Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 03368/09 |
Secção: | CT - 2.º JUÍZO |
Data do Acordão: | 02/23/2010 |
Relator: | LUCAS MARTINS |
Descritores: | SISA AQUISIÇÃO DE PRÉDIOS PARA REVENDA PERDA DE ISENÇÃO. |
Sumário: | 1. A isenção que era prevista pelo art.º 11.º, n.º 3, do CSisa, era uma isenção de natureza real, sueita à condição resolutiva da revenda do imóvel, no prazo legalmente cominado; 2. A cedência de parcela de terreno, à Câmara Municipal, em resultado de operação de loteamento, a que tenha sido sujeito o adquirido com isenção, ao abrigo do art.º 11.º/3, do CSisa, não configura um acto de revenda, para efeitos da (aferição da) caducidade da isenção; 3. O entendimento expresso em 2) não configura qualquer violação quer do principio da coerência do sistema, quer do princípio da igualdade. |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | - «A...– Promoção Imobiliária, Ld.ª», com os sinais dos autos, por se não conformar com a decisão documentada de fls. 58 a 63, inclusive, dos autos e, pela qual, a Mm.ª juiz recorrida, lhe julgou improcedente esta impugnação deduzida contra liquidação de Sisa, no valor de € 34.519,64, dela veio interpor o presente recurso apresentando, para o efeito, as seguintes conclusões; 1ª. No caso em apreço, na impugnação judicial, a ora Recorrente arguiu a violação dos princípios da coerência do sistema e da igualdade fiscal, por considerar que tais princípios fazem equivaler a cedência para o domínio municipal no âmbito de uma operação de loteamento ao conceito de revenda previsto no art. 11.º/3, 13.º-A e 16º/1 do CIMSISSD, sob pena de, caso se entenda o contrário, dar lugar a situações de todo absurdas e contrárias à ratio legis da isenção prevista no citado normativo. Porém, constata-se que na decisão recorrida não foi apreciada nem decidida aquela questão. 2ª. A nulidade por omissão de pronúncia corresponde à sanção processual por violação do dever previsto no art. 95º./1 do CPTA, aplicável ex vi do art. 2º./c) do CPPT, que estabelece que “o tribunal deve decidir, na sentença e no acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação”. 3ª. Nesta conformidade, pode desde já concluir-se que a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, ex vi dos 125º./1 do CPPT e 95º./1 do CPTA, ao não ter apreciada nem decidida a questão suscitada quanto à violação do princípio da coerência do sistema e da igualdade fiscal. 4ª. A sentença recorrida viola por errada interpretação e aplicação o disposto nos artigos 11º./3, 13.º-A e 16º/1 do CIMSISSD, ao decidir que as parcelas de terreno cedidas à Câmara Municipal de Arruda dos Vinhos no âmbito de operação de loteamento, para espaços verdes, infra-estruturas, arruamentos e equipamentos, consubstancia um destino diferente da revenda e determina a extinção do benefício da isenção de sisa. 5ª. O entendimento expresso na decisão recorrida não só ignora a rato legis da isenção prevista no art. 11º./3 do mesmo diploma legal, como ignora o regime das cedências constante do Regime Jurídico das operações de loteamento, em manifesta violação do art. 11.º da Lei Geral Tributária. 6ª. Ao contrário do entendimento expresso na decisão recorrida, a não subsunção da área de terreno cedida à Câmara Municipal no âmbito de uma operação de loteamento ao conceito de revenda para efeitos dos arts 11.º/1 e 16.º/1 do CIMSISSD, viola os princípios da coerência do sistema e da igualdade fiscal, permitindo que situações substancialmente iguais sejam objecto de diferentes regimes de tributação, reconhecendo o direito à isenção quando ao loteador seja imposta uma compensação monetária, nos termos do art. 16.º do regime jurídico das operações de loteamento, quando a um mesmo loteador, porventura no mesmo Município, já não é essa mesma isenção reconhecida por ter sido obrigada à cedência de uma parcela de terreno adquirida para revenda, nos termos do referido art. 16.º. 7ª. A sentença recorrida enferma de um erro de julgamento e viola por errada interpretação os arts. 77.º/2 da LGT, 124.º do CPA e 268.º/3 da CRP, pois ao contrário do que foi decidido, o acto de liquidação impugnado não se mostra acompanhado de fundamentação de facto e de direito que habilite um destinatário normalmente diligente a entender os motivos que no caso concreto levaram à fixação do valor da liquidação do imposto de SISA, limitando-se a recorrer a uma mera operação aritmética de apuramento do peso percentual da parcela cedida no valor total do terreno transmitido, sem qualquer fundamentação por esta opção. - Conclui pela procedência do recurso, com as legais consequências. - Não houve contra-alegações. - O EMMP, junto deste Tribunal, emitiu o douto parecer de fls. 102 e 103 pronunciando-se, a final, pela improcedência do recurso. ***** - Colhidos os vistos legais, cabe decidir. - A decisão recorrida, segundo alíneas da nossa iniciativa, deu, por provada, a seguinte; - MATÉRIA DE FACTO - A). Em 26/02/99 a Impugnante adquiriu, para revenda, o prédio rústico denominado “Vale Quente de Cima” e inscrito na matriz predial rústica sob o artº 82, secção R, da freguesia de Arruda dos Vinhos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Arruda dos Vinhos sob o nº 548 de 16/11/87 (cf. certidão outorgada no 10º Cartório Notarial de Lisboa, fl. 11 a 20 dos autos). B). Em 07/08/99 a Impugnante adquiriu, para revenda, prédio misto (rústico e urbano), denominado “Casal de Pevide” ou “Vale Quente” inscritos na matriz cadastral rústica sob o artº 85 secção R e na matriz predial urbana sob o artº 2133, da freguesia de Arruda dos Vinhos (cf. certidão outorgada Cartório Notarial de Arruda dos Vinhos). C). Na sequência da deliberação de 20/01/99 foi aprovado pela Câmara Municipal de Arruda dos Vinhos, o alvará de loteamento nº 2/99, emitiu em 26/06/99 o licenciando a área total dos lotes para construção, com a condição de cedência as seguintes áreas para domínio público: (fl. 26 a 32 dos autos) a) Arruamentos, passeios e estacionamentos – 6.016,35 m2 b) Equipamentos – 3.525 m2 c) Espaços verdes – 3.535,75 m2 D). A administração tributária liquidou o Imposto Municipal de Sisa no valor total de 6.920.566$00, € 34.519,63, cf. se discrimina; a) 5.826.333$00, € 29.061,62 de imposto b) 1.094.233$00, € 5.458,01 de juros compensatórios D). A administração tributária liquidou o imposto à taxa de 10% e liquidou os respectivos juros compensatórios cf. “demonstração da liquidação” e cálculos dos juros compensatórios (fl. 47 e 48 do processo administrativo). ***** - Mais se deram, como não provados, quaisquer outros factos, distintos dos mencionados nas precedentes alíneas, enquanto relevantes à decisão de mérito a proferir. ***** - Em sede de fundamentação do julgamento da matéria de facto consignou-se, expressamente, na decisão recorrida que “a decisão da matéria de facto consubstanciou-se no exame das informações e dos documentos não impugnados e constantes nos autos, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.”. ***** - Nas três primeiras conclusões de recurso a recorrente acusa, desde logo, a decisão recorrida de vício de forma, por omissão de pronúncia e que, a verificar-se, importa a respectiva declaração de nulidade; é, por isso, questão que logra prioridade de apreciação. - O tipo de vício de forma em causa traduz-se na violação do preceituado no art.º 660º/2 do CPC que estatui sobre o poder-dever, estritamente vinculado, dos tribunais, conhecerem de todas as questões que lhes sejam submetidas pelas partes para tal fim, com excepção daquelas, apenas, que vejam a respectiva solução prejudicada pela que haja sido dada a outra ou outras entretanto apreciadas. - Por outro lado e, parafraseando o Ac. deste Tribunal tirado no Rec. n.º 958/98(1), questões «[...] para este efeito são “todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes” (...) e não podem confundir-se “as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do Tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão” (...). (...) as questões a que se reporta o aludido normativo» (art.º660º/2 do CPC) «são questões sobre o mérito da acção suscitadas quer pela causa de pedir invocada, quer pelo pedido formulado [...]». - “In casu” a recorrente acusa a decisão recorrida de omissão de pronúncia por não ter tomado conhecimento de questão que diz ter suscitado e relativa à violação dos princípios da coerência do sistema e da igualdade fiscal (cfr. concl. 3.ª). - Diga-se, no entanto e desde já, que a razão lhe não assiste. - É certo que nos art.ºs 45.º e seguintes, do articulado inicial, alude aos referidos princípios; Contudo não esgrime com eles enquanto questão autónoma a apreciar, à luz das considerações antes referidas, mas antes como uma linha argumentativa e coadjuvante, no sentido de induzir a extrapolação de que a cedência para o domínio público municipal, no âmbito dos condicionalismos impostos em operação de loteamento, é equivalente ao conceito de revenda a que se reportam os art.ºs do CSisa que diz violados, como, aliás e de forma cristalina, resulta logo do referido art.º 45.º, da p.i.. - A questão colocada à apreciação do Tribunal é outra; é a de saber se o acto de tributário de apuramento da Sisa, resultante do entendimento da AF de que os lotes cedidos à autarquia, por força de operação de loteamento, precisamente por o terem sido e, nessa medida, não terem sido revendidos no prazo legal, padece de ilegalidade. - A questão da violação dos princípios da coerência do sistema e da igualdade fiscal surge, assim, como mais um e complementar argumento da recorrente, no sentido de induzir aquela referida conclusão. - E, assim sendo, tem-se por manifesto que a decisão recorrida não padece do vício de forma que lhe é assacado. ***** - Como é sobejamente sabido, o âmbito e o objecto dos recursos jurisdicionais balizam-se pelo teor das respectivas conclusões. - Vem isto a propósito da circunstância de, a fls. 76 e v.º dos autos, a recorrente sustentar, nas suas alegações de recurso que a decisão recorrida padece de erro de julgamento quanto à matéria de facto, na medida em que entende que se encontra demonstrado o teor da alínea e), constante a fls. 76 v.º, que considera de “(…) especial interesse para a decisão da causa”, quando do teor das conclusões 1.ª a 7.ª, que, a final, formulou, não se vislumbra rasto de ataque ao julgamento da matéria de facto efectuado pela decisão recorrida. - Assim, em face do que se vem de dizer, sempre se teria de concluir no sentido de que, apesar de alegada, a recorrente, deixou “cair” tal questão enquanto questão eu pretendia ver apreciada em sede de recurso. - Sem embargo e porque a matéria de facto pode e deve ser alterada por esta tribunal, quando seja caso disso, nos termos do preceituado no art.º 712.º do CPC, aplicável por força do art. 2.º/e, do CPPT, sempre se dirá que, importando, mas apenas importando, levar ao probatório, as circunstâncias de facto que se mostrem pertinentes à decisão de mérito a proferir à luz das possíveis soluções de direito, e nunca juízos de valor que caberá ao tribunal extrapolar, em face, precisamente, da factualidade relevante demonstrada, jamais o teor da referida alínea e) poderia ser aditada a matéria de facto, uma vez que a mesma mais não contém de que um mero juízo de valor, de natureza jurídica, qual seja o de que o RJLMOP, nos termos do estatuído no seu art.º 16.º, impôs a cedência à autarquia das parcelas de terreno aqui em discussão. ***** - ENQUADRAMENTO JURÍDICO - - Nas restantes conclusões do recurso (concls. 4.ª a 7.ª, inclusive), a recorrente acusa a decisão recorrida de erros de julgamento, seja na interpretação e aplicação que faz do disposto nos art.ºs 11.º/3, 13.º-A e 16.º/1, todos do CIMSISSD, o qual ignora a ratio legis e o regime de cedências constante do RJurídico das operações de loteamento, para além de violar, ainda, os princípios da coerência do sistema e da igualdade fiscal, seja na consideração de que o acto impugnado se encontra fundamentado. - Vejamos , então; 1. Quanto à falta de fundamentação; - Como é sabido o no nosso ordenamento jurídico impõe que os actos administrativos em geral, e os tributários em particular, se mostrem formalmente fundamentados. A fundamentação dos actos administrativos, em tal dimensão formal, prende-se, por um lado, com o esclarecimento dos cidadãos, seus destinatários, das razões determinantes da respectiva prática, facultando-lhes a possibilidade real de, contra eles, reagirem, isto é, -como refere David Duarte(2) «... é uma das primeiras formas técnicas auxiliares, relativamente à posição central dos meios de impugnação das decisões, que se desenvolve no sentido de uma plenitude defesa reacional dos particulares relativamente à Administração»-, e, por outro, com a necessidade de garantir, por parte da entidade decidente “...a reflexão e ponderação indispensáveis a uma boa administração”(3), pelo que, tal dever de fundamentação, cumprir-se-á, tão só, pela enunciação ou «... pela apresentação dos pressupostos possíveis ou dos motivos coerentes e credíveis ...»(4) aptos a suportarem o acto final ou , citando uma vez mais David Duarte(5) «A fundamentação de uma decisão há-de ser fatalmente “justificante” , num enunciado que vise e seja apto a exprimir a pertinência material do acto à função exercida» ao mesmo tempo que, apenas, «...diz respeito à exteriorização dos pontos de sustentação da decisão e não ao que eles são como realidade ontológica intra decisória». - Por outro lado e como directa decorrência do desiderato que se visa alcançar com o dever em causa, logo se intui que na sua noção se compreende um conceito de relatividade, cuja densificação pressupõe uma apreciação casuística, na medida em que a respectiva pormenorização e detalhe é directamente proporcional ao grau de litigiosidade e de complexidade do acto a fundamentar, ou como refere, nomeadamente, o Prof. Vieira de Andrade(6), será «... normativamente adequado graduar as exigências de densidade da declaração fundamentadora segundo a intensidade das posições jurídicas subjectivas tocadas pelo acto administrativo.»(7); Ou seja, o que importa indagar é se, em concreto, o discurso fáctico- -jurídico empregue em suporte da decisão se cumpre naquela dupla vertente endógena e exógena, pelo que se a resposta a dar a tal questão for positiva, o eventual não acatamento, na sua plenitude e perfeição, do dever de fundamentação não deixará de se degradar em mera irregularidade, na medida em que, não sendo ela (fundamentação), um fim em si mesmo, não deixou de cumprir a finalidade a que se destinava.
- Cabe ainda referir que o que é susceptível de implicar um efeito invalidante da decisão/acto tributário é a ausência de fundamentação formal, ou a sua deficiência em termos àquela comparáveis -, e não a ausência/deficiência da respectiva notificação ao destinatário, a qual, por contender, apenas, com a eficácia daquele, uma vez que se situa a jusante e fora dele, se situa no domínio da respectiva exigibilidade.
- “In casu” a Mm.ª juiz recorrida considerou que o acto tributário em causa se encontrava devidamente fundamentado, mas que, de todas as formas, ainda que assim se não entendesse, tal teria consubstanciar uma mera irregularidade sem efeitos invalidantes, à luz da posição assumida pela recorrente, uma vez que se demonstra ter compreendido o sentido e alcance do acto impugnado(8).
- Trata-se de sentido decisório que se subscreve.
- Diga-se, antes do mais, que se nos afigura como inquestionável que, a recorrente, vem considerar como falta de notificação o teor do ofício em que se lhe comunica que tem de pagar a Sisa aqui em causa, como o atestam, designadamente e ao que aqui releva, os art.ºs 19.º e 20.º, do articulado inicial; Ora, como acima se deu conta, uma coisa é notificação da fundamentação, outra diversa é esta última, sendo que apenas a ausência/deficiência da notificação, que não a ausência/deficiência da sua comunicação, pode conduzir à anulabilidade, pelo que sempre esta questão se teria de revelar desfavorável á recorrente.
- De todas as formas, ainda que se admita que o teor do referido ofício de 2001DEZ10 (ofício n.º 2 100) transcrevia a fundamentação empregue pela AF, - o que se admite sem se conceder -, sempre se teria de concluir no sentido da existência da mesma, se não de forma perfeita, ao menos de forma adequada à satisfação da vertente relativa ao destinatário , - já que não está em questão a necessária ponderação pela AF na prática do acto impugnado -, pois que, desde o início, - ainda que invocando um conhecimento presuntivo -, a recorrente vem esgrimindo argumentos contra as razões que, efectivamente, levaram a AF, a actuar como actuou, isto é o entendimento de que não destinou, tal como declarado e pressuposto à isenção de Sisa de que beneficiou na aquisição dos imóveis idfs. nos art.sº 2.º e 4.º da p.i., os mesmos e na sua totalidade à revenda dentro do prazo legal, nessa medida se convertendo, em razão de qualquer deficiência de que pudesse padecer, numa mera irregularidade sem efeitos invalidantes.
2. Quanto à interpretação e aplicação dos art.ºs 11.º/3, 13.º-A e 16.º/1 do CSisa;
- Sobre esta matéria a decisão recorrida veio a considerar que a cedência de parcelas de terrenos que integravam os referidos imóveis adquiridos com isenção de Sisa, em resultado e nos termos de alvará de loteamento que obteve com vista à urbanização dos mesmo, não cai no âmbito do conceito de revenda, ancorando-se, para o efeito, em jurisprudência firmada do STA, no sentido de que tal cedência não cai no âmbito do conceito de transacção a que alude o referido art.º 16.º do CIMISSD, o qual se reporta apenas ao “acto de venda”.
- Diga-se que, ainda aqui e apesar das doutas considerações expendidas, quer na p.i, quer no recurso em sentido se contrário, se acompanha a decisão recorrida.
- E, neste sentido parece pronunciar-se o STA, como parece poder/dever inferir-se o excerto do Ac. de tal Alto Tribunal, de 2009NOV12, tirado no Proc. n.º 0888/09, que, de seguida se transcreve, com sublinhados da nossa responsabilidade; « […] 2.2 Não há dúvida de que as normas que criam isenções tributárias procedem à tipificação de um facto impeditivo da constituição de uma obrigação tributária. E as isenções fiscais, por contrariarem o princípio da generalidade do imposto, têm de ser estabelecidas por lei (artigo 106.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa), e têm de ser interpretadas sem o recurso à analogia. A isenção ou, por outras palavras, a verificação do facto impeditivo em que ela se traduz, gera para o contribuinte um verdadeiro direito subjectivo – o direito à isenção, que integra a situação jurídica complexa, o status do contribuinte isento. Para que o facto impeditivo desenvolva plenamente a sua eficácia torna-se, por vezes, necessário um acto expresso de reconhecimento pela Administração Fiscal: é o que se verifica com as chamadas isenções não automáticas. Mas a isenção pode ser automática, se resulta directamente decorrente da lei, e do preenchimento dos pressupostos nela previstos, sem necessidade de qualquer acto de verificação e de reconhecimento expresso da Administração Fiscal – cf. Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, I, pp. 294 e 295. A Sisa é um imposto sobre a riqueza que pretende tributar a capacidade económica revelada pelo sujeito passivo – o seu enriquecimento – no momento da transmissão (aquisição). Já não é assim quando tal aquisição se destina a revenda, isto é, entra no giro comercial daquele. Aí, a perspectiva correcta não é, então, tal enriquecimento – que pode até não se verificar – mas a do lucro real que da posterior transmissão poderá resultar, caso em que, consequentemente, a tributação será efectuada em sede de IRC, que não de Sisa, entrando, então, em linha de conta com os proveitos e os custos respectivos. Os prédios adquiridos para revenda fazem parte do activo permutável da empresa (mercadorias) e não do seu activo imobilizado (capitais), o que aponta para uma tributação como rendimento e não como transmissão de capital. Com efeito, “a sisa incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis” – cf. artigo 2.º do Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações. E o artigo 11.º, n.º 3, deste diploma dispõe estarem isentas “as aquisições de prédios para revenda, nos termos do artigo 13.º-A, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 105.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 94.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios revenda”. Deixando, todavia, as mesmas, de beneficiar da isenção se os prédios assim adquiridos não forem revendidos no prazo de três anos ou lhes for dado destino diferente – artigo 16.º, n.º 1, do mesmo texto legal. Ou seja, o facto tributário gerador da obrigação de imposto é a transmissão (aquisição) do prédio, pois que a capacidade contributiva relevante é o enriquecimento do adquirente. Contudo, se o prédio se destinar a revenda, a capacidade contributiva relevante passa a ser o lucro resultante dessa operação, pelo que a tributação se faz em sede de IRC, e não em sede de Sisa em virtude da isenção prevista no CIMSISSD. Mas se a revenda não for efectuada no prazo de três anos, a possibilidade de tributação em sede de IRC é afastada e a mesma deve realizar-se em sede de sisa. A isenção prevista naquele artigo 11.º, n.º 3, está, pois, sujeita a condição resolutiva, caducando se não for efectuada a revenda no aludido prazo ou lhe for dado destino diferente. Trata-se de uma isenção de natureza real, já que se dirige a uma determinada situação de facto que normalmente estaria sujeita a imposto, abstraindo-se da qualidade das pessoas, e condicionada. E, tal como acontece com a incidência, a lei reguladora das isenções é a que vigora à data da transmissão fiscal. E condicionada de modo resolutivo, com atinência, pois, aos efeitos da condição. Na condição resolutiva, como é sabido, a eficácia do negócio é posta na dependência de um evento condicionante pelo que o negócio começa por produzir os seus efeitos mas estes são destruídos retroactivamente se o evento condicionante se verificar. Cf. o que acima se diz, a bem dizer integralmente, no acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 24-1-2007, proferido no recurso n.º 1029/06. 2.3 No caso sub judicio, a sentença recorrida, para julgar improcedente a impugnação judicial, considera, de modo essencial, que «a cedência à Câmara configura um destino diverso daquele que a lei elege para conferir a isenção de sisa. Pelo que, com a assinatura dos alvarás de loteamento parte dos prédios foi cedida à Câmara, caducando quanto a esses a isenção». Tem razão a sentença recorrida.».
- Sem embargo não deixaremos de tecer algumas considerações, ainda que perfunctórias, sobre as linhas argumentatativas da recorrente no sentido de demonstrar que a cedência das parcelas em questão à autarquia, em resultado do loteamento dos imóveis que adquiriu com isenção de Sisa.
- Assim sustenta a recorrente que, em casos como o vertente em que os imóveis adquiridos, uma vez loteados, acabam por não ser revendidos na sua totalidade em virtude de parcelas dos mesmos, resultantes daquele tipo de operação urbanística, terem de ser cedidas às autarquias, por força de lei, não podem conduzir a uma perda de isenção de Sisa do tipo da que beneficiou, “(…) uma vez que tal perda de isenção tem face ao disposto no art.º 16.º/1 do CIMSISSD de ser voluntária (…)”, pelo que a “(…) caducidade da isenção de sisa na aquisição de prédios para revenda, só é justificável quando o prédio seja afecto a fruição própria do adquirente (…)”.
- Ora, salvo o devido respeito por outro entendimento, o que a lei impõe é a revenda dos adquiridos e não qualquer outro acto de transferência da titularidade de imóveis, não se vislumbrando para, no plano do direito constituído, se sustentar que o legislador se reportou apenas àqueles em que o prédio não revendido fique afecto á fruição própria daquele que tinha a obrigação legal do revender; Por outro lado, há que não perder de vista que a cedência das parcelas em questão é resultante de um acto de loteamento dos imóveis que adquiriu com isenção de sisa, nos termos do legalmente estatuído, pelo que, ao submeter tais prédios à referida operação de loteamento, a recorrente não deixou de praticar um acto voluntário que importava este tipo de consequências.
- Pretende, ainda, a recorrente, chegar àquele seu entendimento, através da equiparação que entende dever ser de fazer entre a situação aqui em causa e aquelas em que ocorrem expropriações.
- Ora, sobre esta questão cabe referir que, como se dá conta no acórdão do STA parcialmente transcrito, as normas de isenção são normas de excepção que não comportam interpretação analógica, como pretende a recorrente de forma, aliás, expressamente referida na petição inicial (cfr., por todos, os art.ºs 38.º e 42.º, da p.i.), pelo que não é possível proceder a uma interpretação analógica dos art.ºs do CSisa em causa, por reporte às situações de cedências, em resultado de operações de loteamento, com situações de expropriação de imóveis.
- De facto, a nosso ver é que, tratando-se de normas fechadas, em que o legislador recorre, de forma explicita, a uma realidade jurídica, - a revenda -, e não sendo possível a utilização de qualquer interpretação analógica, não se vislumbra como sustentar o entendimento pretendido pela recorrente.
- De facto, a “revenda” não é outra coisa que uma nova venda; Por outro lado a lei é clara ao definir o como o contrato de compra e venda aquele por força do qual alguém transmite a propriedade de um bem para outrem mediante um preço como contraprestação, o que significa que, para que haja revenda de um imóvel é necessário que alguém que tenha adquirido um bem desse tipo, proceda á sua alienação a outrem, enquanto negócio formal, recebendo, em contrapartida, um preço.
- Sem entrarmos numa análise à motivação do legislador, que aqui não cabe fazer, o certo é que apenas contemplou, como pressuposto do direito ao benefício em causa, a hipótese de revenda do adquirido no prazo legal, pelo que, na própria linha argumentativa da recorrente, não excluindo a lei fiscal, o conceito civilista de (compra e) venda, é a este que importa lançar mão para apurar do preenchimento dos requisitos que excluem a verificação da condição resolutiva do direito à isenção de sisa.
- E, nesta linha de raciocínio, não se crê que ocorra uma qualquer violação do princípio da coerência do sistema, já que, reafirma-se, o legislador se reportou, de forma fechada e no caso que aqui nos ocupa, à revenda dos adquiridos e não a qualquer outra forma de cedência da titularidade dos imóveis; E não se acompanha, de todo, o entendimento da recorrente, de que as parcelas cedidas são inexistentes como prédios, já que não deixam de serem coisas móveis e, nessa medida, qualificáveis como prédios (cfr. art.ºs 202.º a 204.º do CC) sendo irrelevante, ao efeito, a sua sujeição, ou não, ao registo predial, o qual, como é evidente, não se destina(va) à qualificação dos imóveis, mas antes a dar publicidade à situação jurídica dos mesmos.
- E também não ocorre qualquer violação do princípio da igualdade, na situação hipotisada pela recorrente e tendo por objecto operações de loteamento em zonas que estejam, ou não servidas por infra-estruturas, na medida em que, nas primeiras o loteador terá de pagar uma compensação enquanto que no segundo terá de ceder gratuitamente parcelas de terrenos, uma vez que tais imposições se restringem ao âmbito das relações estabelecidas entre loteador e entidade licenciadora, e onde, por isso e sendo caso disso, se poderá suscitar tal questão pelo confronto de situações de ambos os tipos; A circunstância da cedência implicar a perda do direito á isenção de sisa devida pela aquisição dos prédios loteados, por não verificação da condição que constitui a revenda dos mesmos no prazo legal não constitui, assim, nenhuma diferença de tratamento entre situações substancialmente idênticas.
***** - D E C I S Ã O -
- Nestes termos acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCASul, em negar provimento ao recrso, assim se confirmando a decisão recorrida que, nessa medida, se mantém na ordem jurídica. - Custas pela recorrente, com a taxa de justiça de três (3) UC’s. LISBOA, 23/02/2010 LUCAS MARTINS ROGÉRIO MARTINS JOSÉ CORREIA
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