, de 19/08, introduziu importantes alterações à Lei da Nacionalidade e, no que aqui importa, ao artigo 9º, nos termos do qual passou a constituir fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa “a não comprovação, pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional”.
Em consonância com estas alterações, foi também alterado o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa através do Decreto-lei n.º 253/94, de 20/10, sendo que o artigo 22º passou a ter a seguinte redacção: “todo aquele que requeira registo de aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve: a) comprovar por meio documental, testemunhal ou qualquer outro legalmente admissível a ligação efectiva à comunidade nacional”.
Resulta destes preceitos que o cidadão estrangeiro filho menor ou incapaz de pai ou mãe que tivesse adquirido a nacionalidade portuguesa, e que declarasse pretender adquirir a nacionalidade portuguesa tinha a seu cargo o ónus de, além do mais, provar a sua “ligação efectiva à comunidade nacional”.
Continuando a citar Rui Moura Ramos (ainda que a propósito da aquisição da nacionalidade por efeito do casamento) diremos que “em 1994 o legislador tomaria duas medidas: por um lado, tornaria necessário um casamento com a duração de três anos para que a declaração visando a aquisição da nacionalidade portuguesa pudesse ter lugar, com o que se punha algum travão aos casamentos de conveniência; por outro lado, e agora como reacção à tendência jurisprudencial que se desenhara, procederia à inversão do ónus da prova, ao passar a enunciar como fundamentos da oposição "a não comprovação, pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional".
Nestes termos, para além da tentativa de neutralizar os efeitos dos casamentos de conveniência, o legislador impunha ao interessado em adquirir a nacionalidade portuguesa a alegação e comprovação de uma ligação efectiva à comunidade nacional.
Este passo levaria a uma profunda modificação da prática jurisprudencial. Assim, o Supremo Tribunal de Justiça viria a considerar "esta comprovação como fundamento de aquisição da nacionalidade portuguesa é compreensivelmente necessária porque o Estado tem de ser cuidadoso e exigente na integração de pessoas no círculo dos seus nacionais, constituindo mesmo uma faculdade de sua reserva, devendo basilar-se a ligação procurada de alguém à comunidade nacional como uma ligação séria, aberta, efectivamente desejada e permanente, não meramente conjuntural portanto, ou desenhada com intenções reservadas".
E adiantaria, mais, que "a ligação efectiva à comunidade nacional constitui um autêntico pressuposto da aquisição da nacionalidade portuguesa por efeito da vontade, tendo o requerente - candidato à aquisição - o ónus da correspondente alegação e prova.
Não o fazendo, há fundamento bastante para a procedência da acção de oposição", precisando ainda que "a mencionada ligação efectiva à comunidade nacional é verificada através da prova de algumas circunstâncias objectivas que revelem um sentimento de pertença a essa comunidade, como é o caso, entre outras, do domínio ou conhecimento da língua, dos laços familiares, das relações de amizade ou de convívio, do domicílio, dos hábitos sociais, das apetências culturais, da inserção económica, do interesse pela história ou pela realidade presente do país", e que "o denominador comum deve servir como pauta de referência e cimento aglutinador para aferir da ligação que a lei exige, não poderá deixar de ser a comunidade nacional e não uma concreta comunidade de nacionais no estrangeiro. (…) A interpretação jurisprudencial deste diploma consagraria na verdade a tese de que o interessado na aquisição da nacionalidade portuguesa tinha de comprovar, em termos que não poderiam deixar de se considerar como particularmente exigentes, a existência de uma ligação efectiva à comunidade nacional, o que permitiria restringir significativamente a aquisição da nacionalidade portuguesa”.
O regime da aquisição da nacionalidade por efeito da vontade voltou a sofrer profundas alterações com a Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17/04 - que introduziu alterações à Lei da Nacionalidade - e com o Decreto-lei n.º 237-A/2006, de 14/12 - que aprovou o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa e revogou o anterior Regulamento aprovado pelo Decreto-lei n.º 322/82, de 12/08.
No que à Lei da Nacionalidade respeita, a alteração que importa aqui atentar é a de que passou a constituir fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa “a inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional” (cfr. al. a) do artigo 9º).
O novo Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo Decreto-lei n.º 237-A/2006, de 14/12, introduziu importantes alterações nesta matéria, designadamente quanto às imposições que impendem sobre o requerente da nacionalidade portuguesa.
O artigo 13º estatui que “1 - Os filhos incapazes de mãe ou de pai que adquira a nacionalidade portuguesa, se também a quiserem adquirir, devem declarar, por intermédio dos seus representantes legais, que pretendem ser portugueses.
2 - Na declaração é identificado o registo de aquisição da nacionalidade da mãe ou do pai”.
Por seu lado, o artigo 57º, n.º 1 estipula que “quem requeira a aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade ou por adopção, deve pronunciar-se sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional e sobre o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo anterior”; e o n.º 3 do mesmo preceito determina que “para efeitos do disposto no n.º 1, o interessado deve: a) Apresentar certificados do registo criminal, emitidos pelos serviços competentes do país da naturalidade e da nacionalidade, bem como dos países onde tenha tido e tenha residência; b) Apresentar documentos que comprovem a natureza das funções públicas ou do serviço militar prestados a Estado estrangeiro, sendo caso disso”.
Ao invés do que sucedia anteriormente, para a aquisição da nacionalidade portuguesa apenas se exige que o interessado reúna as condições previstas no artigo 2º da Lei da Nacionalidade - isto é, seja filho menor ou incapaz de pai ou mãe que adquiriu a nacionalidade portuguesa - e que manifeste a sua vontade nesse sentido, pronunciando-se, por mera declaração, “sobre a existência de ligação efectiva à comunidade nacional”. Não se exige agora que o mesmo comprove essa ligação.
E tanto assim é, que foi revogada a exigência anteriormente prevista no artigo 22º, n.º 1, al. a) do Regulamento da Nacionalidade de o requerente comprovar por meio documental, testemunhal ou outro legalmente admissível a ligação efectiva à comunidade nacional.
Como resulta do disposto no artigo 57º, n.ºs 1 e 3 do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, o requerente deve pronunciar-se sobre (i) a existência de ligação efectiva à comunidade nacional, (ii) se foi objecto de condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa e (iii) o exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro, mas apenas tem de comprovar estes dois últimos factos.
A lei basta-se agora com a mera pronúncia do interessado sobre a sua ligação à comunidade nacional, não lhe impondo a prova deste facto, uma vez que presume que a circunstância de o mesmo ser filho menor ou incapaz de pai ou mãe que adquiriram a nacionalidade portuguesa e de, por intermédio do seu representante legal, ter manifestado vontade de adquirir a nacionalidade portuguesa, é indício bastante de ter ligação efectiva à comunidade nacional (presunção iuris tantum).
Cabe ao Ministério Público, caso entenda existirem factos dos quais resulte a inexistência de ligação efectiva do requerente à comunidade nacional, opor-se à aquisição da nacionalidade portuguesa. E porque se trata de facto impeditivo do direito, o ónus da prova impende sobre ele, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 342º do Código Civil.
Assim, incumbe ao Ministério Público alegar e provar os factos que demonstrem que o requerido não tem ligação efectiva à comunidade nacional, assim obstando que o mesmo adquira a nacionalidade portuguesa.
Neste mesmo sentido e a propósito da alteração à Lei da Nacionalidade operada pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17/04, refere Rui Moura Ramos (in ob. cit.) que a mesma “ao repor o entendimento tradicional quanto ao ónus da prova, vem legitimar uma posição menos restritiva quanto à aquisição da nacionalidade, ao limitar de algum modo o mecanismo de oposição, ainda que deixe de ser tão exigente na caracterização da inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional, uma vez que esta, para efeitos do desencadear da oposição, deixa de ter de ser manifesta”. E acrescenta: “Por outro lado, um outro aspecto importa ainda referir em sede de reforço do vínculo de nacionalidade e de redução do poder determinante que era conhecido do Estado na sua modelação. Falamos do instituto da oposição à aquisição da nacionalidade, o outro elemento que permitia ao Governo intervir no delineamento concreto do vínculo de nacionalidade. A este propósito há que recordar que ele funcionava como válvula de segurança que permitia paralisar determinadas aquisições de nacionalidade decorrentes da vontade ou da adopção quando existisse o risco de introdução na comunidade portuguesa de “elementos em relação a quem houvesse fundadas razões para que o Estado não lhes quisesse reconhecer a condição nacional portuguesa” (…). (…) a inversão do ónus da prova a que volta a proceder a nova lei, retornando assim à solução original da Lei n.º 37/81, (…) ao restringirem o alcance do mecanismo da oposição à aquisição, vêm limitar claramente as faculdades preclusivas (da aquisição da nacionalidade portuguesa) que ele comportava. Pode assim dizer-se que o poder modelador do Estado nas situações de aquisição derivada, que já fora limitado, no domínio da naturalização, às hipóteses, algo residuais, hoje previstas nos n.ºs 5 e 6 do artigo 6º, se vê também igualmente ainda mais circunscrito por uma concepção que implica um uso mais morigerado do instituto da oposição à aquisição – o que equivale afinal a reforçar a densidade do direito à nacionalidade tal como ele emerge dos diversos preceitos da nossa lei” (sublinhado nossos).
Também o STA se pronunciou neste sentido nos recentes acórdãos de 19/06/2014, proc. n.º 0103/14 e de 28/05/2015, proc. n.º 01548/14. A propósito da alteração operada pela Lei Orgânica n.º 2/2006, refere-se no primeiro destes arestos: “No entanto, o legislador, considerando que o equilíbrio na atribuição da nacionalidade passava por uma previsão de regras que, “garantindo o factor de inclusão que a nacionalidade deve hoje representar em Portugal, não comprometam o rigor e a coerência do sistema, bem como os objectivos gerais da política nacional de imigração, devidamente articulada com os nossos compromissos internacionais e europeus, designadamente os que resultam da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade, que Portugal ratificou em 2000”, resolveu, uma vez mais, alterar a redacção da mencionada norma com vista a que no, procedimento de oposição do Estado Português à aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, se invertesse “o ónus da prova quanto ao requisito estabelecido na alínea a) do artigo 9.º que passa a caber ao Ministério Público. Regressa-se desse modo ao regime inicial da Lei n.º 37/81, de 3 de Outubro.” – Exposição de motivos da Proposta de lei n.º 32/X. E, porque assim, a partir da entrada em vigor da Lei 2/2006 passou a constituir fundamento de oposição à aquisição de nacionalidade “a inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional” (nova redacção da al.ª a) do art.º 9.º) a qual tinha de ser provada pelo M.P.”.
Igual entendimento foi acolhido por este TCAS nos acórdãos de 13/11/2008, proc. n.º 03697/08, de 17/03/2011, proc. n.º 06449/10, de 10/07/2014, proc. n.º 11308/14, de 11/09/2014, proc. n.º 11251/14 e de 16/04/2015, proc. n.º 11964/15.
Também neste sentido se pronunciou o Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão de 6/02/2007, proc. n.º 10.181/06-2, onde se escreveu o seguinte: “Assim, enquanto no âmbito da versão originária a não ligação efectiva funcionava como facto impeditivo da aquisição de nacionalidade – cabendo a sua prova àquele que deduzia a oposição (art. 342º, n.º 2 do Cód. Civil) – na versão da Lei n.º 25/94 a referida ligação configura-se como facto constitutivo do direito a tal aquisição, recaindo sobre quem o pretende fazer valer o ónus da respectiva alegação e prova. (…) A Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de Abril, veio porém alterar o quadro legal de referência, e assim, designadamente, ao introduzir nova redacção no sobredito art. 9º da Lei da Nacionalidade (…). Retomando, pois, o legislador de 2006, a configuração da ausência de ligação efectiva do interessado à comunidade nacional como facto impeditivo da aquisição da nacionalidade, com prova a cargo de quem deduzisse oposição àquela”.
2.5. Isto posto e analisando os factos constantes do probatório, forçoso é concluir que o Ministério Publico não logrou demonstrar, como lhe competia, a inexistência de ligação efectiva do ora recorrido à comunidade nacional.
Com efeito, apenas resultou provado que este é natural da Guiné-Bissau, que o seu pai, também natural da Guiné-Bissau, adquiriu a nacionalidade portuguesa e que, através do seu representante legal, manifestou vontade de ser cidadão nacional, tendo então afirmado que tem ligação efectiva à comunidade portuguesa.
Estes factos não demonstram que o recorrido não tenha qualquer ligação efectiva à comunidade nacional, considerando que a mesma “se revela por um sentimento de pertença à cultura portuguesa, manifestada no conhecimento e domínio da sua língua, na aceitação e prática dos seus costumes, na partilha dos bens culturais, no interesse pela sua história, pela realidade do país ou pela forma como ele é governado e pelos laços familiares, relações de amizade ou de convívio com os cidadãos nacionais” (cfr. acórdão do STA de 19/06/2014, proc. n.º 0103/14).
Assim sendo, e considerando que o ónus da prova cabia ao Ministério Público, concluímos pela total improcedência das conclusões de recurso.

DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Sem custas (cfr. artigo 4º, n.º 1, al. a) do Regulamento das Custas Processuais).

Lisboa, 25 de Junho de 2015

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(Conceição Silvestre) (1)

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(Cristina dos Santos)

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(Paulo Pereira Gouveia)
VOTO DE VENCIDO

Discordo do decidido, pelos seguintes motivos:

- A legislação relativa à aquisição da nacionalidade não alterou, nem revogou, o previsto no art. 10º/3-a) do CPC e no importante art. 343º/1 do CC;

- Assim sendo, como é, e respeitando a racionalidade e a unidade do sistema jurídico (sob a égide do art. 9º do CC), consideramos que é impossível afirmar que, neste tipo de processo (ação de simples declaração negativa), o ónus da prova da factualidade relevante cabe ao autor; até porque é difícil ou impossível fazer a prova de factos negativos (sobretudo por causa da impossibilidade jurídica e constitucional de o MP invadir a vida privada e social do interessado), sendo certo que aqui o art. 9º/a) da LN se refere a uma conclusão a retirar de factos pessoais do interessado em obter a nacionalidade portuguesa, que mais facilmente podem ser alegados e provados pelo interessado;

- Para quem considere, como é inevitável, que esta ação é das previstas no art. 10º/3-a) do CPC, é importante referir que não se descortina qualquer presunção legal nesta matéria a favor do interessado; com efeito, lida e relida a legislação em causa, a mesma não exprime/prevê qualquer presunção (legal) de ligação efetiva à comunidade nacional portuguesa a favor do estrangeiro que queira ser português, em qualquer caso; aliás, tal presunção legal não teria sentido, porque seria presumir algo que a lei qualifica ou exige como sendo “efetivo”;

- Ad latere: muitas das vezes, esta questão nem precisará de ser discutida, porque a factualidade provada não permite concluir pela existência da ligação efetiva;

- No mais, remete-se, v.g., para o Ac. do TCAS de 22-3-2012, P. nº 8174/11 (rel. Teresa de Sousa), o Ac. do TCAS de 3-5-2012, P. nº 6222/10 (rel. Teresa de Sousa), e o Ac. do TCAS de 11-6-2015, P. nº 12086/15, por mim relatado.

25-6-2015

Paulo P. Gouveia

(1) Assim revendo a posição assumida nos acórdãos deste TCAS de 12/03/2015, proc. n.º 11816/15, 30/04/2015, proc. n.º 10528/13 e de 14/05/2015, proc. n.º 12013/15.