Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:7690/14.5BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:06/24/2021
Relator:LUISA SOARES
Descritores:IVA
CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
ÓNUS DA PROVA
Sumário: Quanto às correcções ao IVA dedutível declarado pelo sujeito passivo, cabe neste caso à administração tributária apenas a prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação, constantes do art.º 87º n.º 1 do CIVA, e cabe ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do art.º 19º do CIVA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

A Fazenda Pública vem apresentar recurso jurisdicional da sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação apresentada por E....., LDA, contra a liquidação adicional de IVA e liquidações de juros compensatórios relativas ao exercício de 1996, no valor total de € 82.635,90.

A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

« A. No que respeita à correcção da dedução indevida de IVA, salvo o devido respeito, que é muito, entendemos que a douta Sentença recorrida fez uma errada apreciação dos factos constantes dos autos;
B. Bem como não teve em consideração os factos alegados pela Fazenda Pública em sede de contestação e alegações.
C. Na verdade, a douta Sentença recorrida fez uma deficiente análise da referida peça processual, porquanto conforme se alega nos art°s 8° a 12º da informação prestada pela Divisão de Justiça Contenciosa da Direcção de Finanças de Lisboa, a qual foi assumida como contestação;
D. De que a Impugnante não possuía contabilidade organizada nos termos da lei, pelo que, nunca poderia o técnico proceder à análise dos documentos integrantes e reflectidos em algo que não existia.
E. O artº 28°, nº 1, al. g) do CIVA, impunha aos sujeitos passivos dispor de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto, sendo que a mesma deveria obedecer aos requisitos enumerados no art° 44° do CIVA, ora no caso em apreço aquando da acção de inspecção verificou-se, o que não foi posto em causa pela Impugnante que a sua contabilidade não se encontrava devidamente organizada nos termos legais.
F. Quando da acção de inspecção foram entregues ao técnico facturas existentes em arquivo nas quais não se encontravam as que poderiam justificar uma diferença apurada entre o IVA deduzido e o IVA constante das facturas no valor de 9.520.971$00;
G. E não se diga que o técnico não quis ver as restantes facturas, porquanto, em 25 de Janeiro de 2001, ou seja, passados cerca de sete meses sobre a data em que a Impugnante foi notificada do projecto de relatório, ainda estava a recolher e fotocopiar as facturas de suporte do IVA deduzido;
H. Tendo vindo a juntar as mesmas aos autos apenas em 18 de Junho de 2013 (sublinhado nosso), ora se tais facturas não estavam disponíveis para a Impugnante as juntar à p.i., como poderiam estar disponíveis para o técnico de fiscalização as poder analisar e contabilizar.
I. Da análise das facturas juntas aos autos e das alíneas F) e G) do probatório, resulta que entre o dia 3 de Novembro a 30 do mesmo mês de 1996, a Impugnante contabilizou as facturas de fornecedores constantes do Doc. nº 9 junto à p.i. as quais totalizam o montante global liquido de 27.839.154$00 e o montante de IVA de 3.742.626$00;
J. Também no que respeita às facturas referentes aos mês de Dezembro se verifica que existe uma discrepância entre o IVA constante das facturas apresentadas em sede de impugnação e o montante do IVA deduzido pela Impugnante referente ao mês de Dezembro de 1996, no valor de 1.355.778$00;
K. Assim, contrariamente ao invocado na douta Sentença recorrida a Impugnante não logrou provar todos os factos por si invocados, sendo que dos elementos probatórios juntos aos autos pela Impugnante resulta que a mesma deduziu indevidamente IVA no montante de 5.195.134$00.
L. Contrariamente ao que a Impugnante pretendeu fazer crer o técnico que procedeu à acção de fiscalização, não pretendeu de forma alguma prejudicar a mesma, sendo certo que teve em conta IVA que nos termos da lei não era dedutível;
M. Ou seja, sendo a dedução do IVA um direito que assiste ao sujeito passivo, este poderá optar por o deduzir ou não, sendo certo ainda que o IVA, suportado, tem de ser deduzido no período a que respeita;
N. Ora, dos elementos probatórios constantes dos autos, verifica-se que a Impugnante não deduziu o IVA constante das facturas dos seus fornecedores nos períodos a que o mesmo dizia respeito, no entanto, o técnico, tendo verificado que a Impugnante deduziu IVA inferior ao constante das facturas, procedeu a correcções a favor do sujeito passivo nos períodos de Abril a Outubro.
O. Conforme supra referido a Impugnante não dispunha de contabilidade devidamente organizada, pelo que, a presunção de veracidade dos factos declarados nas Declarações Periódicas, se encontrava assim afastada nos termos do disposto no art° 75°, nº 2 da LGT.
P. Por outro lado, dispõe o artº 76° da LGT que as informações prestadas pela inspecção tributária fazem fé quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei;
Q. Resulta da acção de inspecção que a Impugnante liquidou IVA superior ao declarado, conforme anexo XV do Relatório de Inspecção Tributária.
R. Para refutar tal correcção a Impugnante vem apresentar uma listagem, que constitui o documento nº 14 junto com a p.i., trata-se de um documento elaborado pela mesma e sem qualquer suporte documental, passível de demonstrar que houve um erro de contabilização por parte do técnico de fiscalização;
S. Na verdade o referido documento é uma transcrição do anexo XV do Relatório de Inspecção, apenas com valores diferentes - para menos - do IVA liquidado.
T. Salvo o devido respeito, entendemos que a Impugnante não logrou fazer prova do por si alegado, porquanto o referido doc. nº 14 por si só não tem força probatória para pôr em causa as conclusões da acção de inspecção, constantes do Relatório de Inspecção.
U. Face ao exposto verifica-se que a douta Sentença recorrida ao decidir como decidiu violou o disposto no art° 19° do CIVA e o artº 76° da LGT, pelo que, deve a mesma ser revogada e substituída por decisão que determine a procedência parcial da impugnação atentas as facturas apresentadas pela Impugnante em sede de impugnação.
Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente ser anulada a sentença

* * *
A Recorrida apresentou contra-alegações tendo formulado as seguintes conclusões:
“1.ª - A douta sentença sob recurso não merece à ora Recorrida qualquer censura;
2.ª - O Tribunal a quo procedeu a uma exaustiva análise da prova produzida nos autos, quer pela Administração Tributária (AT), quer pela Impugnante, de que resultaram provados os factos constantes das alíneas A) a M) do probatório, que se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais;
3.ª - Face a tais elementos, decidiu o Tribunal recorrido que da prova produzida resultou a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário que fundamenta a correcção, pelo que deverá a mesma ser anulada ao abrigo do art. 100.º, n.º 1 do CPPT;
4.ª - A Fazenda Pública (FP) interpôs recurso daquela decisão, tendo alegado nos termos que se dão aqui por reproduzidos para todos os efeitos legais;
5.ª - Não tem razão a FP;
6.ª - Desde logo, porque o IVA adicionalmente liquidado impugnado nos presentes autos tem na sua origem correcções meramente aritméticas à matéria tributável.
7.ª - As correcções aritméticas (ou técnicas) têm por base a contabilidade do sujeito passivo e constituem ajustamentos efectuados a essa contabilidade quando se entende que existem erros ou anomalias que devem ser corrigidos.
8.ª - Só quando a contabilidade não se encontra organizada de molde a permitir a quantificação da matéria tributável com recurso a métodos directos é que se torna necessário proceder à aplicação de métodos indirectos de tributação. Por todos, vd. Ac. do STA proferido no proc. 0243/03, de 07/05/2003, que se sumaria: "A alternativa ao método declarativo poderá consistir na utilização de correcções técnicas com fundamento, ainda, na contabilidade do sujeito passivo com recurso às correcções necessárias efectuadas na mesma contabilidade ou ainda com recurso ao método presuntivo quando a declaração ou a correcção técnica se mostrem inadequados ao apuramento do lucro tributável".
9.ª - A liquidação de IVA controvertida nos presentes autos tem origem em correcções meramente aritméticas à matéria tributável, conforme expressamente se refere no Relatório da inspecção tributária, a fls. 67 dos autos (ponto III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL) (sublinhado nosso);
10.ª - Por isso, a contabilidade da impugnante encontrava-se organizada de forma a permitir o apuramento da matéria tributável de forma directa e, consequentemente, o técnico de inspecção efectuou correcções meramente aritméticas, ou técnicas, à mesma;
11.ª - Assim, e sempre salvo o devido respeito, é totalmente destituída de sentido a afirmação feita pela IRFP segundo a qual "... a impugnante não possuía contabilidade organizada nos termos da lei, pelo que nunca poderia o técnico proceder à análise dos documentos integrantes e reflectidos em algo que não existia";
12.ª - É que se os documentos não existissem, o técnico de inspecção não poderia corrigir aritmeticamente o que quer que fosse, como é de meridiano entendimento;
13.ª - Tem razão o Tribunal a quo quando refere na sua douta sentença que a FP nada disse, em sede de contestação, sobre a deficiente análise dos documentos integrantes da contabilidade da impugnante por parte do técnico de inspecção;
14.ª - Nos termos do art. 110º, nº 1 do CPPT, a FP apresentou a contestação constante de fls. 154 e 155 dos autos que, nada contestando, remete para a Informação prestada no Processo Administrativo Tributário (PAT), no âmbito dos arts. 111.º e 112.º do CPPT, assumindo como contestação essa Informação;
15.ª - Nessa Informação considera-se que a documentação contabilística da impugnante não se encontrava "legalmente organizada" olvidando, no entanto, que a liquidação impugnada nos autos foi realizada mediante CORRECÇÕES ARITMÉTICAS, por isso com base nos documentos integrantes da contabilidade da ora Recorrida, como atrás se disse;
16.ª - Donde não se pronuncia aquela Informação sobre a invocada deficiente análise por parte do técnico de inspecção;
17.ª - E, como é sabido, o Juiz aprecia livremente a falta de contestação especificada dos factos (cf. art. 110º., n.º 7 do CPPT);
18.ª - Acresce que na audiência de discussão e julgamento, e após junção pela impugnante dos documentos n.ºs 15 e 16, foi declarado pela IRFP nada ter a opor à junção desses documentos não prescindindo, no entanto, do prazo de "vista";
19.ª - Ocorre que no douto despacho que admitiu a junção daqueles documentos, a Meritíssima Juiz concedeu o prazo de 10 dias para que a FP exercesse o seu direito ao contraditório (cf. Despacho constante da ACTA DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS realizada em 18.06.2013);
20.ª - A IRFP não se pronunciou em qualquer sentido sobre o teor daqueles documentos, que se destinavam a comprovar o alegado na p.i., ou seja, a deficiente análise dos documentos integrantes da contabilidade da impugnante por parte do técnico de inspecção e, em consequência, a falta de fundamento da correcção relativa a "IVA indevidamente deduzido";
21.ª - Aqueles documentos n.ºs 15 e 16 são constituídos pelas facturas dos meses de Novembro (várias) e de Dezembro (todas) não contabilizadas pelo técnico de inspecção;
22.ª - Por isso, acompanhamos a douta sentença recorrida quando refere que a FP não contestou a invocada deficiente análise dos documentos por parte do técnico de inspecção;
23.ª - Só agora, através do recurso que interpôs, a FP se vem pronunciar sobre aqueles documentos, questionando que tais facturas estivessem em arquivo e argumentando que se não estavam disponíveis para ser juntas à p.i., como poderiam estar disponíveis para o técnico de inspecção as analisar e contabilizar;
24.ª - Nenhumas facturas foram "entregues" ao técnico de inspecção;
25.ª - Foi aquele que recolheu e analisou o conteúdo das pastas (dossiers) que bem entendeu, pois permaneceu no escritório onde se encontrava o arquivo da impugnante cerca de duas a três semanas;
26.ª - E, conforme ficou provado [al. E) do probatório] "... houve pastas em que nem tocou";
27.ª - As facturas referentes a Novembro (várias) e Dezembro (todas) de 1996, não consideradas pelo técnico de inspecção, foram logo identificadas nos docs. n.ºs 9 e 10 juntos com a p.i., referentes, respectivamente, aos meses de Novembro e Dezembro de 1996 ( a fls. 27 a 33 dos autos);
28.ª - Esses docs. n.ºs. 9 e 10 (a fls. 27 a 33 dos autos) contêm a total e completa identificação das facturas: número da factura; a data da sua emissão; a identificação do fornecedor; o respectivo montante; e o IVA dedutível;
29.ª - E os documentos n.ºs 15 e 16 são, respectivamente, constituídos pelas facturas que estão identificadas nesses docs. n.ºs 9 e 10 juntos com a p.i;
30.ª - O técnico de inspecção omitiu, pois, a existência dessas facturas, todas as que integram os docs. nºs 15 e 16;
31.ª - Por conseguinte, aquele técnico não considerou o IVA incluído em 317 facturas (104 do mês de Novembro e 213 do mês de Dezembro, ambos de 1996) e, por isso, procedeu à respectiva correcção técnica por entender que havia sido deduzido IVA em excesso;
32.ª - Não entende a ora Recorrida a razão da perplexidade manifestada pela IRFP quanto à junção de tais documentos na audiência realizada em 18 de Junho de 2013 pois,
33.ª - como é sabido, os documentos, como meios de prova, podem ser juntos ao processo até ao encerramento da discussão em 1ª Instância, conforme dispunha o art. 523.º do Código de Processo Civil (CPC) então em vigor, e que, por força do art. 2.º do CPPT, é aplicável ao processo judicial tributário;
34.ª - A apresentação de alegações estabelece o encerramento da discussão da causa na 1ª Instância, constituindo o termo final do prazo para apresentação de documentos (vd. o Ac. do TCA Sul, proferido em 21.02.2012 no Proc. 05329/12);
35.ª - A IRFP afirma ainda nas suas alegações de recurso que, para fazer prova de que as facturas do mês de Novembro de 1996, relacionadas no doc. n.º 9 junto com a p.i. e constantes do doc. n.º 15, haviam sido omitidas pelo técnico, a impugnante deveria ter junto também as facturas por este contabilizadas desse mês de Novembro de modo a que de tal apuramento do IVA não pudessem surgir dúvidas;
36.ª - Salvo o devido respeito, é destituído de oportunidade o argumento invocado pela IRFP;
37.ª - Com efeito, as facturas contabilizadas pelo técnico de inspecção com referência ao mês de Novembro de 1996, constam da lista por este elaborada, a que corresponde o Anexo XIV, a fls. 119 a 122 dos autos, sob o título "Aquisições efectuadas em Novembro de 1996, que constam das facturas em arquivo";
38.ª - Em consequência, afigura-se despropositada a junção das facturas que não são controvertidas porque o próprio técnico de inspecção as considerou e relevou;
39.ª - O que a impugnante deve apresentar, como fez através dos docs. n.ºs 9 e 15, são as facturas não consideradas nem relevadas por aquele técnico, como é de elementar evidência;
40.ª - Resulta ainda das alegações apresentadas pela IRFP que a mesma pretende proceder agora a uma nova quantificação do IVA dedutível, conforme se alcança das suas alegações a fls. 4 e 5, tendo, para o efeito, elaborado um quadro onde parece quantificar o IVA que se considera indevidamente deduzido em Esc. 5.195.134$00;
41.ª - A Recorrida não logrou entender o conteúdo de tal quadro nem o porquê daquela quantificação;
42.ª - Regista-se apenas que a IRFP considera também erróneo o apuramento de IVA feito pelo técnico de inspecção no âmbito das correcções aritméticas a que procedeu, pois o valor a que este chegou ascende a Esc. 9.520.971$00. E o "encontrado" pela IRFP é bem inferior (quase metade);
43.ª - No que se refere ao mês de Dezembro de 1996, não há também qualquer discrepância de valores pois as facturas relacionadas no doc. n.º 10 e constituídas pelo doc. n.º 16 respeitam apenas a compras feitas a fornecedores no âmbito da actividade da Impugnante, de comércio por grosso de produtos alimentares;
44ª -Para além do IVA incluído nessas facturas de aquisição a fornecedores, existe IVA suportado com as aquisições de bens e serviços mais variados, o qual também é dedutível. Exemplificativamente, material informático, papel, toner, reparações de automóveis, equipamento diverso, etc;
45.ª - Acresce que não cabe aos Tribunais, quando a AT Fiscal tenha calculado a matéria colectável por correcções técnicas, substituindo-se à AT, apurar a matéria colectável e proceder à correspondente liquidação, conforme decorre, entre outros, do Ac. do STA proferido no proc. n.º 021/11, de 04/05/2011: "Quando, como aqui acontece, a Administração Fiscal tenha calculado a matéria colectável por correcções técnicas, supondo uma determinado valor e o juiz concluir pela inexistência, em certos casos, de situações que justifiquem a introdução dessas mesmas correcções, bastantes para alterar, assim, o seu montante, ficando, por isso, na dúvida quanto à qualificação e quantificação efectuada, não lhe resta, senão, anular totalmente a liquidação. (sublinhado nosso).
É, de resto, o que resulta do disposto no artº 121º do Código de Processo Tributário, aqui aplicável: "sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência ou quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado";
46.ª - Por isso, não vislumbra a ora Recorrida a oportunidade da nova "quantificação" pretendida pela IRFP;
47.ª - A ora Recorrida demonstrou, cabalmente, a deficiente análise realizada pelo técnico de inspecção à sua contabilidade, traduzida na desconsideração de variadas facturas do mês de Novembro e de todas as facturas do mês de Dezembro, ambos do ano de 1996, de que resultou a não contabilização do IVA nelas incluído, que é dedutível, nos termos do art. 19.º, n.º 2 do CIVA, aplicável à data dos factos;
48.ª - Por isso, não pode proceder a correcção realizada pela AT, que é ilegal por violação da supracitada norma do CIVA;
49.ª - Quanto à correcção relativa à falta de entrega nos cofres do Estado de IVA liquidado, no montante de Esc. 1.962.186$00, também, e sempre salvo o devido respeito, se considera destituída de qualquer fundamento a alegação da FP, que repete, uma e outra vez, que a Impugnante não dispunha de contabilidade devidamente organizada;
50.ª - Ora, também aqui estamos no domínio das CORRECÇÕES ARITMÉTICAS, valendo o que se disse supra, isto é, que a correcção efectuada assentou nos elementos integrantes da contabilidade da impugnante;
51.ª - Conforme se explicitou nos artigos 23º a 26º da p.i. e resulta do doc. n.º 14 com ela junto, o IVA liquidado e entregue nos cofres do Estado ascendeu a Esc. 59.840.195$00, isto é superior em Esc. 1.921.500$00 ao que deveria ter sido entregue, que era de Esc. 57.918.695$00;
52.ª - Por isso, a impugnante apresentava, no final do ano de 1996, um crédito de imposto de Esc. 1.921.500$00;
53.ª - O doc. n.º 14 junto com a p.i. contém informação relevante pois identifica as facturas de venda de todo o ano, o IVA total liquidado nessas facturas, bem como o IVA liquidado nas Declarações Periódicas;
54.ª - Todos os documentos ali indicados estavam à disposição do técnico de inspecção e as Declarações Periódicas estão, como não pode deixar de ser, na posse da AT;
55.ª - A Recorrida cumpriu o disposto no art. 26.º do CIVA, aplicável ao tempo, sendo ilegal, por errónea quantificação dos valores correspondentes ao IVA a entregar ao Estado, a liquidação promovida pela AT;
56.ª - No âmbito da mesma inspecção tributária levada a cabo pelo mesmo técnico de inspecção de que resultou a liquidação de IVA impugnada nestes autos, a AT procedeu à liquidação adicional do IRC, também referente ao mesmo exercício de 1996;
57.ª - Quanto ao IRC, a AT aplicou métodos indirectos de tributação;
58.ª - A ora Recorrida deduziu impugnação judicial contra essa liquidação de IRC, tendo articulado na p.i. os muitos erros cometidos pelo técnico de inspecção no âmbito da fiscalização efectuada;
59.ª - Obteve a impugnante ganho de causa na 1.ª Instância;
60.ª - A FP interpôs o competente recurso para este Venerando Tribunal que, em 01/02/11, proferiu no Proc. 04417/10, o muito douto Acórdão de que foi Relator o Exmo. Senhor Desembargador Gomes Correia, que negou provimento ao recurso da FP e confirmou a sentença recorrida;
61.ª - Porque a apreciação sobre os invocados erros cometidos pelo técnico de inspecção é claríssima naquele muito douto Acórdão, transcreve-se o seguinte: "Na verdade, a AT parte do pressuposto de que a margem bruta de comercialização apresentada pela impugnante se situou, no exercício em referência, em 4,46%, quando é certo que a margem bruta sobre as vendas alcançada pela contribuinte no questionado exercício de 1996, se situou entre os 9% e os 10%, o que tornam inverosímeis as percentagens apontadas e só compreensíveis pela incorrecta análise feita pela AT dos preços de aquisição e venda, nomeadamente, dos 125 produtos que constituem o anexo V ao relatório...” (sublinhado nosso);
62.ª - E acrescenta o mesmo douto Acórdão: "A evidência dos erros em que a AT incorreu decorre, a título meramente exemplificativo do teor do doc. n.º 5 (Anexo V ao relatório da AT, segunda folha, quarta linha a contar do fim), que a AT apresenta com a margem de comercialização de 0,00% por ter considerado que o preço de aquisição e de venda foi o mesmo (57$00) quando é certo que, comparando o teor de tal documento com a correspondente factura (doc. n.º 15 junto com a p.i.) resulta claramente que o preço de aquisição daquele produto foi de 52$50 pelo que a margem de comercialização do mesmo se situou em 8,6% e não em 0,00% como sustentou a AT” (sublinhados nossos);
63.ª - A ora Recorrida crê ter deixado evidenciada quão deficiente foi a acção de fiscalização promovida pela AT por intermédio do técnico de inspecção que, simultaneamente, procedeu às correcções aritméticas em sede de IVA e à aplicação de métodos indirectos para efeitos de IRC.
Nestes termos e nos mais de Direito que Vossas Excelências, Senhores Desembargadores, melhor suprirão, deve a sentença recorrida ser mantida, assim se fazendo JUSTIÇA!”.
* *
A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao presente recurso.
* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento ao considerar procedente a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios de 1996.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) A Administração Tributária e Aduaneira levou a efeito uma acção de fiscalização à Impugnante incidindo no exercício de 1996.

B) No âmbito da acção de fiscalização a que alude a al. A) do probatório, a Administração Tributária e Aduaneira Fiscal, notificou a Impugnante para proceder à organização da sua contabilidade, dado verificar:

" Livros selados a que se refere o artigo 31 º do Código Comercial estão escriturados até 30 de Setembro de 1993. Ausência de contas correntes e balancetes." (Doc. fls. 27/39 dos autos - Anexo II junto ao Relatório de Inspecção)


C) Na sequência da acção de fiscalização a que alude a al. B) do probatório, foi elaborado o Relatório Final do qual se destaca:

E) O técnico que efectuou a acção de inspecção a que alude a al. A) do probatório "( ...) houve pastas em que nem sequer tocou", não tendo fornecido qualquer explicação para o facto. (Prova Testemunhal)


F) Entre 3 de Novembro a 30 de mesmo mês de 1996, as seguintes facturas:




G) Entre 1de Dezembro a 31 do mesmo mês de 1996, a Impugnante emitiu as facturas melhor identificadas infra:









H) Em 25.01.2001, deu entrada na Repartição de Finanças de Lisboa - 2° Bairro de Lisboa - a petição inicial que originou os presentes autos. (Cfr. carimbo aposto a fls. 3 dos autos)

I) O processo de impugnação judicial esteve parado entre 27.04.2001 e 28.05 .2003, por não ter sido tramitado, por facto não imputável á Impugnante. (Doc. fls. 138 e 139 dos autos)

J) Em 29.08.2001, a Impugnante prestou garantia bancária no valor de 22.209.353$00, com vista a suspensão do processo de execução fiscal n.º ....., por divida de IVA e juros compensatórios do ano de 1996. (Doc. fls. 166 dos autos)

L) Em 25.01.2007, foi declarada a caducidade da garantia bancária a que alude a al. J) do probatório. (Doc. fls. 169/170 dos autos)

M) Dá-se como integralmente produzido o teor do documento junto á p.i. sob o n.º 14, em que figura como itens " Período", "Facturas", Montante" "IVA Total Liquidado" IVA Liquidado D.P." e "Diferença".

Motivação de Facto:

Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos reportados em cada uma das alíneas do probatório em concatenação com o depoimento da testemunha inquirida.

Factos não Provados

Não se consideram as demais asserções por constituírem considerações pessoais da impugnante, conclusões de facto e/ou direito”.


* * *

Nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 662.º do Código de Processo Civil, por estarem documentalmente provados e serem pertinentes para a boa decisão da causa e das questões colocadas em recurso, acorda-se em alterar a alínea o probatório nos seguintes termos:

F) Com a petição de impugnação foi apresentada uma listagem referente a “Aquisições efectuadas em Novembro de 1996” com o seguinte teor:


F) Com a petição de impugnação foi apresentada uma listagem referente a “Aquisições efectuadas em Dezembro de 1996” com o seguinte teor:











(cfr. doc. 10 junto à petição de impugnação judicial).

M) Com a petição de impugnação foi apresentado o documento nº 14 no qual consta o quadro do anexo XV do relatório de inspecção - “Comparação entre o IVA liquidado nas facturas em arquivo, e o escriturado nas declarações periódicas” com valores distintos e no qual consta uma diferença a crédito de 1.921.500$00 ao invés do valor a corrigir apurado pelos serviços de inspeção de 1.962.186$00 (cfr. teor dos documentos 13 e 14 juntos com a petição inicial de impugnação).


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial referente à liquidação adicional de IVA e juros compensatórios do exercício de 1996, alegando para o efeito que a sentença recorrida fez uma errada apreciação dos factos constantes dos autos e não tomou em consideração os factos por si alegados em sede de contestação e alegações.

Considera que, contrariamente ao invocado na sentença recorrida, a impugnante não logrou provar todos os factos invocados, sendo que dos elementos probatórios juntos aos autos pela impugnante resulta que a mesma deduziu indevidamente IVA no montante de 5.195.134$00 e resultou ainda da acção de inspecção que a impugnante liquidou IVA superior ao declarado, concluindo que a sentença recorrida violou o disposto no art° 19° do CIVA e o artº 76° da LGT (cfr. conclusões A, B, K, Q, e T das alegações).

Vejamos então.

Importa desde já destacar que está em causa a liquidação de IVA do exercício de 1996 com o nº ..... no valor total de 11.483.157$00 bem como as liquidações de juros compensatórios nºs ....., ....., ....., ....., ..... e ..... nos montantes de 665.372$00, 295.849$00, 373.625$00, 7.235$00, 837.712$00 e 3.171.644$00, respectivamente. Tais liquidações decorrem da acção de inspecção no âmbito da qual os serviços de inspecção consideraram que ocorreu a dedução indevida de IVA no montante de 9.520.971$00 e IVA liquidado e não entregue no montante de 1.962.186$00 (cfr. alíneas C) e D) do probatório).

A dedução indevida do IVA resultou do facto de os serviços de inspeção terem verificado que nas declarações periódicas ter sido deduzido IVA devido pela aquisições de mercadorias de 58.884.401$00 e das facturas de compras existentes no arquivo resultar apenas o valor de 49.363.430$00. Já quanto ao IVA liquidado o valor mencionado nas declarações periódicas foi de 59.840.195$00 e o valor escriturado nas facturas de venda existentes em arquivo ser de 61.802.381$00, tendo sido apurado o valor de 1.962.186$00 de imposto liquidado e não entregue nos cofres do Estado (cfr. alínea C) do probatório).

Quanto ao IVA considerado como indevidamente deduzido, o tribunal de 1ª instância, atendendo que a impugnante procedeu à junção de cópias das facturas mencionadas nas alíneas F) e G) do probatório e não constando essas facturas nas listagens elaboradas pelos serviços de inspecção, considerou que a impugnante logrou provar o direito à dedução do IVA constante de tais facturas.

E em relação à falta de entrega nos cofres do Estado do IVA liquidado no montante de 1.962.186$00, o tribunal de 1ª instância considerou que nas declarações periódicas foi declarado e entregue no ano de 1996 o montante de 59.840.195$00 e que em sede de impugnação a impugnante identificou o montante do IVA liquidado, o período a que respeita e as facturas que o incluem demonstrando que no final do exercício de 1996 apresentava um crédito de 1.921.500$00 pois o IVA escriturado nas declarações periódicas foi superior ao liquidado nas facturas, tendo aquele tribunal considerado que da prova produzida resultou a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário que fundamentou a correção pelo que aplicando o art. 100º, nº 1 da LGT determinou a anulação da liquidação.

A Fazenda Pública em sede recursiva alega que o tribunal fez uma errada interpretação dos factos constantes dos autos e não tomou em consideração os factos alegados em sede de contestação e alegações.

Considerando o disposto no art.° 640.° do CPC, aplicável ex vi do art. 281º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto caracteriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de discordância com tal decisão.

O art. 640º do CPC, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, consagra que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos nºs 1 e 2 aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.° 2 do artigo 636°."

Na verdade não basta invocar que determinados factos não deveriam ter sido dado como provados para que possamos julgar minimamente cumpridos os ónus previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, que exige não apenas a indicação dos factos alegadamente mal apurados (como provados, não provados ou impertinentes) mas, também no mínimo, o sentido ou redacção com que deviam constar no probatório.

Na medida em que a Recorrente não cumpriu os requisitos enunciados no art. 640.º do CPC, rejeita-se o recurso nesta parte, nos termos do disposto no n.º 1, alínea a) daquele preceito legal, considerando-se assente a matéria de facto vertida no probatório acima enunciado e por nós alterado.

Contudo, apreciando a alegação efectuada pela Fazenda Públia de que o tribunal a quo não tomou em consideração os factos elencados na contestação e nas alegações, importa mencionar que na contestação de fls. 154/155 foi efectuada uma remissão para a informação de fls. 148/150 da Divisão de Justiça Contenciosa da Direcção de Finanças de Lisboa a qual por sua vez apenas refere, quanto à situação em apreço que, e passamos a transcrever “Através da análise do articulado e dos documentos que integram o presente processo afigura-se-nos que as correcções efectuadas pelos Serviços de Inspecção Tributária (SIT) em sede de IVA, são tecnicamente correctas, legais e estão devidamente fundamentadas, cfr. fls. 55 a 126.”.

E em sede das alegações apresentadas nos termos do art. 120º do CPPT de fls. 558/560, veio a Fazenda Pública invocar que, ao serem apresentadas as facturas do ano de 1996 apenas em 18 de junho de 2013, não poderia o técnico de inspeção ter considerado as mesmas para efeitos de dedução do IVA nos termos do art. 44º do CIVA acrescentando ainda que não tendo sido apresentados os documento de suporte do IVA dedutível, o mesmo tem de ser considerado indevidamente deduzido, uma vez que não é possível fazer a comprovação de que o sujeito passivo suportou aquele IVA. E quanto ao IVA liquidado e não entregue nos cofres do Estado alega a Fazenda Pública que a impugnante não logrou provar que o apuramento do IVA pelos serviços não estava correcto.

Do exposto resulta evidente que a sentença recorrida analisou e decidiu as questões que foram suscitadas em sede de contestação e alegações, improcedendo o alegado pela Fazenda Pública.

Vejamos agora se a decisão recorrida, face à prova produzida, enferma de erro de julgamento.

A Fazenda Pública invoca que a impugnante não possuía contabilidade organizada nos termos da lei pelo que nunca poderia o técnico de inspecção proceder à análise dos documentos integrantes e reflectidos em algo que não existia. E em relação ao IVA liquidado vem a Recorrente alegar que resulta da ação de inspeção que o Impugnante liquidou IVA superior ao declarado, tendo apresentado em sede de impugnação judicial uma listagem elaborada por si que constituiu uma transcrição do anexo XV do relatório de inspecção, apenas com valores diferentes (para menos) dos valores liquidados, afirmando que o documento não tem força probatória para pôr em causa as conclusões da acção de inspeção.

Vejamos então.

As liquidações de IVA e de juros compensatórios de 1996 impugnadas decorrem das correcções aritméticas efectuadas pelos serviços de inspecção, tendo a impugnante em sede de impugnação logrado provar o IVA dedutível nas facturas mencionadas nas alíneas F) e G) do probatório, e que não foram consideradas pelos serviços de inspeção tributária, não tendo essas facturas sido impugnadas pela Fazenda Pública. O tribunal a quo, com base na prova produzida nos autos designadamente com a junção das cópias das facturas mencionadas em F) e G) do probatório, considerou que a impugnante logrou provar a dedução do IVA e em consequência determinou a anulação das correcções ao IVA dedutível.

Temos presente que nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT), o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

Como se ponderou no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 25/06/2013, proferido no processo n.º 04830/11 “Assim, em regra, a Administração Tributária terá o ónus da prova dos pressupostos dos factos constitutivos dos direitos que pretender exercer no procedimento, enquanto os sujeitos passivos terão o ónus de provar os factos que possam servir de suporte à concretização desses direitos. Porém, isso não significa que a Administração Fiscal apenas deva procurar carrear para o procedimento provas dos factos que aproveitem à sua posição, pois, nessa matéria, mantém-se o seu dever, derivado do princípio do inquisitório, de realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade, mesmo as que tenham como objectivo provar factos invocados pelos interessados (cfr.artº.58, da L.G.T.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, Editora Encontro da Escrita, 4ª. edição, 2012, pág.656).”.

E ao contribuinte cabe fazer prova da inexistência do facto tributário ou que houve erro ou excesso na qualificação do facto tributário.

In casu, o acto de liquidação adicional de IVA fundamentou-se no não reconhecimento de parte do IVA dedutível declarado pela Recorrida, cabendo neste caso à administração tributária apenas a prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação, constantes do art.º 87º n.º 1 do CIVA, e cabendo ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do art.º 19º do CIVA.

Ora no caso em apreço os serviços de inspecção apuraram que o valor do IVA dedutível que foi declarado era superior ao valor das facturas que aqueles serviços apuraram, tendo procedido à respectiva correcção de que resultou a liquidação adicional, contudo, a Recorrida em sede de impugnação judicial logrou provar que o valor do IVA dedutível declarado se encontrava correcto. Consideramos que essa prova resultou não só da identificação e junção das cópias das facturas que não foram consideradas aquando da acção de inspecção, constantes das alíneas F) e G) do probatório, mas também pelo facto de ficar provado que o técnico que procedeu à inspecção não ter verificado todas as pastas (cfr. alínea E) do probatório), que nos leva a concluir que efectivamente o valor do IVA dedutível que foi apurado na acção de inspecção, por não ter considerado aquelas facturas, não se mostra correcto, pelo que, nesta parte, a sentença não merece qualquer reparo.


Quanto à correcção referente ao IVA liquidado superior ao entregue nos cofres do Estado no montante de 1.962.186$00, a sentença recorrida considerou que competia à administração o ónus de demonstrar a ocorrência dos factos de que deriva o direito à liquidação (os factos- pressupostos da existência, qualificação e quantificação do facto tributário) uma vez que está a afirmar a ocorrência do facto (IVA liquidado e não entregue) de que deriva o direito à tributação. E entendeu o tribunal a quo que “(…) como se extrai da nota de fundamentação a que alude a al. C) do probatório, a Impugnante nas declarações periódicas declarou e entregou ao Estado no ano de 1996 o montante de 59.840.195$00.
Todavia, veio a Impugnante nesta sede identificar o montante do IVA liquidado, o período a que respeita e os números das facturas que o incluem, pretendendo assim, demonstrar que no final do exercício de 1996, apresentava um crédito de 1.921.500$00, pois o IVA escriturado nas declarações periódicas foi superior ao liquidado nas facturas. Face a tais elementos, desacompanhados por qualquer facto apresentado pela Fazenda Pública capaz dos “derrobar” afigura-se-nos, que da prova produzida resultou a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário que fundamenta a correcção, pelo que deverá a mesma ser anulada ao abrigo do art. 100º, nº 1 do CPPT”.

Desde já se afirma a nossa discordância com este segmento da sentença.

Quanto ao IVA liquidado, resultou do probatório terem os serviços de inspeção verificado que a Recorrida liquidou IVA no montante de 61.802.381$00, escriturado nas facturas de venda existentes em arquivo (tendo descriminado tais facturas e valores no anexo XV ao relatório de inspecção), e que nas declarações periódicas, apenas foram declarados 59.840.195$00, tendo aqueles serviços apurado o valor de 1.962.186$00 de imposto liquidado e não entregue nos cofres do Estado naqueles períodos (como consta da alínea C) do probatório).
A administração tributária detectou uma divergência entre o valor do IVA liquidado nas facturas elencadas no anexo XV ao relatório de inspecção e o valor constante das declarações periódicas apresentadas com referência ao mesmo período e apurou o valor de IVA de 1.962.186$00 relativo ao IVA liquidado que não deu entrada nos cofres do Estado.

E perante estes factos, a impugnante apresenta um quadro com a indicação das mesmas facturas constantes no anexo XV do relatório mas com valores diferentes (cfr. alínea M) do probatório) e no qual apura um crédito de IVA de 1.921.500$00 afirmando para o efeito que “(…) o técnico de fiscalização não procedeu a uma adequada e rigorosa análise da contabilidade da impugnante e concluiu erradamente que a impugnante liquidou com referência ao ano de 1996 IVA no montante de 61.802.381$00 conforme resulta do anexo XV do relatório. Sucede que o IVA liquidado pela impugnante no ano de 1996 ascendeu a 57.918.695$00 conforme revelado pela sua contabilidade e respectiva documentação de suporte. Com efeito no quadro junto como doc. 14 verifica-se que o IVA liquidado pela impugnante, inscrito nas declarações periódicas e entregue nos cofres do Estado no ano de 1996 ascendeu a 59.840.195$00 e nenhuma dúvida pode suscitar-se porquanto o quadro em análise identifica não só o IVA liquidado, como também o período a que o mesmo respeita e os números das respectivas facturas que o incluem. Ora verifica-se que a impugnante apresenta, no final do ano de 1996, um crédito de IVA de 1.921.500$00 pois o IVA escriturado nas declarações periódicas foi superior ao IVA liquidado nas facturas” (cfr artigos 22º a 27º da petição inicial).

No caso em apreço e tendo em consideração o disposto no art. 76º, nº 1 da LGT nos termos do qual “As informações prestadas pela inspecção tributária fazem fé quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos nos termos da lei”, consideramos que, ao contrário do que foi decidido pelo tribunal a quo, não estamos perante uma fundada dúvida resultante da prova produzida, mas sim com a falta de prova do alegado pela impugnante.

Concretizando;

Consideramos que não basta alterar os valores do anexo XV do relatório com referência às mesmas facturas que foram objecto de análise pelos serviços de inspecção e concluir, face aos novos valores apresentados que, ao invés de IVA não entregue nos cofres do Estado, existe uma situação de crédito de imposto.

A impugnante deveria ter, para prova do alegado e à semelhança do que efectuou quanto à prova do IVA dedutível, procedido à junção das facturas comprovativas do IVA liquidado e que eram divergentes dos valores apurados no relatório.

Desta forma concluímos que em relação ao IVA liquidado, a impugnante não logrou provar o alegado crédito de imposto pelo que, neste segmento, deve ser concedido provimento ao recurso e julgar-se parcialmente improcedente a impugnação judicial.

Por tudo o que vem exposto julgamos ser de conceder parcial provimento ao recurso apresentado pela Fazenda Pública e em consequência julgar parcialmente improcedente a impugnação judicial na parte referente às correcções ao IVA liquidado e não entregue nos cofres do Estado.

Da condenação em custas.
Vencida parcialmente a Recorrente seria a mesma responsável por parte das custas do recurso. No entanto, importa atender que, nos processos instaurados até 01/01/2004 (como é o caso), a Fazenda Pública estava isenta do pagamento de custas, nos termos do art.º 3.º, n.º 1, al. a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo DL n.º 29/98, de 11 de fevereiro (cfr. os art.ºs 14.º, n.º 1, e 15.º, n.º 2, ambos do DL n.º 324/2003, de 27 de dezembro, bem como o art.º 18.º do DL n.º 324/2003, de 29 de dezembro).

V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder parcial provimento ao recurso, revogar parcialmente a sentença recorrida e em consequência julgar parcialmente improcedente a impugnação judicial na parte referente à correcção ao IVA liquidado e não entregue nos cofres do Estado.

Custas por ambas as partes na proporção do decaimento, sendo que delas está isenta a Recorrente.

Lisboa, 24 de Junho de 2021
[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Cristina Flora e Tânia Meireles da Cunha].
Luisa Soares